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Documento 62016CJ0467

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 20 de dezembro de 2017.
Brigitte Schlömp contra Landratsamt Schwäbisch Hall.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Amtsgericht Stuttgart.
Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Convenção de Lugano II — Litispendência — Conceito de “tribunal” — Autoridade de conciliação de direito suíço, encarregada do procedimento de conciliação antes de qualquer processo declarativo.
Processo C-467/16.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2017:993

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

20 de dezembro de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Convenção de Lugano II — Litispendência — Conceito de “tribunal” — Autoridade de conciliação de direito suíço, encarregada do procedimento de conciliação antes de qualquer processo declarativo»

No processo C‑467/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Amtsgericht Stuttgart (Tribunal de Primeira Instância de Estugarda, Alemanha), por decisão de 8 de agosto de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de agosto de 2016, no processo

Brigitte Schlömp

contra

Landratsamt Schwäbisch Hall,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Rosas, C. Toader (relatora), A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 5 de julho de 2017,

vistas as observações apresentadas:

em representação de B. Schlömp, por D. Adam, Rechtsanwalt,

em representação do Landratsamt Schwäbisch Hall, por D. Vollmer, Rechtsanwalt,

em representação do Governo suíço, por M. Schöll e R. Rodriguez, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin e M. Heller, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 18 de outubro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 27.o e 30.o da Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em 30 de outubro de 2007, cuja celebração foi aprovada, em nome da Comunidade, pela Decisão 2009/430/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2008 (JO 2009, L 147, p. 1, a seguir «Convenção de Lugano II»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Brigitte Schlömp ao Landratsamt Schwäbisch Hall (Serviços Administrativos do Distrito de Schwäbisch Hall, Alemanha, a seguir «Serviços Administrativos») a respeito de um pedido, apresentado por B. Schlömp, para que seja declarada a não existência de uma obrigação alimentar (a seguir «pedido de declaração negativa»).

Quadro jurídico

Convenção de Lugano II

3

O título II da Convenção de Lugano II, sob a epígrafe «Competência», compreende, na secção 2, intitulada «Competências especiais», o artigo 5.o, n.o 2, nos termos do qual:

«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado vinculado pela presente Convenção pode ser demandada noutro Estado vinculado pela presente Convenção:

[…]

2.

Em matéria de obrigação alimentar,

a)

Perante o tribunal do lugar em que o credor de alimentos tem o seu domicílio ou a sua residência habitual;»

4

A secção 9, intitulada «Litispendência e conexão», do título II desta Convenção compreende os artigos 27.o a 30.o Nos termos do artigo 27.o da Convenção:

«1.   Quando ações com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir e entre as mesmas partes forem submetidas à apreciação de tribunais de diferentes Estados vinculados pela presente Convenção, o tribunal a que a ação foi submetida em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal a que a ação foi submetida em primeiro lugar.

2.   Quando estiver estabelecida a competência do tribunal a que a ação foi submetida em primeiro lugar, o segundo tribunal declara‑se incompetente em favor daquele.»

5

O artigo 30.o da Convenção dispõe:

«Para efeitos da presente secção, considera‑se que a ação está submetida à apreciação do tribunal:

1.

Na data de apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância, ou ato equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ou a notificação ao requerido; ou

2.

Se o ato tiver de ser citado ou notificado antes de ser apresentado ao tribunal, na data em que é recebido pela autoridade responsável pela citação ou notificação, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que o ato seja apresentado a tribunal.»

6

O título V, denominado «Disposições gerais», da Convenção de Lugano II compreende, em especial, o artigo 62.o, que prevê:

«Para efeitos da presente Convenção, o termo “tribunal” inclui quaisquer autoridades designadas por um Estado vinculado pela presente Convenção com competência nas questões abrangidas pelo âmbito de aplicação da mesma.»

7

No título VII da Convenção de Lugano II, sob a epígrafe «Articulação com o Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho e com outros instrumentos», o artigo 64.o dispõe:

«1.   A presente Convenção não prejudica a aplicação pelos Estados‑Membros da Comunidade Europeia do Regulamento (CE) n.o 44/2001 [do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1)], bem como todas as suas alterações, da Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em Bruxelas, em 27 de setembro de 1968, e do Protocolo relativo à interpretação desta Convenção pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, assinado no Luxemburgo, em 3 de junho de 1971, na redação que lhes foi dada pelas convenções de adesão à referida Convenção e ao referido Protocolo pelos Estados aderentes às Comunidades Europeias, bem como do Acordo entre a Comunidade Europeia e o Reino da Dinamarca relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinado em Bruxelas, em 19 de outubro de 2005.

2.   Todavia, a presente Convenção será sempre aplicada:

a)

Em matéria de competência, quando o requerido se encontre domiciliado no território de um Estado onde a presente Convenção, mas não um instrumento referido no n.o 1, seja aplicável, ou quando o artigo 22.o ou 23.o da presente Convenção atribua competência aos tribunais desse Estado;

b)

Em matéria de litispendência ou de conexão, como as previstas nos artigos 27.o e 28.o, quando as ações sejam instauradas num Estado em que se aplica a presente Convenção, mas não um instrumento referido no n.o 1, e num Estado em que se aplica quer a presente Convenção quer um instrumento referido no n.o 1;

[…]»

Regulamentação da União

Regulamento n.o 44/2001

8

A secção 9, intitulada «Litispendência e conexão», do capítulo II do Regulamento n.o 44/2001 compreende os artigos 27.o a 30.o Nos termos do artigo 27.o deste regulamento:

«1.   Quando ações com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir e entre as mesmas partes forem submetidas à apreciação de tribunais de diferentes Estados‑Membros, o tribunal a que a ação foi submetida em segundo lugar suspende oficiosamente a instância, até que seja estabelecida a competência do tribunal a que a ação foi submetida em primeiro lugar.

2.   Quando estiver estabelecida a competência do tribunal a que a ação foi submetida em primeiro lugar, o segundo tribunal declara‑se incompetente em favor daquele.»

9

Nos termos do artigo 30.o do mesmo regulamento:

«Para efeitos da presente secção, considera‑se que a ação está submetida à apreciação do tribunal:

1)

No momento em que for apresentado ao tribunal o documento que dá início à instância, ou documento equivalente, desde que o requerente tenha tomado posteriormente as medidas que lhe incumbem para que o requerido seja citado; ou

2)

Se o ato tiver de ser citado ou notificado antes de ser apresentado ao tribunal, na data em que é recebido pela autoridade responsável pela citação ou notificação, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que o ato seja apresentado a tribunal.»

Regulamento (UE) n.o 1215/2012

10

O Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1), que revogou o Regulamento n.o 44/2001, é, com exceção de algumas das suas disposições, aplicável a partir de 10 de janeiro de 2015.

11

O artigo 29.o, n.os 1 e 2, e o artigo 32.o deste regulamento reproduzem, em substância, as disposições dos artigos 27.o e 30.o do Regulamento n.o 44/2001.

Regulamento (CE) n.o 4/2009

12

Nos termos do artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares (JO 2009, L 7, p. 1):

«São competentes para deliberar em matéria de obrigações alimentares nos Estados‑Membros:

a)

O tribunal do local em que o requerido tem a sua residência habitual; ou

b)

O tribunal do local em que o credor tem a sua residência habitual; ou

[…]»

13

Nos termos do artigo 68.o, n.o 1, deste regulamento:

«Sob reserva do n.o 2 do artigo 75.o, o presente regulamento altera o Regulamento (CE) n.o 44/2001 substituindo as disposições desse regulamento aplicáveis em matéria de obrigações alimentares.»

Direito suíço

Código de Processo Civil

14

O Código de Processo Civil (a seguir «CPC») prevê, no artigo 62.o, intitulado «Começo da litispendência», que faz parte do título 4, sob a epígrafe «Litispendência e desistência da ação», da parte 1 deste código:

«1   A instância é iniciada com a apresentação do requerimento de conciliação, da petição ou do requerimento judicial, ou do pedido de divórcio por mútuo consentimento.

[…]»

15

O procedimento de conciliação é regido pelos artigos 197.o a 212.o do título 1 da parte 2 do CPC. Nos termos do artigo 197.o do CPC, intitulado «Princípio»:

«O processo declarativo deve ser precedido de uma tentativa de conciliação perante uma autoridade de conciliação.»

16

O artigo 198.o do CPC enumera as exceções nos termos das quais não há lugar ao procedimento de conciliação.

17

O capítulo 2, intitulado «Procedimento de conciliação», do título 1 da parte 2 do CPC compreende os artigos 202.o a 207.o O artigo 202.o do CPC, intitulado «Introdução», prevê:

«1   O procedimento é iniciado pelo pedido de conciliação. […]

2   O pedido de conciliação deverá conter a identificação da parte contrária, os pedidos e a descrição do objeto do litígio.

3   A autoridade de conciliação notificará sem demora o pedido à parte contrária e citará simultaneamente as partes para a audiência.

[…]»

18

O capítulo 3, sob o título «Conciliação e autorização para proceder», do título 1 da parte 2 do CPC compreende os artigos 208.o e 209.o Nos termos do artigo 208.o do CPC, com a epígrafe «Conciliação»:

«1   Se a tentativa de conciliação resultar, a autoridade de conciliação consignará a transação, o acordo ou a desistência incondicional da ação na ata, que será seguidamente assinada pelas partes. Cada uma das partes receberá uma cópia da ata.

2   A transação, o acordo ou a desistência da ação produzem os efeitos de uma decisão transitada em julgado.»

19

Segundo o artigo 209.o do CPC, intitulado «Autorização para proceder»:

«1   Se a tentativa de conciliação não resultar, a autoridade de conciliação consigna esse facto na ata e dá autorização para proceder:

[…]

b.

ao requerente […]

[…]

3   O requerente pode propor a ação no prazo de três meses a contar da autorização para proceder.

[…]»

20

Sob o título «Proposta de julgamento e decisão», o capítulo 4 do título 1 da parte 2 do CPC compreende os artigos 210.o a 212.o O artigo 210.o do CPC, intitulado «Proposta de julgamento», prevê:

«1   A autoridade de conciliação pode apresentar às partes uma proposta de julgamento:

[…]

c.

Nos litígios patrimoniais cujo valor não ultrapasse 5000 francos [suíços (CHF) (aproximadamente 4350 euros)].

[…]»

21

O artigo 211.o do CPC, intitulado «Efeitos», prevê:

«1   A proposta de julgamento aceite produzirá os efeitos de uma decisão com força de caso julgado quando nenhuma das partes se opuser no prazo de 20 dias a contar do dia em que foi comunicada por escrito às partes. Não é necessário fundamentar a oposição.

2   Recebida a oposição, a autoridade de conciliação concederá a autorização para proceder:

[…]»

22

Nos termos do artigo 212.o do CPC, intitulado «Decisão», «[a] autoridade de conciliação pode, a pedido do requerente, decidir do mérito nos litígios patrimoniais cujo valor não exceda 2000 [CHF (aproximadamente 1740 euros)]» e «[o] procedimento é oral».

Lei federal sobre o direito internacional privado

23

A Lei federal sobre o direito internacional privado, na versão aplicável ao litígio no processo principal, prevê, no artigo 9.o, intitulado «Litispendência», que faz parte da secção 2, intitulada «Competência»:

«1   Quando uma ação com o mesmo objeto entre as mesmas partes estiver já pendente no estrangeiro, o tribunal suíço suspenderá a instância se for previsível que o órgão jurisdicional estrangeiro irá proferir, dentro de um prazo razoável, uma decisão que pode ser reconhecida na Suíça.

2   Para determinar o momento em que uma ação foi proposta na Suíça, é decisiva a data do primeiro ato necessário para dar início à instância. O pedido de conciliação é suficiente.

3   Os tribunais suíços declinarão a sua competência se lhes for apresentada uma decisão estrangeira que pode ser reconhecida na Suíça.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

24

B. Schlömp, com domicílio na Suíça, é filha por consanguinidade de H. S., que, devido ao seu estado de dependência, está internada num hospício na Alemanha e recebe prestações de assistência social complementares pagas pelos Serviços Administrativos.

25

Nos termos do direito alemão, as prestações concedidas pelos poderes públicos são transferidas para o organismo prestador, que tem o direito de pedir o seu reembolso, através de uma ação de regresso, aos filhos por consanguinidade que tenham capacidade económica suficiente.

26

Em 16 de outubro de 2015, os Serviços Administrativos apresentaram um pedido de conciliação no Friedensrichteramt des Kreises Reiat, Kanton Schaffhausen (Julgado de Paz do Distrito de Reiat, cantão de Schaffhouse, Suíça), este último na sua qualidade de autoridade de conciliação, e pediram a B. Schlömp o pagamento de um montante mínimo de 5000 euros, sem prejuízo de modificar este montante depois de receberem as informações a esta solicitadas.

27

Uma vez que a tentativa de conciliação não resultou, o Friedensrichteramt des Kreises Reiat (Julgado de Paz do Distrito de Reiat) emitiu, em 25 de janeiro de 2016, uma «autorização para proceder», que foi notificada aos Serviços Administrativos em 26 de janeiro de 2016.

28

Em 11 de maio de 2016, os Serviços Administrativos intentaram no Kantonsgericht Schaffhausen (Tribunal de Primeira Instância de Schaffhouse, Suíça) uma ação contra B. Schlömp, destinada ao pagamento de uma pensão de alimentos, no montante mínimo mencionado no n.o 26 do presente acórdão, sem prejuízo do aumento deste montante em função de eventuais informações suplementares relativas à capacidade económica de B. Schlömp.

29

Depois da apresentação do pedido de conciliação, mas antes da propositura da ação no Kantonsgericht Schaffhausen (Tribunal de Primeira Instância de Schaffhouse), B. Schlömp, baseando‑se no artigo 3.o, alíneas a) ou b), do Regulamento n.o 4/2009, apresentou no Amtsgericht (Familiengericht) Schwäbisch Hall (Tribunal de Família do Distrito de Schwäbisch Hall, Alemanha), por requerimento de 19 de fevereiro de 2016, recebido nesse tribunal em 22 de fevereiro de 2016, um pedido de declaração negativa.

30

Por decisão de 7 de março de 2016, esse tribunal declarou a sua falta de competência territorial para conhecer do processo e remeteu‑o ao órgão jurisdicional de reenvio, o Amtsgericht Stuttgart (Tribunal de Primeira Instância de Estugarda), que recebeu o processo em 21 de março de 2016.

31

Depois da notificação aos Serviços Administrativos, em 26 de abril de 2016, do pedido de declaração negativa, esses serviços suscitaram, em 17 de maio de 2016, uma exceção de litispendência devido à existência de um processo pendente na Suíça, motivo que obrigava o órgão jurisdicional de reenvio a suspender a instância, em conformidade com o artigo 27.o, n.o 1, da Convenção de Lugano II. B. Schlömp pediu que a exceção fosse julgada improcedente, considerando que a autoridade de conciliação não era um «tribunal», de modo que as disposições do artigo 27.o, n.o 1, da Convenção de Lugano II não eram aplicáveis.

32

Baseando‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça, em particular nos acórdãos de 8 de dezembro de 1987, Gubisch Maschinenfabrik (144/86, EU:C:1987:528), e de 6 de dezembro de 1994, Tatry (C‑406/92, EU:C:1994:400), o órgão jurisdicional de reenvio considera que a ação para pagamento, em que é feito um pedido de informações, intentada na Suíça pelos Serviços Administrativos e o pedido de declaração negativa apresentado na Alemanha têm ambos origem na questão de saber se B. Schlömp deve suportar uma obrigação de alimentos em virtude de uma sub‑rogação legal.

33

O órgão jurisdicional de reenvio assinala que resulta das disposições do CPC, especialmente do seu artigo 62.o, n.o 1, conjugado com o seu artigo 202.o, n.o 1, que, no direito suíço, sem prejuízo de determinadas exceções que não são aplicáveis neste caso, o processo é obrigatoriamente iniciado pela apresentação de um pedido de conciliação. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o procedimento de conciliação e o processo judicial ulterior formam uma única e mesma unidade processual.

34

No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se a autoridade de conciliação, na qual foi apresentado o pedido de conciliação, pode ser qualificada de «tribunal» no sentido dos artigos 27.o e 30.o da Convenção de Lugano II.

35

Nestas circunstâncias, o Amtsgericht Stuttgart (Tribunal de Primeira Instância de Estugarda) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Uma autoridade de conciliação de direito suíço também está abrangida pelo conceito de “tribunal” para efeitos do âmbito de aplicação dos artigos 27.o e 30.o da Convenção de Lugano [II]?»

Quanto à questão prejudicial

36

Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 27.o e 30.o da Convenção de Lugano II devem ser interpretados no sentido de que, em caso de litispendência, a data em que foi iniciado um procedimento obrigatório de conciliação perante uma autoridade de conciliação de direito suíço constitui a data em que se considera que o litígio foi submetido à apreciação do «tribunal».

Aplicabilidade da Convenção de Lugano II

37

A Convenção de Lugano II entrou vigor entre a União Europeia e a Confederação Suíça, em 1 de janeiro de 2011 (JO 2011, L 138, p. 1). Em conformidade com o artigo 5.o, n.o 2, desta Convenção, os litígios em matéria de obrigações alimentares são, em princípio, abrangidos pelo seu âmbito de aplicação.

38

Em primeiro lugar, há que apreciar se, à luz do artigo 64.o da Convenção de Lugano II, que rege as relações desta Convenção com o Regulamento n.o 44/2001, a Convenção de Lugano II pode ser aplicada ao litígio no processo principal.

39

Segundo o artigo 64.o, n.o 1, da Convenção de Lugano II, esta não prejudica a aplicação, pelos Estados‑Membros, do Regulamento n.o 44/2001 e de todas as suas alterações. Todavia, como resulta do artigo 64.o, n.o 2, alínea b), a Convenção será sempre aplicada em matéria de litispendência, quando as ações sejam instauradas num Estado em que se aplica a Convenção e não se aplique nenhum dos instrumentos referidos no n.o 1 do mesmo artigo 64.o — como a Confederação Suíça — e num Estado em que se aplica quer a Convenção quer um instrumento referido no n.o 1 — como a República Federal da Alemanha.

40

O Regulamento n.o 44/2001 foi revogado pelo Regulamento n.o 1215/2012, sendo este último, com exceção de algumas das suas disposições, aplicável a partir de 10 de janeiro de 2015.

41

Como decorre do artigo 68.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009, este regulamento altera o Regulamento n.o 44/2001, substituindo as disposições desse regulamento aplicáveis em matéria de obrigações alimentares. Sem prejuízo das disposições transitórias do Regulamento n.o 4/2009, os Estados‑Membros devem, em matéria de obrigações alimentares, aplicar as disposições deste regulamento sobre a competência, o reconhecimento, a força executiva e a execução das decisões, bem como sobre a assistência judicial, em vez das do Regulamento n.o 44/2001. Entre as disposições do Regulamento n.o 4/2009 relativas à competência figura o seu artigo 3.o, alínea a).

42

Na medida em que o artigo 64.o, n.o 1, da Convenção de Lugano II faz referência a todas as alterações ao Regulamento n.o 44/2001, essa referência deve ser entendida no sentido de que abrange os Regulamentos n.os 4/2009 e 1215/2012.

43

Por conseguinte, em conformidade com o artigo 64.o, n.o 2, da Convenção de Lugano II, esta é aplicável ao litígio no processo principal.

Quanto ao mérito

44

Como resulta dos termos do artigo 27.o, n.o 1, da Convenção de Lugano II, uma situação de litispendência é constituída quando ações com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir e entre as mesmas partes forem submetidas à apreciação de tribunais de diferentes Estados.

45

O artigo 30.o da Convenção de Lugano II define a data em que se considera que a ação está submetida à apreciação do tribunal, para efeitos da aplicação da secção 9 do título II dessa Convenção, como sendo a data em que for apresentado ao tribunal o documento que dá início à instância, ou documento equivalente, desde que o requerente tenha tomado posteriormente as medidas necessárias para que o requerido seja citado, ou, se o ato tiver de ser citado ou notificado antes de ser apresentado ao tribunal, a data em que é recebido pela autoridade responsável pela citação ou notificação, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas necessárias para que o ato seja apresentado a tribunal.

46

Em primeiro lugar, é preciso assinalar que estas disposições da Convenção de Lugano II estão redigidas em termos quase idênticos aos artigos correspondentes dos Regulamentos n.os 44/2001 e 1215/2012.

47

Como foi também salientado pelo advogado‑geral no n.o 27 das suas conclusões, o objetivo de uma interpretação uniforme das disposições equivalentes da Convenção de Lugano II e do Regulamento n.o 44/2001, bem como de todas as alterações ao regulamento, resulta especialmente do último considerando do Protocolo n.o 2, relativo à interpretação uniforme da Convenção e ao Comité Permanente (JO 2007, L 339, p. 27), bem como do artigo 1.o desse Protocolo, segundo os quais, na aplicação e na interpretação da Convenção, os tribunais terão em devida conta a interpretação convergente das disposições equivalentes dos referidos instrumentos.

48

O Tribunal de Justiça salientou igualmente a identidade de objeto e de redação entre o Regulamento n.o 44/2001 e as disposições da Convenção de Lugano II que permitem garantir a coerência entre os dois regimes jurídicos [v., neste sentido, parecer 1/03 (Nova Convenção de Lugano), de 7 de fevereiro de 2006, EU:C:2006:81, n.os 152 e 153].

49

Em seguida, tendo em conta o paralelismo que existe entre os mecanismos para resolver os casos de litispendência criados pela Convenção de Lugano II e os Regulamentos n.os 44/2001 e 1215/2012 e visto o objetivo de uma interpretação uniforme, tal como foi referido no n.o 47 do presente acórdão, há que considerar que o artigo 27.o da Convenção de Lugano II tem um caráter objetivo e automático e baseia‑se na ordem cronológica por que foram apresentados os pedidos nos tribunais em questão (v., por analogia, acórdão de 4 de maio de 2017, HanseYachts, C‑29/16, EU:C:2017:343, n.o 28 e jurisprudência referida).

50

Neste contexto, como foi também salientado pelo advogado‑geral no n.o 41 das suas conclusões, o artigo 30.o da Convenção de Lugano II define de maneira autónoma e uniforme a data em que se considera que a ação está submetida à apreciação do tribunal, para efeitos da aplicação da secção 9 do título II da Convenção, em particular do seu artigo 27.o, a fim de reduzir o risco de que processos paralelos decorram em diferentes Estados contratantes.

51

Por último, no que diz respeito às condições previstas no artigo 27.o, n.o 1, da Convenção de Lugano II, relativas à identidade das partes, da causa e do objeto dos pedidos formulados nos órgãos jurisdicionais de diferentes Estados, há que observar que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à interpretação do artigo 27.o do Regulamento n.o 44/2001, transponível para a interpretação do artigo 27.o da Convenção de Lugano II, que um pedido que visa obter a declaração de que o demandado é responsável por um prejuízo tem a mesma causa de pedir e o mesmo objeto que uma ação de declaração negativa desse demandado, que visa obter a declaração de que este não é responsável pelo referido prejuízo (v., neste sentido, acórdão de 19 de dezembro de 2013, NIPPONKOA Insurance, C‑452/12, EU:C:2013:858, n.o 42 e jurisprudência referida).

52

No presente processo, como o órgão jurisdicional de reenvio assinalou, existe uma situação de litispendência entre o processo pendente no órgão jurisdicional de reenvio e o processo pendente no Kantonsgericht Schaffhausen (Tribunal de Primeira Instância de Schaffhouse), na medida em que os dois processos têm ambos origem na questão de saber se B. Schlömp deve suportar uma obrigação alimentar em virtude de uma sub‑rogação legal.

53

Decorre do CPC que, no direito suíço, a instância é iniciada com a apresentação do requerimento de conciliação, da petição ou do requerimento judicial, ou, consoante o caso, do pedido de divórcio por mútuo consentimento. O procedimento de conciliação está previsto na lei, sujeito ao princípio do contraditório e, em princípio, é obrigatório. A sua inobservância pressupõe a inadmissibilidade de um eventual pedido judicial posterior. Este procedimento pode dar origem quer a uma decisão vinculativa, nos litígios cujo valor não ultrapasse 2000 CHF (aproximadamente 1740 euros), quer a uma proposta de decisão que pode adquirir força de caso julgado, não havendo contestação, nos litígios cujo valor não ultrapasse 5000 CHF (aproximadamente 4350 euros), quer à ratificação da conciliação ou à emissão de uma autorização para proceder. Neste último caso, o requerente pode propor a ação em juízo no prazo de três meses a contar da autorização para proceder. Por seu turno, o artigo 9.o da Lei federal sobre o direito internacional privado estabelece ainda que, em caso de litispendência, para determinar o momento em que uma ação foi proposta na Suíça, é decisiva a data do primeiro ato necessário para dar início à instância, sendo suficiente o pedido de conciliação.

54

Além disso, como assinalou o Governo suíço nas suas alegações, as autoridades de conciliação, por um lado, estão sujeitas às garantias previstas pelo CPC em matéria de recusa dos julgados de paz que façam parte dessas autoridades e, por outro, exercem as suas funções com total autonomia.

55

Decorre destas disposições que, no exercício das funções que lhes são atribuídas pelo CPC, as autoridades de conciliação podem ser qualificadas de «tribunal» na aceção do artigo 62.o da Convenção de Lugano II.

56

Com efeito, segundo o teor do artigo 62.o da Convenção de Lugano II, o termo «tribunal» inclui quaisquer autoridades designadas por um Estado vinculado por esta Convenção com competência nas questões abrangidas pelo âmbito de aplicação da mesma.

57

Como foi sublinhado no relatório explicativo relativo à referida Convenção, elaborado por Fausto Pocar e aprovado pelo Conselho (JO 2009, C 319, p. 1), a formulação do artigo 62.o da Convenção de Lugano II consagra a abordagem funcional segundo a qual uma autoridade é qualificada de tribunal pelas funções que exerce e não pela classificação formal em que se enquadra em virtude do direito nacional.

58

À luz de todas as considerações expostas, há que responder à questão colocada que os artigos 27.o e 30.o da Convenção de Lugano II devem ser interpretados no sentido de que, em caso de litispendência, a data em que foi iniciado um procedimento obrigatório de conciliação perante uma autoridade de conciliação de direito suíço constitui a data em que se considera que o litígio foi submetido à apreciação do «tribunal».

Quanto às despesas

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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

Os artigos 27.o e 30.o da Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em 30 de outubro de 2007, cuja celebração foi aprovada, em nome da Comunidade, pela Decisão 2009/430/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2008, devem ser interpretados no sentido de que, em caso de litispendência, a data em que foi iniciado um procedimento obrigatório de conciliação perante uma autoridade de conciliação de direito suíço constitui a data em que se considera que o litígio foi submetido à apreciação do «tribunal».

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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