EUR-Lex Acesso ao direito da União Europeia

Voltar à página inicial do EUR-Lex

Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62001CJ0186

Acórdão do Tribunal de 11 de Março de 2003.
Alexander Dory contra Bundesrepublik Deutschland.
Pedido de decisão prejudicial: Verwaltungsgericht Stuttgart - Alemanha.
Não aplicação do direito comunitário ao serviço militar obrigatório - Igualdade de tratamento entre homens e mulheres - Artigo 2.º da Directiva 76/207/CEE - O facto de o serviço militar obrigatório na Alemanha ser limitado aos homens - Inaplicabilidade da directiva.
Processo C-186/01.

Colectânea de Jurisprudência 2003 I-02479

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2003:146

62001J0186

Acórdão do Tribunal de 11 de Março de 2003. - Alexander Dory contra Bundesrepublik Deutschland. - Pedido de decisão prejudicial: Verwaltungsgericht Stuttgart - Alemanha. - Não aplicação do direito comunitário ao serviço militar obrigatório - Igualdade de tratamento entre homens e mulheres - Artigo 2.º da Directiva 76/207/CEE - O facto de o serviço militar obrigatório na Alemanha ser limitado aos homens - Inaplicabilidade da directiva. - Processo C-186/01.

Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-02479


Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Partes


No processo C-186/01,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234._ CE, pelo Verwaltungsgericht Stuttgart (Alemanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Alexander Dory

e

Bundesrepublik Deutschland,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 2._ da Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70), e, mais concretamente, sobre a compatibilidade com o direito comunitário do facto de o serviço militar obrigatório na Alemanha ser limitado aos homens,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, J.-P. Puissochet (relator), M. Wathelet, R. Schintgen e C. W. A. Timmermans, presidentes de secção, C. Gulmann, D. A. O. Edward, P. Jann, V. Skouris, F. Macken, N. Colneric, S. von Bahr e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogada-geral: C. Stix-Hackl,

secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação da Bundesrepublick Deutschland e do Governo alemão, na qualidade de Estado-Membro e de parte no processo principal, por W.-D. Plessing e B. Muttelsee-Schön, na qualidade de agentes,

- em representação do Governo francês, por R. Abraham, C. Bergeot-Nunes e C. Chevallier, na qualidade de agentes,

- em representação do Governo finlandês, por T. Pynnä, na qualidade de agente,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J. Sack e N. Yerrell, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de A. Dory, representado por W. Dory e C. Lenz, Rechtsanwälte, do Governo alemão, representado por W.-D. Plessing, assistido por C. Tomuschat, Sachverständiger, do Governo finlandês, representado por T. Pynnä, e da Comissão, representada por J. Sack, na audiência de 16 de Abril de 2002,

ouvidas as conclusões da advogada-geral apresentadas na audiência de 28 de Novembro de 2002,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 4 de Abril de 2001, entrado no Tribunal de Justiça em 30 de Abril seguinte, o Verwaltungsgericht Stuttgart submeteu, nos termos do artigo 234._ CE, uma questão prejudicial sobre a interpretação do artigo 2._ da Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais, e às condições de trabalho (JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70), e, mais concretamente, sobre a compatibilidade com o direito comunitário do facto de o serviço militar obrigatório na Alemanha ser limitado aos homens.

2 Esta questão foi suscitada no âmbito de um litígio entre A. Dory e a Bundesrepublick Deutschland a propósito de uma decisão do Kreiswehrersatzamt Schwäbisch Gmünd (a seguir «KSG»), que recusou dispensá-lo do recenseamento militar e do serviço militar obrigatório.

Enquadramento jurídico

O direito comunitário

3 Nos termos do artigo 2._ CE:

«A Comunidade tem como missão, através da criação de um mercado comum e de uma união económica e monetária e da aplicação das políticas ou acções comuns a que se referem os artigos 3._ e 4._, promover, em toda a Comunidade, o desenvolvimento harmonioso, equilibrado e sustentável das actividades económicas, um elevado nível de emprego e de protecção social, a igualdade entre homens e mulheres, um crescimento sustentável e não inflacionista, um alto grau de competitividade e de convergência dos comportamentos das economias, um elevado nível de protecção e de melhoria da qualidade do ambiente, o aumento do nível e da qualidade de vida, a coesão económica e social e a solidariedade entre os Estados-Membros.»

4 O artigo 3._, n._ 2, CE estipula que, no âmbito das acções previstas no seu n._ 1 para a realização dos fins enunciados no artigo 2._ CE, «a Comunidade terá por objectivo eliminar as desigualdades e promover a igualdade entre homens e mulheres».

5 Ao abrigo do artigo 13._ CE:

«Sem prejuízo das demais disposições do presente Tratado e dentro dos limites das competências que este confere à Comunidade, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão e após consulta ao Parlamento Europeu, pode tomar as medidas necessárias para combater a discriminação em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual.»

6 Nos termos do artigo 141._, n._ 1, CE:

«Os Estados-Membros assegurarão a aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos, por trabalho igual ou de valor igual.»

7 O artigo 141._, n._ 3, CE prevê:

«O Conselho, deliberando nos termos do artigo 251._ e após consulta ao Comité Económico e Social, adoptará medidas destinadas a garantir a aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de emprego e de trabalho, incluindo o princípio da igualdade de remuneração por trabalho igual ou de valor igual.»

8 A Directiva 76/207 dispõe no seu artigo 1._, n._ 1:

«A presente directiva tem em vista a realização, nos Estados-Membros, do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, incluindo a promoção, e à formação profissional, assim como no que se refere às condições, de trabalho e, nas condições previstas no n._ 2, à segurança social. [...]»

9 O artigo 2._, n.os 1 a 3, da mesma directiva tem a seguinte redacção:

«1. O princípio da igualdade de tratamento, na acepção das disposições adiante referidas, implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer directa, quer indirectamente, nomeadamente pela referência à situação matrimonial ou familiar.

2. A presente directiva não constitui obstáculo à faculdade que os Estados-Membros têm de excluir do seu âmbito de aplicação as actividades profissionais e, eventualmente, as formações que a elas conduzam, e para as quais, em razão da sua natureza ou das condições do seu exercício, o sexo constitua uma condição determinante.

3. A presente directiva não constitui obstáculo às disposições relativas à protecção da mulher, nomeadamente no que se refere à gravidez e à maternidade.»

10 Nos termos do artigo 3._, n._ 1, da Directiva 76/207:

«A aplicação do princípio da igualdade de tratamento implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo nas condições de acesso, incluindo os critérios de selecção, a empregos ou a postos de trabalho, seja qual for o sector ou o ramo de actividade e a todos os níveis da hierarquia profissional.»

A legislação nacional

11 Nos termos do artigo 12a da Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland (Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, na versão publicada no BGBl. 2000 I S., p. 1755, a seguir «Grundgesetz»):

«1. Os homens poderão, a partir dos dezoito anos completos, ser obrigados a servir nas Forças Armadas, na Polícia Federal das Fronteiras ou numa unidade de protecção civil.

[...]

4. Se, em situação de defesa, as necessidades em serviços civis dos estabelecimentos sanitários civis e dos hospitais militares fixos não puderem ser cobertas com base em voluntariado, poderão ser afectadas a esses serviços, por lei ou por força de uma lei, as mulheres com idades compreendidas entre os dezoito e os cinquenta anos completos. Não deverão em caso algum prestar serviço armado.»

12 A Wehrpflichgesetz (lei federal sobre o serviço militar), na sua versão de 15 de Dezembro de 1995, aplicável a partir de 1 de Janeiro de 1996 (BGBl. 1995 I, p. 1756, a seguir «lei sobre o serviço militar»), dispõe no n._ 1 do seu § 1, intitulado «Lei sobre o serviço militar obrigatório: Obrigação geral de efectuar o serviço militar»:

«Estão obrigados a cumprir serviço militar obrigatório na Alemanha todos os homens a contar da idade de dezoito anos completos e que sejam alemães na acepção da Lei Fundamental [...]»

13 Nos termos do § 3, n._ 1, da lei sobre o serviço militar, «[a] obrigação de efectuar o serviço militar é cumprida pelo serviço obrigatório ou, no caso referido no § 1 da Kriegsdienstverweigerungsgesetz, de 28 de Fevereiro de 1983 (BGBL. I, p. 203), pelo serviço civil [...]»

O litígio no processo principal e a questão prejudicial

14 A. Dory nasceu em 15 de Junho de 1982. Depois de ter recebido, em Setembro de 1999, um questionário prévio à inspecção médica destinada a determinar a sua aptidão para o serviço militar, requereu ao KSG a dispensa do recenseamento e do serviço militar obrigatório. Em apoio deste pedido, alegou que a lei sobre o serviço militar era contrária ao direito comunitário, invocando o acórdão de 11 de Janeiro de 2000, Kreil (C-285/98, Colect., p. I-69), no qual o Tribunal de Justiça decidiu que as mulheres não podiam ser excluídas do acesso a todos os empregos das Forças Armadas alemãs.

15 Por decisão de 3 de Fevereiro de 2000, o KSG indeferiu esse pedido indicando que o acórdão Kreil, já referido, apenas se referia ao acesso voluntário das mulheres às carreiras nas Forças Armadas e não à questão do serviço militar obrigatório e que a obrigação de efectuar este serviço continuava a ser da competência exclusiva dos Estados-Membros.

16 O Wehrbereichsverwaltung negou provimento ao recurso de A. Dory dessa decisão. Então, o interessado recorreu para o Verwaltungsgericht Stuttgart, no qual sustentou que a circunstância de as mulheres terem um direito de acesso aos empregos militares, nos termos do acórdão Kreil, já referido, mas o facto de estarem isentas da obrigação de efectuar um serviço militar, quando esta obrigação é imposta aos homens, é contrária ao princípio da igualdade e constitui uma discriminação ilegal em detrimento dos homens.

17 A recorrida no processo principal sustentou que nenhuma disposição do Tratado CE permitia considerar o serviço militar obrigatório uma actividade abrangida pelo direito comunitário. A organização deste serviço insere-se na competência de cada Estado-Membro. Nem os artigos 3._, n._ 2, CE e 13._ CE, que em si mesmos não constituem a base jurídica de uma competência da Comunidade mas definem simplesmente as modalidades de exercício de competências atribuídas por outras disposições, nem o artigo 141._ CE e a Directiva 76/207, que prevêem apenas as actividades profissionais, podem ser aplicáveis no caso em apreço no processo principal.

18 O Verwaltungsgericht Stuttgart teve dúvidas em relação a estes últimos argumentos. Sublinhou, por um lado, fazendo referência ao acórdão de 7 de Dezembro de 2000, Schnorbus (C-79/99, Colect., p. 10997), que o cumprimento do serviço militar atrase o acesso dos homens ao emprego e à formação profissional e podia, consequentemente, constituir uma discriminação em razão do sexo na acepção do artigo 2._, n._ 1, da Directiva 76/207. Por outro lado, entendeu que esta diferença de tratamento poderia, no entanto, ser justificada como vantagem específica a favor das mulheres, compensando parte dos períodos de interrupção de trabalho ligados à maternidade e à educação dos filhos.

19 Nestas condições, o Verwaltungsgericht Stuttgart considerou que era necessário que o Tribunal de Justiça precisasse o alcance do direito comunitário neste domínio. Assim, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Em relação, designadamente à interpretação do artigo 2._ da Directiva 76/207/CEE [...], o facto de, na Alemanha, o serviço militar ser obrigatório unicamente para homens é contrário ao direito comunitário?»

20 Em 26 de Setembro de 2001, A. Dory recebeu uma convocatória de incorporação que o obrigava a começar o serviço militar obrigatório entre 1 e 5 de Novembro de 2001.

21 Por cartas de 28 de Setembro de 2001, A. Dory apresentou um pedido de medidas provisórias no órgão jurisdicional de reenvio e no Tribunal de Justiça, para obter a suspensão da execução dessa convocatória de incorporação. Por despacho de 19 de Outubro de 2001, o órgão jurisdicional de reenvio deu provimento a esse pedido. Por despacho de 24 de Outubro de 2001, Dory (C-186/01 R, Colect., p. I-7823), o Tribunal de Justiça julgou o pedido de medidas provisórias inadmissível.

Quanto à questão prejudicial

Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

22 A. Dory alega que o serviço militar obrigatório tem por efeito impedir o exercício de uma profissão durante o período em que é efectuado e atrasar o acesso à vida profissional. Este serviço está, portanto, abrangido pela Directiva 76/207 e constitui uma discriminação proibida por esta. Em qualquer caso, é contrário ao princípio geral da igualdade entre homens e mulheres consagrado no artigo 3._, n._ 2, CE.

23 O Governo alemão sublinha, por um lado, que o serviço militar obrigatório tem uma importância fundamental na República Federal da Alemanha. Destinado a assegurar um contacto estreito entre as Forças Armadas e a população, garantindo, assim, a transparência democrática do aparelho militar, o referido serviço é um vector de integração interna, designadamente entre as gerações jovens dos antigos e dos novos Länder. Os efectivos necessários à defesa do território em tempo de conflito não seriam suficientes sem as forças de reserva provenientes do círculo dos incorporados.

24 O Governo alemão sustenta, por outro lado, que o serviço militar se insere no domínio da organização das Forças Armadas, domínio essencial da autoridade pública que continua a ser da competência dos Estados-Membros. Considera que esta posição foi aceite pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos de 26 de Outubro de 1999, Sirdar (C-273/97, Colect., p. I-7403, n._ 15), e Kreil, já referido (n._ 15).

25 Em qualquer caso, alega que o facto de o serviço militar obrigatório ser limitado aos homens, mesmo pressupondo que este serviço é abrangido pelo âmbito de aplicação do Tratado e da Directiva 76/207, não é contrário ao direito comunitário. Antes de mais, o artigo 3._, n._ 2, CE, segundo o qual a Comunidade tem como objectivo promover a igualdade entre homens e mulheres, apenas se aplica às medidas específicas tomadas pela Comunidade para este efeito com base noutros fundamentos jurídicos. Em seguida, o artigo 13._ CE não tem efeito directo e apenas habilita o Conselho a tomar medidas destinadas a lutar contra as discriminações em razão do sexo nos domínios de competência que o Tratado lhe reconhece. Por último, o artigo 141._ CE e a Directiva 76/207 apenas regulam as relações de trabalho resultantes de um acordo entre o empregador e um assalariado, de forma que não são aplicáveis à obrigação geral de serviço que constitui o serviço militar para os incorporados.

26 O Governo francês considera que o cumprimento do serviço militar obrigatório não pode ser equiparado ao exercício de uma profissão e não se enquadra no âmbito de aplicação das disposições sociais do Tratado nem da Directiva 76/207. A organização deste serviço é uma medida relativa à defesa nacional, que é da competência exclusiva dos Estados-Membros.

27 O Governo finlandês alega que, como declarou o Tribunal de Justiça no acórdão Kreil, já referido, as opções fundamentais em matéria de política de defesa são da competência dos Estados-Membros e que o direito comunitário não é aplicável no processo principal. Sustenta que, de qualquer forma, a obrigação de prestar serviço militar não tem que ver com a questão das condições de acesso à profissão militar e, consequentemente, não se enquadra no âmbito de aplicação da Directiva 76/207. Além disso, o facto de limitar esta obrigação aos homens tão-pouco compromete o desenrolar da carreira das mulheres nas Forças Armadas, uma vez que as mulheres têm sempre a possibilidade de efectuar voluntariamente o serviço militar e de ficar em situação idêntica à dos incorporados do sexo masculino.

28 A Comissão considera que o serviço militar obrigatório constitui uma obrigação unilateral de serviço de direito público e não dá lugar à criação de um vínculo laboral. Portanto, este serviço não faz parte do mercado do trabalho e está, por este facto, fora do âmbito de aplicação do direito comunitário. Não limita o âmbito de aplicação do direito comunitário além daquilo que é a sua própria natureza. Consequentemente, não é necessário apurar se o facto de limitar aos homens a obrigação de efectuar este serviço pode ser justificado com base na Directiva 76/207. O litígio no processo principal é assim muito diferente dos processos já julgados pelo Tribunal de Justiça. A Comissão alega que os Estados-Membros podem, consequentemente, invocar, neste domínio, o disposto nos artigos 6._, n._ 3, UE e 5._ CE, para que a sua soberania em matéria de defesa seja respeitada segundo a sua identidade nacional.

Resposta do Tribunal de Justiça

29 Determinar se o facto de o serviço militar obrigatório ser limitado aos homens é ou não compatível com o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres, como está consagrado no direito comunitário, pressupõe que sejam previamente definidas as condições em que este direito se aplica às actividades relativas à organização das Forças Armadas.

30 As medidas que os Estados-Membros tomam neste domínio não estão todas fora do âmbito de aplicação do direito comunitário pelo único facto de se inserirem nos interesses da segurança pública ou da defesa nacional.

31 Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça já declarou, o Tratado só prevê derrogações aplicáveis em caso de situações susceptíveis de pôr em causa a segurança pública nos artigos 30._ CE, 39._ CE, 46._ CE._, 58._ CE, 64._ CE, 296._ CE e 297._ CE, os quais se referem a situações excepcionais bem delimitadas. Daí não poderá deduzir-se que existe uma reserva geral, inerente ao Tratado, que exclua do âmbito de aplicação do direito comunitário todas as medidas tomadas por razões de segurança pública. Reconhecer a existência de tal reserva, para além das condições específicas estabelecidas nas disposições do Tratado, seria correr o risco de pôr em causa o carácter obrigatório e a aplicação uniforme do direito comunitário (v., neste sentido, acórdãos de 15 de Maio de 1986, Johnston, 222/84, Colect., p. 1651, n._ 26; Sirdar, já referido, n._ 16, e Kreil, já referido, n._ 16).

32 Ora, o conceito de segurança pública, na acepção dos artigos do Tratado referidos no número anterior, cobre ao mesmo tempo a segurança interna de um Estado-Membro, como no processo principal em causa no acórdão Johnston, já referido, e a sua segurança externa, como no processo principal em causa no acórdão Sirdar, já referido (v., neste sentido, acórdãos de 4 de Outubro de 1991, Richardt e «Les Accessoires Scientifiques», C-367/89, Colect., p. I-4621, n._ 22; de 17 de Outubro de 1995, Leifer e o., C-83/94, Colect., p. I-3231, n._ 26; e Sirdar, já referido, n._ 17, e Kreil, já referido, n._ 17).

33 Além disso, algumas das derrogações previstas no Tratado dizem apenas respeito às regras relativas à livre circulação de pessoas, de mercadorias, de capitais e de serviços, e não às disposições sociais do Tratado, entre as quais se integra o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres. De acordo com jurisprudência constante, este princípio tem um alcance geral e a Directiva 76/207 aplica-se às relações de trabalho no sector público (v., neste sentido, acórdãos de 21 de Maio de 1985, Comissão/Alemanha, 248/83, Recueil, p. 1459, n._ 16; de 2 de Outubro de 1997, Gerster, C-1/95, Colect., p. I-5253, n._ 18; Sirdar, já referido, n._ 18, e Kreil, já referido, n._ 18).

34 O Tribunal de Justiça decidiu, assim, que a Directiva 76/207 era aplicável ao acesso aos empregos nas Forças Armadas e que lhe competia verificar se as medidas adoptadas pelas autoridades nacionais, na utilização da margem de apreciação que lhes é reconhecida, prosseguem, na realidade, o objectivo de garantir a segurança pública e se eram adequadas e necessárias para o alcançar (v. acórdãos, já referidos, Sirdar, n._ 28, e Kreil, n._ 25).

35 É certo que as decisões do Estados-Membros relativas à organização das suas Forças Armadas não podem escapar totalmente à aplicação do direito comunitário, concretamente quando está em causa o respeito do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no domínio das relações laborais, designadamente em matéria de acesso às profissões militares. Contudo, daqui não resulta que o direito comunitário regule as opções de organização militar dos Estados-Membros que têm por objecto a defesa do seu território ou dos seus interesses essenciais.

36 Compete aos Estados-Membros, que têm de adoptar as medidas adequadas para garantirem a sua segurança interna e externa, tomar as decisões relativas à organização das suas Forças Armadas, como o Tribunal de Justiça recordou nos acórdãos, já referidos, Sirdar (n._ 15) e Kreil (n._ 15).

37 Ora, o Governo alemão alega que o serviço militar obrigatório tem, na Alemanha, uma grande importância, tanto no plano político como no plano da organização das Forças Armadas. Indicou, nas suas observações escritas e na audiência, que a criação desse serviço permitia contribuir para a transparência democrática do aparelho militar, a coesão nacional, a ligação entre as Forças Armadas e a população, bem como para a mobilização dos efectivos necessários para os seus exércitos em caso de conflito.

38 Tal escolha, que está consagrada na Grundgesetz, consiste em impor uma obrigação de servir os interesses da segurança do território, mesmo em detrimento, muitas vezes, do acesso dos jovens ao mercado do trabalho. Prevalece assim sobre os objectivos das políticas que tenham por objecto a inserção profissional dos jovens.

39 A decisão da República Federal da Alemanha de assegurar parcialmente a sua defesa através de um serviço militar obrigatório é a expressão de tal opção de organização militar à qual, consequentemente, o direito comunitário não é aplicável.

40 É verdade que o facto de o serviço militar obrigatório ser limitado aos homens causa aos interessados um atraso no desenrolar da sua carreira profissional, mesmo que o serviço militar permita a alguns dos incorporados a aquisição de uma formação complementar ou o acesso posterior às carreiras militares.

41 Contudo, o atraso verificado na carreira profissional dos incorporados é a consequência inevitável da opção efectuada pelo Estado-Membro em matéria de organização militar e não implica que esta opção entre no âmbito de aplicação do direito comunitário. Com efeito, a existência de repercussões desfavoráveis no acesso ao emprego não pode ter por efeito, sem violar as competências exclusivas dos Estados-Membros, obrigar o Estado-Membro em causa a estender às mulheres a obrigação que constitui o serviço militar e, portanto, a impor-lhes as mesmas desvantagens em matéria de acesso ao emprego, ou a suprimir o serviço militar obrigatório.

42 Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão do órgão jurisdicional de reenvio que o direito comunitário não se opõe a que o serviço militar obrigatório seja reservado aos homens.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

43 As despesas efectuadas pelos Governos alemão, francês e finlandês, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Verwaltungsgericht Stuttgart, por despacho de 4 de Abril de 2001, declara:

44 O direito comunitário não se opõe a que o serviço militar obrigatório seja reservado aos homens.

Início