Escolha as funcionalidades experimentais que pretende experimentar

Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62009CO0112

Despacho do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 14 de Janeiro de 2010.
Sociedad General de Autores y Editores (SGAE) contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Recurso de anulação - Prazo de recurso - Inadmissibilidade por intempestividade - Conceito de ‘erro desculpável’ - Recurso manifestamente improcedente.
Processo C-112/09 P.

Colectânea de Jurisprudência 2010 I-00351

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2010:16

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

14 de Janeiro de 2010 ( *1 )

No processo C-112/09 P,

que tem por objecto um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, interposto em 20 de Março de 2009,

Sociedad General de Autores y Editores (SGAE), com sede em Madrid (Espanha), representada por R. Allendesalazar Corcho e R. Vallina Hoset, abogados,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: C. Toader, presidente de secção, K. Schiemann (relator) e L. Bay Larsen, juízes,

advogada-geral: J. Kokott,

secretário: R. Grass,

ouvida a advogada-geral,

profere o presente

Despacho

1

Através do presente recurso, a Sociedad General de Autores y Editores (SGAE) pede a anulação do despacho do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 13 de Janeiro de 2009, SGAE/Comissão (T-456/08, a seguir «despacho recorrido»), que julgou manifestamente inadmissível o seu recurso de anulação parcial da Decisão C (2008) 3435 final da Comissão, de , relativa a um processo de aplicação do artigo 81.o CE e do artigo 53.o do Acordo EEE (processo COMP/C2/38.698 — CISAC, a seguir «decisão controvertida»), por ter sido interposto fora de prazo.

Antecedentes do litígio e processo no Tribunal de Primeira Instância

2

A recorrente é uma entidade de gestão colectiva de direitos de autor, com sede em Espanha.

3

Por carta de 23 de Julho de 2008, foi-lhe notificada a decisão controvertida respeitante a um acordo, decisão ou prática concertada no quadro das condições de gestão dos direitos de execução pública de obras musicais e de concessão das respectivas licenças por sociedades de gestão colectiva, que consiste na utilização, nos acordos de representação recíproca, das restrições de inscrição constantes do contrato-tipo da Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores ou por aplicação, de facto, de tais restrições de inscrição.

4

A recorrente interpôs recurso da decisão controvertida por telecópia recebida na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 6 de Outubro de 2008. O original da petição foi apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 9 de Outubro.

5

Tendo sido informada, em 15 de Outubro de 2008, por carta do secretário do Tribunal de Primeira Instância, de que o seu recurso da decisão controvertida não havia sido interposto no prazo previsto pelo artigo 230.o CE, a recorrente invocou, por carta de , um erro desculpável de forma a obter uma derrogação das disposições relativas aos prazos processuais.

6

A recorrente alega, nomeadamente, ter calculado o prazo de interposição do recurso a partir de 24 de Julho de 2008, dia seguinte à recepção da decisão controvertida, tendo por isso concluído que tal prazo terminaria em . Além disso, sendo o dia 4 de Outubro um sábado, a recorrente considerou, em conformidade com o artigo 101.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, que o referido prazo terminaria no dia útil seguinte, ou seja, segunda-feira, .

7

A recorrente sustenta ter interpretado o artigo 101.o, n.os 1, alíneas a) e b), e 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância confiando no método de contagem de prazos indicado pela Comissão das Comunidades Europeias, no procedimento que deu origem à decisão controvertida, que refere o artigo 3.o, n.os 1 e 2, do Regulamento (CEE, Euratom) n.o 1182/71 do Conselho, de 3 de Junho de 1971, relativo à determinação das regras aplicáveis aos prazos, às datas e aos termos (JO L 124, p. 1; EE 01 F1 p. 149). Sendo o conteúdo das duas disposições essencialmente idêntico, o método indicado pela Comissão conduziu a recorrente à conclusão errada de que, em direito comunitário, a contagem dos prazos devia ser sempre efectuada da mesma forma, ou seja, o prazo processual seria acrescido de um dia suplementar, uma vez que o dia da notificação não entraria na contagem. Este erro esteve na origem da interposição fora de prazo do recurso no Tribunal de Primeira Instância.

8

Por outro lado, a recorrente alega ter-se esforçado por confirmar que a sua contagem estava correcta, dirigindo-se à Comissão para que esta lhe confirmasse por escrito a data de notificação da decisão controvertida. Depois de ter recebido a referida confirmação por escrito, contactou igualmente a Secretaria do Tribunal de Primeira Instância de forma a confirmar a exactidão da contagem do prazo que tinha efectuado. Segundo a recorrente, foi-lhe comunicado que não era possível responder à sua questão.

Despacho recorrido

9

Pelo despacho recorrido, o Tribunal de Primeira Instância julgou o recurso inadmissível pelo facto de não ter sido interposto dentro dos prazos previstos para o efeito.

10

O Tribunal de Primeira Instância começou por concluir pela intempestividade do recurso tendo precisado que, por força do artigo 230.o, quinto parágrafo, CE, bem como dos artigos 101.o, n.os 1, alíneas a) e b), e 2, e 102.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, o prazo do mencionado recurso havia começado a correr em 24 de Julho de 2008 e expirado em , incluindo o prazo de dilação em razão da distância.

11

Após ter recordado a jurisprudência comunitária sobre o conceito de erro desculpável, o Tribunal de Primeira Instância, nos n.os 19 a 21 do despacho recorrido, rejeitou a argumentação da recorrente fundada na existência de tal erro nos seguintes termos:

«19

Porém, no caso em apreço, não se pode reconhecer a existência de um erro desculpável, na medida em que, em primeiro lugar, para calcular o prazo de interposição de recurso, a recorrente não aplicou o artigo 101.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regulamento de Processo de acordo com a sua clara redacção, mas sim, de acordo com uma interpretação feita por outra instituição, de uma outra norma, cujo texto é diferente e que figura numa outra regulamentação, aplicável a um procedimento perante essa outra instituição. Ora, importa referir, ainda que a recorrente não o tenha alegado, que o comportamento da instituição em causa, concretamente o Tribunal de Primeira Instância, não a incentivou a proceder de tal forma.

20

Em segundo lugar, a regulamentação relativa aos prazos aplicáveis ao caso concreto é límpida e não apresenta qualquer dificuldade particular de interpretação […].

21

Em terceiro lugar, a recorrente não demonstrou diligência, nomeadamente, procurando obter confirmação na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância da contagem do prazo a que tinha procedido com vista à apresentação da petição dentro do prazo fixado. Com efeito, não faz parte das funções e competências dos funcionários da Secretaria pronunciarem-se a respeito da contagem do prazo para interposição de um recurso […]»

Pedidos da recorrente

12

No presente recurso, a recorrente pede que o Tribunal:

julgue admissível e procedente o presente recurso e anule o despacho recorrido;

julgue admissível o recurso interposto no Tribunal de Primeira Instância e ordene que os autos baixem ao Tribunal de Primeira Instância para conhecimento do mérito; e

condene a Comissão nas despesas do presente recurso.

Quanto ao presente recurso

13

Nos termos do artigo 119.o do Regulamento de Processo, quando o recurso for, no todo ou em parte, manifestamente inadmissível ou improcedente, o Tribunal de Justiça pode, a todo o tempo, com base no relatório do juiz-relator e ouvido o advogado-geral, rejeitá-lo em despacho fundamentado, sem dar início à fase oral e sem notificar a recorrida.

14

No caso em apreço, o Tribunal de Justiça considera-se suficientemente esclarecido pelas peças constantes dos autos para negar provimento ao recurso por ser manifestamente improcedente através de despacho fundamentado.

Argumentos da recorrente

15

Em apoio do seu recurso, a recorrente avança três fundamentos.

16

Através do seu primeiro fundamento, a recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância se considerou, no n.o 19 do despacho recorrido, a «instituição em causa» na acepção da jurisprudência em matéria de erro desculpável, ou seja, a instituição cujo comportamento teria provocado o erro em questão. Ora, decorre claramente desta jurisprudência que essa instituição em causa é sempre a instituição que adoptou o acto recorrido, no caso em apreço, a Comissão.

17

Com o seu segundo fundamento, a recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância não teve em consideração o facto de os artigos 101.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância e 3.o do Regulamento n.o 1182/71 deverem ser interpretados de modo uniforme. No n.o 19 do despacho recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente a irrelevância da interpretação do referido artigo 3.o feita pela Comissão, qualificando-a de «interpretação feita por outra instituição, de uma outra norma, cujo texto é diferente e que figura numa outra regulamentação, aplicável a um procedimento perante essa outra instituição». Ora, de acordo com a recorrente, a contagem dos prazos deve ser realizada da mesma forma, quer se trate da aplicação do Regulamento n.o 1182/71 ou do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

18

Através do seu terceiro fundamento, a recorrente considera que o Tribunal de Primeira Instância desrespeitou a jurisprudência em matéria de erro desculpável, na medida em que a aplicou de forma errónea e demasiado restritiva. Com efeito, segundo a recorrente, as condições necessárias para demonstrar a existência de um erro desculpável estão reunidas no caso em apreço. Nomeadamente, por um lado, existem circunstâncias excepcionais susceptíveis de provocar, de forma decisiva, uma confusão admissível no espírito de um particular e, por outro lado, a recorrente provou toda a diligência exigida a uma pessoa normalmente atenta.

Apreciação do Tribunal

19

Há que apreciar conjuntamente os três fundamentos invocados pela recorrida, na medida em que todos visam a recusa, por parte do Tribunal de Primeira Instância, em reconhecer a existência de um erro desculpável no caso em apreço.

20

Há que recordar que, no âmbito da regulamentação comunitária relativa aos prazos de recurso, o conceito de erro desculpável, que permite derrogá-los, se refere apenas a circunstâncias excepcionais nas quais a instituição em causa adoptou um comportamento susceptível de, por si só ou de forma decisiva, provocar uma confusão admissível no espírito de um particular de boa fé e que faça prova da diligência exigida de um operador normalmente atento (v., designadamente, acórdão de 15 de Dezembro de 1994, Bayer/Comissão, C-195/91 P, Colect., p. I-5619, n.o 26). Com efeito, a aplicação estrita dessas normas corresponde à exigência de segurança jurídica e à necessidade de se evitar qualquer discriminação ou tratamento arbitrário na administração da justiça (v., neste sentido, acórdão de , Cockerill-Sambre/Comissão, 42/85, Recueil, p. 3749, n.o 10; bem como despachos de , Irlanda/Comissão, C-239/97, Colect., p. I-2655, n.o 7, e de , Bélgica/Comissão, C-242/07 P, Colect., p. I-9757, n.o 16).

21

Não se pode deixar de observar que a aplicação desta jurisprudência por parte do Tribunal de Primeira Instância não é errónea nem demasiado restritiva. É pois com razão que o Tribunal de Primeira Instância concluiu pelo não reconhecimento da existência de um erro desculpável no caso em apreço.

22

É certo que, como a recorrente sublinhou acertadamente no seu recurso, a «instituição em causa» a que alude a referida jurisprudência é a instituição que adoptou o acto recorrido, neste caso, a Comissão.

23

Porém, há que observar que a Comissão não adoptou um comportamento susceptível de, por si só ou de forma decisiva, provocar uma confusão admissível no espírito de um particular de boa fé, fazendo prova de toda a diligência exigida a uma pessoa normalmente atenta.

24

Como o Tribunal de Primeira Instância declarou correctamente nos n.os 19 e 20 do despacho recorrido, a redacção do artigo 101.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância é clara e límpida e não apresenta qualquer dificuldade particular de interpretação. Com vista à aplicação desta disposição, não existia nenhuma necessidade, para um operador normalmente atento, de recorrer a qualquer interpretação feita pela Comissão de uma outra disposição similar, como o artigo 3.o do Regulamento n.o 1182/71.

25

A questão de saber se o artigo 101.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância e o artigo 3.o do Regulamento n.o 1182/71 devem ser interpretados de forma idêntica não é, pois, relevante para a determinação do prazo de recurso em apreço. Por conseguinte, há que declarar que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu qualquer erro ao não ter procedido à análise desta questão.

26

Em todo o caso, um operador normalmente atento não teria escolhido uma interpretação manifestamente contra legem do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, deduzida da interpretação feita pela Comissão de um regulamento diferente, sem pelo menos verificar a exactidão da contagem dos prazos resultante dessa interpretação.

27

Neste contexto, a recorrente não pode validamente defender que, ao ter, em vão, procurado confirmar a exactidão da sua contagem junto da Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, deu provas de toda a diligência exigida a um operador normalmente atento. Como o Tribunal de Primeira Instância declarou correctamente no n.o 21 do despacho recorrido, não faz parte das funções e competências dos funcionários da Secretaria pronunciarem-se a respeito da contagem do prazo para a interposição de um recurso.

28

Por outro lado, há que considerar que foi igualmente sem erro que o Tribunal de Primeira Instância constatou, além disso, no n.o 19 do despacho recorrido, que o seu comportamento não havia induzido a recorrente em erro na contagem do prazo de recurso.

29

Ainda que o Tribunal de Primeira Instância não seja a «instituição em causa» a que se refere a jurisprudência mencionada no n.o 20 do presente despacho, impõe-se sublinhar que um erro desculpável pode resultar de qualquer tipo de circunstâncias excepcionais. Assim, um erro desculpável pode decorrer de um comportamento da própria jurisdição que provoque confusão no espírito do particular. Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro ao examinar brevemente tal hipótese.

30

À luz do exposto, há que julgar improcedentes os três fundamentos invocados pela recorrente e, por consequência, negar provimento ao recurso na íntegra.

Quanto às despesas

31

Por força do disposto no artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável ao processo de recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.o do mesmo regulamento, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas no despacho que ponha termo ao processo.

32

Dado que o presente despacho foi adoptado antes da notificação da petição à recorrida e antes de esta poder efectuar quaisquer despesas, basta decidir que a recorrente suportará as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Sociedad General de Autores y Editores (SGAE) suportará as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.

Início