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Documento 62012CJ0398

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 5 de junho de 2014.
M.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale di Fermo.
Convenção de aplicação do Acordo de Schengen — Artigo 54.° — Princípio ‘ne bis in idem’ — Âmbito de aplicação — Despacho de não pronúncia em razão da insuficiência dos elementos incriminatórios proferido por um órgão jurisdicional de um Estado contratante — Possibilidade de reabertura da instrução em caso de novas acusações — Conceito de ‘definitivamente julgado’ — Procedimento penal instaurado noutro Estado contratante contra a mesma pessoa — Extinção da ação pública e aplicação do princípio ne bis in idem.
Processo C‑398/12.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2014:1057

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

5 de junho de 2014 ( *1 )

«Convenção de aplicação do Acordo de Schengen — Artigo 54.o — Princípio ‘ne bis in idem’ — Âmbito de aplicação — Despacho de não pronúncia em razão da insuficiência dos elementos incriminatórios proferido por um órgão jurisdicional de um Estado contratante — Possibilidade de reabertura da instrução em caso de novas acusações — Conceito de ‘definitivamente julgado’ — Procedimento penal instaurado noutro Estado contratante contra a mesma pessoa — Extinção da ação pública e aplicação do princípio ne bis in idem»

No processo C‑398/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial, nos termos do artigo 35.o UE, apresentado pelo Tribunale di Fermo (Itália), por decisão de 11 de julho de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de agosto de 2012, no processo penal contra

M,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen (relator), presidente de secção, K. Lenaerts, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quarta Secção, M. Safjan, J. Malenovský e A. Prechal, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 12 de setembro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

em representação de Q e R, por C. Taormina e L. V. Mascioli, avvocati,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Palatiello, avvocato dello Stato,

em representação do Governo belga, por T. Materne e C. Pochet, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por C. Schillemans, M. de Ree, C. Wissels e B. Koopman, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por A. Posch, na qualidade de agente,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, M. Arciszewski, M. Szpunar e M. Szwarc, na qualidade de agentes,

em representação do Governo suíço, por D. Klingele, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por F. Moro e R. Troosters, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 6 de fevereiro de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 54.o da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de junho de 1985, entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns (JO 2000, L 239, p. 19), assinada em Schengen em 19 de junho de 1990 (a seguir «CAAS»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal intentado em Itália contra M, com base nos mesmos factos que foram objeto de uma instrução paralela na Bélgica pela prática, entre maio de 2001 e fevereiro de 2004, no território deste Estado‑Membro, de abusos sexuais sobre um menor.

Quadro jurídico

Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

3

A Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), contém em anexo o Protocolo n.o 7, assinado em Estrasburgo em 22 de novembro de 1984 e ratificado por 25 Estados‑Membros da União Europeia (a seguir «Protocolo n.o 7 à CEDH»), cujo artigo 4.o, sob a epígrafe «Direito a não ser julgado ou punido mais de uma vez», tem a seguinte redação:

«1.   Ninguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdições do mesmo Estado por motivo de uma infração pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal desse Estado.

2.   As disposições do número anterior não impedem a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afetar o resultado do julgamento.

3.   Não é permitida qualquer derrogação ao presente artigo com fundamento no artigo 15° da [CEDH].»

Direito da União

Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

4

O artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), sob a epígrafe «Direito a não ser julgado ou punido penalmente mais do que uma vez pelo mesmo delito», tem a seguinte redação:

«Ninguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado na União por sentença transitada em julgado, nos termos da lei.»

Protocolo (n.o 19) relativo ao acervo de Schengen

5

O Protocolo (n.o 19) relativo ao acervo de Schengen integrado no âmbito da União Europeia, anexo ao Tratado de Lisboa (JO 2010, C 83, p. 290), enuncia, nos seus artigos 1.° e 2.°, que o Reino da Bélgica e a República Italiana figuram entre os Estados‑Membros aos quais se aplica o acervo de Schengen

Protocolo (n.o 36) relativo às disposições transitórias

6

Em conformidade com o artigo 10.o, n.os 1 e 3, do Protocolo (n.o 36), anexo ao Tratado FUE, as competências conferidas ao Tribunal de Justiça da União Europeia nos termos do título VI do Tratado UE, na versão anterior ao Tratado de Lisboa, permanecerão inalteradas, nos primeiros cinco anos após a data de entrada em vigor deste, no que diz respeito ao atos da União adotados antes da entrada em vigor do referido Tratado, inclusivamente nos casos em que tenham sido aceites nos termos do n.o 2 do artigo 35.o UE.

Declaração nos termos do artigo 35.o, n.o 2, UE

7

Resulta da Informação relativa à data de entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 1 de maio de 1999 (JO L 114, p. 56), que a República Italiana apresentou uma declaração nos termos do artigo 35.o, n.o 2, UE, pela qual este Estado‑Membro aceitou a competência do Tribunal de Justiça para decidir a título prejudicial de acordo com as modalidades previstas na alínea b) do n.o 3 do artigo 35.o UE.

CAAS

8

Do acervo de Schengen faz parte, designadamente, a CAAS. O título III desta, sob a epígrafe «Polícia e segurança», inclui um capítulo 3, com a epígrafe «Aplicação do princípio ne bis in idem». Nos termos do artigo 54.o da CAAS, que figura neste capítulo 3:

«Aquele que tenha sido definitivamente julgado por um tribunal de uma parte contratante não pode, pelos mesmos factos, ser submetido a uma ação judicial intentada por uma outra parte contratante, desde que, em caso de condenação, a sanção tenha sido cumprida ou esteja atualmente em curso de execução ou não possa já ser executada, segundo a legislação da parte contratante em que a decisão de condenação foi proferida.»

Direito belga

9

O artigo 128.o do Código de Instrução Criminal belga (code d’instruction criminelle, a seguir «CIC») dispõe que, quando for requerido o julgamento de um arguido, «[s]e a chambre du conseil concluir que os factos não constituem um crime, delito ou contravenção, ou que não existem acusações contra o arguido, declarará que não há lugar a pronúncia».

10

O artigo 246.o do CIC dispõe:

«Se a chambre des mises en accusation tiver decidido que não há lugar a pronúncia, o arguido não pode posteriormente ser julgado com base nos mesmos factos, exceto quando se revelarem novos elementos incriminatórios.»

11

O artigo 247.o do CIC estabelece:

«São considerados novos elementos incriminatórios os depoimentos de testemunhas, os documentos e as atas que, embora não tenham podido ser submetidos à apreciação da chambre des mises en accusation, sejam suscetíveis de reforçar as provas que esta considerou demasiado frágeis ou de apresentar os factos sob uma outra perspetiva que seja útil ao apuramento da verdade.»

12

Resulta dos autos que, na Bélgica, a Cour de cassation já declarou que os artigos 246.° e 247.° do CIC regulam não apenas as decisões de não pronúncia das chambres des mises en accusation, mas são também aplicáveis em todos os casos em que os tribunais de instrução, incluindo as chambres du conseil, tenham posto termo a uma instrução penal através de uma decisão de não pronúncia.

13

O artigo 248.o do CIC prevê que, caso se venham a revelar novos elementos incriminatórios, o agente da polícia judiciária ou o juiz de instrução enviam cópia dos documentos e dos elementos incriminatórios ao procurador‑geral junto da cour d’appel. A pedido deste, o presidente da chambre des mises en accusation indica o juiz perante o qual se procederá, a pedido do Ministério Público, a uma nova instrução.

Direito italiano

14

O artigo 604.o do Código Penal italiano prevê que os atos de violência sexual praticados por cidadãos italianos podem ser alvo de procedimento penal em Itália mesmo quando tenham sido praticados no estrangeiro.

Litígio no processo principal e questão prejudicial

15

M, cidadão italiano, reside na Bélgica, onde, na sequência de uma série de denúncias da sua nora, Q, foi alvo de procedimentos penais, em 2004, por comportamentos constitutivos de violência sexual ou de condutas ilícitas de caráter sexual, como atentado ao pudor sobre uma menor de menos de dezasseis anos.

16

Estes factos terão sido cometidos em território belga entre maio de 2001 e fevereiro de 2004 contra N, sua neta, nascida em 29 de abril de 1999, com a cumplicidade do seu filho O, que é o pai de N.

17

Após a instrução durante a qual foram recolhidos e examinados diversos elementos de prova, a chambre du conseil do tribunal de première instance de Mons (Bélgica) proferiu, em 15 de dezembro de 2008, uma decisão de não pronúncia em razão da insuficiência de elementos incriminatórios (a seguir «despacho de não pronúncia»).

18

A chambre des mises en accusation da cour d’appel de Mons (Bélgica) confirmou este despacho de não pronúncia por acórdão de 21 de abril de 2009. Por acórdão de 2 de dezembro de 2009, a Cour de cassation (Bélgica) negou provimento ao recurso interposto do acórdão acima referido.

19

Em paralelo com a instrução levada a cabo em território belga e na sequência de uma queixa apresentada por Q, em 23 de novembro de 2006, à polícia italiana, foi aberto um procedimento penal contra M, em razão dos factos já referidos nos n.os 15 e 16 do presente acórdão, no Tribunale di Fermo.

20

Em 19 de dezembro de 2008, na sequência de uma instrução que retomou, no essencial, a que decorreu na Bélgica, o juiz da audiência preliminar do Tribunale di Fermo ordenou que M fosse julgado pelo coletivo deste tribunal.

21

Na audiência de 9 de dezembro de 2009 no Tribunale di Fermo, M invocou o acórdão de 2 de dezembro de 2009 da Cour de cassation e o princípio ne bis in idem.

22

O Ministério Público e os advogados de Q, embora admitindo a identidade dos factos que foram objeto da instrução tanto na Bélgica como em Itália, contestaram a existência de uma decisão de mérito com força de caso julgado e alegaram, a esse respeito, que o despacho de não pronúncia de 15 de dezembro de 2008 não obstava à reabertura posterior do processo mediante a apresentação de novos elementos incriminatórios.

23

O órgão jurisdicional de reenvio indica que o referido despacho de não pronúncia se opõe a que o arguido seja julgado, a menos que contra ele sejam apresentados novos elementos incriminatórios, conforme definidos no artigo 247.o do CIC.

24

O órgão jurisdicional de reenvio salienta igualmente que, segundo o direito belga, a reabertura da instrução judiciária com base em novos elementos incriminatórios só pode ter lugar a pedido do Ministério Público.

25

Nestas condições, o Tribunale di Fermo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Uma decisão definitiva de não pronúncia, proferida [por um órgão jurisdicional de um] Estado‑Membro da União Europeia signatário da CAAS, no termo de uma instrução exaustiva levada a cabo através de um inquérito efetuado no âmbito de um processo que pode ser reaberto mediante apresentação de novas provas, obsta à abertura ou ao prosseguimento de um processo instaurado pelos mesmos factos e contra a mesma pessoa noutro Estado contratante?»

Quanto à questão prejudicial

26

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 54.o da CAAS deve ser interpretado no sentido de que um despacho de não pronúncia que obsta, no Estado contratante em que este despacho foi proferido, à abertura de um novo processo pelos mesmos factos contra a pessoa que beneficiou do referido despacho, a menos que surjam novos elementos incriminatórios contra esta, deve ser considerado uma decisão que julga definitivamente, na aceção deste artigo, obstando assim a um novo processo contra a mesma pessoa pelos mesmos factos noutro Estado contratante.

27

Como resulta dos próprios termos do artigo 54.o da CAAS, ninguém pode ser submetido a uma ação judicial intentada num Estado contratante pelos mesmos factos pelos quais já foi «definitivamente julgado» num primeiro Estado contratante.

28

A fim de determinar se uma decisão judicial constitui uma decisão pela qual alguém foi definitivamente julgado, na aceção do referido artigo, importa assegurar que esta decisão foi proferida na sequência de uma apreciação de mérito do processo (v., neste sentido, acórdão Miraglia, C‑469/03, EU:C:2005:156, n.o 30).

29

Para este efeito, o Tribunal de Justiça declarou que se deve considerar que uma decisão das autoridades judiciárias de um Estado contratante, pela qual um arguido foi definitivamente absolvido por insuficiência de provas, se baseou numa apreciação desse tipo (v., neste sentido, acórdão van Straaten, C‑150/05, EU:C:2006:614, n.o 60).

30

Importa por isso considerar que um despacho de não pronúncia proferido na sequência de uma instrução no decurso da qual foram recolhidos e examinados diversos elementos de prova foi objeto de uma apreciação de mérito, na aceção do acórdão Miraglia (EU:C:2005:156), na medida em que contenha uma decisão definitiva quanto ao caráter insuficiente dessas provas e exclua qualquer possibilidade de reabertura do processo com base no mesmo conjunto de indícios.

31

A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, para que se possa considerar que uma pessoa foi «definitivamente julgad[a]», na aceção do artigo 54.o da CAAS, pelos factos que lhe são imputados, a ação pública deve ter ficado definitivamente extinta, para que a decisão em causa dê origem, no Estado contratante em que foi proferida, à proteção conferida pelo princípio ne bis in idem (v., neste sentido, acórdão Turanský, C‑491/07, EU:C:2008:768, n.os 32 e 35 e jurisprudência referida).

32

Com efeito, uma decisão que, segundo o direito do Estado contratante que instaurou uma ação penal contra uma pessoa, não extingue definitivamente a ação pública a nível nacional não pode, em princípio, ter por efeito obstar processualmente a que sejam eventualmente instauradas ou prosseguidas ações penais, pelos mesmos factos, contra essa pessoa noutro Estado contratante (acórdão Turanský, EU:C:2008:768, n.o 36).

33

Ora, como resulta da decisão de reenvio, na sequência do acórdão proferido pela Cour de cassation em 2 de dezembro de 2009, o despacho de não pronúncia transitou em julgado. Assim, deve considerar‑se que a ação pública se extinguiu, obstando assim, no território do Reino da Bélgica, a uma nova ação penal contra M pelos mesmos factos e com base no mesmo conjunto de elementos já examinados no âmbito do processo que deu lugar ao referido despacho. Com efeito, os artigos 246.° a 248.° do CIC dispõem, em substância, que o processo só pode ser reaberto com base em novos elementos incriminatórios, ou seja, em particular, elementos de prova ainda não submetidos à apreciação da chambre des mises en accusation e suscetíveis de alterar a sua decisão de não pronúncia.

34

Por outro lado, importa recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou no n.o 40 do acórdão Bourquain (C‑297/07, EU:C:2008:708), a propósito de uma sentença proferida na ausência do arguido, o simples facto de, nos termos do direito nacional, este procedimento penal ter implicado a reabertura do processo não exclui, enquanto tal, que essa sentença seja mesmo assim qualificada de «definitiva», na aceção do artigo 54.o da CAAS.

35

Além disso, importa salientar que, dado que o direito de não ser julgado ou punido penalmente duas vezes pela mesma infração está igualmente previsto no artigo 50.o da Carta, o artigo 54.o da CAAS deve ser interpretado à luz deste.

36

A este respeito, deve salientar‑se, em primeiro lugar, que a apreciação do caráter «definitivo» da decisão penal em causa deve ser feita com base no direito do Estado‑Membro em que esta foi proferida.

37

Deve observar‑se que, segundo as anotações relativas ao artigo 50.o da Carta, que devem ser tomadas em consideração para efeitos da sua interpretação (acórdão Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 20 e jurisprudência referida), «no que diz respeito às situações visadas pelo artigo 4.o do Protocolo n.o 7, a saber, a aplicação do princípio no interior de um mesmo Estado‑Membro, o direito garantido tem o mesmo sentido e âmbito que o direito correspondente da CEDH». Com efeito, uma vez que o artigo 54.o da CAAS faz depender o caráter «definitivo» de uma decisão judicial, para efeitos da aplicação do princípio ne bis in idem a eventuais processos abertos num Estado contratante, do caráter definitivo ou não dessa decisão no Estado contratante em que esta foi proferida, este ponto das anotações é pertinente no caso em apreço.

38

Ora, resulta do artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo n.o 7 à CEDH, que o princípio ne bis in idem consagrado no n.o 1 deste artigo não obsta à possibilidade de reabertura do processo «se factos novos ou recentemente revelados» puderem afetar a decisão tomada.

39

A este respeito, foi declarado no acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Zolotoukhine c. Rússia de 10 de fevereiro de 2009 (n.o 14939/03, § 83), que o artigo 4.o do Protocolo n.o 7 à CEDH «é aplicável quando são abertos novos procedimentos criminais e a decisão anterior de absolvição ou de condenação já transitou em julgado». Em contrapartida, os recursos extraordinários não podem ser tomados em conta quando se trata de determinar se o processo foi definitivamente encerrado. Ainda que estas vias de recurso constituam uma continuação do primeiro processo, o caráter «definitivo» da decisão não pode depender do seu exercício (TEDH, acórdão Zolotoukhine c. Rússia de 10 de fevereiro de 2009, n.o 14939/03, § 108).

40

No caso em apreço, a possibilidade de reabertura da instrução judicial em razão da existência de novos elementos incriminatórios, conforme prevista nos artigos 246.° a 248.° do CIC, não pode pôr em causa o caráter definitivo do despacho de não pronúncia em causa no processo principal. Esta possibilidade não é um «recurso extraordinário», na aceção da referida jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, mas implica a abertura excecional, com base em elementos de prova diferentes, de um processo distinto, e não a simples continuação do processo já encerrado. Por outro lado, tendo em conta a necessidade de verificar o caráter verdadeiramente novo dos elementos invocados para justificar uma reabertura, qualquer novo processo, baseado nessa possibilidade de reabertura, contra a mesma pessoa pelos mesmos factos, só pode ser aberto no Estado contratante em cujo território este despacho foi proferido.

41

À luz das considerações que precedem, há que responder à questão submetida que o artigo 54.o da CAAS deve ser interpretado no sentido de que um despacho de não pronúncia que obsta, no Estado contratante em que este despacho foi proferido, à abertura de um novo processo pelos mesmos factos contra a pessoa que beneficiou do referido despacho, a menos que surjam novos elementos incriminatórios contra esta, deve ser considerado uma decisão que julga definitivamente, na aceção deste artigo, obstando assim a um novo processo contra a mesma pessoa pelos mesmos factos noutro Estado contratante.

Quanto às despesas

42

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 54.o da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de junho de 1985, entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns, assinada em Schengen em 19 de junho de 1990, deve ser interpretado no sentido de que um despacho de não pronúncia que obsta, no Estado contratante em que este despacho foi proferido, à abertura de um novo processo pelos mesmos factos contra a pessoa que beneficiou do referido despacho, a menos que surjam novos elementos incriminatórios contra esta, deve ser considerado uma decisão que julga definitivamente, na aceção deste artigo, obstando assim a um novo processo contra a mesma pessoa pelos mesmos factos noutro Estado contratante.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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