EUR-Lex Acesso ao direito da União Europeia

Voltar à página inicial do EUR-Lex

Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62001CJ0097

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 12 de Junho de 2003.
Comissão das Comunidades Europeias contra Grão-Ducado do Luxemburgo.
Incumprimento de Estado - Telecomunicações - Direitos de passagem - Não transposição efectiva da Directiva 90/388/CEE.
Processo C-97/01.

Colectânea de Jurisprudência 2003 I-05797

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2003:336

62001J0097

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 12 de Junho de 2003. - Comissão das Comunidades Europeias contra Grão-Ducado do Luxemburgo. - Incumprimento de Estado - Telecomunicações - Direitos de passagem - Não transposição efectiva da Directiva 90/388/CEE. - Processo C-97/01.

Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-05797


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


Actos das instituições - Directivas - Execução pelos Estados-Membros - Necessidade de uma transposição clara e precisa - Directiva 90/388 relativa à concorrência nos mercados de serviços de telecomunicações - Obrigação de os Estados-Membros designarem de forma clara a autoridade competente para a concessão de direitos de passagem para o fornecimento de redes e de estabelecerem procedimentos administrativos transparentes

(Artigo 249.° , n.° 3, CE; Directiva 90/388 da Comissão, artigo 4.° -D)

Sumário


$$Para a transposição de uma directiva para a ordem jurídica de um Estado-Membro, é indispensável que o direito nacional em causa garanta efectivamente a plena aplicação da directiva, que a situação jurídica decorrente desse direito seja suficientemente precisa e clara e que os beneficiários sejam colocados em situação de conhecer a plenitude dos seus direitos.

Em especial, no que respeita à designação da autoridade competente para aplicar a directiva, embora os Estados-Membros tenham a liberdade de repartir, conforme considerem oportuno, as competências no plano interno e de dar aplicação a uma directiva através de medidas adoptadas por diferentes autoridades, não é menos certo que deve ser dada aos particulares a possibilidade de conhecerem integralmente os seus direitos.

Assim, tratando-se da transposição efectiva do primeiro parágrafo do artigo 4.° -D da Directiva 90/388, relativa à concorrência nos mercados de serviços de telecomunicações, alterada pela Directiva 96/19, segundo a qual os Estados-Membros não farão qualquer discriminação entre operadores que oferecem redes públicas de telecomunicações no que diz respeito à concessão de direitos de passagem para a oferta das referidas redes, a autoridade nacional competente para a concessão dos referidos direitos deve ser claramente designada e devem ser instituídos procedimentos administrativos transparentes para a concretização desses direitos. A falta de transparência é, com efeito, susceptível de dissuadir as empresas que pretendam oferecer redes públicas de telecomunicações de apresentarem pedidos de direitos de passagem.

( cf. n.os 32, 36, 37, 39 )

Partes


No processo C-97/01,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por S. Rating e F. Siredey-Garnier, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Grão-Ducado do Luxemburgo, representado por J. Faltz, na qualidade de agente,

demandado,

que tem por objecto obter a declaração de que, ao não assegurar, na prática, a transposição efectiva para o direito luxemburguês do artigo 4.° -D da Directiva 90/388/CEE da Comissão, de 28 de Junho de 1990, relativa à concorrência nos mercados de serviços de telecomunicações (JO L 192, p. 10), alterada pela Directiva 96/19/CE da Comissão, de 13 de Março de 1996 (JO L 74, p. 13), o Grão-Ducado do Luxemburgo não cumpriu as obrigações que lhe incumbem,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: J.-P. Puissochet, presidente de secção, C. Gulmann, V. Skouris, F. Macken e N. Colneric (relatora), juízes,

advogado-geral: L. A. Geelhoed,

secretário: R. Grass,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 4 de Julho de 2002,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 27 de Fevereiro de 2001, a Comissão das Comunidades Europeias propôs, nos termos do artigo 226.° CE, uma acção que tem por objecto obter a declaração de que, ao não assegurar, na prática, a transposição efectiva para o direito luxemburguês do artigo 4.° -D da Directiva 90/388/CEE da Comissão, de 28 de Junho de 1990, relativa à concorrência nos mercados de serviços de telecomunicações (JO L 192, p. 10), alterada pela Directiva 96/19/CE da Comissão, de 13 de Março de 1996 (JO L 74, p. 13, a seguir «directiva»), o Grão-Ducado do Luxemburgo não cumpriu as obrigações que lhe incumbem.

Enquadramento jurídico

Legislação comunitária

2 O artigo 2.° da directiva dispõe:

«1. Os Estados-Membros devem suprimir todas as medidas que concedam:

a) direitos exclusivos para o fornecimento de serviços de telecomunicações incluindo a criação e a oferta de redes de telecomunicações necessárias para o fornecimento desses serviços,

ou

b) direitos especiais que limitem a duas ou mais as empresas autorizadas a fornecerem esses serviços de telecomunicações ou a criarem ou oferecerem essas redes, sem ser em função de critérios objectivos, proporcionais e não discriminatórios,

ou

c) direitos especiais que permitem, sem ser em função de critérios objectivos proporcionais e não discriminatórios, designar várias empresas concorrentes para fornecerem esses serviços de telecomunicações ou para criarem ou oferecerem essas redes.

2. Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para garantir que qualquer empresa possa fornecer os serviços de telecomunicações a que se refere o n.° 1, bem como criar ou oferecer as redes referidas no n.° 1.

Sem prejuízo do disposto no artigo 3.° -C e no terceiro parágrafo do artigo 4.° , os Estados-Membros podem manter direitos especiais e exclusivos até 1 de Janeiro de 1998 no que diz respeito à telefonia vocal e à criação e oferta de redes públicas de telecomunicações.

Os Estados-Membros garantirão, o mais tardar até 1 de Julho de 1996, que sejam suprimidas todas as restrições ao fornecimento de serviços de telecomunicações, que não os da telefonia vocal, em redes instaladas pelo fornecedor dos serviços de telecomunicações, nas infra-estruturas fornecidas por terceiros e através da utilização partilhada de redes e de outras instalações e locais e que as medidas respectivas sejam notificadas à Comissão.

Relativamente às datas previstas no segundo e terceiro parágrafos do presente número, no artigo 3.° e no n.° 2 do artigo 4.° -A, aos Estados-Membros com redes menos desenvolvidas será concedido, a pedido, um prazo adicional para a sua aplicação até cinco anos e aos Estados-Membros com redes muito reduzidas um prazo de transposição adicional até dois anos, desde que tal seja necessário para proceder aos ajustamentos estruturais que se impõem. [...]

3. Os Estados-Membros que sujeitem o fornecimento de serviços de telecomunicações ou a criação ou oferta de redes de telecomunicações a um processo de licenciamento, de autorização geral ou de declaração destinado a dar cumprimento às exigências essenciais, assegurarão que as condições relevantes serão objectivas, não discriminatórias, proporcionais e transparentes, que qualquer recusa será devidamente fundamentada e que qualquer decisão será passível de recurso.

O fornecimento de serviços de telecomunicações, que não a telefonia vocal, a criação e oferta de redes públicas de telecomunicações e de outras redes de telecomunicações que impliquem a utilização de frequências de rádio apenas podem ser sujeitos a um processo de autorização geral ou de declaração.

[...]»

3 Na sequência de um pedido apresentado em 28 de Junho de 1996 pelo Grão-Ducado do Luxemburgo, nos termos do artigo 2.° , n.° 2, quarto parágrafo, da directiva, a Comissão concedeu a este último, pela Decisão 97/568/CE, de 14 de Maio de 1997 (JO L 234, p. 7), períodos de execução adicionais para a aplicação da directiva, no que diz respeito à plena concorrência nos mercados das telecomunicações, períodos esses que adiaram para 1 de Julho de 1998 a supressão dos direitos exclusivos em matéria de telefonia vocal (artigo 1.° da decisão) e, para 1 de Julho de 1997, a eliminação das restantes restrições à prestação de serviços de telecomunicações já liberalizados (artigo 2.° da referida decisão).

4 Nos termos do artigo 4.° -D da directiva:

«Os Estados-Membros não farão qualquer discriminação entre operadores que oferecem redes públicas de telecomunicações no que diz respeito à concessão de direitos de passagem para a oferta das referidas redes.

Quando a concessão de novos direitos de passagem a empresas que pretendam oferecer redes públicas de telecomunicações não for possível em razão das exigências essenciais aplicáveis, os Estados-Membros devem garantir o acesso, em condições razoáveis, às infra-estruturas existentes estabelecidas mediante direitos de passagem e que não possam ser duplicadas.»

5 O artigo 2.° , n.° 6, da Directiva 90/387/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1990, relativa à realização do mercado interno dos serviços de telecomunicações mediante a oferta de uma rede aberta de telecomunicações (JO L 192, p. 1), alterada pela Directiva 97/51/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Outubro de 1997 (JO L 295, p. 23), prevê que, para efeitos da Directiva 90/387, se entende por «exigências essenciais»:

«as razões de interesse geral e de natureza não económica que podem levar um Estado-Membro a impor condições ao estabelecimento e/ou funcionamento das redes de telecomunicações ou à prestação de serviços de telecomunicações. Essas razões são a segurança do funcionamento da rede, a manutenção da integridade da rede e, sempre que se justificar, a interoperabilidade dos serviços, a protecção dos dados, a protecção do ambiente e os objectivos do ordenamento do território, bem como a utilização efectiva do espectro de frequências e a necessidade de evitar interferências prejudiciais entre os sistemas de telecomunicações baseados nas radiocomunicações e outros sistemas técnicos espaciais ou terrestres. [...]»

Legislação nacional

6 O artigo 7.° da lei luxemburguesa, de 21 de Março de 1997, relativa às telecomunicações (Mémorial A 1997, p. 761, a seguir «lei das telecomunicações»), estabelece um regime de licenciamento da exploração de redes de telecomunicações, de serviços de telefonia, de telefonia móvel e de radiomensagens.

7 O artigo 34.° , n.° 1, primeiro parágrafo, da lei das telecomunicações dispõe:

«[...] o titular de uma licença de exploração de uma rede de telecomunicações [...] pode utilizar os domínios públicos do Estado e dos municípios para instalar cabos, fios aéreos e equipamentos conexos e executar todos e quaisquer trabalhos correspondentes, desde que respeite a sua afectação e as disposições legislativas e regulamentares que regem a respectiva utilização.»

8 Nos termos do artigo 35.° da lei das telecomunicações:

«1) Antes de instalar cabos, fios aéreos e equipamentos conexos nos domínios públicos do Estado e dos municípios, o titular de uma licença de exploração de uma rede de telecomunicações [...] deve submeter à aprovação da autoridade competente para os domínios públicos do Estado e dos municípios em causa a planta do local e as características da instalação.

2) Em relação ao direito de utilização dos domínios públicos do Estado e dos municípios, as autoridades não podem exigir ao titular de uma licença de exploração de uma rede de telecomunicações [...] qualquer imposto, taxa, portagem, retribuição ou indemnização, seja de que natureza for.

Ao titular de uma licença de exploração de uma rede de telecomunicações [...] assiste ainda o direito de passagem gratuito relativamente aos cabos, fios aéreos e equipamentos conexos nas infra-estruturas públicas situadas nos domínios públicos do Estado e dos municípios.»

9 O artigo 35.° , n.° 3, da lei das telecomunicações prevê que os custos inerentes à modificação dos cabos, fios aéreos e equipamentos conexos serão suportados pelo titular da licença de exploração de uma rede de telecomunicações.

Fase pré-contenciosa

10 A Comissão, por carta de 22 de Julho de 1999, recordou às autoridades luxemburguesas as obrigações que lhes incumbiam por força do artigo 4.° -D da directiva.

11 Considerando insatisfatórios os resultados de uma reunião bilateral realizada em 10 de Setembro de 1999, bem como a resposta das autoridades luxemburguesas por carta de 16 de Setembro de 1999, a Comissão, em 17 de Janeiro de 2000, enviou ao Grão-Ducado do Luxemburgo uma notificação de incumprimento na qual o convidava a apresentar as suas observações relativamente à transposição do artigo 4.° -D da directiva.

12 Não tendo esta notificação tido resposta, a Comissão, em 3 de Agosto de 2000, emitiu um parecer fundamentado, solicitando ao referido Estado-Membro que adoptasse as medidas necessárias para dar cumprimento ao mesmo parecer no prazo de dois meses a contar da respectiva notificação.

13 Dado que não recebeu qualquer resposta das autoridades luxemburguesas, a Comissão propôs a presente acção.

Quanto à acção

Argumentos das partes

14 No entender da Comissão, a não concessão, de forma não discriminatória, de direitos de passagem aos operadores de telecomunicações pode resultar do facto de as disposições da lei das telecomunicações não serem correctamente aplicadas, ou da circunstância de ser necessário adoptar medidas complementares no ordenamento jurídico luxemburguês para assegurar a transposição efectiva do artigo 4.° -D da directiva.

15 A fim de demonstrar que o Grão-Ducado do Luxemburgo não adoptou todas as medidas necessárias para assegurar a concessão efectiva e não discriminatória de direitos de passagem aos titulares de licenças, a Comissão baseia-se em três argumentos:

- as incertezas do enquadramento jurídico luxemburguês;

- a não invocação de exigências essenciais aplicáveis para fundamentar a decisão de indeferimento dos direitos de passagem; e

- a possível existência de discriminações.

16 Em primeiro lugar, no que respeita às incertezas do enquadramento jurídico luxemburguês, a Comissão conclui que, na prática, os direitos de passagem nos domínios públicos luxemburgueses, teoricamente conferidos aos titulares de uma licença de operador de rede de telecomunicações pelos artigos 34.° e 35.° da lei das telecomunicações, não são concedidos no âmbito de um procedimento adequado a assegurar a inexistência de discriminação. A este respeito, a repartição de competências está longe de ser clara. O próprio Governo luxemburguês indicou que diversas autoridades são competentes para emitir autorizações em matéria de direitos de passagem, isto é, a Administration de l'Enregistrement et des Domaines, que é competente no que respeita aos domínios do Estado (excepto em relação à rede viária nacional), a Administration des Ponts et Chaussées, em relação à rede viária nacional, e o órgão colegial constituído pelo burgomestre e pelos vereadores, no que respeita aos domínios de cada município.

17 No que se refere ao domínio público ferroviário gerido pela Société nationale des chemins de fer luxembourgeois (a seguir «CFL»), a Comissão observa que, segundo o Institut des télécommunications luxembourgeois (organismo público que zela pelo respeito das disposições da lei das telecomunicações), a autoridade competente para apreciar um pedido de instalação de cabos ao longo da rede ferroviária é o Estado e não a CFL, enquanto, segundo o Ministro dos Transportes luxemburguês, esse pedido deve ser apreciado pela CFL. Ora, resulta de uma decisão do Tribunal administratif (Luxemburgo), de 13 de Dezembro de 2000, que a CFL não goza da faculdade de emitir ou indeferir autorizações relativas à rede viária.

18 No que respeita aos municípios, não é claro saber em que é que consistem as regras de concessão dos direitos de passagem ou, pelo menos, qual é o tronco comum do procedimento de autorização, eventualmente compartilhado pelos diferentes municípios.

19 Além disso, o artigo 35.° , n.° 1, da lei das telecomunicações dispõe que o direito de utilização está sujeito à aprovação prévia da planta técnica do local e das características da instalação por parte da autoridade de que depende o domínio público em causa. Ora, por um lado, compete a esta autoridade determinar, na prática, as condições de acesso aos domínios do Estado e dos municípios. Por outro lado, é necessário que o operador de telecomunicações obtenha uma autorização específica relativa à rede viária. No entender da Comissão, a questão de saber se o processo de autorização relativa à rede viária se confunde com o pedido de aprovação da planta do local e das características da instalação referidas no artigo 35.° , n.° 1, da referida lei, ou se se sobrepõe a esse pedido, não está claramente esclarecida.

20 Esta conclusão pode ser apoiada num exemplo concreto. A Compagnie générale pour la diffusion de la télévision (a seguir «Coditel»), titular de uma licença de instalação e exploração de uma rede fixa de telecomunicações nos termos da lei das telecomunicações, apresentou às diferentes organizações e administrações luxemburguesas em questão, a partir de Março de 1999, pedidos de autorização para instalação de cabos.

21 A CFL informou a Coditel de que não poderia ser dado andamento favorável ao pedido de instalação de cabos, fundamentando esta recusa apenas em considerações relativas à sua própria estratégia. Quanto ao pedido de autorização relativo à rede viária apresentado pela Coditel à Administration des Ponts et Chaussées, esta invocou, na resposta de 23 de Setembro de 1999, as dificuldades técnicas ligadas à coordenação dos pedidos provenientes dos diferentes operadores de telecomunicações, para justificar que o processo tivesse ficado a aguardar. A correspondência enviada pela Coditel à Administration de l'Enregistrement et des Domaines assim como diversa correspondência enviada ao Ministro das Obras Públicas luxemburguês não tiveram resposta.

22 Em segundo lugar, a Comissão salienta que a directiva reconhece a possibilidade de se recusar a concessão de direitos de passagem no caso de serem aplicáveis exigências essenciais. Ora, no caso vertente, as decisões de indeferimento proferidas relativamente à Coditel pelos diferentes organismos ou administrações a que esta se dirigiu para solicitar a concessão dos direitos de passagem, designadamente a Administration des Ponts et Chaussées e a CFL, de modo algum se referem às exigências essenciais aplicáveis referidas no artigo 4.° -D da directiva.

23 Em terceiro lugar, a Comissão recorda que o artigo 4.° -D, primeiro parágrafo, da directiva proíbe a «discriminação entre operadores que oferecem redes públicas de telecomunicações no que diz respeito à concessão de direitos de passagem para a oferta das referidas redes». Contudo, segundo as informações de que a Comissão dispõe, nenhum novo operador que tenha requerido a concessão de direitos de passagem nos domínios públicos, a fim de lhe permitir assegurar a conexão das redes locais a redes estrangeiras e oferecer, assim, serviços de telecomunicações concorrentes com a empresa Postes et Télécommunications (a seguir «EPT»), obteve resposta satisfatória. Ora, foi à EPT que foram adjudicados os trabalhos de instalação de cabos ao longo de determinadas auto-estradas, ao passo que, até ao presente, foram indeferidos os direitos de passagem aos restantes titulares de licença de operador de rede de telecomunicações.

24 Em sua defesa, o Governo luxemburguês afirma que o princípio da não discriminação entre operadores de redes públicas de telecomunicações, enunciado no artigo 4.° -D da directiva, foi transposto para o direito luxemburguês, o que não é contestado pela Comissão. O exercício dos direitos de passagem está condicionado por regras precisas fixadas e publicadas pelas autoridades competentes respectivas. Ora, estas regras são as mesmas para todos os requerentes de direitos de passagem e não são específicas para o sector das telecomunicações, o qual não goza de direitos especiais.

25 No que respeita à repartição de competências, o Governo luxemburguês afirma que a Administration de l'Enregistrement et des Domaines é a autoridade competente para os domínios públicos do Estado, ao passo que a rede viária do referido domínio está na dependência da Administration des Ponts et Chaussées. As condições de emissão de autorizações relativas à rede viária são fornecidas mediante pedido e podem ser consultadas no site Internet da referida entidade. Do mesmo modo, as regras de concessão de direitos de passagem no que respeita aos domínios públicos municipais, relativamente aos quais a autoridade competente é o órgão colegial formado pelo burgomestre e pelos vereadores do município em causa, são facultadas aos interessados mediante simples pedido e podem também, para determinados municípios, ser consultadas no respectivo site Internet.

26 No que respeita ao caso concreto referido pela Comissão, o Governo luxemburguês remete para um acórdão de 4 de Julho de 2000 da Cour d'appel (Luxemburgo), no processo n.° 24369, em que são partes a Coditel e a CFL. O referido acórdão confirma que o procedimento de aprovação da planta do local e das características da instalação constitui a condição prévia para o exercício do direito de passagem conferido aos titulares de uma licença de exploração de uma rede de telecomunicações, nos termos dos artigos 34.° e 35.° da lei das telecomunicações. Esta condição aplica-se a todo e qualquer operador que invoque o direito de passagem por força da referida lei e não põe em questão a própria existência desse direito.

27 O Governo luxemburguês esclarece que a recusa à Coditel do acesso ao domínio ferroviário do Estado ocorreu por duas razões. Por um lado, o operador dirigiu inicialmente o seu pedido de acesso à CFL, na sua qualidade de gestora da rede ferroviária do Estado. Ora, por acórdão de 13 de Dezembro de 2000, o Tribunal administratif esclareceu que a autoridade competente para aprovar a planta do local no que respeita ao domínio ferroviário é o Ministério dos Transportes, não tendo a entidade gestora da rede ferroviária competência para conceder o acesso à propriedade do Estado. Por outro lado, o facto de o pedido de acesso da Coditel não ter tido êxito não se deve a uma recusa discriminatória, por parte da Administração, de acesso aos domínios do Estado, mas ao facto de o referido operador não ter apresentado uma planta do local e das características da instalação da sua futura rede.

28 Quanto ao argumento da Comissão segundo o qual esta exigência de uma planta do local torna impossível o exercício efectivo do direito de passagem devido ao facto de a elaboração dessa planta necessitar de informações técnicas inacessíveis, dado que só o gestor da rede pública em causa as pode fornecer, o Governo luxemburguês responde que a informação necessária para elaborar a planta do local consiste num simples levantamento topográfico, que se apresenta sob forma de documento público e está disponível na Administration du Cadastre et de la Topographie.

29 Por último, o Governo luxemburguês observa que o procedimento em causa no presente caso foi alterado pelo Regulamento grão-ducal de 8 de Junho de 2001, que fixa as condições de utilização dos domínios rodoviário e ferroviário do Estado pelos operadores de telecomunicações, pelas entidades gestoras de redes de transporte de electricidade e pelas empresas de transporte de gás natural (Mémorial A 2001, p. 1394).

Apreciação do Tribunal de Justiça

30 É jurisprudência assente que a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado-Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não sendo as alterações posteriormente ocorridas tomadas em consideração pelo Tribunal (v., nomeadamente, acórdãos de 30 de Janeiro de 2002, Comissão/Grécia, C-103/00, Colect., p. I-1147, n.° 23, e de 30 de Maio de 2002, Comissão/Itália, C-323/01, Colect., p. I-4711, n.° 8).

31 Consequentemente, as alterações introduzidas na ordem jurídica luxemburguesa pelo Regulamento grão-ducal de 8 de Junho de 2001 não podem ser tomadas em consideração no âmbito do exame pelo Tribunal de Justiça da procedência da presente acção por incumprimento.

32 Do mesmo modo, segundo jurisprudência assente, tratando-se da transposição de uma directiva para a ordem jurídica de um Estado-Membro, é indispensável que o direito nacional em causa garanta efectivamente a plena aplicação da directiva, que a situação jurídica decorrente desse direito seja suficientemente precisa e clara e que os beneficiários sejam colocados em situação de conhecer a plenitude dos seus direitos (v., designadamente, acórdãos de 23 de Março de 1995, Comissão/Grécia, C-365/93, Colect., p. I-499, n.° 9, e de 10 de Maio de 2001, Comissão/Países Baixos, C-144/99, Colect., p. I-3541, n.° 17).

33 À luz destas considerações, importa examinar se as disposições de direito luxemburguês em vigor no termo do prazo fixado no parecer fundamentado eram susceptíveis de satisfazer as exigências do artigo 4.° -D da directiva.

34 Nos termos do primeiro parágrafo desta disposição, os Estados-Membros não farão qualquer discriminação entre operadores que oferecem redes públicas de telecomunicações no que diz respeito à concessão de direitos de passagem para a oferta das referidas redes.

35 Nos termos do artigo 34.° , n.° 1, primeiro parágrafo, da lei das telecomunicações, um direito de uso sujeito ao respeito das disposições legais e regulamentares que regem a utilização dos domínios públicos do Estado e dos municípios faz parte da licença concedida para a exploração de uma rede de telecomunicações.

36 Contudo, uma medida deste tipo não basta para satisfazer as exigências do artigo 4.° -D da directiva. Efectivamente, esta pretende garantir o exercício efectivo dos direitos de passagem, com a finalidade de liberalizar a oferta de infra-estruturas de telecomunicações. A transposição efectiva da referida disposição pressupõe que a autoridade competente para a concessão dos referidos direitos esteja claramente designada e que sejam instituídos procedimentos administrativos transparentes para a concretização desses direitos. Ora, não foi o que sucedeu no presente caso.

37 No que respeita à designação da autoridade competente, embora os Estados-Membros tenham a liberdade de repartir, conforme considerem oportuno, as competências no plano interno e de dar aplicação a uma directiva através de medidas adoptadas por diferentes autoridades (v. acórdão de 14 de Janeiro de 1988, Comissão/Bélgica, 227/85 a 230/85, Colect., p. 1, n.° 9), não é menos certo que deve ser dada aos particulares a possibilidade de conhecerem integralmente os seus direitos.

38 Ora, o regime de autorização em causa em matéria de concessão de direitos de passagem nos domínios públicos carece de transparência. No que se refere ao domínio público ferroviário, resulta do processo que as próprias autoridades luxemburguesas estavam em desacordo quanto à questão de saber se a autoridade competente para apreciar um pedido de colocação de cabos ao longo da rede ferroviária é a CFL, como afirma o Ministro dos Transportes luxemburguês, ou o Estado, como defendeu o Institut des télécommunications luxembourgeois.

39 Quanto aos processos de concessão de direitos de passagem, a utilização dos domínios públicos do Estado e dos municípios está, nos termos do artigo 35.° , n.° 1, da lei das telecomunicações, sujeita à aprovação prévia da planta do local e das características da instalação pela autoridade de que depende o domínio público em causa. Por outro lado, os titulares de uma licença de exploração de uma rede de telecomunicações que pretendam utilizar os direitos de passagem que a mesma envolve devem obter autorizações relativas à rede viária junto das instâncias do Estado e de todas as instâncias locais em causa, consoante a localização das redes. O Governo luxemburguês não afirma que elaborou e publicou disposições de execução a este respeito. Mesmo que os procedimentos aplicados pelas diversas instâncias competentes possam ser obtidos a pedido dos interessados ou, em determinados casos, através da Internet, não é menos certo que os procedimentos administrativos estão, na totalidade, longe de ser transparentes e que, consequentemente, esta situação é susceptível de dissuadir os interessados de apresentarem pedidos de direitos de passagem.

40 Tendo em conta as considerações que antecedem, há que declarar que, ao não assegurar a transposição efectiva do artigo 4.° -D da directiva, o Grão-Ducado do Luxemburgo não cumpriu as obrigações que lhe incumbem.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

41 Por força do disposto no artigo 69.° , n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Grão-Ducado do Luxemburgo e tendo este sido vencido, há que condená-lo nas despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

decide:

1) Ao não assegurar a transposição efectiva do artigo 4.° -D da Directiva 90/388/CEE da Comissão, de 28 de Junho de 1990, relativa à concorrência nos mercados de serviços de telecomunicações, alterada pela Directiva 96/19/CE da Comissão, de 13 de Março de 1996, o Grão-Ducado do Luxemburgo não cumpriu as obrigações que lhe incumbem.

2) O Grão-Ducado do Luxemburgo é condenado nas despesas.

Início