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Document 62012CJ0452

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 19 de Dezembro de 2013.
Nipponkoa Insurance Co. (Europe) Ltd contra Inter-Zuid Transport BV.
Pedido de decisão prejudicial: Landgericht Krefeld - Alemanha.
Cooperação judiciária em matéria civil e comercial - Regulamento (CE) n.º 44/2001 - Artigos 27.º, 33.º e 71.º - Litispendência - Reconhecimento e execução de decisões - Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada (CMR) - Artigo 31.º, n.º 2 - Regras de concurso - Ação de regresso - Ação de declaração negativa - Sentença declarativa negativa.
Processo C-452/12.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:858

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

19 de dezembro de 2013 ( *1 )

«Cooperação judiciária em matéria civil e comercial — Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Artigos 27.°, 33.° e 71.° — Litispendência — Reconhecimento e execução de decisões — Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada (CMR) — Artigo 31.o, n.o 2 — Regras de concurso — Ação de regresso — Ação de declaração negativa — Sentença declarativa negativa»

No processo C‑452/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Landgericht Krefeld (Alemanha), por decisão de 10 de setembro de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 9 de outubro de 2012, no processo

Nipponkoa Insurance Co. (Europe) Ltd

contra

Inter‑Zuid Transport BV,

estando presente:

DTC Surhuisterveen BV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, C. G. Fernlund, A. Ó Caoimh, C. Toader (relatora) e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos e após a audiência de 18 de setembro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Nipponkoa Insurance Co. (Europe) Ltd, por T. Pünder, Rechtsanwalt,

em representação da Inter‑Zuid Transport BV, por J. P. Eckoldt e C. P. ten Bruggencate, advocaten,

em representação da DTC Surhuisterveen BV, por D. A. Nickelsen, Rechtsanwalt, J. Van Blaaderen e A. J. W. Spijker, advocaten,

em representação do Governo alemão, por T. Henze, J. Kemper e F. Wannek, na qualidade de agentes,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e S. Duarte Afonso, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin e W. Bogensberger, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 71.o do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Nipponkoa Insurance Co. (Europe) Ltd (a seguir «Nipponkoa Insurance») e a Inter‑Zuid Transport BV (a seguir «Inter‑Zuid Transport») relativamente ao pagamento de uma indemnização no montante de 500000 euros pelo prejuízo sofrido quando de um transporte internacional de mercadorias por estrada.

Quadro jurídico

Regulamento n.o 44/2001

3

O considerando 1 do Regulamento n.o 44/2001 enuncia:

«A Comunidade atribuiu‑se como objetivo a manutenção e o desenvolvimento de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça em que seja assegurada a livre circulação das pessoas. Para criar progressivamente tal espaço, a Comunidade deve adotar, entre outras, as medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil que sejam necessárias para o bom funcionamento do mercado interno.»

4

Nos termos do considerando 6 deste regulamento:

«Para alcançar o objetivo da livre circulação das decisões em matéria civil e comercial, é necessário e adequado que as regras relativas à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução das decisões sejam determinadas por um instrumento jurídico comunitário vinculativo e diretamente aplicável.»

5

Os considerandos 11, 12 e 15 a 17 do referido regulamento especificam:

«(11)

As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular‑se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, exceto em alguns casos bem determinados […]

(12)

O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça.

[…]

(15)

O funcionamento harmonioso da justiça a nível comunitário obriga a minimizar a possibilidade de instaurar processos concorrentes e a evitar que sejam proferidas decisões inconciliáveis em dois Estados‑Membros competentes. […]

(16)

A confiança recíproca na administração da justiça no seio da Comunidade justifica que as decisões judiciais proferidas num Estado‑Membro sejam automaticamente reconhecidas, sem necessidade de recorrer a qualquer procedimento, exceto em caso de impugnação.

(17)

A mesma confiança recíproca implica a eficácia e a rapidez do procedimento para tornar executória num Estado‑Membro uma decisão proferida noutro Estado‑Membro. […]»

6

O considerando 25 do mesmo regulamento tem a seguinte redação:

«O respeito pelos compromissos internacionais subscritos pelos Estados‑Membros implica que o presente regulamento não prejudique as convenções em que são parte os Estados‑Membros e que incidam sobre matérias específicas.»

7

Nos termos do artigo 1.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 44/2001:

«1.   O presente regulamento aplica‑se em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição. O presente regulamento não abrange, em especial, as matérias fiscais, aduaneiras e administrativas.

2.   São excluídos da sua aplicação:

a)

O estado e a capacidade das pessoas singulares, os regimes matrimoniais, os testamentos e as sucessões;

b)

As falências, as concordatas e os processos análogos;

c)

A segurança social;

d)

A arbitragem.»

8

O artigo 27.o do referido regulamento, incluído na secção 9, sob a epígrafe «Litispendência e conexão», do capítulo II deste último, sob a epígrafe «Competência», tem a seguinte redação:

«1.   Quando ações com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir e entre as mesmas partes forem submetidas à apreciação de tribunais de diferentes Estados‑Membros, o tribunal a que a ação foi submetida em segundo lugar suspende oficiosamente a instância, até que seja estabelecida a competência do tribunal a que a ação foi submetida em primeiro lugar.

2.   Quando estiver estabelecida a competência do tribunal a que a ação foi submetida em primeiro lugar, o segundo tribunal declara‑se incompetente em favor daquele.»

9

O artigo 32.o do mesmo regulamento, incluído no capítulo III deste, sob a epígrafe «Reconhecimento e execução», prevê:

«Para efeitos do presente regulamento, considera‑se ‘decisão’ qualquer decisão proferida por um tribunal de um Estado‑Membro independentemente da designação que lhe for dada, tal como acórdão, sentença, despacho judicial ou mandado de execução, bem como a fixação pelo secretário do tribunal do montante das custas do processo.»

10

O artigo 33.o do Regulamento n.o 44/2001, incluído na secção 1, sob a epígrafe «Reconhecimento», do referido capítulo III, dispõe:

«1.   As decisões proferidas num Estado‑Membro são reconhecidas nos outros Estados‑Membros, sem necessidade de recurso a qualquer processo.

2.   Em caso de impugnação, qualquer parte interessada que invoque o reconhecimento a título principal pode pedir, nos termos do processo previsto nas secções 2 e 3 do presente capítulo, o reconhecimento da decisão.

3.   Se o reconhecimento for invocado a título incidental perante um tribunal de um Estado‑Membro, este será competente para dele conhecer.»

11

O artigo 71.o do referido regulamento, incluído no seu capítulo VII, sob a epígrafe «Relações com os outros instrumentos», tem a seguinte redação:

«1.   O presente regulamento não prejudica as convenções em que os Estados‑Membros são partes e que, em matérias especiais, regulem a competência judiciária, o reconhecimento ou a execução de decisões.

2.   Para assegurar a sua interpretação uniforme, o n.o 1 será aplicado do seguinte modo:

a)

O presente regulamento não impede que um tribunal de um Estado‑Membro que seja parte numa convenção relativa a uma matéria especial se declare competente, em conformidade com tal convenção, mesmo que o requerido tenha domicílio no território de um Estado‑Membro que não seja parte nessa convenção. Em qualquer caso, o tribunal chamado a pronunciar‑se aplicará o artigo 26.o do presente regulamento;

b)

As decisões proferidas num Estado‑Membro por um tribunal cuja competência se funde numa convenção relativa a uma matéria especial serão reconhecidas e executadas nos outros Estados‑Membros, nos termos do presente regulamento.

Se uma convenção relativa a uma matéria especial, de que sejam partes o Estado‑Membro de origem e o Estado‑Membro requerido, tiver estabelecido as condições para o reconhecimento e execução de decisões, tais condições devem ser respeitadas. Em qualquer caso, pode aplicar‑se o disposto no presente regulamento, no que respeita ao processo de reconhecimento e execução de decisões.»

CMR

12

A Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, assinada em Genebra, em 19 de maio de 1956, conforme alterada pelo Protocolo assinado em Genebra, em 5 de julho de 1978 (a seguir «CMR»), aplica‑se, em conformidade com o seu artigo 1.o, n.o 1, «a todos os contratos de transporte de mercadorias por estrada a título oneroso por meio de veículos, quando o lugar do carregamento da mercadoria e o lugar da entrega previsto […] estão situados em dois países diferentes, sendo um, pelo menos, país contratante, independentemente do domicílio e nacionalidade das partes».

13

A CMR foi negociada no âmbito da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa. Mais de 50 Estados, entre os quais a República Federal da Alemanha e o Reino dos Países Baixos, aderiram à CMR.

14

O artigo 23.o da CMR enuncia:

«1.   Quando for debitada ao transportador uma indemnização por perda total ou parcial da mercadoria, em virtude das disposições da presente convenção, essa indemnização será calculada segundo o valor da mercadoria no lugar e época em que for aceite para transporte.

[…]

3.   A indemnização não poderá, porém, ultrapassar 8,33 unidades de conta por quilograma de peso bruto em falta.

4.   Além disso, serão reembolsados o preço do transporte, os direitos aduaneiros e as outras despesas provenientes do transporte da mercadoria, na totalidade no caso de perda total e em proporção no caso de perda parcial; não serão devidas outras indemnizações de perdas e danos.

[…]

7.   A unidade de conta mencionada na presente convenção é o direito de saque especial, conforme definido pelo Fundo Monetário Internacional. O montante a que se refere o n.o 3 do presente artigo é convertido na moeda nacional do Estado onde se situe o tribunal encarregado da resolução do litígio […]

[…]»

15

O artigo 29.o da CMR prevê:

«1.   O transportador não tem o direito de aproveitar‑se das disposições do presente capítulo que excluem ou limitam a sua responsabilidade ou que transferem o encargo da prova se o dano provier de dolo seu ou de falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo.

2.   Sucede o mesmo se o dolo ou a falta for ato dos agentes do transportador ou de quaisquer outras pessoas a cujos serviços aquele recorre para a execução do transporte, quando esses agentes ou essas outras pessoas atuarem no exercício das suas funções. Neste caso, esses agentes ou essas outras pessoas também não têm o direito de aproveitar‑se, quanto à sua responsabilidade pessoal, das disposições do presente capítulo indicadas no parágrafo 1.»

16

Nos termos do artigo 31.o da CMR:

«1.   Para todos os litígios provocados pelos transportes sujeitos à presente convenção, o autor poderá recorrer, além das jurisdições dos países contratantes designados de comum acordo pelas partes, para a jurisdição do país no território do qual:

a)

O réu tiver a sua residência habitual, a sua sede principal ou sucursal ou agência por intermédio da qual se estabeleceu o contrato de transporte, ou

b)

Estiver situado o lugar do carregamento da mercadoria ou o lugar previsto para a entrega,

e só poderá recorrer a essas jurisdições.

2.   Quando num litígio previsto no parágrafo 1 do presente artigo estiver em instância uma ação numa jurisdição competente nos termos desse parágrafo, ou quando tal jurisdição pronunciar sentença em tal litígio, não poderá ser intentada mais nenhuma ação pela mesma causa entre as mesmas partes, a não ser que a decisão da jurisdição perante a qual foi intentada a primeira ação não possa ser executada no país onde é intentada a nova ação.

3.   Quando num litígio previsto no parágrafo 1 do presente artigo uma sentença pronunciada por uma jurisdição de um país contratante se tornou executória nesse país, torna‑se também executória em cada um dos outros países contratantes imediatamente após o cumprimento das formalidades prescritas para esse efeito no país interessado. Essas formalidades não podem comportar nenhuma revisão do caso.

4.   As disposições do parágrafo 3 do presente artigo aplicam‑se às sentenças contraditórias, às sentenças omissas e às transações judiciais, mas não se aplicam às sentenças somente executórias por provisão nem às condenações em perdas e danos que venham a ser impostas além das despesas contra um queixoso em virtude da rejeição total ou parcial da sua queixa.

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17

Decorre da decisão de reenvio e dos autos do processo nacional apresentados na Secretaria do Tribunal de Justiça que, em agosto de 2007, a Canon encarregou as sociedades de direito neerlandês Nippon Express (Nederland) BV (a seguir «Nippon Nederland») e Nippon Express Euro Cargo BV (a seguir «Nippon Euro») do transporte por terra de diversos dos seus produtos entre os Países Baixos e a Alemanha.

18

A Nippon Euro encarregou a Inter‑Zuid Transport de proceder a esse transporte. Esta última sociedade, por sua vez, atribuiu a realização do serviço de transporte à DTC Surhuisterveen BV (a seguir «DTC»), uma outra empresa de transporte subcontratada. O transporte acabou por ser efetuado pela Kingma, transportador designado pela DTC.

19

A mercadoria foi carregada em 22 de agosto de 2007 em dois armazéns da Canon situados nos Países Baixos e devia ser entregue na Alemanha em 23 de agosto de 2007. Depois de carregar a mercadoria, o motorista partiu de Amstelveen, nos Países Baixos, em 22 de agosto de 2007, em direção às instalações da Canon em Willich, na Alemanha, onde chegou nesse mesmo dia, a uma hora demasiado tardia para proceder à descarga da mercadoria, pelo que o motorista deixou o camião estacionado durante a noite nas instalações não vigiadas do destinatário. Durante a noite, uma parte da mercadoria foi furtada.

20

Em 27 de agosto de 2007, a Canon intentou uma ação na Primeira Secção Comercial do Landgericht Krefeld (Alemanha) para reclamar uma indemnização por perdas e danos à Nippon Nederland e à Nippon Euro, tendo‑se estas comprometido, por transação judicial de 1 de março de 2010, a pagar solidariamente a quantia de 500000 euros. Esta quantia visava indemnizar o prejuízo sofrido na noite de 22 para 23 de agosto de 2007.

21

Em 29 de setembro de 2010, a Nipponkoa Insurance intentou na Segunda Secção Comercial do Landgericht Krefeld uma ação de regresso contra a Inter‑Zuid Transport, em que pedia a sua condenação no pagamento de um montante de 500000 euros correspondente à indemnização que tinha pagado à Canon, na sua qualidade de seguradora da responsabilidade civil da Nippon Nederland e da Nippon Euro (a seguir «ação de regresso).

22

Contudo, em 21 de janeiro de 2009, portanto, mais de um ano e meio antes da propositura da ação de regresso, a Inter‑Zuid Transport já tinha obtido, nos Países Baixos, contra a Nippon Nederland e a Nippon Euro uma sentença declarativa negativa relativa aos mesmos factos (a seguir «sentença declarativa negativa»). Segundo a referida sentença, proferida pelo Rechtbank te Haarlem (Países Baixos) e que tem força de caso julgado desde novembro de 2010, a Inter‑Zuid Transport é apenas responsável pelo prejuízo sofrido até ao montante máximo previsto no artigo 23.o da CMR.

23

A Nipponkoa Insurance considera que, no que se refere à Inter‑Zuid Transport, estão preenchidos os requisitos de um comportamento doloso ou faltoso na aceção do artigo 29.o, n.o 2, da CMR e que, apesar da existência da sentença declarativa negativa, o Landgericht Krefeld é competente, nos termos do artigo 31.o, n.o 1, da CMR, para conhecer da ação de regresso, uma vez que este artigo deve ser interpretado de forma autónoma e prevalece, por força do artigo 71.o do Regulamento n.o 44/2001, sobre o artigo 27.o do mesmo regulamento.

24

A Inter‑Zuid Transport alega que, nos termos dos artigos 27.° do referido regulamento e 31.°, n.o 2, da CMR, o processo não pode prosseguir no Landgericht Krefeld devido à sentença declarativa negativa proferida anteriormente nos Países Baixos. Essa sociedade conclui que, em todo o caso, só é responsável até ao montante máximo previsto no artigo 23.o, n.o 3, da CMR.

25

O órgão jurisdicional de reenvio partilha da posição da Inter‑Zuid Transport relativamente à força de caso julgado da sentença declarativa negativa e, a este respeito, critica a jurisprudência do Bundesgerichtshof (Alemanha) tal com resulta das suas decisões de 20 de novembro de 2003 (I ZR 102/02 e I ZR 294/02), segundo a qual, não obstante o acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de dezembro de 1994, Tatry (C-406/92, Colet., p. I-5439), a CMR deve ser interpretada de forma autónoma, de modo que a existência de uma ação de declaração negativa intentada pelo devedor contra o credor num tribunal internacionalmente competente, que visa fazer declarar que esse presumível devedor não é responsável por um prejuízo, não obsta à propositura ulterior pelo sucessor do credor no órgão jurisdicional competente de outro Estado parte na CMR.

26

Assim, o Landgericht Krefeld considera que a ação de regresso nele intentada e a sentença declarativa negativa têm o mesmo objeto, baseiam‑se na mesma causa de pedir e dizem respeito às mesmas partes dado que a Nipponkoa Insurance se subrogou à Nippon Nederland e à Nippon Euro. Por isso, considera que não é compatível com os princípios da confiança recíproca na administração da justiça e da diminuição de processos concorrentes que, no âmbito de uma ação de regresso, as autoridades de um Estado‑Membro, com base na interpretação de uma convenção prevista no artigo 71.o do Regulamento n.o 44/2001, recusem reconhecer uma sentença declarativa negativa proferida anteriormente com o mesmo objeto.

27

Além disso, o referido órgão jurisdicional afirma que o acórdão de 4 de maio de 2010, TNT Express Nederland (C-533/08, Colet., p. I-4107, n.o 63 e dispositivo), em que o Tribunal de Justiça declarou não ser competente para interpretar o artigo 31.o da CMR, não prejudica o presente litígio.

28

Nestas condições, o Landgericht Krefeld decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 71.o do Regulamento [n.o 44/2001] opõe‑se a uma interpretação exclusivamente autónoma de uma convenção [internacional] ou os objetivos e [os princípios] do referido regulamento devem ser igualmente tomados em consideração na aplicação dessa convenção?

2)

O artigo 71.o do Regulamento [n.o 44/2001] opõe‑se à interpretação de uma convenção [internacional] no sentido de que uma ação de simples apreciação decidida num Estado‑Membro não obsta à propositura ulterior de uma ação de condenação noutro Estado‑Membro [quando] também seja possível interpretar essa convenção […] em consonância com o artigo 27.o do Regulamento n.o 44/2001?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

29

A Nipponkoa Insurance e o Governo alemão suscitam, a título preliminar, a questão da competência do Tribunal de Justiça alegando, no essencial, que as questões submetidas têm por objeto a interpretação do artigo 31.o da CMR e que o Tribunal de Justiça não é competente para interpretar esta convenção.

30

A este respeito, na verdade, a competência do Tribunal de Justiça para decidir em matéria de interpretação a título prejudicial só se estende às normas que fazem parte do direito da União e, como declarou no n.o 63 do acórdão TNT Express Nederland, já referido, o Tribunal de Justiça não é competente para interpretar o artigo 31.o da CMR.

31

Contudo, se, no acórdão TNT Express Nederland, já referido (n.os 32 e 57), a segunda questão submetida tinha por objeto a competência do Tribunal de Justiça para interpretar o artigo 31.o da CMR, não é esse o caso no processo principal.

32

A este respeito, basta observar que as questões submetidas, pela sua própria redação, têm por objeto a interpretação de disposições do direito da União, a saber, do Regulamento n.o 44/2001, para a qual o Tribunal de Justiça é competente nos termos do artigo 267.o TFUE.

33

À luz destas considerações, há que considerar o Tribunal de Justiça competente para responder às questões prejudiciais submetidas.

Quanto ao mérito

Quanto à primeira questão

34

Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 71.o do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma convenção internacional seja interpretada de maneira que viole os objetivos e os princípios do referido regulamento.

35

Importa observar que o Tribunal de Justiça, na sua jurisprudência, já respondeu a esta questão.

36

Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou que, embora seja pacífico que o artigo 71.o do referido regulamento prevê a aplicação das convenções especiais, como a CMR, nas matérias por elas reguladas, não é menos verdade que tal aplicação não pode violar os princípios basilares da cooperação judiciária em matéria civil e comercial no seio da União Europeia, tal como os evocados nos considerandos 6, 11, 12 e 15 a 17 do mesmo regulamento, relativos à livre circulação das decisões em matéria civil e comercial, à certeza jurídica dos tribunais competentes e, consequentemente, à segurança jurídica dos cidadãos, à boa administração da justiça, a minimizar o risco de processos concorrentes, bem como à confiança recíproca na administração da justiça no seio da União (v. acórdão TNT Express Nederland, já referido, n.o 49).

37

O artigo 71.o do Regulamento n.o 44/2001 não pode ter um alcance que esteja em conflito com os princípios basilares da legislação de que faz parte. Consequentemente, este artigo não pode ser interpretado no sentido de que, num domínio abrangido por esse regulamento, como o transporte de mercadorias por estrada, uma convenção especial, como a CMR, possa levar a resultados menos favoráveis para o bom funcionamento do mercado interno do que os alcançados pelas disposições do referido regulamento (acórdão TNT Express Nederland, já referido, n.o 51).

38

Por conseguinte, as disposições pertinentes da CMR só podem ser aplicadas no seio da União se permitirem atingir os objetivos da livre circulação de decisões em matéria civil e comercial e da confiança recíproca na administração da justiça no seio da União, em condições pelo menos tão favoráveis como as que resultam da aplicação do Regulamento n.o 44/2001 (v., neste sentido, acórdão TNT Express Nederland, já referido, n.o 55).

39

Consequentemente, há que responder à primeira questão que o artigo 71.o do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma convenção internacional seja interpretada de forma que não assegure, em condições pelo menos tão favoráveis como as previstas no referido regulamento, o respeito dos objetivos e dos princípios que o norteiam.

Quanto à segunda questão

40

Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 71.o do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma interpretação do artigo 31.o, n.o 2, da CMR segundo a qual uma ação de declaração negativa ou uma sentença declarativa negativa num Estado‑Membro não tem o mesmo objeto e a mesma causa de pedir que uma ação de regresso intentada com base nos mesmos danos entre as mesmas partes ou os seus sucessores noutro Estado‑Membro.

41

Para responder a esta questão, há que, atendendo à resposta dada à primeira questão submetida, examinar se essa interpretação do artigo 31.o, n.o 2, da CMR asseguraria, em condições pelo menos tão favoráveis como as previstas no artigo 27.o ou noutras disposições do Regulamento n.o 44/2001, o respeito dos objetivos e dos princípios que o norteiam.

42

A este respeito, deve‑se recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à interpretação do artigo 27.o do Regulamento n.o 44/2001, um pedido que visa fazer declarar que o demandado é responsável por um prejuízo assim como obter a sua condenação no pagamento de uma indemnização por perdas e danos, como a ação de regresso em causa no processo principal, tem a mesma causa de pedir e o mesmo objeto que uma ação anterior de declaração negativa desse demandado que visa fazer declarar que este não é responsável pelo referido prejuízo (v., neste sentido, acórdãos Tatry, já referido, n.o 45, e de 25 de outubro de 2012, Folien Fischer e Fofitec, C‑133/11, n.o 49).

43

No caso em apreço, foi intentada uma ação de regresso depois de proferida, na aceção do artigo 31.o, n.o 2, da CMR, uma sentença declarativa negativa do Rechtbank te Haarlem baseada nos mesmos elementos de facto e de direito, entre as mesmas partes.

44

Há que declarar que a interpretação desta disposição da CMR, no sentido de que a referida ação e a referida sentença não têm a mesma causa de pedir e o mesmo objeto, não garantiria, em condições tão favoráveis como as previstas no Regulamento n.o 44/2001, o respeito do objetivo de minimizar o risco de processos concorrentes, que é, como recordado no n.o 36 do presente acórdão, um dos objetivos e dos princípios basilares da cooperação judicial em matéria civil e comercial no seio da União.

45

A este respeito, é indiferente que a sentença do Rechtbank te Haarlem tenha adquirido força de caso julgado pouco tempo depois de ser intentada a ação de regresso no órgão jurisdicional de reenvio, a saber, em novembro de 2010 segundo a decisão de reenvio ou, como sustentou a DTC na audiência, em 1 de março de 2011.

46

A aquisição de força de caso julgado da referida sentença implica que, se o processo não fosse regulado pela CMR, mas pelo Regulamento n.o 44/2001, teriam sido aplicadas não só as disposições desse regulamento em matéria de litispendência mas também as relativas ao reconhecimento e, em especial, o artigo 33.o do referido regulamento.

47

Ora, como o Tribunal de Justiça já declarou, as regras de reconhecimento e de execução previstas nas convenções especiais referidas no artigo 71.o do Regulamento n.o 44/2001, como decorrem do artigo 31.o, n.o 2, da CMR, só podem ser aplicadas no seio da União se os princípios da livre circulação das decisões e da confiança recíproca na administração da justiça forem respeitados (v., neste sentido, acórdão TNT Express Nederland, já referido, n.o 54 e jurisprudência referida).

48

Esses princípios não seriam respeitados em condições pelo menos tão favoráveis como as previstas no Regulamento n.o 44/2001 se o artigo 31.o, n.o 2, da CMR fosse interpretado no sentido de que uma sentença declarativa negativa num Estado‑Membro não tem o mesmo objeto e a mesma causa de pedir que uma ação de regresso intentada a título do mesmo dano e entre as mesmas partes ou os seus sucessores noutro Estado‑Membro.

49

Em face das considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 71.o do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma interpretação do artigo 31.o, n.o 2, da CMR segundo a qual uma ação de declaração negativa ou uma sentença declarativa negativa num Estado‑Membro não tem o mesmo objeto e a mesma causa de pedir que uma ação de regresso intentada a título do mesmo dano e entre as mesmas partes ou os seus sucessores noutro Estado‑Membro.

Quanto às despesas

50

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

O artigo 71.o do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma convenção internacional seja interpretada de uma forma que não assegure, em condições pelo menos tão favoráveis como as previstas no referido regulamento, o respeito dos objetivos e dos princípios que o norteiam.

 

2)

O artigo 71.o do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma interpretação do artigo 31.o, n.o 2, da Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, assinada em Genebra, em 19 de maio de 1956, conforme alterada pelo Protocolo assinado em Genebra, em 5 de julho de 1978, segundo a qual uma ação de declaração negativa ou uma sentença declarativa negativa num Estado‑Membro não tem o mesmo objeto e a mesma causa de pedir que uma ação de regresso intentada a título do mesmo dano e entre as mesmas partes ou os seus sucessores noutro Estado‑Membro.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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