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Documento 62016CJ0483

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 31 de maio de 2018.
Zsolt Sziber contra ERSTE Bank Hungary Zrt.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Fővárosi Törvényszék.
Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Artigo 7.o, n.o 1 — Contratos de mútuo expressos em divisa estrangeira — Legislação nacional que prevê requisitos processuais específicos para contestar o caráter abusivo — Princípio da equivalência — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.o — Direito a uma tutela jurisdicional efetiva.
Processo C-483/16.

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2018:367

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

31 de maio de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial – Proteção dos consumidores – Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores – Diretiva 93/13/CEE – Artigo 7.o, n.o 1 – Contratos de mútuo expressos em divisa estrangeira – Legislação nacional que prevê requisitos processuais específicos para contestar o caráter abusivo – Princípio da equivalência – Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – Artigo 47.o – Direito a uma tutela jurisdicional efetiva»

No processo C‑483/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), por decisão de 29 de agosto de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de setembro de 2016, no processo

Zsolt Sziber

contra

ERSTE Bank Hungary Zrt.,

sendo interveniente:

Mónika Szeder,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Rosas, C. Toader, A. Prechal (relator) e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 24 de outubro de 2017,

vistas as observações apresentadas:

em representação do ERSTE Bank Hungary Zrt., por T. Kende e P. Sonnevend, ügyvédek,

em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por A. Cleenewerck de Crayencour e A. Tokár, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de janeiro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 169.o TFUE, dos artigos 20.o, 21.o, 38.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), do artigo 7.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29), lido à luz do artigo 8.o desta diretiva, e do considerando 47 da Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho (JO 2008, L 133, p. 66; retificações no JO 2009, L 207, p. 14; no JO 2010, L 199, p. 40; no JO 2011, L 234, p. 46; e no JO 2015, L 36, p. 15).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Zsolt Sziber ao ERSTE Bank Hungary Zrt. (a seguir «ERSTE Bank») a respeito de um pedido de declaração do caráter abusivo de determinadas cláusulas, inseridas num contrato de mútuo celebrado para a aquisição de habitação, disponibilizado e reembolsado em forints húngaros (HUF) mas indexado ao franco suíço (CHF) com base na taxa de câmbio em vigor no dia do pagamento.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 87/102/CEE

3

De acordo com o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 87/102/CEE do Conselho, de 22 de dezembro de 1986, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao crédito ao consumo (JO 1987, L 42, p. 48), esta diretiva não se aplica a contratos de crédito ou ofertas de concessão de crédito fundamentalmente destinados à aquisição ou à manutenção de direitos de propriedade sobre terrenos ou edifícios existentes ou projetados.

Diretiva 93/13

4

O vigésimo quarto considerando da Diretiva 93/13 enuncia:

«[…] as autoridades judiciárias e órgãos administrativos dos Estados‑Membros devem dispor de meios adequados e eficazes para pôr termo à aplicação das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores.»

5

O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 prevê:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

6

Nos termos do artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

Diretiva 2008/48

7

O artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/48 dispõe:

«A presente diretiva não é aplicável a:

a)

Contratos de crédito garantidos por hipoteca ou outra garantia equivalente comummente utilizada num Estado‑Membro relativa a um bem imóvel ou garantidos por um direito relativo a um bem imóvel.»

Direito húngaro

Anterior Código Civil

8

O artigo 239/A, n.o 1, da Polgári Törvénykönyvről szóló 1959. évi IV. törvény (Lei IV de 1959, que aprova o Código Civil), na versão em vigor até 14 de março de 2014 (a seguir «anterior Código Civil»), estabelecia:

«As partes podem requerer ao órgão jurisdicional que declare a invalidade do contrato ou de algumas das suas cláusulas (invalidade parcial), incluindo no caso de não requererem igualmente a aplicação dos efeitos da invalidade.»

Código Civil

9

Nos termos do artigo 6:108 da Polgári Törvénykönyvről szóló 2013. évi V. törveny (Lei V de 2013, que aprova o Código Civil), em vigor desde 15 de março de 2014 (a seguir «Código Civil»):

«1.   Não podem constituir‑se direitos com base num contrato nulo e não pode ser exigida a execução de tal contrato. Os demais efeitos jurídicos da nulidade são determinados pelo órgão jurisdicional a pedido de uma das partes, dentro dos limites da prescrição e da usucapião.

2.   As partes podem requerer ao órgão jurisdicional que declare a nulidade do contrato, incluindo no caso de não requererem igualmente a aplicação dos efeitos da nulidade.

3.   O órgão jurisdicional pode determinar os efeitos da nulidade afastando‑se do pedido da parte; todavia, não pode aplicar uma solução a que ambas as partes se oponham.»

Lei DH 1

10

Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, da Kúriának a pénzügyi intézmények fogyasztói kölcsönszerződéseire vonatkozó jogegységi határozatával kapcsolatos egyes kérdések rendezéséről szóló 2014. évi XXXVIII. törvény [Lei XXXVIII de 2014, relativa à resolução de certas questões associadas à decisão proferida pela Kúria (Supremo Tribunal, Hungria) para a uniformização do direito a respeito dos contratos de mútuo celebrados pelas instituições financeiras com consumidores; a seguir «Lei DH 1»]:

«A presente lei é aplicável aos contratos de mútuo celebrados com os consumidores entre 1 de maio de 2004 e a data da entrada em vigor da presente lei. Para efeitos da presente lei, o conceito de contrato de mútuo celebrado com um consumidor abrange qualquer contrato de crédito ou de mútuo baseado em divisa estrangeira (indexado a uma divisa estrangeira ou denominado em divisa estrangeira e reembolsado em forints) ou baseado em forints, ou contrato de locação financeira, celebrado entre uma instituição financeira e um consumidor, caso inclua cláusulas contratuais gerais ou cláusulas contratuais que não tenham sido individualmente negociadas, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, ou do artigo 4.o, n.o 1.»

11

O artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Lei DH 1 prevê:

«1.   Num contrato de mútuo celebrado com um consumidor, é nula ‑ salvo no caso de se tratar de uma cláusula contratual individualmente negociada ‑ a cláusula nos termos da qual a instituição financeira decide que é o câmbio de compra que se aplica no momento da disponibilização dos fundos destinados à aquisição do bem objeto do mútuo ou da locação financeira, sendo o câmbio de venda aplicável ao reembolso, ou qualquer outra taxa de câmbio de tipo diferente da fixada no momento da disponibilização dos fundos.

2.   A cláusula nula nos termos do n.o 1 é substituída ‑ sem prejuízo do disposto no n.o 3 ‑ por uma disposição de aplicação da taxa de câmbio oficial fixada pelo Banco Nacional da Hungria para a divisa correspondente, tanto no que respeita à disponibilização dos fundos como ao reembolso (incluindo o pagamento das prestações mensais e de todos os custos, despesas e comissões fixados em divisa estrangeira).»

12

O artigo 4.o da referida lei dispõe:

«1.   Considera‑se abusiva, no caso de contratos de mútuo celebrados com consumidores que prevejam a possibilidade de modificação unilateral, qualquer cláusula de tais contratos que permita um aumento unilateral dos juros ou dos custos e comissões – salvo no caso de se tratar de uma cláusula contratual individualmente negociada […]

2.   Uma cláusula contratual como a prevista no n.o 1 é nula se a instituição financeira não tiver instaurado uma ação cível contenciosa […], ou se o órgão jurisdicional tiver julgado improcedente a ação ou posto termo ao processo, salvo se, no caso da cláusula contratual em questão, for possível instaurar o processo contencioso […], mas este processo não tiver sido instaurado, ou se tiver sido instaurado mas o órgão jurisdicional não tiver declarado a nulidade da cláusula contratual nos termos do n.o 2a.

2a.   Uma cláusula contratual como a prevista no n.o 1 é nula se o órgão jurisdicional tiver declarado a sua nulidade com base na lei especial relativa à liquidação de contas, no âmbito de uma ação contenciosa instaurada mediante petição apresentada pela autoridade de supervisão em nome do interesse geral.

3.   Nos casos previstos no n.o 2 e no n.o 2a, a instituição financeira deve efetuar uma liquidação de contas com o consumidor nos termos previstos na lei especial.»

Lei DH 2

13

Nos termos do artigo 37.o, n.os 1 a 3, da Kúriának a pénzügyi intézmények fogyasztói kölcsönszerződéseire vonatkozó jogegységi határozatával kapcsolatos egyes kérdések rendezéséről szóló 2014. évi XXXVIII. törvényben rögzített elszámolás szabályairól és egyes egyéb rendelkezésekről szóló 2014. évi XL. törvény [Lei XL de 2014 relativa às regras aplicáveis à liquidação de contas prevista na Lei XXXVIII de 2014, relativa à resolução de certas questões associadas à decisão proferida pela Kúria (Supremo Tribunal) para a uniformização da jurisprudência a respeito dos contratos de mútuo celebrados pelas instituições financeiras com consumidores, bem como a várias outras disposições, a seguir «Lei DH 2»]:

«1.   Relativamente aos contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente lei, a parte só pode pedir que a declaração judicial de invalidade do contrato ou de algumas das suas cláusulas (a seguir “invalidade parcial”) – independentemente do fundamento de invalidade – se pedir simultaneamente que tal órgão jurisdicional aplique os efeitos jurídicos da nulidade, a saber, que o contrato seja declarado válido ou eficaz até à data em que é proferida a decisão. Caso contrário, e se a parte não satisfizer o pedido de regularização, o órgão jurisdicional não se pode pronunciar quanto ao mérito. Se a parte pedir que o órgão jurisdicional determine as consequências jurídicas da invalidade total ou da invalidade parcial, deve igualmente indicar qual a consequência jurídica que tal órgão deverá aplicar. No que respeita à aplicação das consequências jurídicas, a parte deve apresentar um pedido preciso e quantificado que inclua a liquidação de contas entre as partes.

2.   Tendo em conta as disposições do n.o 1, no que respeita aos contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação desta mesma lei, com base no artigo 239/A, n.o 1, do antigo Código Civil, ou do artigo 6:108, n.o 2, do Código Civil, e desde que estejam preenchidos os requisitos previstos na presente lei, deve a petição ser julgada inadmissível, sem ser emitida citação, nos processos pendentes instaurados para efeitos de declaração de invalidade total ou parcial de um contrato, ou deve ser posto termo a tais processos. Não há que julgar a petição inadmissível sem emitir citação, ou pôr termo ao processo, quando a parte, além de pedir a declaração da invalidade total ou parcial do contrato, tenha igualmente formulado outro pedido no mesmo processo; neste caso, deve considerar‑se que não mantém o pedido de declaração de invalidade. Deve igualmente proceder‑se deste modo nos processos cujo curso seja retomado na sequência de uma suspensão.

3.   Se, num processo pendente, não for necessário julgar a petição inadmissível sem emitir citação, deverá ser posto termo ao processo quando a parte, na sua petição (ou, sendo caso disso, no seu pedido reconvencional) não pedir, no prazo de trinta dias a contar da notificação do pedido de regularização nesse sentido, que o órgão jurisdicional determine a consequência jurídica da invalidade parcial ou total do contrato e, além disso, não indicar a consequência jurídica cuja aplicação pede. Não será posto termo ao processo quando a parte, além de pedir a declaração da invalidade total ou parcial do contrato, tenha igualmente formulado outro pedido no mesmo processo; neste caso, deve considerar‑se que o pedido de declaração de invalidade não subsiste.»

14

O artigo 37/A, n.o 1, da Lei DH 2 prevê:

«O órgão jurisdicional, ao determinar as consequências jurídicas da invalidade, estabelece, com base nos dados da liquidação de contas reexaminada, prevista no artigo 38.o, n.o 6, a obrigação de pagamento das partes aplicando as regras de liquidação de contas previstas na presente lei.»

15

O artigo 38.o, n.o 6, da referida lei prevê:

«A liquidação de contas deve ser considerada uma liquidação de contas reexaminada quando:

a)

dentro do prazo previsto pela presente lei, o consumidor não tenha apresentado uma reclamação junto de uma instituição financeira para impugnar a liquidação, ou não tenha apresentado uma reclamação alegando que a instituição financeira não efetuou tal liquidação de contas,

b)

dentro do prazo previsto pela presente lei, o consumidor não tenha dado início a um procedimento perante o Pénzügyi Békéltető Testület (Comissão arbitral húngara em matéria financeira),

c)

dentro do prazo previsto pela presente lei, o consumidor ou a instituição financeira não tenham dado início ao processo não contencioso previsto pelo artigo 23.o, n.o 1, ou ao processo contencioso previsto pelo artigo 23.o, n.o 2,

d)

a decisão de encerramento do processo não contencioso previsto pelo artigo 23.o, n.o 1, ou a decisão de encerramento do processo contencioso previsto pelo artigo 23.o, n.o 2, instaurado pelo consumidor ou pela instituição financeira, se tenha tornado definitiva.»

Lei DH 3

16

Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da az egyes fogyasztói kölcsönszerződések devizanemének módosulásával és a kamatszabályokkal kapcsolatos kérdések rendezéséről szóló 2014. évi LXXVII. törvény (Lei LXXVII de 2014 relativa à resolução de questões associadas à modificação da divisa em que são denominados certos contratos de mútuo celebrados com um consumidor e às normas em matéria de juros; a seguir «Lei DH3»):

«Os contratos de mútuo celebrados com um consumidor são modificados de pleno direito, em conformidade com as disposições da presente lei.»

17

O artigo 10.o da Lei DH 3 dispõe:

«A instituição financeira credora num contrato de mútuo hipotecário em divisa estrangeira ou baseado em divisa estrangeira é obrigada, até ao termo do prazo para o cumprimento da sua obrigação de liquidação, nos termos da [Lei DH2], a converter a totalidade da dívida existente com base no contrato de mútuo hipotecário em divisa estrangeira ou baseado em divisa estrangeira celebrado com um consumidor, ou decorrente de tal contrato, conforme fixada a partir da liquidação de contas efetuada nos termos da [Lei DH2] ‑ incluindo os juros, despesas, comissões e custos faturados em divisa estrangeira ‑, num crédito em forints, adotando, de entre os seguintes valores, o que for mais favorável ao consumidor na data de referência:

a)

A média das taxas de câmbio da divisa, oficialmente fixadas pelo Banco Nacional da Hungria durante o período compreendido entre 16 de junho de 2014 e 7 de novembro de 2014, ou

b)

A taxa de câmbio oficialmente fixada pelo Banco Nacional da Hungria em 7 de novembro de 2014

(a seguir “conversão em forints”).»

18

O artigo 15/A da referida lei prevê:

«1.   Nos processos pendentes para obter a declaração de invalidade (ou invalidade parcial) de contratos de mútuo celebrados com consumidores, ou para obter a aplicação das consequências jurídicas da invalidade, as regras de conversão em forints estabelecidas pela presente lei devem ser aplicadas ao montante da dívida do consumidor resultante do contrato de mútuo em divisa estrangeira ou baseado em divisa estrangeira que este tenha celebrado na qualidade de consumidor, conforme fixada com base na liquidação de contas efetuada em conformidade com a [Lei DH2].

2.   O montante dos reembolsos efetuados pelo consumidor até à data em que seja proferida a decisão é deduzido à dívida do consumidor, conforme fixada em forints na data de referência para a liquidação de contas.

3.   Quando um contrato de mútuo com um consumidor for declarado válido, os direitos e obrigações contratuais das partes, conforme determinados na sequência da liquidação de contas efetuada em conformidade com a [Lei DH2], devem ser fixados nos termos das disposições da presente lei.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19

Em 7 de maio de 2008, Z. Sziber, na qualidade de devedor, e M. Szeder, na qualidade de codevedora, contraíram um empréstimo junto do ERSTE Bank para a aquisição de habitação, expresso em francos suíços (CHF) e disponibilizado e reembolsado em forints húngaros (HUF). O contrato de mútuo em causa foi indexado ao franco suíço com base na taxa de câmbio do dia e foi‑lhe anexado um contrato de garantia hipotecária. Este contrato de mútuo contém cláusulas que estipulam, por um lado, um diferencial entre a taxa de câmbio aplicável à disponibilização do empréstimo e a taxa aplicável ao seu reembolso, respetivamente, o câmbio de compra aplicado pelo ERSTE Bank e o câmbio de venda por si praticado (a seguir «diferencial comprador/vendedor»), e, por outro, um direito de modificação unilateral por parte do ERSTE Bank que lhe permite aumentar os juros, as comissões e as despesas (a seguir «direito de modificação unilateral»).

20

Na sua petição, Z. Sziber pediu, a título principal, ao órgão jurisdicional de reenvio que declarasse a invalidade do contrato de mútuo em causa, na medida em que, em primeiro lugar, tem por objeto uma prestação impossível, dado que não contém nem o montante das diferentes prestações mensais nem o montante respetivo do capital mutuado e dos juros e que não seria possível depositar um montante em divisa estrangeira numa conta de crédito em forints húngaros; em segundo lugar, esse contrato não especificou o tipo de taxa aplicável à conversão, e, em terceiro lugar, o ERSTE Bank não cumpriu o requisito de uma avaliação adequada do empréstimo à luz da solvabilidade do mutuário, atendendo, nomeadamente, ao risco de câmbio. Além disso, a dimensão do risco cambial não podia ser avaliada pelo consumidor, que não dispunha de informações claras ou inteligíveis.

21

A título subsidiário, Z. Sziber pediu ao Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria) que declarasse a invalidade de determinadas cláusulas contratuais. Em seu entender, em primeiro lugar, a cláusula constante do ponto VII.2 do contrato de mútuo em causa é abusiva, na medida em que a dimensão do risco cambial não podia ser plenamente apreciada pelo consumidor, que dispunha de informações que não eram claras nem inteligíveis. Em segundo lugar, a cláusula constante do ponto VIII.13 deste contrato é abusiva porque permite que uma comunicação bancária se torne parte integrante do referido contrato, o que, ao conferir ao ERSTE Bank o direito de alterar o contrato, viola o equilíbrio contratual entre as partes. Em terceiro lugar, o ponto II.1 do contrato de mútuo em causa, relativo à fixação das prestações mensais em função de dados constantes de uma comunicação bancária oficial, o ponto III.2 deste contrato, relativo à taxa de juro e variabilidade da mesma, e o ponto III.3 do referido contrato, que prevê o direito de aumentar os juros, constituem cláusulas abusivas.

22

O órgão jurisdicional de reenvio informou Z. Sziber de que lhe incumbia aperfeiçoar a sua petição, tendo em conta, nomeadamente, o artigo 37.o da Lei DH 2, e especificar, por um lado, a consequência jurídica que pretendia obter na sequência de uma eventual declaração de invalidade do contrato de mútuo em causa e, por outro, completar a liquidação prevista no artigo 38.o, n.o 6, a Lei DH 2, a fim de esclarecer os montantes que considera ter pago em consequência de outras cláusulas eventualmente abusivas além das já consideradas no âmbito da referida liquidação, a saber, as cláusulas mencionadas nos artigos 3.o e 4.o da Lei DH 1.

23

Ora, embora o órgão jurisdicional de reenvio saliente que Z. Sziber alterou várias vezes a sua petição, o mesmo, apesar do convite feito por esse órgão jurisdicional nesse sentido, não apresentou articulado de aperfeiçoamento da sua petição. O referido órgão jurisdicional informa que, por esse motivo, importaria, em princípio, pôr termo ao processo sem uma análise do respetivo mérito.

24

No entanto, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que o litígio ainda se encontra pendente.

25

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o direito da União não se opõe às disposições das leis DH 1 e DH 2 segundo as quais, por um lado, duas cláusulas contidas na maioria dos contratos expressos em divisa estrangeira, dispondo, nomeadamente, sobre o diferencial comprador/vendedor e sobre o direito de modificação unilateral, são qualificadas de abusivas e a instituição financeira é obrigada a fazer uma liquidação relativa às referidas cláusulas e, por outro, o consumidor está obrigado a especificar a consequência jurídica que pretende associar à invalidade parcial ou integral do contrato de mútuo em causa e a quantificar estes pedidos no que diz respeito a outras cláusulas eventualmente abusivas além destas duas, ao passo que os mutuários que celebraram contratos de mútuo que não foram expressos em divisa estrangeira não estão obrigados a introduzir essas especificações e quantificações.

26

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, para estes últimos mutuários, é possível pedir a aplicação, muitas vezes mais favorável, da consequência jurídica da invalidade consistente no restabelecimento da situação anterior à celebração do contrato de mútuo em causa, ao passo que o artigo 37.o da Lei DH 2 exclui essa via para os contratos de mútuo abrangidos pelo seu âmbito de aplicação.

27

Nestas circunstâncias, o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem as seguintes disposições de direito da União, a saber, o artigo [169.o], n.os 1 e 2, [TFUE], lido à luz do n.o 3 da mesma disposição; o artigo 38.o da [Carta]; o artigo 7.o, n.os 1 e 2, da [Diretiva 93/13], lido à luz do artigo 8.o da mesma diretiva, bem como o considerando 47 da [Diretiva 2008/48], ser interpretadas

no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional (e à aplicação desta) que estabelece requisitos adicionais

em prejuízo das partes processuais (demandante ou demandado) que, entre 1 de maio de 2004 e 26 de julho de 2014, celebraram contratos de crédito, na qualidade de consumidores, que incluam uma cláusula contratual abusiva que permite [um direito de modificação unilateral] ou [um diferencial comprador/vendedor],

pelo facto de, no que respeita aos referidos requisitos adicionais, para que se possam exercer nos tribunais os direitos derivados da [invalidade] dos referidos contratos celebrados com consumidores e, em particular, para que o tribunal possa chegar a conhecer do mérito do processo, ser exigida a apresentação de um articulado de processo civil (nomeadamente uma petição inicial, uma alteração da petição inicial ou uma exceção de invalidade do demandado – contra a condenação do consumidor – ou uma alteração desta exceção, um pedido reconvencional do demandado ou uma alteração deste pedido reconvencional) com um conteúdo obrigatório,

ao passo que outras partes processuais que não tenham celebrado um contrato de crédito, na qualidade de consumidores, ou que tenham celebrado no mesmo período, na qualidade de consumidores, um contrato de crédito de um tipo diferente do supra mencionado não têm de apresentar tal articulado com um conteúdo determinado?

2)

Independentemente de o Tribunal de Justiça responder afirmativa ou negativamente [a essa] questão […], formulada em termos mais gerais do que [a presente] questão, devem as disposições de direito da União enumeradas na primeira questão ser interpretadas no sentido de que se opõem a que os seguintes requisitos adicionais obrigatórios [infra][, a) a c)] sejam aplicados à parte processual que celebrou, na qualidade de consumidor, na aceção da primeira questão, um contrato de crédito:

a)

no âmbito do processo judicial, o articulado [a petição inicial, a alteração da petição ou a exceção de invalidade do demandado – contra a condenação do consumidor – ou a alteração desta exceção, o pedido reconvencional do demandado ou a alteração deste pedido reconvencional] que deve apresentar a parte no processo (demandante ou demandado) que celebrou, na qualidade de consumidor, um contrato de crédito na aceção da primeira questão, só será admissível – isto é, só poderá ser apreciada a questão quanto ao mérito –, se nesse articulado

a parte processual não requerer apenas que o órgão jurisdicional declare a [invalidade] total ou parcial do contrato de crédito celebrado com consumidores na aceção da primeira questão, mas requerer também que se apliquem [os efeitos jurídicos da invalidade] total,

ao passo que outras partes processuais que não as que celebraram um contrato de crédito, na qualidade de consumidores, ou tenham celebrado no mesmo período, na qualidade de consumidores, contratos de crédito de um tipo diferente do supra mencionado, não têm de apresentar tal articulado com um conteúdo determinado?

b)

no âmbito do processo judicial, o articulado [a petição inicial, a alteração da petição ou a exceção de invalidade do demandado – contra a condenação do consumidor – ou a alteração desta exceção, o pedido reconvencional do demandado ou a alteração deste pedido reconvencional] que deve apresentar a parte no processo (demandante ou demandado) que celebrou, na qualidade de consumidor, um contrato de crédito na aceção da primeira questão, só será admissível – isto é, só poderá ser apreciada a questão quanto ao mérito –, se nesse articulado

para além da declaração judicial da [invalidade] total do contrato celebrado com consumidores na aceção da primeira questão, o demandante não requerer, entre [os efeitos jurídicos da invalidade] total, o restabelecimento judicial da situação existente antes da celebração do contrato,

ao passo que outras partes processuais que não as que celebraram um contrato de crédito, na qualidade de consumidores, ou tenham celebrado no mesmo período, na qualidade de consumidores, contratos de crédito de um tipo diferente do supra mencionado, não têm de apresentar tal articulado com um conteúdo determinado?

c)

no âmbito do processo judicial, o articulado [a petição inicial, a alteração da petição ou a exceção de invalidade do demandado – contra a condenação do consumidor – ou a alteração desta exceção, o pedido reconvencional do demandado ou a alteração deste pedido reconvencional] que deve apresentar a parte no processo (demandante ou demandado) que celebrou, na qualidade de consumidor, um contrato de crédito na aceção da primeira questão, só será admissível – isto é, só poderá ser apreciada a questão quanto ao mérito –, se

no que respeita ao período compreendido entre o início da relação jurídica contratual e a propositura da ação, constar deste articulado uma apresentação de contas, extremamente complexa do ponto de vista matemático (conforme determinam as disposições nacionais), para cuja elaboração também têm de ser tomadas em consideração as normas reguladoras da conversão em forints

e que deve incluir uma lista detalhada, discriminada de modo a poder ser verificada aritmeticamente, na qual se indiquem as mensalidades vencidas que têm de ser pagas nos termos do contrato, as mensalidades pagas pelo demandante, as mensalidades vencidas que têm de ser pagas que sejam determinadas sem que se tenha em conta a cláusula inválida, bem como o montante da diferença entre estes valores, devendo indicar‑se, a título de montante total o valor da dívida, que a parte processual que celebrou, na qualidade de consumidor, um contrato de crédito na aceção da primeira questão, tem para com a entidade de crédito ou o eventual pagamento em excesso,

ao passo que outras partes processuais que não as que celebraram um contrato de crédito, na qualidade de consumidores, ou tenham celebrado no mesmo período, na qualidade de consumidores, contratos de crédito de um tipo diferente do supra mencionado não têm de apresentar tal articulado com um conteúdo determinado?

3)

Devem as disposições de direito da União […] enumeradas na primeira questão ser interpretadas no sentido de que a violação de tais normas através do estabelecimento dos requisitos adicionais anteriormente indicados (nas questões primeira e segunda),

implica simultaneamente a violação dos artigos 20.o, 21.o e 47.o da [Carta],

atendendo a que (em parte, também, nas questões primeira e segunda) os tribunais dos Estados‑Membros também devem aplicar o direito da União em matéria de proteção dos consumidores a factos que não revistam caráter transfronteiriço, isto é, que sejam puramente internos, em conformidade com [o n.o 23 do Acórdão de 5 de dezembro de 2000, Guimont (C‑448/98, EU:C:2000:663), e [o n.o 28 do Acórdão de 10 de maio de 2012, Duomo Gpa e o. (C‑357/10 a C‑359/10, EU:C:2012:283), e com o [n.o 39] do [D]espacho de 3 de julho de 2014, Tudoran (C‑92/14, EU:C:2014:2051)? Ou deve considerar‑se, na medida em que os contratos de crédito a que se refere a primeira questão prejudicial são “contratos de crédito baseados numa divisa estrangeira”, que, apenas devido a esta circunstância, se trata de um processo de caráter transfronteiriço?»

Quanto às questões prejudiciais

Considerações preliminares

28

A título preliminar, importa salientar que nem a Diretiva 2008/48, evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio nas suas questões, nem a Diretiva 87/102, que a precedeu e que, segundo as informações disponíveis nos autos, é pertinente ratione temporis face às circunstâncias do caso em apreço, são aplicáveis ao processo principal. A este respeito, importa salientar, por um lado, que o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da primeira diretiva dispõe que a mesma não é aplicável a contratos de crédito garantidos por hipoteca ou outra garantia equivalente comummente utilizada num Estado‑Membro relativa a um bem imóvel ou garantidos por um direito relativo a um bem imóvel e, por outro, que o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da segunda diretiva prevê que a mesma não se aplica a contratos de crédito fundamentalmente destinados à aquisição ou à manutenção de direitos de propriedade sobre terrenos ou edifícios existentes ou projetados. Ora, resulta com clareza da decisão de reenvio que o contrato objeto do litígio no processo principal está garantido por uma hipoteca e foi celebrado com vista à aquisição de habitação.

29

Em contrapartida, a Diretiva 93/13 diz respeito às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores. Tendo em conta o objeto do litígio no processo principal, importa assim proceder à sua interpretação à luz das disposições pertinentes da Carta, nomeadamente o seu artigo 47.o, que consagra o direito à tutela jurisdicional efetiva.

Quanto à primeira e segunda questões

30

Com a sua primeira e segunda questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê requisitos processuais específicos, como os que estão em causa no processo principal, para as ações intentadas pelos consumidores que celebraram contratos de mútuo expressos em divisa estrangeira com uma cláusula de diferencial comprador/vendedor e/ou uma cláusula relativa ao direito de modificação unilateral.

31

A título preliminar, deve recordar‑se que, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.

32

No que respeita às consequências a tirar da constatação do caráter abusivo de uma disposição de um contrato que liga um consumidor a um profissional, os tribunais nacionais estão apenas obrigados a afastar a aplicação de uma cláusula contratual abusiva de modo a que não produza efeitos vinculativos relativamente ao consumidor (v., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2015, Unicaja Banco e Caixabank, C‑482/13, C‑484/13, C‑485/13 e C‑487/13, EU:C:2015:21, n.o 28 e jurisprudência referida). Com efeito, o objetivo prosseguido pelo legislador da União no quadro da Diretiva 93/13 consiste em restabelecer o equilíbrio entre as partes, mantendo ao mesmo tempo, em princípio, a validade da totalidade do contrato, e não em anular todos os contratos que contêm cláusulas abusivas (v., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2012, Pereničová e Perenič, C‑453/10, EU:C:2012:144, n.o 31).

33

Por outro lado, resulta do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, conjugado com o seu vigésimo quarto considerando, que os Estados‑Membros devem garantir que as autoridades judiciárias e órgãos administrativos disponham de meios adequados e eficazes para pôr termo à aplicação das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional. A este respeito, o Tribunal de Justiça recordou a natureza e a importância do interesse público constituído pela proteção dos consumidores, que se encontram numa situação de inferioridade relativamente aos profissionais (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 56 e jurisprudência referida).

34

A este respeito, o Tribunal de Justiça esclareceu, nomeadamente, que, embora caiba aos Estados‑Membros, através dos respetivos direitos nacionais, definir as modalidades segundo as quais se procede à declaração do caráter abusivo de uma cláusula constante de um contrato e se materializam os efeitos jurídicos concretos dessa declaração, não é menos verdade que tal declaração deve permitir restabelecer a situação de direito e de facto em que o consumidor se encontraria se essa cláusula abusiva não existisse, designadamente através da constituição de um direito à restituição das vantagens indevidamente adquiridas, em seu prejuízo, pelo profissional com fundamento na referida cláusula abusiva (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 66).

35

Embora o Tribunal de Justiça já tenha enquadrado, em várias ocasiões e tendo em conta os requisitos do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, o modo pelo qual os tribunais nacionais devem garantir a proteção dos direitos que os consumidores retiram desta diretiva, também é verdade que, em princípio, o direito da União não harmoniza os procedimentos aplicáveis à análise do caráter alegadamente abusivo de uma cláusula contratual, e que, por conseguinte, estes se integram no ordenamento jurídico interno dos Estados‑Membros, desde que, contudo, não sejam menos favoráveis do que os procedimentos que regulam situações semelhantes sujeitas ao direito interno (princípio da equivalência) e que prevejam uma tutela jurisdicional efetiva, conforme prevista no artigo 47.o da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 14 de abril de 2016, Sales Sinués e Drame Ba, C‑381/14 e C‑385/14, EU:C:2016:252, n.o 32 e jurisprudência referida).

36

É à luz destes princípios que devem ser examinadas as questões do órgão jurisdicional de reenvio.

37

Em primeiro lugar, no que diz respeito à análise do princípio da equivalência, importa salientar que, neste caso, são aplicáveis regras especiais ao grupo de consumidores que celebrou, com um estabelecimento financeiro durante um período definido, um contrato de mútuo expresso em divisa estrangeira contendo cláusulas enquadráveis no artigo 3.o, n.o 1, e/ou no artigo 4.o, n.o 1, da Lei DH 1, devendo a primeira dessas cláusulas ser considerada, segundo estas disposições, abusiva e nula, ao passo que a segunda se presume abusiva.

38

Por força do artigo 37.o, n.o 1, da Lei DH 2, os pedidos que devem ser apresentados pelo consumidor num processo judicial dirigido contra um contrato que contenha as duas cláusulas a que se referem o artigo 3.o, n.o 1, e o artigo 4.o, n.o 1, da Lei DH 1 só poderão ser analisados e acolhidos quanto ao mérito se, em primeiro lugar, o mutuário também pedir a aplicação da consequência jurídica da invalidade, em segundo lugar, este não pedir, entre as consequências jurídicas da invalidade total, a que consiste em restabelecer a situação anterior à celebração do contrato em causa e, em terceiro lugar, o mutuário apresentar a liquidação dos montantes abusivamente exigidos.

39

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, estes três requisitos não são aplicáveis às ações que têm por objeto contratos de mútuo celebrados com os consumidores que não contenham cláusulas relativas ao diferencial comprador/vendedor ou ao direito de modificação unilateral. As disposições em vigor nestes casos, nomeadamente o artigo 239/A, n.o 1, do antigo Código Civil e o artigo 6:108 do Código Civil, não exigem que o autor indique as consequências jurídicas que pede que o tribunal nacional retire de uma eventual invalidade, parcial ou total, do contrato de mútuo em causa, nem que quantifique a sua pretensão na forma de uma liquidação, conforme exigida nas modalidades litigiosas.

40

Uma vez que, segundo o direito nacional, incumbe ao consumidor cumprir os requisitos especiais no caso de um litígio abrangido pelo artigo 37.o da Lei DH 2 para que este seja admissível e o consumidor possa obter uma decisão de mérito, o órgão jurisdicional de reenvio pediu a este último que aperfeiçoasse a sua petição inicial nos termos desta disposição. Pelo contrário, o procedimento aplicável aos casos visados no número precedente não sujeita o consumidor a esses requisitos.

41

A este respeito, importa, no entanto, salientar que, para saber se ambos os procedimentos regulam situações semelhantes, na aceção da jurisprudência referida no n.o 35 do presente acórdão, cabe unicamente ao órgão jurisdicional nacional, que tem um conhecimento direto das normas processuais aplicáveis, verificar a semelhança das ações em causa, na perspetiva do seu objeto, da sua causa e dos seus elementos essenciais (v., neste sentido, Acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Baczó e Vizsnyiczai, C‑567/13, EU:C:2015:88, n.o 44 e jurisprudência referida).

42

Nestas circunstâncias, admitindo que está assente a sua semelhança, há que analisar se as normas processuais das ações baseadas na Diretiva 93/13, como as que estão em causa no processo principal, são menos favoráveis do que as ações exclusivamente baseadas no direito nacional.

43

Como salientou o advogado‑geral no n.o 47 das conclusões, a imposição de requisitos processuais suplementares ao consumidor que retira os seus direitos do direito da União não implica, por si só, que as referidas normas processuais lhe sejam menos favoráveis. Com efeito, importa analisar a situação tendo em conta o lugar que as normas em causa ocupam no conjunto do processo, a sua tramitação e as particularidades dessas normas perante as diversas instâncias nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 27 de junho de 2013, Agrokonsulting‑04, C‑93/12, EU:C:2013:432, n.o 38 e jurisprudência referida).

44

A este respeito, resulta da própria redação dos artigos 3.o, n.o 1, e 4.o, n.o 1, da Lei DH 1 que o legislador húngaro pretendeu qualificar como abusivas dois tipos de cláusulas contidas na maior parte dos contratos de mútuo expressos em divisa estrangeira e celebrados entre um consumidor e um profissional, um relativo ao diferencial comprador/vendedor e outro contendo um direito de modificação unilateral. Segundo as explicações prestadas pelo Governo húngaro, para calcular, em aplicação da taxa de câmbio oficial fixada pelo Banco Nacional da Hungria para a divisa estrangeira correspondente, o excedente de pagamento pelo consumidor devido ao caráter abusivo destas cláusulas, a instituição financeira faz uma liquidação, que o consumidor pode eventualmente contestar.

45

Resulta dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que, dado serem numerosos os contratos de mútuo expressos em divisa estrangeira celebrados com os consumidores na Hungria que contêm as duas cláusulas mencionadas no número precedente, o legislador nacional, ao adotar, nomeadamente, a Lei DH 2, pretendeu encurtar e simplificar o procedimento a seguir nos órgãos jurisdicionais nacionais. Com efeito, em processos semelhantes que não versam sobre direitos decorrentes do direito da União, a declaração de invalidade de uma ou de várias cláusulas abusivas não basta por si só para decidir definitivamente o litígio, sendo necessário um segundo processo se o consumidor pretender que o tribunal nacional determine as consequências jurídicas da invalidade parcial ou total do contrato em causa e fixe os montantes que foram eventualmente pagos indevidamente.

46

Por outro lado, resulta do artigo 38.o, n.o 6, da Lei DH 2 que a liquidação feita pela instituição financeira se torna definitiva quando não seja contestada pelo consumidor. Segundo as explicações prestadas pelo Governo húngaro na audiência, não incumbe ao consumidor calcular o excedente de pagamento, com exceção do caso de pretender beneficiar da invalidade de outras cláusulas alegadamente abusivas para além das duas cláusulas visadas por esta lei. Nesse caso, incumbe ao consumidor especificar o montante que considera ter pago indevidamente na sequência da aplicação dessas outras cláusulas.

47

Ora, um tal requisito, que, segundo o Governo húngaro, é apenas uma expressão específica da norma geral aplicável em direito processual civil, segundo a qual um pedido deve ser preciso e quantificado, não parece ser menos favorável do que as normas aplicáveis às ações semelhantes com base no direito nacional, o que, no entanto, compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

48

Nestas circunstâncias, os requisitos processuais em causa no processo principal, tendo em conta a posição que ocupam no sistema instituído pelo legislador húngaro para decidir, num prazo razoável, um grande número de litígios relativos a contratos de mútuo em divisa estrangeira e contendo cláusulas abusivas, não podem, em princípio, ser qualificados de menos favoráveis do que os relativos às ações semelhantes que não dizem respeito a direitos decorrentes do direito da União. Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a efetuar, esses requisitos não podem ser considerados incompatíveis com o princípio da equivalência.

49

Em segundo lugar, no que respeita ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, deve salientar‑se que a obrigação dos Estados‑Membros de prever normas processuais que permitam garantir a observância dos direitos que as partes retiram da Diretiva 93/13 contra a utilização de cláusulas abusivas implica uma exigência de tutela jurisdicional efetiva, também consagrada no artigo 47.o da Carta. Esta proteção deve ser assegurada tanto no plano da designação dos órgãos jurisdicionais competentes para conhecer de ações baseadas no direito da União como no plano da definição das regras processuais relativas a tais ações (v., neste sentido, Acórdão de 17 de julho de 2014, Sánchez Morcillo e Abril García, C‑169/14, EU:C:2014:2099, n.o 35 e jurisprudência referida).

50

Todavia, o Tribunal de Justiça reconheceu que a proteção do consumidor não é absoluta (Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus, C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 47). Assim, o facto de determinado processo comportar certos requisitos processuais que o consumidor deve respeitar para defender os seus direitos não significa, por esse facto, que não beneficie de uma tutela jurisdicional efetiva. Com efeito, se a Diretiva 93/13 exige, nos litígios que envolvem um profissional e um consumidor, uma intervenção positiva, alheia às partes no contrato, por parte do juiz nacional perante quem foi proposta a ação, o respeito pelo princípio da tutela jurisdicional efetiva não se opõe, em princípio, a que esse juiz convide o consumidor a produzir determinados elementos de prova em apoio da sua pretensão (v., por analogia, Acórdão de 1 de outubro de 2015, ERSTE Bank Hungary, C‑32/14, EU:C:2015:637, n.o 62).

51

Embora seja verdade que as normas processuais em causa no processo principal exigem um esforço suplementar ao consumidor, também é verdade que essas normas, na medida em que visam descongestionar o sistema judicial, respondem a uma situação excecional, em razão do volume do contencioso em causa, e prosseguem o interesse geral da boa administração da justiça. As referidas normas são, enquanto tal, suscetíveis de prevalecer sobre os interesses particulares (v., neste sentido, Acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Baczó e Vizsnyiczai, C‑567/13, EU:C:2015:88, n.o 51 e jurisprudência referida), desde que não ultrapassem o necessário para alcançar o seu objetivo.

52

No caso concreto, tendo em conta o objetivo de descongestionar o sistema judicial, não se afigura, o que, todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, que as normas que impõem ao consumidor que apresente um pedido quantificado consistente, pelo menos parcialmente, numa liquidação já realizada pela instituição financeira em causa e que especifique a consequência jurídica que pretende ver retirada pelo tribunal nacional no caso de o contrato de mútuo em causa ou de determinadas cláusulas do mesmo serem nulas sejam tão complexas e comportem requisitos tão onerosos que essas normas afetem de forma desproporcionada o direito a uma tutela jurisdicional efetiva do consumidor.

53

Além disso, no que respeita à questão de saber se a impossibilidade de o consumidor requerer ao juiz que ordene o restabelecimento da situação anterior à celebração do contrato de mútuo em causa, uma vez que o artigo 37.o da Lei DH 2 prevê que a declaração de invalidade dos contratos de mútuo abrangidos pela Lei DH 1 só pode ser pedida com um pedido simultâneo de que o contrato seja declarado válido ou eficaz até ao dia da prolação da decisão do órgão jurisdicional nacional, é contrária ao direito a uma tutela jurisdicional efetiva, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, nessas circunstâncias, pode ser considerado, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.o 34 do presente acórdão, que a constatação do caráter abusivo das cláusulas contidas no referido contrato conduz ao restabelecimento da situação de facto e de direito que teria sido a do consumidor na ausência de tais cláusulas abusivas, nomeadamente pela criação de um direito à restituição das vantagens indevidamente adquiridas, em seu prejuízo, pelo profissional com fundamento nas referidas cláusulas abusivas.

54

A este respeito, em resposta às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça, o ERSTE Bank e o Governo húngaro declararam, na audiência, que, durante o procedimento especial previsto no artigo 37.o da Lei DH 2, o consumidor pode não só pedir o reembolso dos montantes indevidamente pagos em consequência da aplicação, pela instituição financeira, das duas cláusulas específicas visadas nos artigos 3.o e 4.oda Lei DH 1, mas também obter a reparação das consequências que resultam da aplicação, a seu respeito, de outras cláusulas eventualmente abusivas. Se for esse o caso, ou se existir outro meio processual efetivo acessível ao consumidor que permita pedir a restituição dos montantes indevidamente pagos a título das outras cláusulas, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a efetividade da tutela pretendida pela Diretiva 93/13 não se opõe a normas processuais como as que estão em causa no processo principal.

55

Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira e segunda questões que o artigo 7.o da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe, em princípio, a uma regulamentação nacional que prevê requisitos processuais específicos, como os que estão em causa no processo principal, para as ações intentadas por consumidores que celebraram contratos de mútuo expressos em divisa estrangeira com uma cláusula relativa ao diferencial comprador/devedor e/ou uma cláusula relativa ao direito de modificação unilateral, desde que a constatação do caráter abusivo das cláusulas contidas nesse contrato conduza ao restabelecimento da situação de facto e de direito que teria sido a do consumidor na falta dessas cláusulas abusivas.

Quanto à terceira questão

56

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que também é aplicável a situações que não contenham um elemento transfronteiriço.

57

A esse título, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, as disposições do Tratado FUE sobre as liberdades de circulação não são aplicáveis a situações em que todos os elementos se situam no interior de um único Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten, C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 47 e jurisprudência referida).

58

No entanto, como salientou o advogado‑geral no n.o 70 das conclusões, o presente processo não diz respeito às disposições do Tratado sobre essas liberdades de circulação, mas sim à legislação da União que procede à harmonização de um domínio específico do Direito nos Estados‑Membros. Consequentemente, as normas contidas na referida legislação são aplicáveis independentemente do caráter puramente interno da situação em causa no processo principal.

59

Daqui resulta que a Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que se aplica igualmente a situações que não apresentem um elemento transfronteiriço.

Quanto às despesas

60

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O artigo 7.o da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe, em princípio, a uma regulamentação nacional que prevê requisitos processuais específicos, como os que estão em causa no processo principal, para as ações intentadas por consumidores que celebraram contratos de mútuo expressos em divisa estrangeira com uma cláusula que estabelece um diferencial entre a taxa de câmbio aplicável à disponibilização do empréstimo e a aplicável ao reembolso deste e/ou uma cláusula que estabelece um direito de modificação unilateral que permite ao mutuante aumentar os juros, as comissões e as despesas, desde que a constatação do caráter abusivo das cláusulas contidas nesse contrato conduza ao restabelecimento da situação de facto e de direito que teria sido a do consumidor na falta dessas cláusulas abusivas.

 

2)

A Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que se aplica igualmente a situações que não apresentem um elemento transfronteiriço.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: húngaro.

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