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Documento 62013CJ0034

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 10 de setembro de 2014.
Monika Kušionová contra SMART Capital, a.s.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Krajský súd v Prešove.
Reenvio prejudicial – Diretiva 93/13/CEE – Cláusulas abusivas – Contrato de crédito ao consumo – Artigo 1.°, n.° 2 – Cláusula decorrente de uma disposição legislativa imperativa – Âmbito de aplicação da diretiva – Artigos 3.°, n.° 1, 4.°, 6.°, n.° 1, e 7.°, n.° 1 – Garantia do crédito através de um direito real de garantia sobre um bem imóvel – Possibilidade de executar a garantia através de venda em leilão – Fiscalização jurisdicional.
Processo C‑34/13.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2014:2189

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

10 de setembro de 2014 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas — Contrato de crédito ao consumo — Artigo 1.o, n.o 2 — Cláusula decorrente de uma disposição legislativa imperativa — Âmbito de aplicação da diretiva — Artigos 3.°, n.o 1, 4.°, 6.°, n.o 1, e 7.°, n.o 1 — Garantia do crédito através de um direito real de garantia sobre um bem imóvel — Possibilidade de executar esse bem dado em garantia através de uma venda em leilão — Fiscalização jurisdicional»

No processo C‑34/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE pelo Krajský súd v Prešove (Eslováquia), por decisão de 20 de dezembro de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de janeiro de 2013, no processo

Monika Kušionová

contra

SMART Capital a.s.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, C. G. Fernlund, A. Ó Caoimh, C. Toader (relatora) e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 5 de junho de 2014,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo eslovaco, por B. Ricziová, na qualidade de agente,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Tokár e M. van Beek, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO L 95, p. 29), e da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 (JO L 149, p. 22), à luz do artigo 38.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e do acórdão Simmenthal (106/77, EU:C:1978:49).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe M. Kušionová à SMART Capital a.s. (a seguir «SMART Capital»), a respeito das modalidades de execução de um bem sobre o qual foi constituída uma garantia real para garantia de um empréstimo hipotecário e da licitude das cláusulas constantes desse contrato.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 7.o da Carta prevê que «[t]odas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações».

4

O artigo 38.o da Carta dispõe que as políticas da União Europeia devem assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores.

5

O primeiro parágrafo do artigo 47.o da Carta estabelece:

«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.»

6

Os considerandos 12 a 14 e 24 da Diretiva 93/13 têm a seguinte redação:

«Considerando no entanto que, na atual situação das legislações nacionais, apenas se poderá prever uma harmonização parcial; que, nomeadamente, apenas as cláusulas contratuais que não tenham sido sujeitas a negociações individuais são visadas pela presente diretiva; que há que deixar aos Estados‑Membros a possibilidade de, no respeito pelo [Tratado CE], assegurarem um nível de proteção mais elevado do consumidor através de disposições nacionais mais rigorosas do que as da presente diretiva;

Considerando que se parte do princípio de que as disposições legislativas ou regulamentares dos Estados‑Membros que estabelecem, direta ou indiretamente, as cláusulas contratuais com os consumidores não contêm cláusulas abusivas; que, consequentemente, se revela desnecessário submeter ao disposto na presente diretiva as cláusulas que refletem as disposições legislativas ou regulamentares imperativas […]; que, neste contexto, a expressão ‘disposições legislativas ou regulamentares imperativas’ que consta do n.o 2 do artigo 1.o abrange igualmente as normas aplicáveis por lei às partes contratantes quando não tiverem sido acordadas quaisquer outras disposições;

Considerando, contudo, que os Estados‑Membros devem providenciar para que tais cláusulas abusivas não figurem nos contratos […]

[…]

Considerando que as autoridades judiciárias e órgãos administrativos dos Estados‑Membros devem dispor de meios adequados e eficazes para pôr termo à aplicação das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores».

7

O artigo 1.o da Diretiva 93/13 prevê:

«1.   A presente diretiva tem por objetivo a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas às cláusulas abusivas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores.

2.   As disposições da presente diretiva não se aplicam às cláusulas contratuais decorrentes de disposições legislativas ou regulamentares imperativas […].»

8

Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva:

«Sem prejuízo do artigo 7.o, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.»

9

O artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva dispõe: «(o)s Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor […]».

10

O artigo 7.o, n.o 1, da mesma diretiva estabelece:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

Direito eslovaco

11

Nos termos do artigo 151.oj, n.o 1, do Código Civil:

«Quando um crédito garantido por uma garantia real não seja integral e atempadamente reembolsado, o credor pode proceder à execução do bem dado em garantia. Nesse caso, o credor pode obter satisfação do seu direito de acordo com o estipulado no contrato ou através da venda em leilão do bem dado em garantia nos termos da lei especial […] ou através da venda do bem dado em garantia, nos termos das leis especiais […], desde que este código ou uma lei especial não disponha diversamente.»

12

O órgão jurisdicional de reenvio refere que o dito n.o 1 compreende uma primeira nota de pé de página, inserida após a expressão «nos termos da lei especial», que remete para a Lei n.o 527/2002, relativa à venda voluntária em leilão e que complementa a Lei do Conselho Nacional Eslovaco n.o 323/1992, relativa aos notários e às atividades notariais (Código do Notariado), conforme alterada (a seguir «lei relativa à venda voluntária em leilão»), e uma segunda nota, que figura após a expressão «nos termos das leis especiais», que remete para o Código de Processo Civil e para o Código das Execuções.

13

O artigo 151.om do Código Civil prevê:

«1)   O credor pode vender o bem dado em garantia nos termos do estipulado no contrato de constituição da garantia ou em leilão, decorridos 30 dias após a notificação feita a quem prestou a garantia e ao devedor, quando não sejam a mesma pessoa, do início da execução do bem dado em garantia, salvo disposição contrária em lei especial […]

2)   Após a notificação do início da execução do bem dado em garantia, a pessoa que prestou a garantia e o credor podem acordar que antes do termo do prazo previsto no n.o 1 o credor seja autorizado a vender o bem dado em garantia de acordo com o estipulado no contrato de constituição da garantia ou em leilão.

3)   O credor que deu início à execução do bem dado em garantia, a fim de satisfazer o seu crédito nos termos do estipulado no contrato de constituição da garantia, pode a todo o momento, no decurso dessa execução, alterar as modalidades de execução e vender em leilão o bem dado em garantia ou exigir o reembolso [do crédito] mediante a venda desse bem de acordo com as leis especiais. O credor está obrigado a informar quem tenha constituído a garantia sobre a alteração das modalidades de execução relativamente ao bem dado em garantia.»

14

Nos termos do artigo 74.o, n.o 1, do Código de Processo Civil, o juiz pode decretar medidas provisórias se for necessário regular provisoriamente as relações entre as partes ou se houver razões para acreditar que a execução da decisão judicial pode ficar comprometida. Nos termos do artigo 76.o, n.o 1, desse código, o juiz pode impor medidas provisórias a uma das partes, designadamente «para que esta realize uma ação, para que não realize uma ação ou para que tolere um comportamento».

15

O artigo 6.o da lei relativa à venda voluntária em leilão define leiloeiro como «a pessoa que organiza o leilão e preenche os critérios estabelecidos na presente lei e na lei especial e que foi autorizada a exercer a correspondente profissão», e o artigo 7.o, n.o 1, da mesma lei define requerente do leilão como o proprietário do bem objeto da venda, o credor titular de uma garantia, ou qualquer pessoa autorizada a requerer a realização de um leilão nos termos de lei especial.

16

No que diz especificamente respeito ao credor titular de uma garantia, o artigo 7.o, n.o 2, da mesma lei estabelece que este deve declarar por escrito não só que o bem objeto da venda pode ser vendido em leilão mas também a existência, a importância e o vencimento do crédito relativamente ao qual é requerida a execução do bem dado em garantia, nos termos dessa lei.

17

Segundo o disposto no artigo 16.o, n.o 1, da referida lei, a venda em leilão só pode ser efetuada com base num acordo assinado entre a pessoa que requereu a venda e o adjudicante.

18

Nos termos do artigo 17.o da lei relativa à venda voluntária em leilão, o adjudicante deve anunciar a venda em leilão mediante a publicação de um aviso. Se o bem objeto da venda for um apartamento, uma casa, outro imóvel, uma empresa ou uma das suas divisões, ou se a licitação mínima for superior a 16 550 euros, o adjudicante publicará o aviso no registo de vendas em hasta pública com uma antecedência mínima de 30 dias sobre o início da venda em leilão e deverá enviar ao ministério, sem demora injustificada, o aviso da venda em leilão para publicação no Jornal Oficial do Setor do Comércio. O aviso de venda em leilão deve também ser enviado à pessoa que requereu a venda em leilão, ao devedor do credor titular de uma garantia, ao proprietário do imóvel a vender em leilão, se não for a mesma pessoa que o devedor.

19

No caso de o objeto da venda ser um apartamento, uma casa, ou outro imóvel, o artigo 20.o, n.o 13, da referida lei dispõe que o processo de venda deve constar de ato notarial em que o notário assinale igualmente a obrigação que incumbe ao proprietário anterior, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, primeiro período, desta lei.

20

O artigo 21.o, n.o 2, da mesma lei prevê que, se alguma das suas disposições for infringida, a pessoa que se considerar lesada pode propor uma ação de anulação da venda em leilão. Esse direito prescreve no prazo de três meses a contar da data de adjudicação, salvo se for invocado como fundamento para a anulação a prática de um crime e se o leilão tiver por objeto uma casa ou um apartamento onde o proprietário anterior tivesse a sua residência oficial.

21

O artigo 21.o, n.o 4, da lei supramencionada especifica que as partes no processo de anulação de uma venda em leilão, nos termos do n.o 2 deste artigo, são a pessoa que requereu o leilão, o adjudicante, o adjudicatário, o proprietário anterior e a pessoa que considerar que os seus direitos foram lesados, nos termos deste mesmo n.o 2.

22

Em caso de inadimplência do adjudicatário ou de anulação judicial da venda, o n.o 5 do referido artigo 21.o prevê que a adjudicação seja declarada ineficaz desde a data em que foi decretada.

23

No caso de venda de um bem em leilão nos termos do artigo 20.o, n.o 13, da lei relativa à venda voluntária em leilão, o artigo 29.o, n.o 2, desta lei dispõe, em primeiro lugar, que o proprietário anterior deve entregar, sem demora injustificada, o bem objeto da venda em leilão, mediante apresentação de cópia autenticada do ato notarial e de um documento de identificação do adjudicatário, nas condições estabelecidas no aviso de venda em hasta pública. Depois, o adjudicante deve elaborar no local uma ata da qual conste a entrega do bem vendido. Por último, desta ata deve designadamente constar uma descrição pormenorizada do estado do bem e das circunstâncias em que foram transferidos os direitos e obrigações que incidem sobre o objeto da venda e, sendo caso disso, sobre as suas prestações acessórias.

24

O artigo 32.o, n.o 1, da referida lei prevê que, salvo disposição em contrário, o produto da venda em leilão é pago pelo adjudicante ao proprietário anterior, sem demora injustificada, depois de reembolsadas as despesas, de satisfeito o crédito do credor titular de uma garantia e do pagamento dos montantes provenientes do leilão.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

25

Em 26 de fevereiro de 2009, M. Kušionová celebrou com a SMART Capital um contrato de crédito ao consumo no montante de 10000 euros. Para garantia do crédito, foi constituído um direito real de garantia sobre a casa de morada de família onde reside a recorrente no processo principal.

26

Esta última intentou uma ação contra a SMART Capital no Okresný súd Humenné (Tribunal da Comarca de Humenné), pedindo a anulação do contrato de mútuo e do contrato de constituição da garantia, com fundamento no caráter abusivo das cláusulas contratuais que a vinculam a esta empresa. Esse órgão jurisdicional de primeira instância anulou parcialmente o contrato de mútuo, considerando abusivas algumas cláusulas contratuais. O contrato de constituição da garantia foi, por sua vez, integralmente anulado. Ambas as partes interpuseram recurso da sentença no Krajský súd v Prešove (Tribunal Regional de Prešov).

27

O órgão jurisdicional de reenvio procura determinar se uma das cláusulas do contrato de constituição da garantia, mais especificamente a cláusula relativa à execução extrajudicial do bem imóvel dado em garantia pelo consumidor, é abusiva e recorda que a referida cláusula permite ao credor executar o bem dado em garantia sem que haja uma fiscalização jurisdicional.

28

No âmbito dessa análise, o juiz de reenvio realçou, no entanto, uma dificuldade adicional, na medida em que a cláusula em causa decorre de uma disposição legal, mais precisamente, do artigo 151.oj do Código Civil.

29

Uma vez que as cláusulas contratuais cuja fiscalização deve ser assegurada pelo órgão jurisdicional de reenvio podem ser consideradas abusivas na aceção da Diretiva 93/13 e que uma dessas cláusulas tem origem legal, esse órgão jurisdicional considera que a decisão da causa principal depende da interpretação do direito da União.

30

Nestas condições, o Krajský súd v Prešove decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve[m] a [Diretiva 93/13] e a [Diretiva 2005/29], lidas à luz do artigo 38.o da [Carta], ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma disposição de um Estado‑Membro, como o artigo 151.oj, n.o 1, do Código Civil, conjugado com outras disposições posteriores da lei em causa no processo principal, que permite ao credor, sem apreciação das cláusulas contratuais por parte de um tribunal, exigir o cumprimento de uma prestação que decorre de cláusulas contratuais abusivas procedendo à execução [d]o bem imóvel dado [em] garantia e que é propriedade do consumidor, apesar de existir um conflito entre as partes quanto à questão de saber se se trata de cláusulas contratuais abusivas?

2)

Opõe[m]‑se as disposições do direito da União Europeia indicadas na primeira questão a uma norma de direito interno, como o artigo 151.oj, n.o 1, do Código Civil, conjugado com outras disposições posteriores da lei em causa no processo principal, que permite ao credor exigir o cumprimento de uma prestação que decorre de cláusulas contratuais abusivas procedendo à execução [d]o bem imóvel dado [em] garantia e que é propriedade do consumidor, sem apreciação das cláusulas contratuais por parte de um tribunal, apesar de existir um conflito entre as partes quanto à questão de saber se se trata de cláusulas contratuais abusivas?

3)

Deve o acórdão do Tribunal de Justiça[, Simmenthal, EU:C:1978:49], ser entendido no sentido de que, no interesse da prossecução do objetivo das diretivas indicadas na primeira questão, lido à luz do artigo 38.o da [Carta], o órgão jurisdicional nacional não aplicará as disposições de direito interno, tais como o artigo 151.oj, n.o 1, do Código Civil, conjugado com outras disposições posteriores da lei em causa no processo principal, que permitem ao credor exigir o cumprimento de uma prestação que decorre de cláusulas contratuais abusivas procedendo à execução [d]o bem imóvel dado [em] garantia e que é propriedade do consumidor, sem apreciação das cláusulas contratuais por parte de um tribunal, evitando assim, apesar de existir um conflito entre as partes, a fiscalização [jurisdicional] oficiosa das cláusulas contratuais?

4)

Deve o artigo 4.o da [Diretiva 93/13] ser interpretado no sentido de que uma cláusula contratual, inserida num contrato celebrado com um consumidor — celebrado por este sem a assistência de um advogado — que permite ao credor proceder à execução extrajudicial [d]o bem dado [em] garantia, sem a fiscalização de um tribunal, contorna o princípio fundamental do direito da União relativo à fiscalização [jurisdicional] oficiosa das cláusulas contratuais e é, consequentemente, abusiva, mesmo num contexto em que a formulação de tal cláusula contratual provém de uma norma de direito interno[?]»

Desenvolvimentos registados após a apresentação do pedido de decisão prejudicial

31

Na audiência de alegações de 5 de junho de 2014, o Governo eslovaco informou o Tribunal de Justiça de que as normas processuais relativas à execução de bens sobre os quais foram constituídas garantias foram alteradas na sequência da aprovação da Lei n.o 106/2014 Z.z., de 1 de abril de 2014, aplicável a todos os contratos vigentes a partir de 1 de junho de 2014.

32

Em especial, o artigo V, n.o 7, desta lei completou o artigo 21.o, n.o 2, da lei relativa à venda voluntária em leilão, pelo que esta disposição tem agora a seguinte redação:

«Se a validade do contrato de constituição da garantia for contestada ou se for infringida alguma disposição deste código, a pessoa que considerar que a violação lesou os seus direitos pode intentar uma ação de anulação da venda […]»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

33

O Governo alemão considera, a título principal, que as duas primeiras questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio são inadmissíveis.

34

Em primeiro lugar, alega que o órgão jurisdicional de reenvio não transmite os elementos de facto nem os elementos de direito necessários para que o Tribunal de Justiça possa responder de forma útil às referidas questões. Por um lado, a possível execução de um bem dado em garantia sem que haja uma fiscalização jurisdicional não está relacionada com práticas comerciais desleais. Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio não faz nenhuma referência concreta às disposições da Diretiva 2005/29.

35

Em seguida, alega que estas questões são questões teóricas cuja resposta não é da competência do Tribunal de Justiça. Com efeito, uma vez que o bem dado em garantia ainda não foi executado pela SMART Capital, a situação descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio não existe.

36

Por último, o processo principal tem como objeto a anulação do contrato de empréstimo e do acordo de constituição da garantia. Ora, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, através das suas duas primeiras questões, que seja apreciada a conformidade das normas processuais nacionais com a Diretiva 93/13. Uma vez que esta diretiva tem como objetivo aproximar as legislações dos Estados‑Membros relativas às cláusulas abusivas, abrange apenas as cláusulas previstas em contratos e não as condições de execução, previstas no direito nacional, de um bem dado em garantia.

37

Apesar de reconhecer que o pedido de decisão prejudicial apresenta algumas lacunas, o Governo eslovaco considera, no entanto, que as duas primeiras questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio são admissíveis. Quanto à Comissão Europeia, alegou, na audiência, que não estão preenchidas no presente processo as condições de inadmissibilidade estabelecidas pelo Tribunal de Justiça no despacho SKP (C‑433/11, EU:C:2012:702) e, por conseguinte, considera que estas duas questões são admissíveis.

38

A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que o mesmo define sob sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. Só é possível indeferir o pedido de decisão prejudicial submetido pelo órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem qualquer relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder de forma útil às questões que lhe são colocadas (acórdão Pohotovosť, C‑470/12, EU:C:2014:101, n.o 27 e jurisprudência aí referida).

39

Em primeiro lugar, importa salientar que a primeira questão prejudicial não se refere apenas à Diretiva 93/13 mas também à Diretiva 2005/29. No entanto, como acertadamente alegou o Governo alemão, o órgão jurisdicional de reenvio limita‑se a citar esta última diretiva sem indicar a razão pela qual a sua interpretação é necessária para a decisão da causa principal. Além disso, também não especifica em que medida o processo de execução do bem dado em garantia impugnado pela recorrente no processo principal pode representar uma prática comercial desleal.

40

Ainda relativamente ao objeto do presente pedido de decisão prejudicial, este diz respeito ao alcance dos artigos 1.°, n.o 2, 3.°, n.o 1, 4.°, 6.°, n.o 1, e 7.°, n.o 1, da Diretiva 93/13, disposições nos termos das quais o legislador da União, respetivamente, previu uma exceção ao âmbito de aplicação desta diretiva, determinou que cláusulas são consideradas abusivas, estabeleceu a regra nos termos da qual uma cláusula abusiva não vincula os consumidores e especificou que os Estados‑Membros providenciam para que existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas.

41

Por conseguinte, apenas será dada resposta às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio com base nas disposições da Diretiva 93/13.

42

Em segundo lugar, o facto de o bem dado em garantia ainda não ter sido inteiramente executado não significa que as referidas questões revistam uma natureza hipotética. Por um lado, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a SMART Capital efetuou realmente diligências, em relação ao consumidor, no sentido de proceder à venda do bem imóvel dado em garantia. Por outro lado, ainda que a execução do bem dado em garantia não esteja concluída, as questões submetidas destinam‑se mais a saber se o credor pode, de jure, proceder a essa venda e se o devedor dispõe de meios processuais para se opor à sua execução do que a saber se a venda foi de facto concluída.

43

Neste sentido, as questões prejudiciais não têm natureza hipotética e a interpretação pedida das disposições da Diretiva 93/13 é necessária à decisão da causa principal.

44

Tendo em conta o exposto, há, assim, que julgar admissível o pedido de decisão prejudicial.

Quanto ao mérito

Quanto à primeira a terceira questões

45

Importa sublinhar que, apesar de a primeira questão apenas mencionar o artigo 38.o da Carta, o presente pedido de decisão prejudicial refere‑se, no essencial, e cita, designadamente, de entre as disposições relevantes do direito da União, o artigo 47.o da Carta. Uma vez que as três primeiras questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio têm como objetivo determinar o nível de proteção de que beneficiam os consumidores e os meios processuais judiciais de que dispõem, importa incluir este artigo entre os instrumentos do direito da União relativamente aos quais o órgão jurisdicional de reenvio pede uma interpretação ao Tribunal de Justiça.

46

Através das suas três primeiras questões, que convém analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, à luz dos artigos 38.° e 47.° da Carta, as disposições da Diretiva 93/13 devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite exigir o pagamento de um crédito, baseado em cláusulas contratuais eventualmente abusivas, através da execução extrajudicial de um bem imóvel dado em garantia pelo consumidor. Em caso afirmativo, esse órgão jurisdicional procura saber se, nos termos da jurisprudência decorrente do acórdão Simmenthal (EU:C:1978:49), estas disposições internas devem ser afastadas.

47

Importa, por um lado, recordar que o artigo 38.o da Carta dispõe que as políticas da União devem assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores. O artigo 47.o da Carta refere‑se ao direito à tutela jurisdicional efetiva. Estes imperativos valem para a aplicação da Diretiva 93/13 (v., neste sentido, acórdão Pohotovosť, EU:C:2014:101, n.o 52).

48

Por outro lado, o Tribunal de Justiça já declarou, na sua jurisprudência, que o sistema de proteção instituído pela Diretiva 93/13 assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional, quer no que respeita ao poder de negociação quer ao nível de informação, situação que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o respetivo conteúdo (acórdãos Pohotovosť, EU:C:2014:101, n.o 39 e jurisprudência referida; Kásler e Káslerné Rábai, C‑26/13, EU:C:2014:282 n.o 39 e jurisprudência aí referida; e Sánchez Morcillo e abril García, C‑169/14, EU:C:2014:2099, n.o 22).

49

No que diz respeito à execução de bens dados em garantia no âmbito de contratos de mútuo celebrados pelos consumidores, há que constatar que a Diretiva 93/13 não contém nenhuma indicação relativa à execução dos bens dados em garantia.

50

No entanto, decorre de jurisprudência constante que, na falta de uma harmonização dos mecanismos nacionais de execução forçada no direito da União, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro estabelecer essas regras, por força do princípio da autonomia processual, desde que, no entanto, não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes sujeitas ao direito interno (princípio da equivalência) e que não impossibilitem na prática ou dificultem excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (princípio da efetividade) (v., neste sentido, acórdãos Aziz, C‑415/11, EU:C:2013:164, n.o 50 e jurisprudência aí referida, e Pohotovosť, EU:C:2014:101, n.o 46).

51

Relativamente ao princípio da equivalência, refira‑se que o Tribunal de Justiça não dispõe de nenhum elemento suscetível de suscitar dúvidas quanto à conformidade da legislação em causa no processo principal com esse princípio.

52

No que respeita ao princípio da efetividade, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que cada situação em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional impossibilita ou dificulta excessivamente a aplicação do direito da União deve ser analisada tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa no processo, visto como um todo, na sua tramitação e nas suas particularidades perante as várias instâncias nacionais (acórdão Asociación de Consumidores Independientes de Castilla y León, C‑413/12, EU:C:2013:800, n.o 34 e jurisprudência aí referida).

53

Além disso, as características específicas dos processos que decorrem no quadro do direito nacional entre os profissionais e os consumidores não podem constituir um elemento suscetível de afetar a proteção jurídica de que os consumidores devem beneficiar ao abrigo das disposições da Diretiva 93/13 (v., neste sentido, acórdãos Banco Español de Crédito, C‑618/10, EU:C:2012:349, n.o 55 e jurisprudência aí referida, e Aziz, EU:C:2013:164, n.o 62).

54

Importa assim estabelecer, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que medida é impossível na prática ou excessivamente difícil aplicar a proteção conferida pela referida diretiva.

55

No caso em análise, resulta dos autos que o artigo 151.om, n.o 1, do Código Civil, lido em conjugação com o artigo 17.o, n.o 3, da lei relativa à venda voluntária em leilão, prevê, por um lado, que uma venda em leilão pode ser contestada no prazo de 30 dias após a notificação do início da execução do bem dado em garantia e, por outro, que a pessoa que contestou as modalidades dessa venda dispõe, nos termos do artigo 21.o, n.o 2, da mesma lei, de um prazo para atuar de 3 meses a contar da data de adjudicação.

56

Ora, se a Diretiva 93/13 exige, nos litígios que envolvem um profissional e um consumidor, uma intervenção positiva, alheia às partes no contrato, por parte do juiz nacional perante quem foi proposta a ação (acórdãos Asbeek Brusse e de Man Garabito, C‑488/11, EU:C:2013:341, n.o 39 e jurisprudência aí referida, e Pohotovosť, EU:C:2014:101, n.o 40 e jurisprudência aí referida), o respeito pelo princípio da efetividade não pode implicar o suprimento integral da passividade total do consumidor em causa (v., neste sentido, acórdão Asturcom Telecomunicaciones, C‑40/08, EU:C:2009:615, n.o 47).

57

Sem prejuízo da apreciação que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, a conjugação dos prazos previstos na legislação nacional em causa no processo principal, como referidos no n.o 55 do presente acórdão, não pode comparar‑se ao prazo de 20 dias que está em causa no processo que deu origem ao acórdão Banco Español de Crédito (EU:C:2012:349) nem às circunstâncias do processo que culminou no acórdão Aziz (EU:C:2013:164, n.os 57 a 59), nas quais o recurso do consumidor contra tais medidas estava destinado ao fracasso.

58

Por outro lado, de modo a preservar os direitos conferidos aos consumidores pela Diretiva 93/13, os Estados‑Membros devem, nos termos do artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva, adotar os meios de proteção necessários para pôr termo à utilização de cláusulas consideradas abusivas. Este entendimento é ainda corroborado pelo considerando 24 desta diretiva, que especifica que as autoridades judiciárias e órgãos administrativos dos Estados‑Membros devem dispor de meios adequados e eficazes para este efeito.

59

Mais especificamente, conforme jurisprudência constante do Tribunal de Justiça relativa ao princípio da cooperação leal, que passou a estar consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, os Estados‑Membros, apesar de manterem a escolha das sanções aplicáveis às violações do direito da União, devem, nomeadamente, assegurar que estas tenham um caráter efetivo, proporcionado e dissuasivo (v., neste sentido, acórdão LCL Le Crédit Lyonnais, C‑565/12, EU:C:2014:190, n.o 44 e jurisprudência aí referida).

60

No que diz respeito, por um lado, à natureza efetiva e dissuasiva, as observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça pelo Governo eslovaco especificam que, durante um processo de execução extrajudicial de um bem dado em garantia, o juiz nacional competente pode, nos termos dos artigos 74.°, n.o 1, e 76.°, n.o 1, do Código de Processo Civil, adotar medidas provisórias para proibir a prossecução da execução dessa venda.

61

Por outro lado, conforme sublinhado nos n.os 31 e 32 do presente acórdão, verifica‑se que a Lei n.o 106/2014, de 1 de abril de 2014, que entrou em vigor em 1 de junho de 2014 e que é aplicável a todos os contratos de constituição de direitos reais de garantia vigentes nessa data, alterou as normas processuais aplicáveis a uma cláusula como a que está em causa no processo principal. Em especial, o artigo 21.o, n.o 2, da lei relativa à venda voluntária em leilão, na sua atual redação, permite ao juiz anular a venda, se a validade da cláusula de constituição da garantia for contestada, o que, em retrospetiva, coloca o consumidor numa situação praticamente análoga àquela em que se encontrava inicialmente, e não limita a reparação do seu prejuízo, no caso de ilicitude da venda, a uma mera compensação financeira.

62

No que diz respeito ao caráter proporcionado da sanção, há que dar especial atenção à circunstância de o processo de execução extrajudicial do bem dado em garantia, em causa no processo principal, se referir a um bem imóvel que é a casa de morada de família do consumidor.

63

Com efeito, a perda da casa de morada de família não só é suscetível de prejudicar gravemente o direito dos consumidores (acórdão Aziz, EU:C:2013:164, n.o 61) como coloca a família do consumidor numa situação particularmente frágil (v., neste sentido, despacho do presidente do Tribunal de Justiça, Sánchez Morcillo e abril García, EU:C:2014:1388, n.o 11).

64

A este respeito, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou, por um lado, que a perda de uma habitação é uma das mais graves violações do direito ao respeito do domicílio e, por outro, que qualquer pessoa ameaçada de sofrer essa violação deve, em princípio, poder submeter a análise a proporcionalidade de uma tal medida (v. TEDH, acórdãos McCann c. Reino Unido, n.o 19009/04, § 50, TEDH 2008, Rousk c. Suécia, n.o 27183/04, § 137).

65

No direito da União, o direito ao respeito pelo domicílio é um direito fundamental garantido pelo artigo 7.o da Carta, que o órgão jurisdicional de reenvio tem de ter em consideração na aplicação da Diretiva 93/13.

66

No que diz mais especificamente respeito às consequências decorrentes da expulsão do consumidor e da sua família da casa que é a sua residência principal, o Tribunal de Justiça já sublinhou a importância de o juiz nacional competente dispor de medidas provisórias que permitam suspender ou interromper um processo ilícito de execução hipotecária, quando a concessão de tais medidas seja necessária para garantir a efetividade da proteção pretendida pela Diretiva 93/13 (v., neste sentido, acórdão Aziz, EU:C:2013:164, n.o 59).

67

No caso em apreço, a possibilidade de o juiz nacional competente adotar medidas provisórias, conforme referido no n.o 60 do presente acórdão, é passível de constituir um meio adequado e eficaz para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

68

Resulta destas considerações que as disposições da Diretiva 93/13 devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite exigir o pagamento de um crédito, baseado em cláusulas contratuais eventualmente abusivas, através da execução extrajudicial de um bem imóvel dado em garantia pelo consumidor, na medida em que essa legislação não impossibilite na prática ou dificulte excessivamente a salvaguarda dos direitos conferidos ao consumidor por esta diretiva, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

69

Tendo em conta a resposta dada à primeira parte das três primeiras questões, não há que responder à sua segunda parte, sobre a incidência da jurisprudência decorrente do acórdão Simmenthal (EU:C:1978:49) numa legislação nacional que permite a execução extrajudicial de um bem dado em garantia.

Quanto à quarta questão

70

Através da sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 4.o da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma cláusula contratual, inserida num contrato celebrado por um profissional com um consumidor, ainda que o conteúdo dessa cláusula contratual decorra de uma disposição legislativa.

71

A este respeito, há que recordar, em primeiro lugar, que o facto de um órgão jurisdicional nacional ter, no plano formal, formulado uma questão prejudicial fazendo referência a certas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça forneça a esse órgão jurisdicional todos os elementos de interpretação que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer o mesmo tenha ou não feito referência a tais elementos no enunciado das suas questões. A este respeito, compete ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos de direito da União que necessitam de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (acórdão Vicoplus e o., C‑307/09 a C‑309/09, EU:C:2011:64, n.o 22 e jurisprudência aí referida).

72

Por outro lado, na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio se refere amplamente à exclusão das cláusulas contratuais decorrentes de disposições legislativas de direito interno do âmbito de aplicação da Diretiva 93/13, há que considerar que, apesar de não ser feita referência, no pedido de decisão prejudicial, ao artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva, esta disposição é implícita mas necessariamente visada pela quarta questão prejudicial. Por conseguinte, o presente pedido de decisão prejudicial deve ser interpretado no sentido de que abrange o artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva.

73

Por último, é de jurisprudência constante que o Tribunal de Justiça pode, no âmbito da sua competência em matéria de interpretação do direito da União, que lhe é atribuída pelo artigo 267.o TFUE, interpretar os critérios gerais utilizados pelo legislador da União para definir o conceito de cláusula abusiva (v., neste sentido, despacho Pohotovosť, C‑76/10, EU:C:2010:685, n.o 60 e jurisprudência aí referida). No entanto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio pronunciar‑se, tendo em conta estes critérios, sobre a qualificação concreta de uma cláusula contratual particular em função das circunstâncias próprias do caso. Daqui resulta que o Tribunal de Justiça se deve limitar a fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio as indicações que este deve ter em conta para apreciar o caráter abusivo da cláusula em causa (acórdãos Aziz, EU:C:2013:164, n.o 66 e jurisprudência aí referida; Kásler e Káslerné Rábai, EU:C:2014:282, n.o 45; e despacho Sebestyén, C‑342/13, EU:C:2014:1857, n.o 25).

74

Enquanto o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 estabelece o âmbito de aplicação desta diretiva, o n.o 2 do mesmo artigo prevê a exclusão das cláusulas decorrentes de disposições legislativas ou regulamentares imperativas.

75

A este respeito, os Governos eslovaco e alemão sugerem ao Tribunal de Justiça que responda que a cláusula contratual em causa no processo principal, ou seja, a venda voluntária em leilão, está abrangida pela referida exclusão. A Comissão, pelo contrário, considera que o efeito útil das disposições da Diretiva 93/13 estaria comprometido se uma hipótese como a que está em causa no processo principal estivesse abrangida pela referida exclusão.

76

O Tribunal de Justiça já teve oportunidade de recordar que o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 estabelece uma exceção ao seu âmbito de aplicação, aplicável às cláusulas decorrentes de disposições legislativas ou regulamentares imperativas (v., neste sentido, acórdão RWE Vertrieb, C‑92/11, EU:C:2013:180, n.o 25).

77

Importa recordar que, tendo em conta o objetivo da referida diretiva, ou seja, a proteção dos consumidores contra as cláusulas abusivas inseridas nos contratos celebrados com estes últimos por profissionais, esta exceção, como qualquer outra, é de interpretação estrita.

78

No caso em apreço, resulta do acórdão RWE Vertrieb (EU:C:2013:180) que esta exclusão pressupõe que se encontrem reunidas duas condições. Por um lado, que a cláusula contratual decorra de uma disposição legislativa ou regulamentar e, por outro, que essa disposição seja imperativa.

79

A este respeito, importa referir que, para determinar se uma cláusula contratual deve ser excluída do âmbito de aplicação da Diretiva 93/13, compete ao juiz nacional apreciar se essa cláusula decorre de disposições de direito nacional aplicáveis entre as partes contratantes independentemente da sua escolha, ou de disposições aplicáveis supletivamente, isto é, na falta de um acordo diferente entre as partes a este respeito (v., neste sentido, acórdão RWE Vertrieb, EU:C:2013:180, n.o 26).

80

Tendo em conta estas considerações, há que responder à quarta questão que o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula contratual, inserida num contrato celebrado por um profissional com um consumidor, só deve ser excluída do âmbito de aplicação desta diretiva se a referida cláusula contratual decorrer do conteúdo de uma disposição legislativa ou regulamentar imperativa, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

Quanto aos efeitos do presente acórdão no tempo

81

No caso de o Tribunal de Justiça concluir que as disposições da Diretiva 93/13 devem ser interpretadas no sentido de que a execução extrajudicial de um bem dado em garantia, como a que está em causa no processo principal, deve obrigatoriamente ser precedida de fiscalização jurisdicional, o Governo eslovaco pede ao Tribunal de Justiça para limitar os efeitos do presente acórdão no tempo.

82

Tendo em conta a resposta dada às três primeiras questões, não há que responder a este pedido do Governo eslovaco.

Quanto às despesas

83

As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

As disposições da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite exigir o pagamento de um crédito, baseado em cláusulas contratuais eventualmente abusivas, através da execução extrajudicial de um bem imóvel dado em garantia pelo consumidor, na medida em que essa legislação não impossibilite na prática ou dificulte excessivamente a salvaguarda dos direitos conferidos ao consumidor por esta diretiva, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

 

2)

O artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula contratual, inserida num contrato celebrado por um profissional com um consumidor, só deve ser excluída do âmbito de aplicação desta diretiva se a referida cláusula contratual decorrer do conteúdo de uma disposição legislativa ou regulamentar imperativa, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: eslovaco.

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