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Documento 62014CO0384

Despacho do Tribunal de Justiça (Décima Secção) de 28 de abril de 2016.
Alta Realitat SL contra Erlock Film ApS e Ulrich Thomsen.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Juzgado de Primera Instancia de Barcelona.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil e comercial — Citação e notificação de atos judiciais e extrajudiciais — Regulamento (CE) n.° 1393/2007 — Artigo 8.° — Falta de tradução do ato — Recusa de receção do ato — Conhecimentos linguísticos do destinatário do ato — Fiscalização pelo juiz competente no Estado ‑Membro de origem.
Processo C-384/14.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2016:316

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

28 de abril de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil e comercial — Citação e notificação de atos judiciais e extrajudiciais — Regulamento (CE) n.o 1393/2007 — Artigo 8.o — Falta de tradução do ato — Recusa de receção do ato — Conhecimentos linguísticos do destinatário do ato — Fiscalização pelo juiz competente no Estado‑Membro de origem»

No processo C‑384/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Juzgado de Primera Instancia n.o 44 de Barcelona (Tribunal de Primeira Instância n.o 44 de Barcelona, Espanha), por decisão de 22 de maio de 2014, entrado no Tribunal de Justiça em 11 de agosto de 2014, no processo

Alta Realitat SL

contra

Erlock Film ApS,

Ulrich Thomsen,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: F. Biltgen (relator), presidente de secção, A. Borg Barthet e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Erlock Film ApS e de U. Thomsen, por K. Dyekjær e H. Puggaard, advokater,

em representação do Governo espanhol, por M. García‑Valdecasas Dorrego, na qualidade de agente,

em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e B. Beutler, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por A.‑M. Rouchaud‑Joët e S. Pardo Quintillán, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa por meio de despacho fundamentado, nos termos do artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1

O pedido de decisão prejudicial diz respeito à interpretação do artigo 8.o do Regulamento (CE) n.o 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros (citação e notificação de atos) e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho (JO L 324, p. 79).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Alta Realitat SL (a seguir «Alta Realitat») à Erlock Film ApS e a U. Thomsen, a propósito da resolução de um contrato de fornecimento de serviços.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 1393/2007

3

Os considerandos 2, 7 e 10 a 12 do Regulamento n.o 1393/2007 dispõem o seguinte:

«(2)

O bom funcionamento do mercado interno exige que se melhore e torne mais rápida a transmissão entre os Estados‑Membros de atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil ou comercial para efeitos de citação e notificação.

[...]

(7)

A celeridade na transmissão justifica a utilização de todos os meios adequados, respeitando determinadas condições quanto à legibilidade e à fidelidade do ato recebido. A segurança da transmissão exige que o ato a transmitir seja acompanhado de um formulário, que deve ser preenchido na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local onde a citação ou notificação deva ter lugar ou noutra língua reconhecida pelo Estado‑Membro requerido.

[...]

(10)

A fim de assegurar a eficácia do presente regulamento, a possibilidade de recusar a citação ou notificação deverá limitar‑se a situações excecionais.

(11)

A fim de facilitar a transmissão e a citação ou notificação de atos entre Estados‑Membros, deverão ser utilizados os formulários constantes dos anexos do presente regulamento.

(12)

A entidade requerida deverá avisar o destinatário, por escrito, mediante o formulário, de que pode recusar a receção do ato quer no momento da citação ou notificação, quer devolvendo o ato à entidade requerida no prazo de uma semana se este não estiver redigido numa língua que o destinatário compreenda ou na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local de citação ou notificação. Esta disposição deverá aplicar‑se igualmente à citação ou notificação ulterior, depois de o destinatário ter exercido o direito de recusa. [...] É conveniente estabelecer que a citação ou notificação de um ato recusado poderá ser corrigida mediante citação ou notificação ao destinatário de uma tradução do ato.»

4

O artigo 1.o do Regulamento n.o 1393/2007, que define o âmbito de aplicação deste, dispõe, no n.o 1:

«O presente regulamento é aplicável, em matéria civil ou comercial, quando um ato judicial ou extrajudicial deva ser transmitido de um Estado‑Membro para outro Estado‑Membro para aí ser objeto de citação ou notificação. [...]»

5

De acordo com o artigo 1.o, n.o 3, desse regulamento, «[p]ara efeitos do presente regulamento, entende‑se por ‘Estado‑Membro’ todos os Estados‑Membros com exceção da Dinamarca».

6

Por força do artigo 2.o do referido regulamento, os Estados‑Membros designam as «entidades de origem», com competência para transmitir os atos judiciais ou extrajudiciais para efeitos de citação ou notificação noutro Estado‑Membro, bem como as «entidades requeridas», com competência para receber tais atos provenientes de outro Estado‑Membro.

7

O artigo 4.o desse regulamento prevê:

«1.   Os atos judiciais são transmitidos, diretamente e logo que possível, entre as entidades designadas ao abrigo do disposto no artigo 2.o

2.   A transmissão de atos […] entre as entidades de origem e as entidades requeridas pode ser feita por qualquer meio adequado, desde que o conteúdo do documento recebido seja fiel e conforme ao conteúdo do documento expedido e que todas as informações dele constantes sejam facilmente legíveis.

3.   O ato a transmitir deve ser acompanhado de um pedido, de acordo com o formulário constante do Anexo I. O formulário deve ser preenchido na língua oficial do Estado‑Membro requerido ou, no caso de neste existirem várias línguas oficiais, na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local em que deva ser efetuada a citação ou notificação, ou ainda numa outra língua que o Estado‑Membro requerido tenha indicado poder aceitar. [...]

[...]»

8

O artigo 5.o do Regulamento n.o 1393/2007 tem a seguinte redação:

«1.   O demandante é avisado, pela entidade de origem competente para a transmissão, de que o destinatário pode recusar a receção do ato se este não estiver redigido numa das línguas previstas no artigo 8.o

2.   Cabe ao demandante suportar as despesas de tradução que possam ter lugar previamente à transmissão do ato [...]»

9

De acordo com o artigo 6.o, n.o 1, desse regulamento, aquando da receção do ato, a entidade requerida envia, logo que possível e, em todo o caso, no prazo de sete dias a contar da receção, um aviso de receção à entidade de origem, pela via de transmissão mais rápida possível, utilizando o formulário constante do Anexo I.

10

O artigo 7.o do referido regulamento dispõe:

«1.   A entidade requerida procede ou manda proceder à citação ou notificação do ato, quer segundo a lei do Estado‑Membro requerido, quer segundo a forma específica pedida pela entidade de origem, a menos que essa forma seja incompatível com a lei daquele Estado‑Membro.

2.   A entidade requerida toma todas as medidas necessárias para efetuar a citação ou notificação do ato logo que possível e, em todo o caso, no prazo de um mês a contar da receção do ato. [...]».

11

Nos termos do artigo 8.o desse regulamento, intitulado «Recusa de receção do ato»:

«1.   A entidade requerida avisa o destinatário, mediante o formulário constante do Anexo II, de que pode recusar a receção do ato quer no momento da citação ou notificação, quer devolvendo o ato à entidade requerida no prazo de uma semana, se este não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução numa das seguintes línguas:

a)

Uma língua que o destinatário compreenda, ou

b)

A língua oficial do Estado‑Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado‑Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deva ser efetuada a citação ou notificação.

2.   Se a entidade requerida for informada de que o destinatário recusa a receção do ato ao abrigo do disposto no n.o 1, deve comunicar imediatamente o facto à entidade de origem, utilizando para o efeito a certidão a que se refere o artigo 10.o, e devolver‑lhe o pedido e os documentos cuja tradução é solicitada.

3.   Se o destinatário tiver recusado a receção do ato ao abrigo do disposto no n.o 1, a situação pode ser corrigida mediante citação ou notificação ao destinatário, nos termos do presente regulamento, do ato acompanhado de uma tradução numa das línguas referidas no n.o 1. Nesse caso, a data de citação ou notificação do ato é a data em que o ato acompanhado da tradução foi citado ou notificado de acordo com a lei do Estado‑Membro requerido. Todavia, caso, de acordo com a lei de um Estado‑Membro, um ato tenha de ser citado ou notificado dentro de um prazo determinado, a data a tomar em consideração relativamente ao demandante é a data da citação ou notificação do ato inicial [...].

[...]».

12

O artigo 10, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007 prevê:

«Quando estiverem cumpridas as formalidades relativas à citação ou notificação do ato, deve ser lavrada uma certidão de cumprimento, utilizando o formulário constante do Anexo I, a qual deve ser enviada à entidade de origem. [...]»

13

O artigo 19, n.o 1, desse regulamento dispõe:

«Se tiver sido transmitida uma petição inicial ou ato equivalente a outro Estado‑Membro para citação ou notificação nos termos do presente regulamento, e se o demandado não tiver comparecido, o juiz [do Estado‑Membro de origem] sobrestará na decisão enquanto não for determinado:

a)

Que o ato foi objeto de citação ou notificação segundo a forma prescrita pela legislação do Estado‑Membro requerido para a citação ou notificação de atos emitidos no seu território e dirigidos a pessoas que aí se encontrem;

b)

Que o ato foi efetivamente entregue ao demandado ou na sua residência, segundo outra forma prevista pelo presente regulamento;

e que, em qualquer destes casos, quer a citação ou notificação, quer a entrega, foi feita em tempo útil para que o demandado pudesse defender‑se.»

14

O formulário, intitulado «Informação ao destinatário sobre o direito de recusar a receção do ato» e que consta do Anexo II do Regulamento n.o 1393/2007, contém a informação seguinte, à atenção do destinatário do ato:

«Tem a possibilidade de recusar a receção do ato se este não estiver redigido ou acompanhado de uma tradução, numa língua que compreenda ou na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local da citação ou notificação.

Se desejar exercer esse direito, deve recusar o ato no momento da citação ou notificação, diretamente junto da pessoa que a ela procede, ou devolvê‑lo ao endereço seguidamente indicado, no prazo de uma semana, declarando que recusa aceitá‑lo.»

15

Esse formulário contém igualmente uma «declaração do destinatário», que este é convidado a assinar caso recuse a receção do ato e que tem a seguinte redação:

«Eu, abaixo assinado(a), recuso aceitar o ato em anexo porque o mesmo não está redigido nem acompanhado de uma tradução numa língua que eu compreenda ou na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local de citação ou notificação.»

16

Por último, o referido formulário prevê que, neste caso, o destinatário deve indicar a língua ou as línguas que compreende de entre as línguas oficiais da União Europeia.

17

Por força do Acordo entre a Comunidade Europeia e o Reino da Dinamarca relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial, celebrado em Bruxelas em 19 de outubro de 2005 (JO L 300, p. 55), o Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros (JO L 160, p. 37), passou a ser aplicável nas relações entre a União e o Reino da Dinamarca, em conformidade com o direito internacional.

18

O artigo 3.o desse acordo dispõe o seguinte:

«[...]

2.   Sempre que forem aprovadas alterações ao regulamento [n.o 1348/2000], a Dinamarca deve notificar à Comissão a sua decisão de aplicar ou não o conteúdo de tais alterações. [...]

[...]

6.   Uma notificação da Dinamarca nos termos da qual se indique que o conteúdo das alterações foi executado nesse país […], cria obrigações mútuas entre a Dinamarca e a Comunidade em conformidade com o direito internacional. As alterações ao regulamento constituem nesse caso alterações ao presente acordo ao qual se devem considerar anexas.

[...]»

19

Após a revogação do Regulamento n.o 1348/2000 pelo Regulamento n.o 1393/2007, o Reino da Dinamarca notificou à Comissão a sua decisão de aplicar o conteúdo deste regulamento (JO 2008, L 331, p. 21).

Regulamento (CE) n.o 44/2001

20

O artigo 34.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), prevê que uma decisão proferida por um tribunal de um Estado‑Membro não será reconhecida noutro Estado‑Membro «se o ato que iniciou a instância, ou ato equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir‑lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão embora tendo a possibilidade de o fazer».

21

O Regulamento n.o 44/2001 aplica‑se às relações entre a União e o Reino da Dinamarca por força do Acordo entre a Comunidade Europeia e o Reino da Dinamarca relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, celebrado em Bruxelas em 19 de outubro de 2005 (JO L 299, p. 62).

Direito espanhol

22

Nos termos do artigo 11.o da Ley Orgánica del Poder Judicial (Lei orgânica do poder judicial):

«1.   As regras da boa‑fé devem ser respeitadas em todo o tipo de processos. Não produzirão efeitos as provas obtidas, direta ou indiretamente, em violação dos direitos ou liberdades fundamentais.

2.   Os Juzgados (tribunais singulares) e os Tribunales (tribunais coletivos) julgarão improcedentes, de forma fundamentada, os pedidos, incidentes e exceções que sejam formulados com manifesto abuso de direito ou que configurem fraude à lei ou fraude processual.

3.   Os Juzgados e os Tribunales deverão, de acordo com o princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 24.o da Constituição, pronunciar‑se sempre sobre os pedidos que lhes são apresentados e só poderão rejeitá‑los por razões formais quando a deficiência for insanável ou não puder ser sanada através do procedimento previsto na lei.»

23

O artigo 161.o, n.o 2, da Ley de Enjuiciamiento Civil (Lei de processo civil) dispõe:

«Quando o destinatário da notificação se encontre no domicílio e recuse receber a cópia da decisão ou a certidão desta ou não queira assinar o aviso de receção, o funcionário ou, se for o caso, o seu procurador forense dá‑lhe conhecimento de que a cópia da decisão ou a certidão desta fica à sua disposição na secretaria judicial, produzindo a notificação os seus efeitos e ficando tudo a constar de auto de diligências.»

24

De acordo com o artigo 247.o dessa lei:

«1.   Em qualquer processo, as partes deverão atuar de acordo com as regras da boa‑fé.

2.   Os tribunais rejeitarão, de forma fundamentada, os pedidos e incidentes que sejam formulados com manifesto abuso de direito ou que configurem fraude à lei ou fraude processual.

3.   Se os tribunais considerarem que alguma das partes atuou com violação das regras da boa‑fé processual, poderão aplicar‑lhe, em ato separado, mediante decisão fundamentada e respeitando o princípio da proporcionalidade, uma coima de 180 a 6000 euros, sem que em nenhum caso possa exceder a terça parte do valor da causa.

Para determinar o montante da coima, os tribunais deverão ter em conta as circunstâncias do facto em causa, bem como os prejuízos que possam ter sido causados ao processo ou à outra parte.»

25

O artigo 496.o, n.o 1, da referida lei tem a seguinte redação:

«O ‘Secretario judicial’ declarará revel o demandado que não tiver comparecido na data ou no prazo fixado no ato de citação ou de notificação, exceto nos casos em que na presente lei se preveja que a competência para tal declaração pertence ao Tribunal.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

26

Decorre da decisão de reenvio que a Alta Realitat, sociedade de direito espanhol, intentou uma ação no Juzgado de Primera Instancia n.o 44 de Barcelona (Tribunal de Primeira Instância n.o 44 de Barcelona), tendo em vista a resolução de um contrato celebrado em 13 de fevereiro de 2008 com a Erlock Film ApS, sociedade de direito dinamarquês, e U. Thomsen, residente na Dinamarca.

27

Esse contrato dizia respeito à realização de um filme no qual U. Thomsen desempenharia um papel e que seria rodado em inglês.

28

A Alta Realitat fundamenta o seu pedido de resolução do referido contrato no facto de U. Thomsen não ter respeitado os seus compromissos e ter abandonado a produção de forma não justificada.

29

A Alta Realitat pede igualmente que o demandado seja condenado a devolver a quantia de 30000 euros que já lhe fora paga, a indemnizá‑la pelos danos resultantes do incumprimento contratual e a suportar as despesas do processo.

30

Após ter declarado admissível a ação intentada pela Alta Realitat, o órgão jurisdicional competente determinou que U. Thomsen fosse notificado da petição inicial, no endereço do respetivo domicílio na Dinamarca.

31

U. Thomsen fez então uso do direito que lhe é conferido pelo artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007, de recusar a receção dessa petição e dos respetivos anexos, alegando que não compreendia a língua inglesa, na qual esses documentos estavam redigidos.

32

O Juzgado de Primera Instancia n.o 44 de Barcelona considerou, todavia, que tal recusa não era justificada e que o demandado no processo principal fora corretamente notificado da petição. Por conseguinte, em 19 de janeiro de 2010, o referido órgão jurisdicional proferiu uma sentença pela qual declarou a ação procedente e condenou o demandado revel nos pedidos deduzidos pela Alta Realitat. Da decisão não foi interposto recurso, pelo que transitou em julgado.

33

Em 2012, os órgãos jurisdicionais dinamarqueses recusaram, em primeira instância e em sede de recurso, reconhecer a sentença na Dinamarca, com fundamento no artigo 34.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001.

34

Por despacho de 16 de dezembro de 2013, o Juzgado de Primera Instancia n.o 44 de Barcelona anulou então todos os atos processuais posteriores à notificação de U. Thomsen da petição inicial em causa no processo principal.

35

Contudo, nesse despacho, o referido órgão jurisdicional concluiu pela conformidade dessa notificação com as disposições do Regulamento n.o 1393/2007, após ter observado que decorria dos autos que U. Thomsen compreendia a língua inglesa. Efetivamente, o mesmo órgão jurisdicional salientou que o contrato em causa no processo principal e diversos documentos atribuídos ao interessado e anexados à petição inicial estavam redigidos nessa língua, que este indicara, no seu perfil constante de uma base de dados cinematográfica na Internet, que tinha um bom conhecimento da língua inglesa e que um blogue de que é autor estava igualmente redigido nessa língua. O órgão jurisdicional competente acrescentou que foram juntos aos autos alguns DVD, nos quais aparecia uma pessoa designada como U. Thomsen e que se exprimia em inglês. Por conseguinte, o referido órgão jurisdicional concluiu que não existia nenhuma razão objetiva para que o interessado recusasse a receção da petição inicial em língua inglesa e que, pelo contrário, tal recusa configurava uma fraude processual à luz do direito espanhol.

36

Em consequência, o órgão jurisdicional competente ordenou que o demandado fosse novamente notificado dessa petição inicial sem que esta fosse acompanhada de uma tradução.

37

Além disso, decidiu aplicar o artigo 161.o, n.o 2, da Lei de processo civil, de acordo com o qual, quando o demandado recuse a receção dos documentos de que é notificado, considera‑se que foi validamente notificado se o juiz concluir que a recusa não era objetivamente justificada.

38

Contudo, não foi possível efetuar esta nova notificação, uma vez que U. Thomsen recusou a receção da petição inicial redigida em língua inglesa, alegando que apenas compreendia a língua dinamarquesa.

39

Na sua decisão de reenvio, o Juzgado de Primera Instancia n.o 44 de Barcelona pretende saber se é conforme ao Regulamento n.o 1393/2007 que o juiz nacional efetue uma apreciação quanto à questão de saber se o demandado compreende uma determinada língua com base nos elementos de que dispõe a esse respeito e, em consequência, decida enviar‑lhe a petição inicial e os respetivos anexos redigidos apenas nessa língua.

40

O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que tal questão se prende com o funcionamento do mercado interno, bem como com a tramitação dos processos judiciais, e acrescenta que estes seriam mais céleres se, sendo caso disso, não fosse necessário traduzir determinados documentos para línguas relativamente às quais é difícil e dispendioso encontrar tradutores, principalmente quando o juiz possa, como no caso em apreço, formar a convicção de que a parte visada compreende a língua em questão e de que essa língua é de utilização corrente. A este respeito, o referido órgão jurisdicional salienta que o filme no qual estava previsto que U. Thomsen participasse seria rodado em língua inglesa, língua na qual foi redigida a petição inicial apresentada pela Alta Realitat.

41

Ora, o Regulamento n.o 1393/2007 não especifica qual o alcance do poder de apreciação de que dispõe o juiz competente nesta matéria.

42

Além disso, há que determinar se uma norma nacional como a do artigo 161.o, n.o 2, da Lei de processo civil é compatível com o direito da União.

43

Neste contexto, o Juzgado de Primera Instancia n.o 44 de Barcelona decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1393/2007 ser interpretado no sentido de que o juiz nacional competente pode determinar, com base em todos os elementos de que dispõe, se o destinatário de um ato compreende a língua na qual esse ato está redigido?

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

2)

Deve o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007 ser interpretado no sentido de que, quando o juiz nacional competente tenha concluído, com base em todos os elementos de que dispõe, que o destinatário de um ato compreende a língua na qual esse ato está redigido, a pessoa que procede à notificação não pode dar ao destinatário a possibilidade de recusar a receção desse ato?

3)

Deve o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007 ser interpretado no sentido de que, se o destinatário de uma notificação recusar aceitá‑la pelo facto de o documento estar redigido numa determinada língua quando o juiz competente tenha declarado que essa pessoa tinha uma compreensão suficiente dessa língua, a recusa do documento não é justificada e o juiz competente pode aplicar as consequências previstas na legislação do Estado de origem para esse tipo de recusa injustificada e ainda, se tal estiver previsto na legislação processual do Estado de origem, declarar que o destinatário foi notificado do documento?»

Quanto às questões prejudiciais

44

Por força do artigo 99.o do seu Regulamento de Processo, quando a resposta a uma questão submetida a título prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência, o Tribunal pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

45

Há que aplicar esta disposição no presente processo.

46

Através das três questões que submeteu, e que devem ser analisadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, quais são as regras que um tribunal nacional competente no Estado‑Membro de origem está obrigado a respeitar, no âmbito do Regulamento n.o 1393/2007, quando decida mandar citar ou notificar o destinatário de uma petição inicial, residente no território de outro Estado‑Membro, numa língua diferente da que esse destinatário compreende ou é suposto compreender, na aceção do artigo 8.o, n.o 1, do referido regulamento.

47

A este respeito, há que recordar, a título preliminar, que o Tribunal de Justiça já decidiu que o Regulamento n.o 1393/2007, adotado com base no artigo 61.o, alínea c), CE, visa estabelecer, como decorre do considerando 2 do referido regulamento, um mecanismo de citação e de notificação intracomunitário dos atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial, com vista ao bom funcionamento do mercado interno (acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 29 e jurisprudência aí referida).

48

Assim, no intuito de melhorar a eficácia e a celeridade dos processos judiciais e de assegurar a boa administração da justiça, o referido regulamento consagra o princípio da transmissão direta dos atos judiciais e extrajudiciais entre os Estados‑Membros, o que tem como efeito simplificar e acelerar os processos. Estes objetivos são recordados nos considerandos 6 a 8 desse regulamento (acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 30 e jurisprudência aí referida).

49

Todavia, estes objetivos não podem ser alcançados à custa de um enfraquecimento, seja qual for a forma que assuma, dos direitos de defesa dos seus destinatários, que decorrem do direito a um processo equitativo, consagrado nos artigos 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e 6.°, n.o 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 31 e jurisprudência aí referida).

50

Por conseguinte, importa garantir não só que o destinatário do ato o receba realmente mas também que aquele possa conhecer e compreender, de forma efetiva e completa, o sentido e o alcance da ação intentada no estrangeiro contra ele, para poder fazer valer utilmente os seus direitos no Estado‑Membro de origem (acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 32 e jurisprudência aí referida).

51

Nesta perspetiva, cabe assim interpretar o Regulamento n.o 1393/2007 de maneira a garantir, em cada caso concreto, um justo equilíbrio entre os interesses do demandante e os do demandado, destinatário do ato, conciliando para tal os objetivos da eficácia e da celeridade da transmissão dos atos processuais com a exigência de assegurar a proteção adequada dos direitos de defesa do destinatário desses atos (acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 33 e jurisprudência aí referida).

52

Para a realização desses objetivos, o Regulamento n.o 1393/200 introduziu um sistema através do qual a transmissão dos atos é efetuada, em princípio, entre as «entidades de origem» e as «entidades requeridas» designadas pelos Estados‑Membros. Nos termos do artigo 4.o do mesmo regulamento, o ato ou os atos a citar ou a notificar são transmitidos, diretamente e no mais breve prazo possível, por qualquer meio adequado, pela entidade de origem à entidade requerida (v., nesse sentido, acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 34 e jurisprudência aí referida).

53

Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007, cabe à entidade de origem avisar o demandante do risco de uma eventual recusa, por parte do destinatário, de receção de um ato que não esteja redigido numa das línguas previstas no artigo 8.o do referido regulamento. De acordo com o artigo 5.o, n.o 2, do referido regulamento cabe, em princípio, ao demandante suportar as despesas de tradução que tenham lugar previamente à transmissão do ato (v., nesse sentido, acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 35).

54

Quanto à entidade requerida, incumbe‑lhe proceder efetivamente à citação ou notificação do destinatário do ato, como prevê o artigo 7.o do Regulamento n.o 1393/2007. Neste contexto, deve, por um lado, manter a entidade de origem informada de todos os elementos relevantes dessa operação, enviando o formulário constante do Anexo I desse regulamento, e, por outro, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 1, do mesmo regulamento, avisar o destinatário de que pode recusar a receção do ato se este não estiver redigido ou traduzido numa das línguas previstas nesta disposição, ou seja, numa língua que o interessado compreenda, na língua oficial do Estado‑Membro requerido ou, sendo caso disso, numa das línguas oficiais do local onde a citação ou notificação deva ser efetuada, línguas essas que o interessado deverá dominar. Caso seja efetivamente oposta recusa por este último, cabe‑lhe ainda, por força do artigo 8.o, n.os 2 e 3, do referido regulamento, informar imediatamente a entidade de origem desse facto e devolver o pedido e o ato cuja tradução é solicitada (acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 36).

55

Assim, para efeitos da aplicação do Regulamento n.o 1393/2007, a entidade de origem e a entidade requerida limitam‑se a assegurar materialmente a transmissão e a citação ou notificação do ato em causa, bem como a adotar as medidas necessárias para facilitar o desenrolar dessas operações. Em contrapartida, não cabe às referidas entidades pronunciar‑se sobre questões substanciais, como a de saber qual ou quais a(s) língua(s) que o destinatário do ato compreende ou se o ato deve ou não ser acompanhado de tradução numa das línguas indicadas no artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007, assim como não lhes incumbe apreciar se a recusa de receção de um ato por parte do seu destinatário é ou não justificada (v., nesse sentido, acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 37).

56

Pelo contrário, incumbe exclusivamente ao órgão jurisdicional nacional competente no Estado‑Membro de origem pronunciar‑se sobre questões desta natureza, dado que o demandante e o demandado têm, quanto a elas, posições diferentes (acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 41).

57

Mais concretamente, após dar início ao processo de citação ou notificação, determinando o ato ou os atos relevantes para o efeito, o referido órgão jurisdicional só se pronunciará depois de o destinatário do ato recusar efetivamente recebê‑lo por este não estar redigido numa língua que compreende ou que é suposto compreender. Assim, o referido órgão jurisdicional deverá verificar, a pedido do demandante, se tal recusa era ou não justificada. Para esse efeito, deverá ter devidamente em conta todos os elementos dos autos para, por um lado, determinar os conhecimentos linguísticos do destinatário do ato e, por outro, decidir, atendendo à natureza do ato em causa, quanto à necessidade da sua tradução. (acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 42 e jurisprudência aí referida).

58

Em suma, o referido órgão jurisdicional deverá, em cada caso concreto, assegurar que os direitos das partes em causa sejam protegidos de forma equilibrada, ponderando o objetivo da eficácia e da celeridade da citação ou notificação, no interesse do demandante, e o objetivo da proteção efetiva dos direitos de defesa, no interesse do destinatário (v., acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 43).

59

Há que acrescentar, a propósito do sistema introduzido pelo Regulamento n.o 1393/2007, que este prevê também a utilização de dois formulários que constam, respetivamente, dos seus Anexos I e II e não prevê qualquer exceção à utilização desses formulários. Pelo contrário, como decorre do considerando 11 desse regulamento, os formulários nele previstos «deve[m] ser utilizados», já que contribuem, no respeito pelos direitos das partes em causa e como decorre do considerando 7 do referido regulamento, para a simplificação e maior transparência do processo de transmissão dos atos, garantindo a sua legibilidade e a segurança na sua transmissão (v., acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.os 44 a 46).

60

Além disso, os referidos formulários constituem, como indica o considerando 12 desse regulamento, instrumentos por meio dos quais os destinatários são informados da faculdade que lhes assiste de recusar receber o ato objeto de citação ou notificação (acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 47).

61

No que respeita ao alcance exato do formulário constante do Anexo II do Regulamento n.o 1393/2007 e, consequentemente, do artigo 8.o, n.o 1, deste, que se refere à notificação do destinatário do ato relativa a esse formulário, o Tribunal de Justiça já realçou que, como decorre da própria redação do título e do conteúdo do referido formulário, a faculdade de recusar receber o ato objeto de citação ou notificação, prevista no referido artigo 8.o, n.o 1, é qualificada como «direito» do destinatário desse ato (v., nesse sentido, acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 49).

62

Ora, para poder produzir utilmente os seus efeitos, este direito conferido pelo legislador da União Europeia deve ser comunicado por escrito ao destinatário do ato. No sistema introduzido pelo Regulamento n.o 1393/2007, esta informação é‑lhe comunicada através do formulário constante do Anexo II desse regulamento, da mesma forma que o demandante é, desde o início do processo, informado por meio do formulário constante do Anexo I do referido regulamento da existência deste direito que assiste ao destinatário do ato. (acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 50).

63

A este respeito, o formulário constante do Anexo II do Regulamento n.o 1393/2007 constitui uma das inovações relevantes introduzidas por este, precisamente para melhorar a transmissão dos atos e garantir uma melhor proteção do respetivo destinatário, uma vez que esse formulário prevê a possibilidade de o destinatário do ato indicar a língua ou as línguas que compreende, caso recuse a receção desse ato por este não estar redigido ou acompanhado de uma tradução numa língua que compreende ou na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local de citação ou notificação.

64

Neste contexto, o Tribunal de Justiça especificou que o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007 compreende dois enunciados, é certo que ligados mas, não obstante, distintos, designadamente, por um lado, o direito substantivo do destinatário do ato de recusar recebê‑lo pelo mero facto de este não estar redigido ou acompanhado de uma tradução numa língua que é suposto compreender e, por outro, a informação formal da existência desse direito que lhe é comunicada pela entidade requerida. Por outras palavras, o requisito relativo ao regime linguístico do ato prende‑se não com a informação do destinatário pela entidade requerida, mas tão‑só com o direito de recusa que lhe é reservado. Acresce que o formulário constante do Anexo I desse regulamento estabelece uma distinção clara entre estes dois aspetos ao fazer referência, em diferentes rubricas, à comunicação por escrito ao destinatário do ato do seu direito de recusar recebê‑lo e ao exercício efetivo desse direito (acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.os 51 e 52).

65

Nestas condições, afigura‑se que a própria recusa está claramente condicionada, uma vez que o destinatário do ato só poderá recorrer a ela se o ato em causa não estiver redigido ou acompanhado de uma tradução numa língua que ele compreenda, numa língua oficial do Estado‑Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado‑Membro, na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local onde deva ser efetuada a citação ou notificação. Como decorre do n.o 57 do presente despacho, incumbe, em última instância, ao órgão jurisdicional competente decidir se esse requisito está preenchido, verificando se a recusa oposta pelo destinatário do ato é ou não justificada (acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 53).

66

É igualmente verdade que o exercício do direito de recusa pressupõe que o destinatário do ato tenha sido devidamente informado, previamente e por escrito, de que dispõe desse direito. Consequentemente, a entidade requerida, quando proceda à citação ou notificação do destinatário de um ato, está obrigada, em qualquer caso, a juntar ao ato em causa o formulário constante do Anexo II do Regulamento n.o 1393/2007, que informa o destinatário do seu direito de recusar a receção desse ato, não causando, de resto, tal obrigação dificuldades especiais à entidade requerida, dado que basta que esta entidade junte ao ato objeto de citação ou notificação o texto pré‑impresso, conforme previsto nesse regulamento, em cada uma das línguas oficiais da União (v., nesse sentido, acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.os 54 a 56).

67

Assim, esta interpretação permite quer garantir a transparência, possibilitando ao destinatário do ato tomar conhecimento do conteúdo dos seus direitos quer uma aplicação uniforme do Regulamento n.o 1393/2007, sem provocar qualquer atraso na transmissão desse ato, contribuindo, pelo contrário, para a simplificar e facilitar (acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 57).

68

O Tribunal de Justiça concluiu que a entidade requerida está obrigada, em qualquer circunstância e sem margem de apreciação a este respeito, a informar o destinatário do ato do seu direito de recusar a receção desse ato, utilizando sistematicamente para o efeito o formulário constante do Anexo II do Regulamento n.o 1393/2007. (acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.o 58).

69

Destas considerações resulta, em primeiro lugar, que, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que o ato objeto de citação ou notificação não esteja redigido ou acompanhado de uma tradução numa das línguas referidas no artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007, designadamente numa língua que o destinatário compreenda, na língua oficial do Estado‑Membro requerido ou, se for o caso, numa das línguas oficiais do local onde deva ser efetuada a citação ou notificação – línguas essas que é suposto o interessado compreender – a obrigação que recai sobre a entidade requerida de informar o destinatário, através do formulário constante do Anexo II desse regulamento, do seu direito de recusar a receção do ato deve ser sempre respeitada (v., n.os 59 e 68 do presente despacho).

70

Assim deve ser independentemente do facto de o destinatário ter ou não recusado a receção o ato. A este respeito, há que salientar que, no acórdão Alpha Bank Cyprus (C‑519/13, EU:C:2015:603), o Tribunal de Justiça concluiu pela obrigatoriedade da utilização do referido formulário num processo em que o destinatário de um ato objeto de citação exercera efetivamente o seu direito de recusar esse ato, mesmo não tendo recebido qualquer informação prévia quanto à existência desse direito.

71

Assim, quando a entidade requerida, incumbida de proceder à citação ou notificação do destinatário do ato em causa, não tenha juntado o formulário constante do Anexo II do Regulamento n.o 1393/2007, essa omissão deve ser regularizada em conformidade com o disposto no referido regulamento (v., nesse sentido, acórdão Alpha Bank Cyprus, C‑519/13, EU:C:2015:603, n.os 59 a 76).

72

Incumbe, por conseguinte, ao órgão jurisdicional competente no Estado‑Membro de origem assegurar o cumprimento dessas regras.

73

Em segundo lugar, há que sublinhar que o direito de recusar a receção de um ato objeto de citação ou notificação, expressamente previsto no artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007, decorre da necessidade, recordada nos n.os 49 e 50 do presente despacho, de proteger os direitos de defesa do destinatário desse ato, de acordo com as exigências de um processo equitativo.

74

Daqui decorre que nem as autoridades nacionais de transmissão nem o órgão jurisdicional competente no Estado‑Membro de origem podem impedir, seja de que forma for, o exercício de tal direito pelo interessado.

75

Mais concretamente, embora antes do início do processo de citação ou notificação do ato o órgão jurisdicional competente seja levado a efetuar uma primeira apreciação provisória sobre os conhecimentos linguísticos do destinatário a fim de determinar, de comum acordo com o demandante, se é ou não necessária uma tradução do ato, a decisão de não efetuar tal tradução não afeta de modo nenhum o direito desse destinatário de recusar a receção do referido ato nem o exercício desse direito. Por outras palavras, ainda que esse órgão jurisdicional tenha, já nessa fase, a convicção de que o referido destinatário compreende a língua na qual o ato está redigido e que, por isso, não é necessária uma tradução, não pode daí deduzir que o interessado não poderá validamente opor‑se ao processo de citação ou notificação e privá‑lo, assim, de exercer o seu direito de recusar a receção desse ato, previsto no artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007, sob pena de afetar os seus direitos de defesa.

76

Em contrapartida, só após o destinatário ter feito uso de tal direito pode o órgão jurisdicional competente pronunciar‑se validamente sobre o mérito dessa recusa.

77

Para tal, como foi referido no n.o 57 do presente despacho, esse órgão jurisdicional deverá ter devidamente em conta todos os elementos relevantes dos autos para determinar se o destinatário que tenha recusado a receção do ato podia, todavia, compreendê‑lo e fazer valer utilmente os seus direitos, ou se, tendo em conta a natureza desse ato, é necessária uma tradução.

78

Com efeito, é essencial, por um lado, que, para que o destinatário do ato possa efetivamente exercer o seu direito de se defender, o documento em causa esteja redigido numa língua que ele compreenda, o que constitui uma garantia de que o interessado poderá identificar, em tempo útil, pelo menos o objeto do pedido e a causa de pedir, bem como a convocatória para comparecer no órgão jurisdicional ou, se for o caso, a possibilidade de interpor recurso jurisdicional (v., nesse sentido, acórdão Weiss und Partner, C‑14/07, EU:C:2008:264, n.os 64 e 73). Por outro lado, o demandante não deve sofrer as consequências negativas de uma recusa puramente dilatória e manifestamente abusiva de receção de um ato não traduzido, quando se possa provar que o destinatário desse ato compreende a língua do Estado‑Membro de origem na qual o referido ato está redigido (acórdão Leffler, C‑443/03, EU:C:2005:665, n.o 52).

79

Assim, cabe ao órgão jurisdicional competente para apreciar o litígio no Estado‑Membro de origem salvaguardar da melhor forma os interesses de cada uma das partes, em especial analisando todos os elementos de facto e de prova concludentes que demonstrem concretamente os conhecimentos linguísticos do destinatário, não podendo, a este respeito, basear‑se em qualquer presunção (v., nesse sentido, acórdão Weiss und Partner, C‑14/07, EU:C:2008:264, n.o 85)

80

No caso de, após essa análise, o órgão jurisdicional competente concluir que a recusa do destinatário de receber o ato objeto de citação ou notificação tem fundamento por este ter sido redigido numa língua que não respeita as exigências do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1393/2007, decorre do artigo 8.o, n.o 3, deste regulamento que o destinatário deve ser citado ou notificado do referido ato acompanhado de uma tradução numa das línguas referidas na primeira disposição.

81

Em contrapartida, no caso contrário, nada obsta, em princípio, a que esse órgão jurisdicional aplique as consequências, previstas no seu direito processual nacional, da recusa injustificada, por parte do destinatário, de receção do ato, desde que seja assegurada a plena eficácia do referido regulamento, no respeito pela sua finalidade (v., nesse sentido, acórdão Leffler, C‑443/03, EU:C:2005:665, n.o 69).

82

De facto, o próprio Regulamento n.o 1393/2007 não prevê as consequências que devem ser retiradas de uma recusa injustificada de receção de um ato.

83

Ora, como resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, na falta de disposições do direito da União, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a garantir a proteção dos direitos que decorrem, para os cidadãos, do efeito direto do direito da União (acórdão Leffler, C‑443/03, EU:C:2005:665, n.o 49).

84

Todavia, estas modalidades não podem ser menos favoráveis do que as modalidades relativas a direitos com origem na ordem jurídica interna (princípio da equivalência) nem podem tornar impossível ou excessivamente difícil na prática o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da eficácia) (acórdão Leffler, C‑443/03, EU:C:2005:665, n.o 50).

85

A este respeito, o princípio da eficácia deve levar o juiz nacional a só aplicar as modalidades processuais previstas pela sua ordem jurídica interna quando não ponham em causa a razão de ser, a finalidade e a plena eficácia do Regulamento n.o 1393/2007 (v., acórdão Leffler, C‑443/03, EU:C:2005:665, n.os 50 e 51).

86

Numa situação como a que está em causa no processo principal, em que o demandado não tenha comparecido, o Regulamento n.o 1393/2007 exige, como decorre especialmente do seu artigo 19.o, n.o 1, que se garanta que o interessado recebeu real e efetivamente a petição inicial (v., nesse sentido, acórdão Alder, C‑325/11, EU:C:2012:824, n.os 36 e 41), permitindo‑lhe assim tomar conhecimento da ação judicial intentada contra ele, bem como identificar o objeto do pedido e a causa de pedir (v., nesse sentido, acórdão Weiss und Partner, C‑14/07, EU:C:2008:264, n.os 73 e 75), e dispôs de tempo suficiente para preparar a sua defesa (v., nesse sentido, acórdão Leffler, C‑443/03, EU:C:2005:665, n.o 52). Tal obrigação está, de resto, de acordo com o disposto no artigo 34.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001 (v., nesse sentido, acórdãos Leffler, C‑443/03, EU:C:2005:665, n.o 68, e Weiss und Partner, C‑14/07, EU:C:2008:264, n.o 51).

87

Em todo o caso, como decorre dos fundamentos do presente despacho, o Regulamento n.o 1393/2007 só autoriza a aplicação de uma legislação nacional como a descrita no n.o 37 do presente despacho após o cumprimento das etapas previstas nesse regulamento, designadamente a informação do destinatário, através do formulário constante do Anexo II do referido regulamento, de que dispõe da faculdade de recusar a receção do ato objeto de citação ou notificação e, em caso de recusa, uma decisão do órgão jurisdicional, transitada em julgado, que confirme o caráter injustificado dessa recusa.

88

Incumbe, por isso, ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se as modalidades concretas que rodeiam a aplicação da disposição nacional em causa no processo principal respeitam as exigências e os objetivos do Regulamento n.o 1393/2007.

89

Tendo em conta todas estas considerações, há que responder às três questões submetidas que o Regulamento n.o 1393/2007 deve ser interpretado no sentido de que, no momento da citação ou da notificação de um ato ao seu destinatário, residente no território de outro Estado‑Membro, no caso de o ato não ter sido redigido ou acompanhado de uma tradução numa língua que o interessado compreenda, na língua do Estado‑Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado‑Membro, na língua oficial ou numa das línguas oficiais do lugar em que se procedeu à citação ou à notificação:

o tribunal da causa no Estado‑Membro de origem deve assegurar‑se de que esse destinatário foi devidamente informado, através do formulário constante do Anexo II desse regulamento, do seu direito de recusar a receção do ato;

em caso de omissão dessa formalidade, cabe a esse tribunal regularizar o processo de acordo com o disposto nesse regulamento;

não compete ao tribunal da causa obstar a que o destinatário exerça o seu direito de recusar a receção do ato;

só depois de o destinatário ter feito efetivamente uso do seu direito de recusar a receção do ato pode o tribunal da causa verificar a procedência dessa recusa; para o efeito, esse tribunal deve ter em conta todos os elementos relevantes dos autos para determinar se o interessado compreende ou não a língua em que o ato foi redigido, e

quando esse tribunal verifique que a recusa oposta pelo destinatário não era justificada, poderá, em princípio, aplicar as consequências previstas no seu direito nacional para esse caso, desde que seja preservado o efeito útil do Regulamento n.o 1393/2007.

Quanto às despesas

90

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

 

O Regulamento (CE) n.o 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros (citação e notificação de atos) e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1348/2000 do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que, no momento da citação ou da notificação de um ato ao seu destinatário, residente no território de outro Estado‑Membro, no caso de o ato não ter sido redigido ou acompanhado de uma tradução numa língua que o interessado compreenda, na língua do Estado‑Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado‑Membro, na língua oficial ou numa das línguas oficiais do lugar em que se procedeu à citação ou à notificação:

 

o tribunal da causa no Estado‑Membro de origem deve assegurar‑se de que esse destinatário foi devidamente informado, através do formulário constante do Anexo II desse regulamento, do seu direito de recusar a receção do ato;

 

em caso de omissão dessa formalidade, cabe a esse tribunal regularizar o processo de acordo com o disposto nesse regulamento;

 

não compete ao tribunal da causa obstar a que o destinatário exerça o seu direito de recusar a receção do ato;

 

só depois de o destinatário ter feito efetivamente uso do seu direito de recusar a receção do ato pode o tribunal da causa verificar a procedência dessa recusa; para o efeito, esse tribunal deve ter em conta todos os elementos relevantes dos autos para determinar se o interessado compreende ou não a língua em que o ato foi redigido, e

 

quando esse tribunal verifique que a recusa oposta pelo destinatário não era justificada, poderá, em princípio, aplicar as consequências previstas no seu direito nacional para esse caso, desde que seja preservado o efeito útil do Regulamento n.o 1393/2007.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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