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Document 62010CJ0310

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 7 de Julho de 2011.
    Ministerul Justiţiei și Libertăţilor Cetăţenești contra Ştefan Agafiţei e outros.
    Pedido de decisão prejudicial: Curtea de Apel Bacău - Roménia.
    Direitos salariais dos magistrados - Discriminação em função da pertença a uma categoria socioprofissional ou do local de trabalho - Condições de indemnização do prejuízo sofrido - Directivas 2000/43/CE e 2000/78/CE - Inaplicabilidade - Inadmissibilidade de um pedido de decisão prejudicial.
    Processo C-310/10.

    Colectânea de Jurisprudência 2011 I-05989

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2011:467

    Processo C‑310/10

    Ministerul Justiţiei și Libertăţilor Cetăţenești

    contra

    Ştefan Agafiţei e o.

    (pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Bacău)

    «Direitos salariais dos magistrados – Discriminação em função da pertença a uma categoria socioprofissional ou do local de trabalho – Condições de indemnização do prejuízo sofrido – Directivas 2000/43/CE e 2000/78/CE – Inaplicabilidade – Inadmissibilidade de um pedido de decisão prejudicial»

    Sumário do acórdão

    Questões prejudiciais – Competência do Tribunal de Justiça – Limites – Pedido de interpretação de disposições do direito da União manifestamente inaplicáveis no litígio principal

    (Artigo 267.° TFUE; Directivas do Conselho 2000/43, artigo 15.°, e 2000/78, artigo 17.°)

    A improcedência de um pedido de decisão prejudicial formulado por um órgão jurisdicional nacional pode justificar-se designadamente se for manifesto que o direito da União não é aplicável, nem directa nem indirectamente, às circunstâncias do caso concreto.

    É esse o caso de um pedido de decisão prejudicial que tem por objecto a interpretação do artigo 15.° da Directiva 2000/43, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica, e do artigo 17.° da Directiva 2000/78, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional, e que não tem por objecto verificar se uma situação de discriminação salarial em função da categoria socioprofissional ou do local de trabalho se insere no âmbito de aplicação daquelas disposições, antes partindo do pressuposto que assim é, para solicitar uma interpretação do Tribunal de Justiça, quando, no entanto, as referidas disposições do direito da União não são, manifestamente, aplicáveis, nem directa nem indirectamente, às circunstâncias do caso concreto.

    O artigo 15.° da Directiva 2000/43 e o artigo 17.° da Directiva 2000/78 não se podem manifestamente a categoria socioprofissional ou no local de trabalho. O princípio da igualdade de tratamento que consagram é aplicável em função dos motivos enumerados de forma exaustiva no seu artigo 1.°

    Quando uma legislação nacional se adequa, para as soluções que dá a situações puramente internas, às soluções adoptadas no direito da União, nomeadamente para evitar o aparecimento de discriminações contra cidadãos nacionais ou de eventuais distorções de concorrência, ou ainda para assegurar um processo único em situações comparáveis, existe um interesse manifesto em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos colhidos no direito da União sejam interpretados de modo uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devem aplicar.

    Não é esse o caso estando em causa uma disposição nacional que institui, em aplicação dos artigos 15.° da Directiva 2000/43 e 17.° da Directiva 2000/78, um regime de indemnização relativamente às violações das regras de discriminação previstas pelas referidas directivas quando o referido regime é aplicável a violações de regras de não discriminação que resulta apenas do direito nacional.

    Além disso, se a necessidade de assegurar a interpretação uniforme das normas do direito da União pode justificar que a competência do Tribunal de Justiça se alargue ao conteúdo dessas normas, incluindo na hipótese de estas só serem indirectamente aplicáveis a uma dada situação, em virtude de uma remissão que para elas é feita por uma norma de direito nacional, esta mesma consideração não pode, pelo contrário, sob pena de ignorar a repartição das competências entre a União e os seus Estados‑Membros, levar a conferir à referida norma do direito da União um primado sobre as normas internas de hierarquia superior que determinam, nessa situação, que seja afastada a referida norma de direito nacional ou a interpretação que dela é feita.

    (cf. n.os 28, 32‑34, 39‑48 e disp.)







    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    7 de Julho de 2011 (*)

    «Direitos salariais dos magistrados – Discriminação em função da pertença a uma categoria socioprofissional ou do local de trabalho – Condições de indemnização do prejuízo sofrido – Directivas 2000/43/CE e 2000/78/CE – Inaplicabilidade – Inadmissibilidade de um pedido de decisão prejudicial»

    No processo C‑310/10,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pela Curtea de Apel Bacău (Roménia), por decisão de 14 de Junho de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 29 de Junho de 2010, no processo

    Ministerul Justiţiei și Libertăţilor Cetăţenești

    contra

    Ştefan Agafiţei,

    Raluca Apetroaei,

    Marcel Bărbieru,

    Sorin Budeanu,

    Luminiţa Chiagă,

    Mihaela Crăciun,

    Sorin‑Vasile Curpăn,

    Mihaela Dabija,

    Mia‑Cristina Damian,

    Sorina Danalache,

    Oana‑Alina Dogaru,

    Geanina Dorneanu,

    Adina‑Cătălina Galavan,

    Gabriel Grancea,

    Mădălina Radu (Hobjilă),

    Nicolae Cătălin Iacobuţ,

    Roxana Lăcătușu,

    Sergiu Lupașcu,

    Smaranda Maftei,

    Silvia Mărmureanu,

    Maria Oborocianu,

    Simona Panfil,

    Oana‑Georgeta Pânzaru,

    Laurenţiu Păduraru,

    Elena Pîrjol‑Năstase,

    Ioana Pocovnicu,

    Alina Pușcașu,

    Cezar Ştefănescu,

    Roxana Ştefănescu,

    Ciprian Ţimiraș,

    Cristina Vintilă,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, K. Schiemann (relator), L. Bay Larsen, A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

    advogado‑geral: Y. Bot,

    secretário: R. Şereş, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 14 de Abril de 2011,

    vistas as observações apresentadas:

    –        em representação do Governo romeno, inicialmente por A. Popescu e V. Angelescu, e em seguida por R. H. Radu e R.‑I. Munteanu, na qualidade de agentes,

    –        em representação da Irlanda, por D. O’Hagan, na qualidade de agente, assistido por A. Collins, SC, e N. Travers, BL,

    –        em representação da Comissão Europeia, por J. Enegren e L. Bouyon, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 15.° da Directiva 2000/43/CE do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica (JO L 180, p. 122), e do artigo 17.° da Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional (JO L 303, p. 16), bem como, em caso de conflito entre as referidas disposições e uma legislação nacional ou uma decisão da Curtea Constituțională (Tribunal Constitucional), as consequências que podem decorrer do primado do direito da União.

     Quadro jurídico

     Regulamentação da União

    2        O artigo 1.° da Directiva 2000/43 dispõe:

    «A presente directiva tem por objectivo estabelecer um quadro jurídico para o combate à discriminação baseada em motivos de origem racial ou étnica, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.»

    3        O artigo 2.°, n.° 1, da referida directiva enuncia:

    «Para efeitos da presente directiva, entende‑se por ‘princípio da igualdade de tratamento’ a ausência de qualquer discriminação, directa ou indirecta, em razão da origem racial ou étnica.»

    4        O artigo 1.° da Directiva 2000/78 prevê:

    «A presente directiva tem por objecto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à actividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.»

    5        O artigo 2.°, n.° 1, da referida directiva dispõe:

    «Para efeitos da presente directiva, entende‑se por ‘princípio da igualdade de tratamento’ a ausência de qualquer discriminação, directa ou indirecta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.°»

    6        Os artigos 3.° de cada uma das Directivas 2000/43 e 2000/78, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõem no seu n.o 1, alínea c), que, dentro dos limites das competências atribuídas à Comunidade, as referidas directivas são aplicáveis a todas as pessoas, tanto no sector público como no privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito às condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento e a remuneração.

    7        Os artigos 14.°, alínea a), da Directiva 2000/43 e 16.°, alínea a), da Directiva 2000/78 prevêem que os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para assegurar que sejam suprimidas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento.

    8        O artigo 15.° da Directiva 2000/43 enuncia:

    «Os Estados‑Membros determinarão os regimes das sanções aplicáveis às violações das disposições nacionais adoptadas em execução da presente directiva e adoptarão as medidas necessárias para assegurar a aplicação dessas disposições. As sanções, em que se pode incluir o pagamento de indemnizações à vítima, devem ser eficazes, proporcionais e dissuasivas. [...]»

    9        O artigo 17.° da Directiva 2000/78 dispõe:

    «Os Estados‑Membros determinam o regime de sanções aplicável às violações das disposições nacionais aprovadas em execução da presente directiva, e adoptam as medidas necessárias para assegurar a aplicação dessas disposições. As sanções, em que se pode incluir o pagamento de indemnizações à vítima, devem ser efectivas, proporcionadas e dissuasivas. […]»

     Legislação nacional

    10      O Decreto do governo n.° 137/2000, relativo à prevenção e à repressão de todas as formas de discriminação (Monitorul Oficial al României, parte I, n.° 431, de 2 de Setembro de 2000), visa nomeadamente assegurar a transposição para o direito interno das Directivas 2000/43 e 2000/78.

    11      Nos termos do artigo 1.°, n.° 2, alínea e), i), do Decreto n.° 137/2000:

    «O princípio da igualdade entre os cidadãos e o princípio da exclusão de privilégios e de discriminações são garantidos, designadamente no exercício dos seguintes direitos:

    [...]

    e)      os direitos económicos, sociais e culturais, em especial:

    i)      o direito ao trabalho, à livre escolha da sua profissão, a condições de trabalho equitativas e satisfatórias, à protecção contra o desemprego, à igualdade salarial para trabalho igual, a uma remuneração equitativa e satisfatória».

    12      O artigo 2.°, n.° 1, do referido decreto prevê:

    «Na acepção do presente decreto, constitui uma discriminação qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência fundada na raça, nacionalidade, etnia, língua, religião, categoria social, convicções, género, orientação sexual, idade, deficiência, doença crónica não contagiosa, seropositividade, pertença a uma categoria desfavorecida, bem como qualquer outro critério que tenha por objecto ou efeito restringir ou afastar o reconhecimento, o uso ou o exercício, em condições de igualdade, dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais ou dos direitos reconhecidos pela lei, nos domínios político, económico, social e cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública.»

    13      O artigo 27.°, n.° 1, do Decreto n.° 137/2000 dispõe:

    «Qualquer pessoa que se considere vítima de uma discriminação pode pedir em juízo uma indemnização e a reintegração na situação anterior à discriminação ou a anulação da situação resultante da discriminação, em conformidade com o direito comum. [...]»

    14      Pelas decisões n.os 818 a 820, de 3 de Julho de 2008, n.° 1325, de 4 de Dezembro de 2008, e n.° 146, de 25 de Fevereiro de 2010, a Curtea Constituțională declarou que várias disposições do Decreto n.° 137/2000, entre as quais o seu artigo 27.°, devem ser consideradas inconstitucionais na medida em que delas decorra que os órgãos jurisdicionais nacionais são competentes para anular ou recusar a aplicação de actos normativos com força de lei quando as considerem discriminatórias e as substituir por normas elaboradas por via judiciária ou por disposições que figuram noutros actos normativos.

    15      Em conformidade com o artigo 11.°, n.° 1, e com o anexo 1, A, n.os 6 a 13, do Decreto governamental de urgência (Ordonanța de Urgență a Guvernului) n.° 27/2006, conforme alterado e completado pela Lei n.° 45/2007 (a seguir «OUG n.° 27/2006»), os procuradores da Direcția Națională Anticorupție (Direcção nacional anticorrupção, a seguir «DNA») e da Direcția de Investigare a Infracțiunilor de Criminalitate Organizată și Terorism (Direcção de investigação sobre as infracções em matéria de crime organizado e de terrorismo, a seguir «DIICOT») recebem uma remuneração correspondente à dos procuradores do Ministério Público junto da Înalta Curte de Casație și Justiție (Tribunal Supremo de Cassação e de Justiça).

    16      Decorre das explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que o acesso aos lugares de procuradores junto da Înalta Curte de Casație și Justiție e, assim, a atribuição da remuneração associada a essa função exigem, designadamente, que o interessado satisfaça um requisito de antiguidade de oito anos na magistratura, não sendo esse o caso relativamente às vagas de procuradores da DNA e da DIICOT.

     Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    17      Em primeira instância, os recorrentes, que são magistrados, intentaram uma acção no Tribunalul Bacău, dirigido nomeadamente contra esse tribunal, contra a Curtea de Apel Bacău e contra o Ministerul Justiţiei și Libertăţilor Cetăţenești, tendo em vista obter a reparação dos danos sofridos devido ao tratamento discriminatório de que tinham já sido objecto em matéria de remuneração em consequência do estatuto reservado, nesse plano, aos procuradores da DNA e da DIICOT.

    18      Por sentença de 4 de Abril de 2008, o Tribunalul Bacău considerou que esses recorrentes foram vítimas de uma discriminação em função da categoria socioprofissional e do local de trabalho, critérios que correspondiam ao de «categoria social», referido no artigo 2.°, n.° 1, do Decreto n.° 137/2000, e que o princípio consagrado no artigo 6.°, n.° 2, do Código do Trabalho (codul muncii), segundo o qual a trabalho igual deve corresponder uma remuneração igual, fora violado no caso concreto.

    19      Por conseguinte, o Tribunalul Bacău julgou a acção procedente e, baseando‑se no artigo 27.°, n.° 1, do Decreto n.° 137/2000, condenou os demandados a reconhecer aos referidos recorrentes os direitos salariais correspondentes à diferença entre o salário já recebido por estes e o previsto pelo OUG n.° 27/2006 para os procuradores da DNA e da DIICOT, a contar da data de entrada em vigor desta última regulamentação.

    20      Em apoio do recurso que interpôs desta sentença, o Ministerul Justiţiei și Libertăţilor Cetăţenești alega nomeadamente que o Tribunalul Bacău ultrapassou os limites das suas competências judiciárias ao exercer competências legislativas, violando as referidas decisões n.os 818 a 820, n.° 1325 e n.° 146 da Curtea Constituțională.

    21      Foi nestas condições que a Curtea de Apel Bacău decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)      O artigo 15.° da Directiva [2000/43] e o artigo 17.° da Directiva [2000/78], transpostas para direito interno pel[o Decreto n.° 137/2000], conforme alterado, opõem‑se a uma legislação nacional ou a uma decisão da Curte Constituţională […] que proíbe os órgãos jurisdicionais nacionais de concederem aos recorrentes discriminados as indemnizações pelos danos materiais e/ou morais consideradas adequadas quando a reparação do dano causado pelos factos discriminatórios respeite a direitos salariais previstos na lei e reconhecidos a uma categoria [socioprofissional] diferente daquela a que os recorrentes pertencem (v., neste sentido, decisões da Curte Constituţională n.° 1325, de 4 de Dezembro de 2008, e n.° 146, de 25 de Fevereiro de 2010)?

    2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, deve o órgão jurisdicional nacional esperar a revogação ou a modificação da legislação interna e/ou da jurisprudência da Curte Constituţională que sejam eventualmente contrárias ao direito [da União] ou deve aplicar directa e imediatamente ao caso em apreço a regulamentação [da União], tal como tem sido interpretada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, sem aplicar qualquer norma interna ou decisão da Curte Constituţională que seja contrária [ao direito da União]?»

     Quanto ao objecto das questões prejudiciais

    22      Lidas à luz das indicações que constam da decisão de reenvio, as questões prejudiciais têm por objecto, no essencial, por um lado, saber se, uma vez assegurada a transposição para o direito interno dos artigos 15.° da Directiva 2000/43 e 17.° da Directiva 2000/78, através, designadamente, de uma disposição como a do artigo 27.° do Decreto n.° 137/2000, os referidos artigos 15.° e 17.° devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que decisões da Curtea Constituțională excluam que a referida disposição de direito interno possa criar, em benefício de pessoas que tenham sofrido uma discriminação salarial em função da categoria socioprofissional ou do local de trabalho, um direito à reparação sob a forma de direitos salariais previstos na lei em benefício de uma outra categoria socioprofissional. Admitindo que é esse o caso, as referidas questões visam, por outro lado, determinar se um órgão jurisdicional nacional deve então afastar essa disposição de direito interno ou a jurisprudência constitucional em questão, sem aguardar que a referida disposição seja objecto de uma alteração por via legislativa ou que dê lugar a uma nova interpretação por parte da jurisdição constitucional que sejam adequadas a assegurar a respectiva conformidade com o direito da União.

     Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

    23      A admissibilidade das questões prejudiciais foi posta em dúvida pelo Governo romeno e pela Irlanda nas suas observações escritas, em especial porque a situação em causa no processo principal não é abrangida pelo âmbito de aplicação das Directivas 2000/43 e 2000/78 nem, mais genericamente, do direito da União.

    24      A título preliminar, há que recordar, a este respeito, que, em conformidade com o artigo 267.° TFUE, o Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos Tratados e dos actos adoptados pelas instituições da União.

    25      Segundo jurisprudência consagrada, o processo previsto no artigo 267.° TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais. Daqui decorre que compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais, a quem o litígio é submetido e que devem assumir a responsabilidade da decisão judicial a proferir, apreciar, face às particularidades de cada caso, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial, para estar em condições de proferir o seu julgamento, como a pertinência das questões que colocam ao Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdãos de 18 de Outubro de 1990, Dzodzi, C‑297/88 e C‑197/89, Colect., p. I‑3763, n.os 33 e 34; de 17 de Julho de 1997, Leur‑Bloem, C‑28/95, Colect., p. I‑4161, n.° 24; e de 8 de Setembro de 2010, Winner Wetten, C‑409/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 36 e jurisprudência referida).

    26      Por conseguinte, quando as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais tenham por objecto a interpretação de uma disposição do direito da União, o Tribunal de Justiça deve, em princípio, decidir (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Dzodzi, n.° 35; Leur‑Bloem, n.° 25; e Winner Wetten, n.° 36 e jurisprudência referida).

    27      Todavia, o Tribunal de Justiça indicou igualmente que, em circunstâncias excepcionais, lhe incumbe examinar as condições nas quais o juiz nacional recorre ao Tribunal de Justiça com vista a verificar a sua própria competência (v., designadamente, acórdão de 11 de Julho de 2006, Chacón Navas, C‑13/05, Colect., p. I‑6467, n.° 33 e jurisprudência referida). A recusa de decisão de uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional só é possível quando é manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, quando o problema tem natureza hipotética ou ainda quando o Tribunal não dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Chacón Navas, n.° 33, e Winner Wetten, n.° 37 e jurisprudência referida).

    28      Resulta assim de jurisprudência consagrada que a recusa de um pedido formulado por um órgão jurisdicional nacional se pode designadamente justificar se for manifesto que o direito da União não se pode aplicar, nem directa nem indirectamente, às circunstâncias do caso concreto (v., designadamente, acórdão Leur‑Bloem, já referido, n.° 26 e jurisprudência referida).

    29      No presente caso, importa observar desde já que o órgão jurisdicional de reenvio não interroga o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se uma situação como a que está em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação das Directivas 2000/43 e 2000/78 e, designadamente, dos seus artigos 15.° e 17.°, respectivamente, aos quais respeitam as questões prejudiciais.

    30      Todavia, não se pode deixar de referir, a este respeito, que, como alegam o Governo romeno, a Irlanda e a Comissão Europeia, não é esse o caso.

    31      Com efeito, o artigo 1.° da Directiva 2000/78 precisa que esta tem por objecto estabelecer um quadro geral para combater, no que respeita ao emprego e ao trabalho, as discriminações fundadas na religião ou nas convicções, na deficiência, na idade ou na orientação sexual. Por seu turno, a Directiva 2000/43 tem por objecto, como decorre do seu artigo 1.°, estabelecer um quadro para lutar contra a discriminação baseada na origem racial ou na origem étnica.

    32      No entanto, decorre da decisão de reenvio que a discriminação em causa no processo principal não assenta minimamente em nenhum dos motivos enumerados pelas referidas directivas, antes resultando da categoria socioprofissional, na acepção do direito nacional, em que se incluem os interessados ou do seu local de trabalho.

    33      Daqui resulta que uma situação como a que está em causa no processo principal não se inclui nos quadros gerais estabelecidos, respectivamente, pelas Directivas 2000/43 e 2000/78 para o combate a certas discriminações.

    34      Com efeito, como decorre, nomeadamente, do artigo 2.°, n.° 1, destas mesmas directivas, o princípio da igualdade de tratamento que consagram é aplicável em função dos motivos enumerados de forma exaustiva no seu artigo 1.° (v., neste sentido, acórdão de 17 de Julho de 2008, Coleman, C‑303/06, Colect., p. I‑5603, n.os 38 e 46).

    35      Cumpre ainda recordar a este propósito que o artigo 13.° CE, actual artigo 19.° TFUE, que apenas contém uma regulamentação das competências da Comunidade e com base no qual foram adoptadas as referidas directivas, também não visa as discriminações fundadas na categoria socioprofissional ou no local de trabalho, nem os referidos artigos 13.° CE e 19.° TFUE podem sequer constituir um fundamento jurídico de medidas do Conselho destinadas a combater essas discriminações (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Chacón Navas, n.° 55, e Coleman, n.° 46).

    36      Decorre do exposto que uma situação como a que está em causa no processo principal não cabe no âmbito das medidas adoptadas com base no artigo 13.° CE, nomeadamente das Directivas 2000/43 e 2000/78, de modo que os artigos 15.° e 17.°, respectivamente, destas directivas, aos quais o pedido de decisão prejudicial respeita, não se referem a tal situação (v., por analogia, despacho de 17 de Março de 2009, Mariano, C‑217/08, n.° 27).

    37      No entanto, uma vez que a Curtea de Apel Bacău sublinhou, quer nos motivos da decisão de reenvio quer na sua primeira questão prejudicial, que o Decreto n.° 137/2000 assegura a transposição para o direito interno das Directivas 2000/43 e 2000/78, importa igualmente questionar se uma interpretação dos referidos artigos 15.° e 17.° pelo Tribunal de Justiça é susceptível de se justificar, como defende a Comissão, pelo facto de estes artigos se terem tornado aplicáveis a circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, por força do direito nacional, em razão da remissão operada por este último para os referidos artigos.

    38      A este respeito, basta recordar que o Tribunal de Justiça, por diversas vezes, se declarou competente para decidir pedidos prejudiciais relativos a disposições do direito da União em situações em que os factos no processo principal se situavam fora do âmbito de aplicação deste, sendo por isso da exclusiva competência dos Estados‑Membros, mas em que as referidas disposições do direito da União passaram a ser aplicáveis por força do direito nacional, em virtude de uma remissão operada por este último para o conteúdo daquelas (v., designadamente, acórdãos Leur‑Bloem, já referido, n.os 25, 27 e jurisprudência referida, e de 3 de Dezembro de 1998, Schoonbroodt, C‑247/97, Colect., p. I‑8095, n.os 14 e 15).

    39      O Tribunal de Justiça sublinhou a este respeito, designadamente, que, quando uma legislação nacional se adequa, para as soluções que dá a situações puramente internas, às soluções adoptadas no direito da União, nomeadamente para evitar o aparecimento de discriminações contra cidadãos nacionais ou de eventuais distorções de concorrência, ou ainda para assegurar um processo único em situações comparáveis, existe um interesse manifesto em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos colhidos no direito da União sejam interpretados de modo uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devem aplicar (v., designadamente, acórdãos Leur‑Bloem, já referido, n.° 32 e jurisprudência referida, e de 17 de Julho de 1997, Giloy, C‑130/95, Colect., p. I‑4291, n.° 28).

    40      No entanto, não é esse o caso.

    41      É certo que decorre da decisão de reenvio, e como acaba de ser recordado, que o Decreto n.° 137/2000 tem designadamente por objecto assegurar a transposição para o direito interno das Directivas 2000/43 e 2000/78 e que o artigo 27.° do referido decreto, que prevê que as discriminações proibidas por este último implicam a responsabilidade dos seus autores e conferem às respectivas vítimas o direito de obter uma reparação, garante a este respeito a execução dos artigos 15.° da Directiva 2000/43 e 17.° da Directiva 2000/78. Apesar disso, não decorre daí que a interpretação do referido artigo 27.°, quando este último seja aplicável em caso de discriminações proibidas por força apenas do direito nacional e que não integram o âmbito de aplicação das referidas directivas, deva ser condicionada pelas disposições destas últimas ou, mais geralmente, pelas do direito da União.

    42      Com efeito, não está de modo algum estabelecido que, no caso em preço, haja um interesse seguro em que seja preservada a uniformidade de interpretação de disposições ou de conceitos recebidos do direito da União, quaisquer que sejam as condições em que estes são chamados a aplicar‑se, de modo que o Tribunal de Justiça esteja habilitado a responder às questões prejudiciais que lhe são dirigidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

    43      Desde logo, a decisão de reenvio não inclui nenhuma indicação suficientemente precisa da qual se possa deduzir que, ao sujeitar ao mesmo regime de reparação as violações de regras de não discriminação previstas pelas Directivas 2000/43 e 2000/78, e as que resultam apenas da legislação nacional, o legislador interno tivesse procedido, quanto a estas últimas, a uma remissão para o conteúdo de disposições do direito da União ou se adequasse a soluções nelas consagradas.

    44      Em seguida, há que observar, por um lado, que um regime de sanções como o que os Estados‑Membros devem implementar por força dos artigos 15.° da Directiva 2000/43 e 17.° da Directiva 2000/8 constitui o acessório das normas substantivas de não discriminação que as referidas directivas estabelecem e cuja eficácia deve assegurar. Ora, como foi sublinhado nos n.os 31 a 36 do presente acórdão, as referidas directivas não contêm nenhuma norma de não discriminação que se baseie, como é o caso daquela que é objecto do processo principal, na categoria profissional.

    45      Por outro lado, os artigos 15.° da Directiva 2000/43 e 17.° da Directiva 2000/78 limitam‑se a impor aos Estados‑Membros a obrigação de instituírem um regime de sanções aplicáveis às violações das disposições nacionais adoptadas em aplicação destas directivas, indicando a esse propósito que as referidas sanções devem ser efectivas, proporcionadas e dissuasivas e que podem incluir o pagamento de indemnizações. Daqui decorre que as medidas concretas variáveis que a execução das disposições do direito da União em causa implica dificilmente podem ser entendidas, quando sejam aplicáveis a situações que não se incluem no âmbito de aplicação destas últimas disposições, no sentido de que fazem uma remissão para conceitos contidos nessas mesmas disposições ou no sentido de que se conformam com soluções nestas consagradas, das quais houvesse que assegurar a uniformidade de interpretação, sejam quais forem as circunstâncias em que são aplicáveis.

    46      Por fim, há que sublinhar que, no caso em apreço, as questões prejudiciais visam no essencial não tanto obter uma interpretação do conteúdo substantivo dos artigos 15.° da Directiva 2000/43 e 17.° da Directiva 2000/78, mas antes que se determine se o princípio do primado do direito da União se opõe a uma norma interna de nível constitucional tal como interpretada pela jurisdição constitucional do Estado‑Membro em causa que, em face de uma situação não subsumível no âmbito de aplicação destas disposições do direito da União, determina a inaplicabilidade da norma interna que assegura a transposição das referidas disposições do direito da União ou a obrigação de interpretar essa norma interna de uma forma que seria contrária a essas disposições se a referida situação fosse abrangida pelo âmbito de aplicação daquelas.

    47      A este respeito, se a necessidade de assegurar a interpretação uniforme das normas do direito da União, como se recordou anteriormente, pode justificar que a competência do Tribunal de Justiça em matéria de interpretação se alargue ao conteúdo dessas normas, incluindo na hipótese de estas só serem indirectamente aplicáveis a uma dada situação, em virtude de uma remissão que para elas é feita por uma norma de direito nacional, esta mesma consideração não pode, pelo contrário, sob pena de ignorar a repartição das competências entre a União e os seus Estados‑Membros, levar a conferir à referida norma do direito da União um primado sobre as normas internas de hierarquia superior que determinam, nessa situação, que seja afastada a referida norma de direito nacional ou a interpretação que dela é feita.

    48      Decorre do exposto que as questões submetidas pela Curtea de Apel Bacău, que não têm por objecto verificar se uma situação como a que está em causa no processo principal se insere no âmbito de aplicação dos artigos 15.° da Directiva 2000/43 e 17.° da Directiva 2000/78, antes partindo do pressuposto que assim é, para solicitar uma interpretação do Tribunal de Justiça, quando, no entanto, as referidas disposições do direito da União não são, manifestamente, aplicáveis, nem directa nem indirectamente, às circunstâncias do caso concreto, devem ser consideradas inadmissíveis.

     Quanto às despesas

    49      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

    O pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Bacău (Roménia) é inadmissível.

    Assinaturas


    * Língua do processo: romeno.

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