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Document 52023PC0447

    Proposta de DECISÃO DO CONSELHO sobre o retirada da União do Tratado da Carta da Energia

    COM/2023/447 final

    Bruxelas, 7.7.2023

    COM(2023) 447 final

    2023/0273(NLE)

    Proposta de

    DECISÃO DO CONSELHO

    sobre o retirada da União do Tratado da Carta da Energia


    EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

    1.Objeto da proposta

    A presente proposta diz respeito à decisão de retirar a União do Tratado da Carta da Energia, em conformidade com o artigo 47.º desse Tratado.

    2.Contexto da proposta

    2.1.O Tratado da Carta da Energia

    O Tratado da Carta da Energia (TCE) é um acordo multilateral de comércio e investimento aplicável ao setor energético, que foi assinado em 1994 e entrou em vigor em 1998. Inclui disposições em matéria de proteção dos investimentos, comércio e trânsito de materiais e produtos energéticos e mecanismos de resolução de diferendos. Estabelece igualmente um quadro para a cooperação internacional no domínio da energia entre as suas 54 partes contratantes. A União Europeia é parte contratante no TCE 1 , juntamente com a Euratom, 26 Estados-Membros da UE (a partir de 8 de maio de 2023) 2 , o Japão, a Suíça, a Turquia e a maioria dos países dos Balcãs Ocidentais e da antiga URSS, com exceção da Rússia 3 e da Bielorrússia 4 .

    2.2.Modernização do TCE: resultados do processo e ponto da situação

    Desde a década de 1990 não houve qualquer atualização substancial do TCE, pelo que este se foi tornando cada vez mais obsoleto. Tornou-se também um dos tratados de investimento mais contestados do mundo, sendo os Estados-Membros da UE o principal alvo dos pedidos de reparação por parte dos investidores, a maioria dos quais radicados noutros países da UE. Consequentemente, em novembro de 2018, foi dado início a um processo de modernização. Em primeiro lugar, a Conferência da Carta da Energia aprovou uma lista de temas para debate, principalmente no que diz respeito às disposições relacionadas com a proteção do investimento. Em seguida, a UE propôs a supressão da proteção dos investimentos em combustíveis fósseis, a fim de alinhar o TCE com o Acordo de Paris.

    Após 15 rondas de negociações multilaterais, que decorreram entre julho de 2019 e junho de 2022, alcançou-se um «acordo de princípio» para encerrar as negociações na Conferência Extraordinária da Carta da Energia de 24 de junho de 2022, realizada em Bruxelas.

    A Comissão considera que o resultado negociado está em conformidade com o mandato conferido pelo Conselho.

    O texto revisto do TCE e os respetivos anexos foram objeto de uma revisão jurídica e de um projeto de decisão final que contém os textos revistos e as modalidades para a sua entrada em vigor (conjuntamente designados por «pacote de modernização») e que foi partilhada em 19 de agosto de 2022 com todas as Partes Contratantes — incluindo a UE, a Euratom, e todos os Estados-Membros da UE que são Partes Contratantes no TCE.

    Na altura, a intenção era apresentar o «pacote de modernização» para adoção na 33.ª reunião da Conferência da Carta da Energia, em 22 de novembro de 2022. Para o efeito, a Comissão apresentou duas propostas de decisões ao abrigo do artigo 218.º, n.º 9, do TFUE e do artigo 101.º do Tratado Euratom, respetivamente, com vista a definir a posição a adotar em nome da União e da Euratom na 33.ª reunião da Conferência da Carta da Energia. Ao mesmo tempo, a Comissão adotou uma comunicação em que salienta a necessidade de eliminar o risco de conflito entre os Tratados e o TCE, tal como interpretado por alguns tribunais arbitrais, que consideraram que o TCE se aplica a litígios intra-UE. Se confirmada pelos órgãos jurisdicionais de um país terceiro, esta interpretação geraria, de facto, um conflito jurídico, uma vez que as sentenças arbitrais que violam o direito da União passariam a circular nas ordens jurídicas de países terceiros. As propostas apresentadas ao Conselho sugeriram que a UE e a Euratom apoiassem a adoção do «pacote de modernização» na 33.ª reunião da Conferência da Carta da Energia. Contudo, estas propostas não foram adotadas pelo Conselho, devido à abstenção de uma minoria de bloqueio de quatro Estados-Membros (Alemanha, França, Espanha e Países Baixos) na reunião do COREPER de 18 de novembro de 2022. Consequentemente, o «pacote de modernização» foi retirado da ordem de trabalhos da 33.ª reunião da Conferência da Carta da Energia e a modernização do Tratado da Carta da Energia não foi adotada. Entretanto, o atual Tratado não modernizado continua a aplicar-se à UE, à Euratom e a todos os Estados-Membros que são partes no TCE nas relações com outras partes contratantes. Além disso, prosseguem os processos de obtenção e execução de sentenças proferidas por tribunais alegadamente criados nos termos do artigo 26.º do TCE em litígios intra-UE.

    2.3.Situação atual e sugestões para o futuro

    Na ausência de decisões da UE e da Euratom, a UE e a Euratom não podem participar numa votação sobre a adoção do pacote de modernização numa reunião da Conferência da Carta da Energia. Regra geral, ao votar numa conferência do TCE, a União dispõe de um número de votos igual ao número dos Estados-Membros que são Partes Contratantes no TCE. Sem a participação da UE e da Euratom nessa votação, o quórum de votação na Conferência não é alcançado e o pacote de modernização não pode ser adotado.

    Não existe uma maioria qualificada no Conselho para uma decisão da UE ou da Euratom que permita à UE e à Euratom participar na votação numa reunião da Conferência da Carta da Energia, apoiando a adoção do pacote de modernização.

    Além disso, não obstante a questão da adoção do pacote de modernização pela Conferência da Carta da Energia, a entrada em vigor ou a aplicação provisória de um Tratado modernizado exigiria a aprovação do Parlamento Europeu, que declarou claramente que não apoia a reforma do Tratado e insta a UE e os Estados-Membros a organizarem uma retirada coordenada do TCE 5 .

    Por conseguinte, não existe nenhuma via jurídica e/ou institucional para que a modernização do TCE seja adotada e produza efeitos, condição para que a UE continue a ser parte no Tratado.

    Continuar a ser parte contratante no atual TCE não modernizado não é uma opção para a UE nem para os Estados-Membros, uma vez que o atual Tratado não modernizado não está em conformidade com a política e a legislação da UE em matéria de investimento e com os objetivos da UE em matéria de energia e clima.

    As disposições do Tratado em matéria de proteção do investimento, incluindo os mecanismos de resolução de litígios entre os investidores e o Estado (RLIE), não estão em conformidade com a abordagem da UE em matéria de proteção do investimento. Em especial, o TCE não modernizado é incompatível com o princípio da autonomia do direito da União, uma vez que não inclui algumas das garantias identificadas pelo Tribunal no parecer do CETA para concluir que as decisões arbitrais não teriam «por efeito impedir as instituições da União de funcionar em conformidade com o quadro constitucional desta» 6 .

    Além disso, a proteção concedida aos combustíveis fósseis, nas condições acima descritas e por um período de tempo ilimitado, não se coaduna com os objetivos da UE, tal como definidos no Pacto Ecológico Europeu, no Plano REPowerEU e na Lei do Clima — a saber: acelerar a transição dos combustíveis fósseis para as energias renováveis, alcançar uma maior independência energética, garantir a segurança energética da UE e, não menos importante, cumprir o compromisso de reduzir as emissões em, pelo menos, 55 % até 2030 e alcançar a neutralidade climática até 2050.

    Consequentemente, a retirada da UE do TCE é a única solução possível.

    3.Base jurídica

    3.1.Natureza e contexto da proposta

    A proposta da Comissão diz respeito a uma decisão do Conselho de retirar a União do Tratado da Carta da Energia, em conformidade com o artigo 47.1 desse Tratado.

    A adoção de tal decisão pelo Conselho, após aprovação do Parlamento Europeu nos termos do artigo 218.º, n.º 6, alínea a), subalínea v), do TFUE, permitiria à Comissão notificar por escrito o depositário do Tratado da Carta da Energia (ou seja, a República de Portugal) da sua retirada do Tratado, ao abrigo do artigo 47.1 do TCE.

    Nos termos do artigo 47.2 do TCE, a retirada da União produz efeitos um ano a contar da receção da notificação pelo depositário, ou numa data posterior especificada na notificação da denúncia.

    Nos termos do artigo 47.3 do TCE, as disposições do TCE continuam a aplicar-se a investimentos feitos na União por investidores de outras partes contratantes ou no território de outras partes contratantes por investidores da União, durante um período de 20 anos a contar da data da retirada da União do TCE O artigo 47.3 do TCE não teria nenhum impacto nas relações intra-UE, às quais o TCE nunca foi, não é nem nunca será aplicável, incluindo o artigo 47.3. Porém, tal como referido na comunicação acima mencionada, existe um risco de conflito jurídico que deve ser eliminado. A Comissão mantém a opinião de que a resposta adequada consiste em adotar um instrumento que seja um «acordo posterior entre as Partes sobre a interpretação do tratado ou a aplicação das suas disposições», na aceção do artigo 31.º, n.º 3, alínea a), da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), entre os Estados-Membros, a União e a EURATOM. Por conseguinte, a Comissão prosseguirá as negociações sobre o texto desse acordo que, uma vez concluído, será objeto de uma proposta de celebração do acordo subsequente em nome da União e da Euratom. A codificação da interpretação da UE e dos Estados-Membros num tratado separado (o que é possível devido à natureza bilateral das obrigações) tornou-se ainda mais premente na falta da modernização do TCE que teria integrado no próprio texto e através de uma cláusula «para maior segurança» o compromisso de todas as partes contratantes de que o artigo 26.º do TCE não é aplicável intra-UE.

    3.2.Base jurídica processual

    3.2.1.Princípios

    A decisão da União de denunciar e retirar-se de um acordo internacional deve ser adotada com a mesma base jurídica e segundo o mesmo procedimento que uma decisão de celebrar um tal acordo em nome da União. Por conseguinte, a denúncia e retirada da União do Tratado da Carta da Energia exige a adoção de uma decisão do Conselho com base no artigo 218.º, n.º 6, alínea a), subalínea v), do TFUE.

    Nos termos do artigo 218.º, n.º 6, alínea a), subalínea v), do TFUE, «o Conselho, sob proposta do negociador, adota uma decisão de celebração do acordo. Exceto nos casos em que o acordo incida exclusivamente sobre a política externa e de segurança comum, o Conselho adota a decisão de celebração do acordo: a) Após aprovação do Parlamento Europeu, nos seguintes casos: [...] v) Acordos que abranjam domínios aos quais seja aplicável o processo legislativo ordinário ou o processo legislativo especial, quando a aprovação do Parlamento Europeu é obrigatória.»

    3.2.2.Aplicação ao caso em apreço

    O Tratado da Carta da Energia não é um acordo que diga exclusivamente respeito à política externa e de segurança comum. É, pelo contrário, um acordo que abrange matérias às quais se aplica o processo legislativo ordinário. Por conseguinte, a celebração do Tratado da Carta da Energia pela União exigiria uma decisão do Conselho após aprovação do Parlamento Europeu nos termos do artigo 218.º, n.º 6, alínea a), subalínea v), do TFUE.

    A decisão da União de denunciar e retirar-se do Tratado da Carta da Energia deve ser adotada na mesma base jurídica e segundo o mesmo procedimento que uma decisão de celebrar esse acordo em nome da União.

    Por conseguinte, a base jurídica processual da decisão proposta é o artigo 218.º, n.º 6, alínea a), subalínea v), do TFUE.

    3.3.Base jurídica material

    3.3.1.Princípios

    A base jurídica material para a adoção de uma decisão ao abrigo do artigo 218.º, n.º 6, alínea a), subalínea v), do TFUE depende essencialmente do objetivo e do conteúdo do ato previsto em relação ao qual é adotada uma posição em nome da União. Se o ato previsto tiver duas finalidades ou duas componentes e se uma dessas finalidades ou componentes for identificável como sendo principal e a outra como sendo apenas acessória, a decisão a adotar ao abrigo do artigo 218.º, n.º 6, alínea a), do TFUE deve assentar numa única base jurídica material, concretamente a exigida pela finalidade ou componente principal ou preponderante.

    Se o ato previsto tiver simultaneamente várias finalidades ou componentes indissociavelmente ligadas, sem que nenhuma delas seja acessória em relação à outra, a base jurídica material de uma decisão a adotar ao abrigo do artigo 218.º, n.º 6, alínea a), do TFUE terá de incluir, excecionalmente, as várias bases jurídicas correspondentes.

    3.3.2.Aplicação ao caso em apreço

    O ato previsto prossegue objetivos e tem componentes no domínio da energia e da política comercial comum. Estes aspetos do ato previsto estão ligados de forma indissociável sem que nenhum deles seja acessório do outro.

    Por conseguinte, a base jurídica material da decisão proposta inclui as seguintes disposições: Artigos 194.º, n.º 2, e 207.º, n.º 4, primeiro parágrafo, do TFUE.

    3.4.Conclusão

    A base jurídica da decisão proposta deve ser o artigo 194.º, n.º 2, e o artigo 207.º, n.º 4, primeiro parágrafo, do TFUE, em conjugação com o artigo 218.º, n.º 6, alínea a), subalínea v), do TFUE.

    2023/0273 (NLE)

    Proposta de

    DECISÃO DO CONSELHO

    sobre o retirada da União do Tratado da Carta da Energia

    O CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA,

    Tendo em conta o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nomeadamente o artigo 194.º, n.º 2, e o artigo 207.º, n.º 4,primeiro parágrafo, em conjugação com o artigo 218.º, n.º 6, segundo parágrafo, alínea a), subalínea v),

    Tendo em conta a proposta da Comissão Europeia,

    Tendo em conta a aprovação do Parlamento Europeu 7 ,

    Considerando o seguinte:

    (1)O Tratado da Carta da Energia (a seguir designado por «Acordo») foi celebrado pela União pela Decisão 98/181/CE, CECA, Euratom 8 , do Conselho e da Comissão e entrou em vigor em 16 de abril de 1998.

    (2)Desde a década de 1990 não houve qualquer atualização substancial do Acordo, pelo que este se foi tornando cada vez mais obsoleto.

    (3)Em 2019, as partes contratantes no Acordo iniciaram negociações com vista a modernizar o Acordo a fim de o alinhar com os princípios do Acordo de Paris 9 , os requisitos em matéria de desenvolvimento sustentável e de luta contra as alterações climáticas, bem como com normas modernas de proteção do investimento.

    (4)As partes contratantes concluíram as negociações em 24 de junho de 2022. O resultado das negociações foi adotado na 33.ª reunião da Conferência da Carta da Energia, em 22 de novembro de 2022.

    (5)Antes da reunião da Conferência, a União não conseguiu chegar a uma posição comum sobre a modernização do Acordo.

    (6)Na ausência de uma posição da União, a adoção do Acordo modernizado pela Conferência da Carta da Energia é impossível. O atual Acordo não modernizado continua a aplicar-se à União, apesar de não estar em conformidade com a política e o direito da União em matéria de investimento, incluindo, em especial, o princípio da autonomia do direito da União, e com os objetivos da União em matéria de energia e clima.

    (7)Na ausência de outra alternativa, é, por conseguinte, necessário que a União se retire do Acordo.

    (8)Nos termos do artigo 47.º, n.º 1, do Acordo, uma Parte Contratante pode notificar por escrito a denúncia do Acordo ao depositário do Acordo, a saber, a República Portuguesa [ver https://publications.europa.eu/code/pt/pt-370100.htm]. Nos termos do artigo 47.º, n.º 2, do Acordo, essa denúncia produz efeitos no termo de um ano após a data de receção da notificação pelo Depositário,

    ADOTOU A PRESENTE DECISÃO:

    Artigo 1.º

    A União retirar-se-á do Tratado da Carta da Energia.

    Artigo 2.º

    A Comissão deve, em nome da União, notificar por escrito, em conformidade com o artigo 47.º, n.º 1, do Tratado da Carta da Energia, a saída da União do Tratado da Carta da Energia.

    Feito em Bruxelas, em

       Pelo Conselho

       O Presidente

    (1)     Decisão 98/181/CE, CECA, Euratom do Conselho e da Comissão, de 23 de setembro de 1997, relativa à conclusão pelas Comunidades Europeias do Tratado da Carta da Energia e do Protocolo da Carta da Energia relativo à eficiência energética e aos aspetos ambientais associados (JO L 69 de 9.3.1998, p. 1).
    (2)    Todos, exceto a Itália, que se retirou unilateralmente em 2015. A França, a Alemanha e a Polónia também deram início a um procedimento de retirada em dezembro de 2022, o que conduzirá à sua saída efetiva do Tratado da Carta da Energia até dezembro de 2023.
    (3)    A Conferência Extraordinária da Carta da Energia, na sua sessão de 24 de junho de 2022, retirou o estatuto de observador à Federação da Rússia.
    (4)    A Conferência Extraordinária da Carta da Energia, na sua sessão de 24 de junho de 2022, retirou o estatuto de observador à Bielorrússia e suspendeu a aplicação provisória do TCE por parte deste país.
    (5)    Resolução do Parlamento Europeu, de 24 de novembro de 2022, sobre a modernização do Tratado da Carta da Energia.
    (6)    Parecer 1/17, pontos: 152-161.
    (7)    JO C... de..., p..../Consentimento de... (ainda não publicado no Jornal Oficial).
    (8)     Decisão 98/181/CE, CECA, Euratom do Conselho e da Comissão, de 23 de setembro de 1997, relativa à conclusão pelas Comunidades Europeias do Tratado da Carta da Energia e do Protocolo da Carta da Energia relativo à eficiência energética e aos aspetos ambientais associados (JO L 69 de 9.3.1998, p. 1).
    (9)    JO L 282 de 19.10.2016, p. 4.
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