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Documento 62012CJ0360

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 5 de junho de 2014.
Coty Germany GmbH contra First Note Perfumes NV.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof.
Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamentos (CE) n.os 40/94 e 44/2001 — Marca comunitária — Artigo 93.°, n.° 5, do Regulamento (CE) n.° 40/94 — Competência internacional em matéria de contrafação — Determinação do lugar onde ocorreu o facto danoso — Participação transfronteiriça de várias pessoas num mesmo ato ilícito.
Processo C‑360/12.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2014:1318

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

5 de junho de 2014 ( *1 )

«Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamentos (CE) n.os 40/94 e 44/2001 — Marca comunitária — Artigo 93.o, n.o 5, do Regulamento (CE) n.o 40/94 — Competência internacional em matéria de contrafação — Determinação do lugar onde ocorreu o facto danoso — Participação transfronteiriça de várias pessoas num mesmo ato ilícito»

No processo C‑360/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesgerichtshof (Alemanha), por decisão de 28 de junho de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 31 de julho de 2012, no processo

Coty Germany GmbH, anteriormente Coty Prestige Lancaster Group GmbH,

contra

First Note Perfumes NV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, K. Lenaerts, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quarta Secção, M. Safjan (relator), J. Malenovský e A. Prechal, juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 19 de setembro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Coty Germany GmbH, anteriormente Coty Prestige Lancaster Group GmbH, por K. Schmidt‑Hern e U. Hildebrandt, Rechtsanwälte,

em representação da First Note Perfumes NV, por M. Dinnes, Rechtsanwalt,

em representação do Governo alemão, por F. Wannek, J. Kemper e T. Henze, na qualidade de agentes,

em representação do Governo do Reino Unido, por A. Robinson, na qualidade de agente,

em representação do Governo suíço, por D. Klingele, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por F. Bulst e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 21 de novembro de 2013,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 93.o, n.o 5, do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 29 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), e do artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Coty Germany GmbH (a seguir «Coty Germany»), anteriormente Coty Prestige Lancaster Group GmbH, à First Note Perfumes NV (a seguir «First Note») a propósito de uma alegada violação de uma marca comunitária e da violação da Lei contra a concorrência desleal (Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb), devido à venda, na Bélgica, de produtos contrafeitos a um empresário alemão que os revendeu na Alemanha.

Quadro jurídico

Regulamento n.o 40/94

3

O décimo quinto considerando do Regulamento n.o 40/94 enuncia:

«Considerando que é indispensável que as decisões sobre a validade e a contrafação das marcas comunitárias produzam efeitos em toda a Comunidade e a ela sejam extensivas, única maneira de evitar decisões contraditórias dos tribunais e do [I]nstituto [de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI)] e de respeitar o caráter unitário das marcas comunitárias; que, salvo derrogação prevista no presente regulamento, as regras da Convenção [de 27 de setembro de 1968] relativa à competência judiciária e à execução das decisões em matéria civil e comercial [JO 1972, L 299, p. 32, a seguir ‘Convenção de Bruxelas’] são aplicáveis a todas as ações judiciais relativas às marcas comunitárias».

4

O artigo 9.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Direito conferido pela marca comunitária», prevê nos seus n.os 1 e 3:

«1.   A marca comunitária confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir um terceiro de utilizar, sem o seu consentimento, na vida comercial:

a)

Um sinal idêntico à marca comunitária para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais esta foi registada;

b)

Um sinal que, pela sua identidade ou semelhança com a marca comunitária e pela identidade ou semelhança dos produtos ou serviços abrangidos pela marca comunitária e pelo sinal, provoque o risco de confusão no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca;

c)

Um sinal idêntico ou similar à marca comunitária, para produtos ou serviços que não sejam similares àqueles para os quais a marca comunitária foi registada, sempre que esta goze de prestígio na Comunidade e que o uso do sinal sem justo motivo tire partido indevido do caráter distintivo ou do prestígio da marca comunitária ou lhe cause prejuízo.

[...]

3.   O direito conferido pela marca comunitária só é oponível a terceiros a partir da publicação do registo da marca. Todavia, pode ser exigida uma indemnização razoável por atos posteriores à publicação do pedido de marca comunitária que, após a publicação do registo da marca, sejam proibidos por força desta. O tribunal em que for proposta a ação não pode decidir do mérito da causa enquanto o registo não for publicado.»

5

O artigo 14.o, n.o 2, do referido regulamento enuncia:

«O presente regulamento não exclui que sejam intentadas ações respeitantes a marcas comunitárias com base no direito dos Estados‑Membros nomeadamente em matéria de responsabilidade civil e de concorrência desleal.»

6

O artigo 90.o do Regulamento n.o 40/94, sob a epígrafe «Aplicação da Convenção de Execução», tem a seguinte redação:

«1.   Salvo se o presente regulamento dispuser em contrário, são aplicáveis aos processos relativos a marcas comunitárias e a pedidos de marca comunitária, assim como aos processos relativos a ações simultâneas ou sucessivas instauradas com base em marcas comunitárias e em marcas nacionais, as disposições da [Convenção de Bruxelas], com a redação que lhe foi dada pelas convenções relativas à adesão a essa convenção dos estados aderentes às Comunidades Europeias, sendo o conjunto dessa convenção e das convenções de adesão a seguir designado por ‘Convenção de Execução’.

2.   No que respeita aos processos resultantes das ações e pedidos referidos no artigo 92.o:

a)

Não são aplicáveis o artigo 2.o, o artigo 4.o, os n.os 1, 3, 4 e 5 do artigo 5.o e o artigo 24.o da Convenção de Execução;

[...]»

7

O artigo 91.o, n.o 1, do referido regulamento enuncia:

«Os Estados‑Membros designarão no seu território um número tão limitado quanto possível de órgãos jurisdicionais nacionais de primeira e segunda instância, a seguir denominados ‘tribunais de marcas comunitárias’, encarregados de desempenhar as funções que lhes são atribuídas pelo presente regulamento.»

8

Nos termos do artigo 92.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Competência em matéria de contrafação e de validade»:

«Os tribunais de marcas comunitárias têm competência exclusiva:

a)

Para todas as ações de contrafação e — se a lei nacional as admitir — de ameaça de contrafação de uma marca comunitária;

b)

Para as ações de verificação de não contrafação, se a lei nacional as admitir;

c)

Para todas as ações intentadas na sequência dos factos referidos no n.o 3, segunda frase, do artigo 9.o;

d)

Para os pedidos reconvencionais de extinção ou de nulidade da marca comunitária referidos no artigo 96.o»

9

O artigo 93.o do Regulamento n.o 40/94, sob a epígrafe «Competência internacional», dispõe:

«1.   Sem prejuízo do disposto no presente regulamento bem como das disposições da Convenção de Execução aplicáveis por força do artigo 90.o, os processos resultantes das ações e pedidos referidos no artigo 92.o serão intentados nos tribunais do Estado‑Membro em cujo território o réu tenha o seu domicílio ou, se este não se encontrar domiciliado num dos Estados‑Membros, do Estado‑Membro em cujo território o réu tenha um estabelecimento.

2.   Se o réu não tiver domicílio nem estabelecimento no território de um Estado‑Membro, esses processos serão intentados nos tribunais do Estado‑Membro em cujo território o autor tenha o seu domicílio ou, se este último não se encontrar domiciliado num dos Estados‑Membros, nos tribunais do Estado‑Membro em cujo território o autor tenha um estabelecimento.

3.   Se nem o réu nem o autor estiverem assim domiciliados ou tiverem um tal estabelecimento, esses processos serão intentados nos tribunais do Estado‑Membro em cujo território o [IHMI] tem a sua sede.

[...]

5.   Os processos resultantes das ações e pedidos referidos no artigo 92.o, com exceção das ações declarativas de não contrafação de uma marca comunitária, podem ser igualmente intentados nos tribunais dos Estados‑Membros em cujo território a contrafação tenha sido cometida, ou esteja em vias de ser cometida, ou em cujo território tenha sido cometido um ato referido no n.o 3, segunda frase, do artigo 9.o»

10

O artigo 94.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Extensão da competência», prevê no seu n.o 2:

«Um tribunal de marcas comunitárias cuja competência se fundamenta no n.o 5 do artigo 93.o apenas é competente para decidir sobre os atos cometidos ou em vias de serem cometidos no território do Estado‑Membro em que esse tribunal estiver situado.»

Regulamento n.o 44/2001

11

Resulta do considerando 2 do Regulamento n.o 44/2001 que este tem por objetivo, no interesse do bom funcionamento do mercado interno, aplicar «disposições que permitam unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, bem como simplificar as formalidades com vista ao reconhecimento e à execução rápidos e simples das decisões proferidas nos Estados‑Membros abrangidos pelo presente regulamento […]»

12

Os considerandos 11, 12 e 15 do referido regulamento enunciam:

«(11)

As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular‑se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, exceto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão. No respeitante às pessoas coletivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição.

(12)

O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça.

[...]

(15)

O funcionamento harmonioso da justiça a nível comunitário obriga a minimizar a possibilidade de instaurar processos concorrentes e a evitar que sejam proferidas decisões inconciliáveis em dois Estados‑Membros competentes […]»

13

As regras de competência figuram no capítulo II do referido regulamento, nos artigos 2.° a 31.° deste.

14

O mesmo capítulo II, secção 1, intitulada «Disposições gerais», contém o artigo 2.o, cujo n.o 1 tem a seguinte redação:

«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, seja qual for a sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»

15

O artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, que figura na mesma secção, dispõe:

«As pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado‑Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.»

16

O artigo 5.o, ponto 3, do referido regulamento, que faz parte da secção 2 do capítulo II do mesmo, intitulada «Competências especiais», prevê:

«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro:

[...]

3)

Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso».

17

O artigo 68.o, n.o 2, do mesmo regulamento enuncia:

«Na medida em que o presente regulamento substitui entre os Estados‑Membros as disposições da Convenção de Bruxelas, as referências feitas a esta entendem‑se como sendo feitas ao presente regulamento.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18

Resulta da decisão de reenvio que a Coty Germany, estabelecida em Mainz (Alemanha), produz e distribui perfumes e produtos cosméticos. Esta é titular de direitos sobre a marca comunitária tridimensional (preto/branco) n.o 003788767 que representa um frasco, registada para produtos de perfumaria.

19

A Coty Germany comercializa o perfume para senhoras denominado «Davidoff Cool Water Woman» num frasco colorido que contém inscrições que reproduzem a referida marca comunitária.

20

A First Note, uma sociedade estabelecida em Oelegem (Bélgica), dedica‑se ao comércio por grosso de perfumes. Durante o mês de janeiro de 2007, vendeu o perfume denominado «Blue Safe for Women» a Stefan P. Warenhandel (a seguir «Stefan P.»), cujo estabelecimento comercial se situa na Alemanha. Resulta da decisão de reenvio que este último encomendou produtos à First Note na Bélgica e que, em seguida, os revendeu no território alemão.

21

A Coty Germany intentou uma ação contra a First Note, alegando que a distribuição, por esta última, do referido perfume num frasco análogo àquele cuja representação é objeto da marca acima mencionada constitui uma contrafação de marca, uma publicidade comparativa ilícita e uma imitação desleal.

22

Essa ação foi julgada improcedente tanto em primeira instância como em sede de recurso. O acórdão proferido em recurso concluiu no sentido de que os órgãos jurisdicionais alemães não tinham competência internacional. A Coty Germany interpôs recurso de «Revision» no Bundesgerichtshof. Em apoio desse recurso, invoca a marca comunitária n.o 003788767 e o facto de a Lei contra a concorrência desleal proibir essas práticas comerciais, baseando‑se, a título subsidiário, caso seja excluída a apresentação cumulativa dos pedidos, em primeiro lugar, na marca comunitária e, em segundo lugar, na Lei alemã contra a concorrência desleal.

23

Nestas condições, o Bundesgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 93.o, n.o 5, do Regulamento […] n.o 40/94 ser interpretado no sentido de que uma contrafação foi cometida num Estado‑Membro (Estado‑Membro A), na aceção [da referida disposição], quando, através de uma ação cometida noutro Estado‑Membro (Estado‑Membro B), se verifica uma participação num ato ilícito cometido no primeiro Estado‑Membro (Estado‑Membro A)?

2)

Deve o artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento […] n.o 44/2001 ser interpretado no sentido de que o facto danoso ocorreu num Estado‑Membro (Estado‑Membro A) quando o ato ilícito que é objeto do processo ou com base no qual são formuladas as pretensões se verificou noutro Estado‑Membro (Estado‑Membro B) e consiste na participação no ato ilícito (facto principal) ocorrido no primeiro Estado‑Membro (Estado‑Membro A)?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

24

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o conceito de «território [do Estado‑Membro em que] a contrafação tenha sido cometida» que figura no artigo 93.o, n.o 5, do Regulamento n.o 40/94 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de serem efetuadas uma venda e uma entrega de um produto contrafeito no território de um Estado‑Membro, com uma revenda subsequente pelo adquirente no território de outro Estado‑Membro, os órgãos jurisdicionais deste último Estado são, por força da referida disposição, competentes para conhecer de uma ação de contrafação contra o vendedor inicial que não atuou, ele próprio, no Estado‑Membro do órgão jurisdicional chamado a decidir.

25

Como resulta da decisão de reenvio, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se o conceito de «território [do Estado‑Membro em que] a contrafação tenha sido cometida» utilizado no artigo 93.o, n.o 5, do Regulamento n.o 40/94 deve ser interpretado de forma análoga ao de «lugar onde ocorreu o facto danoso» que figura no artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001.

26

A este respeito, há que salientar que, não obstante o princípio da aplicação do Regulamento n.o 44/2001 às ações judiciais relativas a uma marca comunitária, a aplicação de determinadas disposições desse regulamento aos processos resultantes de ações e pedidos referidos no artigo 92.o do Regulamento n.o 40/94 está excluída por força do artigo 90.o, n.o 2, deste último regulamento.

27

Tendo em conta esta exclusão, a competência dos tribunais de marcas comunitárias, previstos no artigo 91.o, n.o 1, do Regulamento n.o 40/94 para conhecer das ações e dos pedidos, referidos no artigo 92.o deste, resulta das regras previstas diretamente neste mesmo regulamento, que, como salientou o advogado‑geral no n.o 36 das suas conclusões, apresentam o caráter de uma lex specialis relativamente às regras enunciadas pelo Regulamento n.o 44/2001.

28

Mais especificamente, por força das disposições conjugadas dos artigos 90.°, n.o 2, e 92.° do Regulamento n.o 40/94, a aplicação do artigo 5.o, n.o 3, da Convenção de Bruxelas, que corresponde ao artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001, às ações de contrafação de uma marca comunitária está expressamente excluída.

29

A este respeito, há que salientar que o artigo 93.o do Regulamento n.o 40/94 prevê vários critérios de competência internacional.

30

Em especial, o artigo 93.o, n.o 5, do Regulamento n.o 40/94 cria, nomeadamente, uma competência a favor dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território a contrafação tenha sido cometida, ou esteja em vias de ser cometida.

31

No que diz respeito à interpretação do referido artigo 93.o, n.o 5, tendo em conta o salientado nos n.os 27 e 28 do presente acórdão, o conceito de «território [do Estado‑Membro em que] a contrafação tenha sido cometida, ou esteja em vias de ser cometida», que figura nesta disposição, deve ser interpretado de forma autónoma relativamente ao conceito de «lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso», que figura no artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001.

32

Por conseguinte, a dualidade dos elementos de conexão, a saber, o lugar do evento causal e a materialização do dano, acolhida pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 (v. acórdão Bier, 21/76, EU:C:1976:166, n.o 19, e, em último lugar, acórdão Kainz, C‑45/13, EU:C:2014:7, n.o 23 e jurisprudência referida) não pode valer automaticamente para a interpretação do conceito de «território [do Estado‑Membro em que] a contrafação tenha sido cometida, ou esteja em vias de ser cometida», que figura no artigo 93.o, n.o 5, do Regulamento n.o 40/94.

33

Contudo, para determinar se a interpretação autónoma desta última disposição conduz ao reconhecimento dessa dualidade dos elementos de conexão, há que, em conformidade com uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, ter em conta não só a redação da referida disposição mas também o seu contexto e os seus objetivos.

34

No que diz respeito à redação do artigo 93.o, n.o 5, do Regulamento n.o 40/94, o conceito de «território [do Estado‑Membro em que] a contrafação tenha sido cometida» sugere que, como salientou o advogado‑geral no n.o 31 das suas conclusões, este elemento de conexão diz respeito a um comportamento ativo do autor dessa contrafação. Por conseguinte, o elemento de conexão previsto nesta disposição visa o território do Estado‑Membro em que o evento que origina a alegada contrafação ocorreu ou poderá ocorrer e não o território do Estado‑Membro em que a referida contrafação produz os seus efeitos.

35

Há igualmente que salientar que a existência de uma competência jurisdicional ao abrigo do referido artigo 93.o, n.o 5, com base no lugar onde a alegada contrafação produz os seus efeitos, contrariaria a redação do artigo 94.o, n.o 2, desse regulamento, que limita a competência dos tribunais de marcas comunitárias ao abrigo deste artigo 93.o, n.o 5, aos atos cometidos ou em vias de serem cometidos no território do Estado‑Membro em que está situado o órgão jurisdicional chamado a decidir.

36

Além disso, como salientou o advogado‑geral nos n.os 28 e 29 das suas conclusões, tanto a génese como o contexto do Regulamento n.o 40/94 confirmam a vontade do legislador da União de derrogar a regra de competência prevista no artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 tendo em conta, nomeadamente, a insuficiência desta última regra de competência para responder aos problemas especiais relativos à violação de uma marca comunitária.

37

Por conseguinte, a competência jurisdicional ao abrigo do artigo 93.o, n.o 5, do Regulamento n.o 40/94 só pode ser determinada a favor dos tribunais de marcas comunitárias do Estado‑Membro em cujo território o réu cometeu o alegado ato ilícito.

38

Em face do exposto, há que responder à primeira questão que o conceito de «território [do Estado‑Membro em que] a contrafação tenha sido cometida», que figura no artigo 93.o, n.o 5, do Regulamento n.o 40/94, deve ser interpretado no sentido de que, no caso de serem efetuadas uma venda e uma entrega de um produto contrafeito no território de um Estado‑Membro, com uma revenda subsequente pelo adquirente no território de outro Estado‑Membro, esta disposição não permite determinar uma competência jurisdicional para conhecer de uma ação de contrafação contra o vendedor inicial que não atuou, ele próprio, no Estado‑Membro do órgão jurisdicional chamado a decidir.

Quanto à segunda questão

39

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, em caso de alegação de publicidade comparativa ilícita ou de imitação desleal de um sinal protegido por uma marca comunitária, proibidas pela Lei contra a concorrência desleal do Estado‑Membro do órgão jurisdicional chamado a decidir, esta disposição permite determinar a competência jurisdicional para conhecer de uma ação de responsabilidade, com base na referida lei nacional, intentada contra um dos presumidos autores estabelecido noutro Estado‑Membro e que alegadamente cometeu, neste último Estado, a alegada infração.

40

A este respeito, há que salientar que o artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 40/94 dispõe expressamente que podem ser intentadas ações respeitantes a marcas comunitárias com base no direito dos Estados‑Membros nomeadamente em matéria de responsabilidade civil e de concorrência desleal.

41

Essas ações não são da competência dos tribunais de marcas comunitárias. A competência para conhecer dessas ações não é, portanto, regida pelo Regulamento n.o 40/94. Por conseguinte, a competência para conhecer de ações com base na Lei nacional contra a concorrência desleal deve ser determinada com fundamento nas disposições do Regulamento n.o 44/2001.

42

Deste modo, tratando‑se de um pedido fundado na violação da Lei nacional contra a concorrência desleal, o artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 é aplicável a fim de determinar a competência jurisdicional do órgão jurisdicional chamado a decidir.

43

No que diz respeito à interpretação do artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001, há que recordar, antes de mais, que as disposições desse regulamento devem ser interpretadas autonomamente, tomando por referência o seu sistema e os seus objetivos (acórdão Melzer, C‑228/11, EU:C:2013:305, n.o 22 e jurisprudência referida).

44

Só em derrogação ao princípio fundamental enunciado no artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, que atribui a competência aos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro no território do qual o requerido está domiciliado, é que o capítulo II, secção 2, deste regulamento prevê um certo número de atribuições de competências especiais, entre as quais figura a do artigo 5.o, ponto 3, do referido regulamento (acórdão Melzer, EU:C:2013:305, n.o 23).

45

Na medida em que a competência dos órgãos jurisdicionais do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso constitui uma regra de competência especial, a mesma é de interpretação estrita e não permite uma interpretação que vá para além das situações contempladas expressamente pelo referido regulamento (acórdão Melzer, EU:C:2013:305, n.o 24).

46

Não deixa de ser verdade que a expressão «lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso», que figura no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001, se refere simultaneamente ao lugar da materialização do dano e ao lugar do evento causal que está na origem deste dano, de modo que o requerido pode ser demandado, à escolha do requerente, perante o tribunal de um ou outro destes lugares (acórdão Melzer, EU:C:2013:305, n.o 25).

47

A este respeito, é jurisprudência constante que a regra de competência prevista no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 é baseada na existência de um elemento de conexão particularmente estreita entre o litígio e os órgãos jurisdicionais do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso, que justifica uma atribuição de competência a estes últimos por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo (acórdão Melzer, EU:C:2013:305, n.o 26).

48

Uma vez que a identificação de um dos elementos de conexão reconhecidos pela jurisprudência recordada no n.o 46 do presente acórdão deve permitir determinar a competência do órgão jurisdicional objetivamente melhor posicionado para apreciar se os elementos constitutivos da responsabilidade do requerido estão reunidos, daqui resulta que só pode ser chamado a decidir, de forma válida, o órgão jurisdicional em cuja área de jurisdição se situe o elemento de conexão pertinente (v., neste sentido, acórdãos Folien Fischer e Fofitec, C‑133/11, EU:C:2012:664, n.o 52, e Melzer, EU:C:2013:305, n.o 28).

49

No que diz respeito ao lugar do evento causal, resulta da decisão de reenvio que vários autores deram presumivelmente origem ao alegado facto danoso e que a First Note, que é a única recorrida no litígio no processo principal, apenas atuou na Bélgica e, por conseguinte, fora da área de jurisdição do órgão jurisdicional perante a qual foi demandada.

50

Ora, como o Tribunal de Justiça já declarou, em circunstâncias em que um só entre vários presumidos autores de um alegado dano é demandado num órgão jurisdicional em cuja área de jurisdição não atuou, não se pode considerar que o evento causal se produziu na área de jurisdição desse órgão jurisdicional na aceção do artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 (v. acórdão Melzer, EU:C:2013:305, n.o 40).

51

Por conseguinte, o artigo 5.o, ponto 3, do referido regulamento não permite determinar, com base no lugar do evento causal, a competência jurisdicional para conhecer de uma ação de responsabilidade, com base na Lei contra a concorrência desleal do Estado‑Membro do órgão jurisdicional chamado a decidir, contra um dos presumidos autores do dano que não agiu na área de jurisdição do órgão jurisdicional chamado a decidir (v. acórdão Melzer, EU:C:2013:305, n.o 41).

52

No entanto, contrariamente ao processo que deu origem ao acórdão Melzer (EU:C:2013:305), no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio não limitou a sua questão à interpretação do artigo 5.o, ponto 3, do referido regulamento apenas para efeitos de determinação da competência dos órgãos jurisdicionais alemães com base no lugar do evento causal do alegado dano.

53

Por conseguinte, também importa examinar se, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, em que vários autores presumidos do alegado dano atuaram em diferentes Estados‑Membros, o artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 permite determinar, com base no lugar da materialização do dano, a competência dos órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro para conhecer de uma ação de responsabilidade, com base na Lei contra a concorrência desleal do mesmo Estado‑Membro do órgão jurisdicional chamado a decidir, contra um dos presumidos autores do dano que não atuou na área de jurisdição do órgão jurisdicional chamado a decidir.

54

É jurisprudência constante que o lugar da materialização do dano é aquele em que o facto suscetível de envolver responsabilidade extracontratual provocou um dano (v. acórdão Zuid‑Chemie, C‑189/08, EU:C:2009:475, n.o 26).

55

No que diz respeito aos danos resultantes de violações de um direito de propriedade intelectual e comercial, o Tribunal de Justiça precisou que a materialização do dano num determinado Estado‑Membro depende da proteção, neste último, do direito cuja violação é alegada (v. acórdãos Wintersteiger, C‑523/10, EU:C:2012:220, n.o 25, e Pinckney, C‑170/12, EU:C:2013:635, n.o 33).

56

Esta exigência é transponível para os casos em que está em causa a proteção desse direito mediante uma lei nacional contra a concorrência desleal.

57

Por conseguinte, há que considerar que, em circunstâncias como as do processo principal, um litígio relativo a uma violação da referida lei pode ser submetido aos órgãos jurisdicionais alemães, desde que o facto cometido noutro Estado‑Membro tenha provocado ou possa vir a provocar um dano na área de jurisdição do tribunal chamado a decidir.

58

A este respeito, cabe ao órgão jurisdicional chamado a decidir apreciar, atendendo aos elementos de que dispõe, em que medida a venda do perfume denominado «Blue Safe Women» a Stefan P., efetuada no território belga, pôde violar as disposições da Lei alemã contra a concorrência desleal e pôde, por conseguinte, conduzir a um dano na área de jurisdição desse órgão jurisdicional.

59

Em face do exposto, há que responder à segunda questão que o artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, caso seja alegada publicidade comparativa ilícita ou imitação desleal de um sinal protegido por uma marca comunitária, proibidas pela Lei contra a concorrência desleal do Estado‑Membro do órgão jurisdicional chamado a decidir, essa disposição não permite determinar, com base no lugar do evento causal de um dano resultante da violação dessa lei, a competência de um órgão jurisdicional do referido Estado‑Membro desde que um dos presumidos autores, aí demandado, não tenha atuado, por si só. Em contrapartida, nesse caso, a referida disposição permite determinar, com base no lugar da materialização do dano, a competência jurisdicional para conhecer de uma ação de responsabilidade com base na referida lei nacional, intentada contra uma pessoa estabelecida noutro Estado‑Membro e que alegadamente cometeu, neste último Estado, um ato que provocou ou poderia vir a provocar um dano na área de jurisdição do órgão jurisdicional chamado a decidir.

Quanto às despesas

60

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O conceito de «território [do Estado‑Membro em que] a contrafação tenha sido cometida», que figura no artigo 93.o, n.o 5, do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 29 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária, deve ser interpretado no sentido de que, no caso de serem efetuadas uma venda e uma entrega de um produto contrafeito no território de um Estado‑Membro, com uma revenda subsequente pelo adquirente no território de outro Estado‑Membro, esta disposição não permite determinar uma competência jurisdicional para conhecer de uma ação de contrafação contra o vendedor inicial que não atuou, ele próprio, no Estado‑Membro do órgão jurisdicional chamado a decidir.

 

2)

O artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, caso seja alegada publicidade comparativa ilícita ou imitação desleal de um sinal protegido por uma marca comunitária, proibidas pela Lei contra a concorrência desleal (Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb) do Estado‑Membro do órgão jurisdicional chamado a decidir, essa disposição não permite determinar, com base no lugar do evento causal de um dano resultante da violação dessa lei, a competência de um órgão jurisdicional do referido Estado‑Membro desde que um dos presumidos autores, aí demandado, não tenha atuado, por si só. Em contrapartida, nesse caso, a referida disposição permite determinar, com base no lugar da materialização do dano, a competência jurisdicional para conhecer de uma ação de responsabilidade com base na referida lei nacional, intentada contra uma pessoa estabelecida noutro Estado‑Membro e que alegadamente cometeu, neste último Estado, um ato que provocou ou possa vir a provocar um dano na área de jurisdição do órgão jurisdicional chamado a decidir.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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