COMISSÃO EUROPEIA
Bruxelas, 30.3.2022
COM(2022) 141 final
COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES
Estratégia da UE em prol da Sustentabilidade e Circularidade dos Têxteis
1.Introdução
Os têxteis entrelaçam-se na vida quotidiana de todos nós. São utilizados no fabrico de vestuário, artigos de uso doméstico e mobiliário, bem como em equipamento médico e de proteção, edifícios e veículos. Os têxteis contribuem para as funcionalidades e o desempenho dos produtos, mas também são escolhidos para fins estéticos e de conforto.
A produção e o consumo de produtos têxteis continuam a crescer, o mesmo acontecendo com o seu impacto no clima, no consumo de água e de energia e no ambiente. A produção mundial de têxteis quase duplicou entre 2000 e 2015, e prevê-se que o consumo de vestuário e calçado aumente 63 % até 2030, passando de 62 milhões de toneladas para 102 milhões de toneladas. Atualmente, o consumo de têxteis na UE, a maioria dos quais são importados, ocupa, em média, o quarto lugar em termos de impacto negativo no ambiente e nas alterações climáticas e o terceiro em termos de utilização de recursos hídricos e do solo, numa perspetiva de ciclo de vida global. Todos os anos, cerca de 5,8 milhões de toneladas de têxteis são descartadas na UE — aproximadamente 11 kg por pessoa. Além disso, em cada segundo, algures no mundo, um volume de têxteis equivalente a uma carga de camião é depositado em aterro ou incinerado.
Uma vez que o vestuário representa a maior parte do consumo de têxteis na UE (81 %), a tendência de usar peças de vestuário durante períodos cada vez mais curtos antes de as descartar contribui para padrões insustentáveis de produção e consumo excessivos. Este fenómeno é conhecido como «moda rápida»: incitar os consumidores a continuarem a comprar vestuário de qualidade inferior e a preços baixos, produzido rapidamente em resposta às tendências mais recentes. Embora, entre 1996 e 2018, os preços do vestuário na UE tenham baixado mais de 30 % em relação à inflação, a despesa média das famílias com vestuário aumentou, o que indicia que esses padrões insustentáveis impediram os cidadãos de tirar pleno partido das oportunidades de redução de custos. Além disso, a procura crescente de têxteis está a alimentar a utilização ineficiente de recursos não renováveis, incluindo combustíveis fósseis utilizados na produção de fibras sintéticas.
Estes impactos negativos decorrem de um modelo linear caracterizado por baixas taxas de utilização, reutilização e reparação de têxteis, bem como de reciclagem de fibras em novas fibras, no qual, muitas vezes, a qualidade, a durabilidade e a reciclabilidade não são consideradas prioridades durante a conceção e o fabrico de vestuário. A libertação de microplásticos durante todas as fases do ciclo de vida de têxteis e calçado de base sintética contribui para avolumar os impactos ambientais do setor.
A cadeia de valor global dos têxteis, já de si complexa e diversificada, enfrenta ainda desafios sociais, em parte induzidos por pressões no sentido de minimizar os custos de produção para satisfazer a procura de produtos a preços acessíveis por parte dos consumidores. O trabalho infantil na indústria do vestuário suscita grande preocupação. Uma vez que as mulheres constituem a maioria da mão de obra têxtil mal remunerada e não qualificada, a melhoria da sustentabilidade da cadeia de abastecimento assume também grande relevo em termos de igualdade de género. Ao dar maior atenção à sustentabilidade social e ambiental, a UE procura reforçar as cadeias de valor globais, contribuindo assim para a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável a nível mundial.
O setor dos têxteis e do vestuário é importante para a economia da UE e pode desempenhar um papel proeminente na economia circular. Abrange mais de 160 mil empresas e emprega 1,5 milhões de pessoas, tendo gerado um volume de negócios de 162 mil milhões de EUR em 2019. A pandemia de COVID-19 afetou o setor negativamente: em 2020, o volume de negócios na UE registou uma contração de 9,2 %, no que respeita aos têxteis, e de 18,1 %, no que respeita ao vestuário, em comparação com 2019. Ao mesmo tempo, o ecossistema têxtil demonstrou o seu dinamismo e engenho durante a pandemia, tendo conseguido ajustar as linhas de produção em tempo recorde para passar a fabricar máscaras e outros equipamentos de proteção deveras necessários, mas não disponíveis em quantidades suficientes.
De igual modo, as consequências da agressão militar não provocada e injustificada contra a Ucrânia por parte da Rússia — aumento dos preços da energia, insegurança no aprovisionamento de matérias-primas e impactos nos segmentos de exportação do ecossistema têxtil — expõem as vulnerabilidades das cadeias de abastecimento mundiais.
O ecossistema têxtil da UE precisa de recuperar da sequência de quedas súbitas da procura, perturbações das cadeias de valor e escaladas de preços registadas nos últimos dois anos — que criaram dificuldades significativas às empresas, tanto no que respeita às operações diárias como à sobrevivência a longo prazo — e de resistir não só a uma concorrência mundial intensa, mas também a choques futuros. Composto essencialmente por pequenas e médias empresas (PME), este ecossistema tem de tornar-se mais resiliente, em especial no que respeita ao aprovisionamento de energia e matérias-primas, explorar novos mercados para produtos mais sustentáveis e aumentar a capacidade de atrair mão de obra talentosa e qualificada. A Europa sempre foi e deve continuar a ser um espaço de marcas inovadoras, criatividade, saber-fazer e produtos têxteis de qualidade.
Estes desafios e oportunidades exigem soluções mais sistémicas, em consonância com a ambição, enunciada no Pacto Ecológico Europeu, de tornar o crescimento sustentável, climaticamente neutro, eficiente na utilização de energia e recursos, respeitador da natureza e assente numa economia limpa e circular. O Plano de Ação para a Economia Circular, de 2020, e a atualização da Estratégia Industrial da UE, de 2021, identificam os têxteis como uma das principais cadeias de valor de produtos com necessidade urgente e forte potencial de transição para modelos sustentáveis e circulares de produção, consumo e negócio. As empresas, os consumidores e as autoridades públicas da UE já estão a centrar-se no aumento da sustentabilidade e da circularidade deste setor, mas a transição é lenta e a sua pegada ambiental e climática continua a ser elevada.
Ao tirar partido do trabalho já realizado, garantir a dupla transição ecológica e digital, dar resposta aos desafios sociais e assegurar o cumprimento de requisitos de sustentabilidade, a UE pode tornar-se um pioneiro mundial em cadeias de valor dos têxteis sustentáveis e circulares, em novas soluções tecnológicas e em modelos de negócio inovadores. Tal permitiria reduzir a pegada ambiental dos têxteis ao longo do ciclo de vida, aumentar a resiliência e a competitividade do setor, melhorar as condições de trabalho em consonância com as normas laborais internacionais e assegurar que o valor dos têxteis é mantido na economia durante o máximo de tempo possível, reduzindo a dependência em relação a matérias-primas virgens.
A presente Estratégia em prol da Sustentabilidade e Circularidade dos Têxteis visa criar um quadro coerente e definir uma visão para a transição do setor têxtil, com os resultados abaixo descritos.
Em 2030, os produtos têxteis colocados no mercado da UE são duradouros e recicláveis, fabricados em grande parte a partir de fibras recicladas, livres de substâncias perigosas e produzidos no respeito dos direitos sociais e do ambiente. Os consumidores beneficiam mais tempo de têxteis de alta qualidade e a preços acessíveis, a moda rápida está fora da moda e estão amplamente disponíveis serviços lucrativos de reutilização e reparação. Num setor têxtil competitivo, resiliente e inovador, os produtores assumem a responsabilidade pelos seus produtos ao longo da cadeia de valor, inclusive quando se tornam resíduos. O ecossistema têxtil circular está a prosperar, impulsionado por capacidades suficientes e inovadoras de reciclagem de fibras em novas fibras, ao passo que a incineração e a deposição em aterro de têxteis estão reduzidas ao mínimo.
2.Um novo padrão para a Europa: ações-chave em prol da sustentabilidade e circularidade dos têxteis
2.1.Introduzir requisitos de conceção ecológica obrigatórios
A forma mais eficaz de reduzir significativamente o impacto dos produtos têxteis no clima e no ambiente é prolongar a sua vida útil. A fase de conceção dos produtos é crucial para o efeito. As falhas de qualidade — em termos de solidez da cor, resistência ao rasgamento ou robustez de fechos de correr e costuras, entre outras — contam-se entre as principais razões para os consumidores descartarem têxteis. O aumento da durabilidade permitirá que os consumidores usem as peças de vestuário durante mais tempo e, simultaneamente, apoiem modelos de negócio circulares, como serviços de reutilização, aluguer, reparação e retoma e o comércio retalhista em segunda mão, criando assim oportunidades de poupança para os cidadãos.
O desempenho ambiental dos têxteis é influenciado por outros aspetos de conceção, entre os quais a composição material, incluindo o tipo de fibras utilizadas e a mistura das mesmas, ou a presença de produtos químicos que suscitam preocupação, os quais dificultam a reciclagem de resíduos têxteis — a nível mundial, menos de 1 % destes resíduos são utilizados para produzir novos têxteis. Entre 25 % e 40 % dos tecidos utilizados nas fábricas sobram ou tornam-se resíduos. Na Europa, cerca de 20 % dos têxteis usados recolhidos seletivamente são reciclados, com perda de valor, para utilização como toalhetes industriais ou noutras aplicações, enquanto o restante é perdido.
Não obstante a necessidade de desenvolver tecnologias de triagem e de reciclagem avançadas, a melhoria da conceção dos produtos é o primeiro passo para contornar as dificuldades técnicas. Por exemplo, é frequente misturar-se fibras diversas (como poliéster e algodão), o que dificulta a reciclagem devido à reduzida disponibilidade de tecnologias para separar os resíduos têxteis por tipo de fibra. Além disso, o elastano, muitas vezes acrescentado para aumentar as funcionalidades dos tecidos, pode tornar-se um contaminante em quase todas as tecnologias de reciclagem de fibras têxteis, afetando a viabilidade económica e o custo ambiental do processo de reciclagem. Na reciclagem termomecânica, a mistura de diferentes tipos de poliéster pode igualmente ter um impacto negativo no tratamento dos resíduos têxteis e na qualidade das matérias recicladas.
Alguns regimes voluntários criados pela Comissão, como os critérios para a atribuição do rótulo ecológico da UE aos produtos têxteis e os critérios de contratação pública ecológica da UE para produtos e serviços têxteis, já incluem requisitos relacionados com os aspetos ambientais dos produtos têxteis. Estes abrangem, por exemplo, critérios pormenorizados relativos a produtos duradouros e de boa qualidade, restrições de produtos químicos perigosos, ou ainda requisitos relativos ao aprovisionamento de fibras têxteis sustentável do ponto de vista ambiental. Estão em curso trabalhos sobre a pegada ambiental de produtos de vestuário e de calçado, envolvendo representantes da indústria têxtil, que deverão ser concluídos até 2024.
Com base nestes conhecimentos e ao abrigo do Regulamento Conceção Ecológica de Produtos Sustentáveis, sob reserva da aprovação deste pelos colegisladores e de uma avaliação de impacto específica, a Comissão definirá requisitos de conceção ecológica vinculativos para produtos específicos, a fim de aumentar o desempenho dos têxteis em termos de durabilidade, possibilidade de reutilização, reparabilidade, reciclabilidade das fibras em novas fibras e teor obrigatório de fibras recicladas, de minimizar e controlar a presença de substâncias que suscitam preocupação e de reduzir os impactos adversos no clima e no ambiente. Neste contexto, será prestada especial atenção à relação custo-eficácia e à proporcionalidade das medidas, bem como à acessibilidade dos preços dos têxteis. Como parte dos requisitos e sob reserva da avaliação de impacto que permitirá definir o âmbito dos mesmos, a Comissão introduzirá critérios obrigatórios para os contratos públicos ecológicos, cujo âmbito será igualmente definido na sequência de uma avaliação de impacto, bem como requisitos relativos aos incentivos dos Estados-Membros no domínio dos produtos têxteis.
A Comissão dará prioridade aos produtos com maior potencial e impacto em termos de sustentabilidade ambiental. A avaliação inicial da Comissão mostra a relevância de incluir, por exemplo, vestuário, têxteis para uso doméstico, tapetes e colchões. A lista final será definida com base num processo de consulta relativo à adoção do primeiro programa de trabalho ao abrigo do Regulamento Conceção Ecológica de Produtos Sustentáveis, a lançar até ao final de 2022.
A presença de substâncias perigosas utilizadas em produtos têxteis colocados no mercado da UE, das quais cerca de 60 são consideradas cancerígenas, mutagénicas ou tóxicas para a reprodução, é uma fonte de preocupação que a Comissão está a abordar no âmbito do REACH. Além disso, ao definir critérios para garantir a segurança e a sustentabilidade de produtos químicos e de materiais desde a conceção, a Comissão ajudará a indústria a substituir tanto quanto possível ou, pelo menos, a minimizar a presença de substâncias que suscitam preocupação nos produtos têxteis colocados no mercado da UE, tal como anunciado na Estratégia para a Sustentabilidade dos Produtos Químicos. Tal está em consonância com as ações destinadas a aumentar a proteção dos trabalhadores expostos a substâncias perigosas, definidas no quadro estratégico da UE para a saúde e segurança no trabalho 2021-2027.
A ambição de alcançar um nível de poluição zero na produção de têxteis também orienta a revisão da Diretiva Emissões Industriais e a revisão em curso do documento de referência sobre as melhores técnicas disponíveis para a indústria têxtil.
2.2.Pôr termo à destruição de têxteis não vendidos ou devolvidos
A destruição de bens não vendidos ou devolvidos, incluindo vestuário, constitui um desperdício de valor e de recursos. Para desincentivar esta prática, a Comissão propõe, ao abrigo do Regulamento Conceção Ecológica de Produtos Sustentáveis, uma obrigação de transparência por força da qual as grandes empresas deverão divulgar publicamente a quantidade de produtos que descartam e destroem, incluindo têxteis, e o tratamento posterior dos mesmos em termos de preparação para a reutilização, reciclagem, incineração ou deposição em aterro. Se lhe forem atribuídos os poderes necessários nos termos do regulamento proposto, e após uma avaliação de impacto específica, a Comissão introduzirá igualmente proibições de destruição de produtos não vendidos, incluindo, se for caso disso, têxteis não vendidos ou devolvidos.
Importa ainda referir as ferramentas digitais, que estão a mudar a forma como o vestuário é concebido, fabricado e vendido em todo o mundo, permitindo novos modelos de interação entre retalhistas e consumidores, que dão azo a uma reação mais dinâmica às necessidades dos consumidores. A Comissão analisará em conjunto com a indústria, em especial no contexto da Via de Transição para o Ecossistema Têxtil, de que maneira as tecnologias emergentes, como as tecnologias digitais de precisão, poderão reduzir a elevada percentagem de devoluções de vestuário comprado em linha, incentivar o fabrico personalizado a pedido e, deste modo, melhorar a eficiência dos processos industriais e reduzir a pegada de carbono do comércio eletrónico.
2.3.Combater a poluição por microplásticos
A poluição da natureza, incluindo o ambiente marinho, por microplásticos tornou-se generalizada e suscita uma profunda e crescente preocupação. Uma das principais fontes de libertação não intencional de microplásticos são os têxteis feitos de fibras sintéticas. Estima-se que cerca de 60 % das fibras utilizadas no vestuário sejam sintéticas, predominantemente poliéster, e que esta proporção esteja a aumentar.
Uma vez que a libertação mais abundante de microplásticos ocorre nas primeiras cinco a dez lavagens, a moda rápida, associada à utilização crescente de fibras sintéticas à base de combustíveis fósseis, contribui enormemente para a poluição por microplásticos. Todos os anos, até 40 mil toneladas de fibras sintéticas são libertadas no efluente das máquinas de lavar roupa.
A Comissão tenciona abordar as diferentes fases do ciclo de vida em que as fibras sintéticas são libertadas no ambiente, mediante um conjunto de medidas de prevenção e redução, nomeadamente por via de requisitos de conceção vinculativos a introduzir ao abrigo do Regulamento Conceção Ecológica de Produtos Sustentáveis, bem como no âmbito da futura iniciativa da Comissão para combater a libertação não intencional de microplásticos no ambiente, a apresentar no segundo semestre de 2022. Além da conceção dos produtos, as medidas visarão os processos de fabrico, a pré-lavagem nas instalações de fabrico industrial, a rotulagem e a promoção de materiais inovadores. Entre os restantes domínios de intervenção possíveis, contam-se os filtros das máquinas de lavar roupa, que podem reduzir até 80 % o volume de microplásticos libertados durante lavagens, o desenvolvimento de detergentes suaves, orientações sobre cuidados e lavagem, o tratamento de resíduos têxteis em fim de vida e regulamentação para melhorar o tratamento de águas residuais e lamas de depuração.
A Comissão terá em conta os trabalhos de normalização em curso relativos à definição de métodos de ensaio para medir a libertação de microplásticos durante a lavagem de têxteis sintéticos, bem como as capacidades tecnológicas e técnicas da indústria.
2.4.Introduzir requisitos de informação e um passaporte digital dos produtos
A existência de informações claras, estruturadas e acessíveis sobre as características de sustentabilidade ambiental dos produtos habilita as empresas e os consumidores a fazerem melhores escolhas e aperfeiçoa a comunicação entre os intervenientes ao longo das cadeias de valor, incluindo produtores e operadores de reciclagem (por exemplo, sobre substâncias que suscitam preocupação, sobre a reparação ou sobre a composição das fibras). Tais informações reforçam ainda a visibilidade e a credibilidade de empresas e produtos sustentáveis. Por conseguinte, no âmbito das medidas a adotar ao abrigo do novo Regulamento Conceção Ecológica de Produtos Sustentáveis, a Comissão introduzirá um passaporte digital dos produtos têxteis baseado em requisitos de informação obrigatórios sobre a circularidade e outros aspetos ambientais fundamentais.
Para assegurar a coerência com este novo ato legislativo, a Comissão irá também rever o Regulamento Etiquetagem dos Têxteis, que exige que os têxteis vendidos no mercado da UE ostentem uma etiqueta que identifique claramente a composição em fibras e indique quaisquer partes não têxteis de origem animal. No âmbito desta revisão e sob reserva de uma avaliação de impacto, a Comissão introduzirá a divulgação obrigatória de outras informações, tais como parâmetros de sustentabilidade e circularidade, dimensão dos produtos e, se for caso disso, país onde têm lugar os processos de fabrico («fabricado em»).
No contexto das propostas acima referidas, a Comissão ponderará igualmente a possibilidade de introduzir uma etiqueta digital.
2.5.Reservar as alegações ecológicas para os têxteis verdadeiramente sustentáveis
Os consumidores dispostos a comprar produtos mais sustentáveis são muitas vezes desencorajados pela falta de fiabilidade das alegações: uma análise recente das alegações de sustentabilidade no setor têxtil, do vestuário e do calçado sugeriu que 39 % poderão ser falsas ou enganadoras. As pessoas podem também acabar por comprar produtos menos sustentáveis do que pensam, devido a alegações relativas a determinadas características dos produtos têxteis que, na realidade, não proporcionam benefícios ambientais significativos.
A iniciativa respeitante à Capacitação dos Consumidores para a Transição Ecológica, pela qual a Comissão propõe alterar a Diretiva relativa às práticas comerciais desleais e a Diretiva 2011/83/UE relativa aos direitos dos consumidores, dará origem a novos requisitos, deveras pertinentes para os produtos têxteis. As novas regras da UE garantirão que os consumidores recebam, no ponto de venda, informações sobre uma garantia comercial de durabilidade, bem como informações importantes sobre reparação, incluindo uma pontuação de reparabilidade, sempre que disponível. As alegações ambientais gerais — tais como «ecológico», «amigo do ambiente», «bom para o ambiente» — só serão permitidas se estiverem firmadas num desempenho ambiental de excelência reconhecida, nomeadamente com base no rótulo ecológico da UE, em rótulos ecológicos de tipo I ou em legislação específica da UE pertinente para a alegação. Os rótulos de sustentabilidade voluntários que abranjam aspetos ambientais ou sociais deverão basear-se numa verificação por terceiros ou ser estabelecidos por autoridades públicas. Além disso, serão definidas condições aplicáveis às alegações ecológicas relacionadas com o futuro desempenho ambiental, como «sem impacto no clima até 2030», bem como às comparações com outros produtos.
Para complementar estas disposições com requisitos mais específicos, a Comissão continua igualmente a trabalhar, no contexto da Iniciativa Alegações Ecológicas, que deverá apresentar no segundo semestre de 2022, em critérios mínimos aplicáveis a todas as alegações ambientais. Considera-se que o recurso a métodos da pegada ambiental é uma forma de fundamentar e comunicar alegações ambientais, demonstrando o cumprimento das regras mais gerais em matéria de proteção dos consumidores. Os trabalhos em curso sobre a pegada ambiental dos produtos de vestuário e de calçado serão tidos em conta neste contexto.
A Comissão irá também rever os critérios de atribuição do rótulo ecológico da UE a têxteis e a calçado, a fim de apoiar a sua adoção pelos produtores e proporcionar aos consumidores uma forma facilmente reconhecível e fiável de escolherem produtos têxteis amigos do ambiente.
Um aspeto específico que tem suscitado preocupação crescente é a exatidão das alegações ecológicas sobre a utilização de polímeros de plástico reciclado em vestuário nos casos em que estes polímeros não provêm da reciclagem de fibras em novas fibras, mas, sobretudo, de garrafas de PET triadas. Além do risco de induzir os consumidores em erro, tal prática não está de acordo com o modelo circular para garrafas de PET, que podem ser mantidas num sistema de reciclagem em circuito fechado para materiais destinados a entrar em contacto com os alimentos e estão sujeitas a obrigações de responsabilidade alargada do produtor, incluindo taxas, com vista ao cumprimento dos objetivos das regras da UE relativas aos produtos de plástico de utilização única e às embalagens. Estas alegações são ainda contestadas tendo em conta o papel das fibras sintéticas na poluição por microplásticos. Por conseguinte, a fim de assegurar a exatidão dessas alegações ecológicas e a relevância das informações fornecidas às empresas e aos consumidores, promovendo simultaneamente a reciclagem e os mercados de polímeros de plástico, a Comissão prestará especial atenção a esta questão no contexto de futuras ações, como a Iniciativa Alegações Ecológicas, a revisão dos critérios de atribuição do rótulo ecológico da UE a têxteis e a calçado e a definição de requisitos de conceção ecológica vinculativos para produtos específicos. A Comissão incentiva igualmente as empresas a darem prioridade aos esforços de reciclagem de fibras em novas fibras e a darem maior relevo a alegações sobre resultados relacionados com esta questão decisiva para fechar o circuito dos produtos têxteis.
2.6.Introduzir a responsabilidade alargada do produtor e promover a reutilização e reciclagem de resíduos têxteis
Há um potencial significativo para reduzir os resíduos têxteis e garantir que estes geram mais valor, promovendo a sua preparação para a reutilização e a reciclagem. Todos os anos, na UE, recolhem-se seletivamente até 2,1 milhões de toneladas de vestuário e têxteis de uso doméstico pós-consumo para fins de reciclagem ou venda nos mercados mundiais de reutilização. Esta quantidade representa cerca de 38 % dos têxteis colocados no mercado da UE. Presume-se que os restantes 62 % sejam descartados em fluxos de resíduos mistos.
Para que o crescimento do setor têxtil se dissocie da produção de resíduos, é essencial responsabilizar os produtores pelos resíduos que os seus produtos geram. Os requisitos de responsabilidade alargada do produtor revelaram-se eficazes na melhoria da recolha seletiva de resíduos e na sua gestão subsequente, em conformidade com a hierarquia dos resíduos. A responsabilidade alargada do produtor pode incentivar modelos de conceção de produtos que promovam a circularidade ao longo do ciclo de vida dos materiais e tenham em conta o fim de vida dos produtos. Vários Estados-Membros já introduziram ou estão a ponderar introduzir requisitos de responsabilidade alargada do produtor de têxteis, dada a obrigação, prevista na legislação da UE em matéria de resíduos, de estabelecer a recolha seletiva de resíduos têxteis até 1 de janeiro de 2025.
Neste contexto, a Comissão proporá, no âmbito da próxima revisão da Diretiva-Quadro Resíduos, em 2023, regras harmonizadas da UE em matéria de responsabilidade alargada do produtor de têxteis, incluindo ecomodulação das taxas. O principal objetivo será criar uma economia de recolha, triagem, reutilização e preparação para reutilização e reciclagem, bem como incentivos para que os produtores e as marcas assegurem que os seus produtos sejam concebidos de acordo com princípios de circularidade. Para o efeito, e sob reserva de uma avaliação de impacto, a Comissão proporá que uma parte significativa das contribuições para regimes de responsabilidade alargada do produtor seja destinada a medidas de prevenção de resíduos e à preparação para a reutilização.
A Comissão ponderará igualmente o requisito de os resíduos têxteis domésticos e os resíduos similares recolhidos seletivamente serem preparados para reutilização como primeiro passo obrigatório, o que impulsionará as atividades de preparação para a reutilização, reutilização e reparação e reduzirá os volumes encaminhados para tipos de tratamento de resíduos em posições inferiores da hierarquia dos resíduos.
A Comissão acompanhará de perto a evolução da produção, da composição e do tratamento de resíduos têxteis. A Comissão lançou igualmente um estudo específico com vista a propor metas obrigatórias de preparação de resíduos têxteis para a reutilização e a reciclagem, no âmbito da revisão da legislação da UE em matéria de resíduos prevista para 2024.
3.Tecer o futuro da indústria: criar condições favoráveis
3.1.Lançar a Via de Transição para o Ecossistema Têxtil do futuro
A atualização da Estratégia Industrial da UE salienta a necessidade de acelerar a dupla transição ecológica e digital e de aumentar a resiliência dos ecossistemas industriais da UE. Para o efeito, a Comissão propõe a criação conjunta de vias (ou «trajetórias») de transição, instrumentos de colaboração essenciais para transformar os ecossistemas industriais.
Juntamente com a presente estratégia, os serviços da Comissão publicarão possíveis cenários para a criação conjunta de uma Via de Transição para o Ecossistema Têxtil.
O processo de criação conjunta com as partes interessadas iniciar-se-á no segundo trimestre de 2022 e deverá gerar, até ao final deste ano, uma visão comum para o ecossistema e compromissos específicos. Tal poderá incluir compromissos em matéria de circularidade e modelos de negócio circulares, ações destinadas a reforçar a competitividade sustentável, a digitalização e a resiliência, bem como a identificação de investimentos específicos necessários para a dupla transição.
Uma vez estabelecida, a via de transição permitirá também acompanhar os progressos realizados na consecução da dupla transição e colmatar as lacunas de investimento e inovação, reforçando assim a competitividade do ecossistema têxtil. Este instrumento de colaboração pode servir de fórum de debate em antecipação de ações no âmbito do Regulamento Conceção Ecológica de Produtos Sustentáveis, incluindo o passaporte digital dos produtos.
3.2.Inverter os excessos na produção e no consumo de vestuário: deixar a moda rápida fora de moda
Os requisitos obrigatórios de conceção de têxteis sustentáveis e circulares, a introduzir ao abrigo do Regulamento Conceção Ecológica de Produtos Sustentáveis, prolongarão a vida útil do vestuário e, juntamente com as novas regras em matéria de responsabilidade alargada do produtor a incluir na Diretiva-Quadro Resíduos, tornar-se-ão a pedra angular de um novo paradigma de alternativas atrativas à efemeridade das tendências da moda.
As empresas devem tornar-se os principais defensores desta mudança de paradigma. Aqueles que, ao longo das duas últimas décadas, desenvolveram modelos de negócio assentes no aumento do número de linhas de vestuário e de microcoleções, postas à venda a um ritmo cada vez mais acelerado, são fortemente incentivados a internalizar princípios e modelos de negócio circulares, a reduzir o número de coleções lançadas em cada ano, a assumir responsabilidades e a agir no sentido de minimizar as suas pegadas de carbono e ambientais.
Será difícil remodelar os hábitos de compra dos consumidores, a menos que as empresas adotem novos modelos de negócio circulares — por exemplo, disponibilização do produto como um serviço, serviços de retoma, coleções em segunda mão e serviços de reparação. Embora estes novos modelos ainda representem um nicho de mercado, já demonstraram que prolongam a vida útil dos produtos têxteis e constituem uma alternativa rendível e pouco onerosa à moda rápida. Uma vez que a moda rápida está ligada à utilização crescente de fibras sintéticas à base de combustíveis fósseis, a transição para modelos de negócio mais sustentáveis reduzirá tanto a dependência dos fabricantes de vestuário em relação aos combustíveis fósseis como os impactos daqueles nas alterações climáticas e na poluição por microplásticos.
Tal como referido, a Comissão colaborará, no contexto da via de transição, com partes interessadas no sentido de facilitar a adoção alargada de processos de fabrico eficientes na utilização de recursos, da reutilização, da reparação e de outros novos modelos de negócio circulares no setor têxtil.
É particularmente importante impulsionar as empresas sociais ativas no setor da reutilização, uma vez que têm um potencial considerável para criar negócios e empregos locais, ecológicos e inclusivos na UE. Em média, uma empresa social cria 20 a 35 postos de trabalho por cada mil toneladas de têxteis recolhidos com vista à reutilização. No entanto, estas empresas enfrentam muitas dificuldades para se tornarem competitivas e intervenientes principais no setor têxtil. Para apoiar a expansão do setor da reutilização, o desenvolvimento de capacidades e uma maior internalização dos princípios da circularidade, será necessário adotar várias medidas. A Via de Transição para a Economia Social e de Proximidade oferece uma oportunidade para debater essas medidas com as partes interessadas. Além disso, no âmbito do Plano de Ação da UE para a Economia Social recentemente adotado, a Comissão adotará orientações sobre como apoiar a aceitação e as parcerias para a economia circular entre empresas sociais e outros intervenientes, incluindo empresas convencionais, que analisarão, em especial, as oportunidades proporcionadas pela reutilização e reparação de têxteis.
Os Estados-Membros terão igualmente um papel de relevo a desempenhar. Além das medidas de apoio ao setor da reutilização e reparação, incluindo no âmbito da economia social, as medidas fiscais, desde que respeitem as regras aplicáveis aos auxílios estatais e as regras da Organização Mundial do Comércio, podem ser um instrumento particularmente útil. A Comissão incentiva os Estados-Membros a adotarem medidas fiscais favoráveis ao setor da reutilização e reparação. A Comissão elaborará orientações com vista à promoção de modelos de negócio circulares por via de investimento, financiamento e outros incentivos, que incluirão oportunidades de criação de valor circular e de emprego no ecossistema têxtil.
A Comissão promoverá esta transição sob o lema #ReFashionNow, dando proeminência à qualidade, à durabilidade, à utilização mais prolongada, à reparação e à reutilização, no intuito de acelerar a mudança dos padrões de consumo e de produção. No âmbito da Plataforma Europeia das Partes Interessadas na Economia Circular, mobilizará estilistas, produtores, retalhistas, anunciantes e cidadãos com vista à redefinição do mundo da moda. Outras iniciativas da UE, nomeadamente o Novo Bauhaus Europeu, o Compromisso para um Consumo Sustentável ou o Ano Europeu da Juventude, servirão também de trampolim para determinadas ações #ReFashionNow.
3.3.Garantir a concorrência leal e o cumprimento das regras num mercado interno em bom funcionamento
A legislação da UE em matéria de fiscalização do mercado estabelece regras para garantir que as autoridades nacionais competentes possam aplicar a legislação da UE relativa a produtos colocados no mercado da UE independentemente da origem dos mesmos. Os desafios do mercado globalizado e a crescente complexidade das cadeias de abastecimento, bem como o aumento da venda de produtos em linha na UE, exigem medidas de execução mais rigorosas, a fim de garantir a segurança dos consumidores e o bom funcionamento do mercado interno.
Para o efeito, é necessário criar condições de coordenação e cooperação estruturadas entre autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da lei e simplificar as práticas de fiscalização do mercado. A recém-criada Rede da UE para a Conformidade dos Produtos coordenará e apoiará práticas transfronteiriças de fiscalização do mercado na UE, em domínios prioritários a propor pelas autoridades competentes, e assegurará a coordenação intersetorial entre diferentes Grupos de Cooperação Administrativa (ADCO), como o dedicado à rotulagem de produtos químicos e têxteis. A Comissão prestará apoio por meio de iniciativas e projetos conjuntos que visem intensificar colaborações entre todos os intervenientes importantes do ecossistema têxtil (nomeadamente as autoridades aduaneiras e de fiscalização do mercado, a indústria e os laboratórios de ensaio), reforçando capacidades no âmbito do Programa a favor do Mercado Único, assegurando o recurso a ferramentas digitais para fins de fiscalização do mercado e uniformizando as condições e a frequência dos controlos de determinados produtos.
Para combater as infrações à propriedade intelectual, a Comissão criará, até 2023, um conjunto de instrumentos da UE para combater a contrafação, definindo princípios para a ação conjunta, a cooperação e a partilha de informações entre titulares de direitos, intermediários (tanto em linha como físicos) e autoridades responsáveis pela aplicação da lei (como as autoridades aduaneiras, policiais e de fiscalização do mercado).
3.4.Apoiar a investigação, a inovação e os investimentos
Fazer da dupla transição ecológica e digital uma história de sucesso e resiliência no contexto das cadeias de valor mundiais depende da capacidade do ecossistema têxtil para se reinventar. O reforço da investigação e da inovação e a promoção de investimentos no setor são fatores essenciais para concretizar o potencial de criação de crescimento sustentável e de emprego local e devem constituir uma prioridade a nível da UE, nacional e regional.
O Novo Bauhaus Europeu traduz o Pacto Ecológico Europeu em iniciativas concretas que promovem estilos de vida sustentáveis, incluindo no respeitante à moda. No âmbito deste programa, e sob o lema #ReFashionNow, a Comissão apoiará projetos que tornem a moda mais sustentável, satisfazendo simultaneamente as exigências relacionadas com a estética e a inclusividade.
A Comissão está também a trabalhar num roteiro comum para a circularidade das tecnologias industriais, que visa racionalizar a investigação e a inovação industriais, incluindo no domínio da reciclagem de têxteis. Este trabalho apoia-se num estudo, recentemente publicado, sobre a eficácia das atuais capacidades de reciclagem de resíduos têxteis, que salienta a necessidade de as reforçar por via da inovação.
As parcerias público-privadas definirão futuras iniciativas de investigação e garantirão a liderança e a excelência do ecossistema. Por exemplo, a Parceria Made in Europe promoverá as tecnologias digitais facilitadoras, a competitividade, a ecologização, a sustentabilidade social e a resiliência no fabrico e na utilização de têxteis. O apoio centra-se igualmente na redução da dependência da indústria em relação aos combustíveis fósseis graças à inovação de base biológica no setor têxtil, por via da Empresa Comum Europa Circular de Base Biológica, que visa acelerar, entre outros, o desenvolvimento de novos tipos de fibras têxteis. O Parceria Europeia Process4Planet promove a circularidade e uma descarbonização abrangente das indústrias transformadoras europeias, incluindo a indústria têxtil, desenvolvendo e implantando as inovações necessárias por meio de iniciativas como os polos de circularidade (H4C). Além do financiamento contínuo por programas existentes, como o Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia, serão lançados convites específicos no âmbito do Horizonte Europa para apoiar o desenvolvimento de tecnologias e processos que permitam intensificar a reparação, melhorar a recolha e a triagem, aumentar as capacidades de reciclagem de têxteis da indústria da UE
e aumentar a reciclagem de fibras em novas fibras e o teor de fibras recicladas nos produtos. A inovação social será também fundamental, em especial para favorecer as empresas orientadas para a reutilização.
A Comissão cofinanciará, no âmbito do LIFE, projetos de inovação tecnológica favoráveis a modelos de negócio circulares no setor da moda e apoiará a criação de parcerias no âmbito da economia social e circular. O ecossistema têxtil pode também beneficiar das oportunidades proporcionadas pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, que apoia a transformação nas regiões e disponibiliza financiamento para a investigação e a inovação, a digitalização, a competitividade das PME, o desenvolvimento de competências, a conectividade digital, a conceção circular de produtos e os processos de produção.
A Comissão incentivará as empresas do ecossistema têxtil a participarem em iniciativas destinadas a desenvolver o espaço de dados do Pacto Ecológico Europeu e o espaço de dados da indústria transformadora, facilitando, assim, a partilha e a reutilização de dados entre empresas. A Rede de Polos Europeus de Inovação Digital presta um apoio mais amplo à inovação digital e desenvolverá as infraestruturas digitais necessárias para testar novas tecnologias digitais e ajudar a mão de obra do setor a compreender melhor as oportunidades proporcionadas pela digitalização e a atualizar os seus conhecimentos tecnológicos.
Os Estados-Membros também desempenham um papel fundamental no apoio à investigação, à inovação e aos investimentos, incluindo por via de empréstimos e subvenções do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR). Por exemplo: Portugal já indicou que planeia apoiar investimentos destinados a modernizar e desenvolver uma bioindústria circular nacional para aumentar a utilização de materiais de base biológica no fabrico de têxteis; França tenciona favorecer a inovação em diferentes domínios, incluindo a reciclagem e a utilização de materiais reciclados, sendo que os têxteis foram identificados entre os cinco materiais prioritários; Itália está a ponderar a criação de polos de reciclagem dedicados à recolha, triagem e tratamento de resíduos têxteis. Além disso, o ecossistema pode beneficiar de muitas componentes dos planos nacionais relativas à inovação e à digitalização, como a aquisição de equipamento digital.
É essencial mobilizar investimento privado em têxteis sustentáveis. A Comissão está a ponderar, com base nos trabalhos da Plataforma de peritos para o Financiamento Sustentável, a adoção de critérios técnicos de avaliação que permitam determinar, entre outros aspetos, o que constitui, nos termos do Regulamento Taxonomia de Investimentos Sustentáveis, um contributo substancial para a economia circular no fabrico de vestuário, juntamente com critérios relativos à poluição causada pelo acabamento de têxteis.
3.5.Desenvolver as competências necessárias para a dupla transição ecológica e digital
Para desbloquear o potencial das oportunidades de emprego proporcionadas pela dupla transição ecológica e digital, o ecossistema têxtil tem de se dotar de uma mão de obra altamente qualificada, uma vez que, atualmente, apenas 13 % da mão de obra possui qualificações de alto nível
. O setor tem dificuldade em atrair jovens talentos qualificados e as PME do ecossistema têxtil estão a ser travadas pela falta de trabalhadores qualificados. Os dados revelam que 55 % das empresas europeias sentem dificuldades no preenchimento de vagas no domínio das tecnologias da informação e comunicação (TIC) e que 40 % das empresas apresentam um défice de competências verdes. Domínios como a conceção ecológica, o desenvolvimento de fibras, a produção inovadora de têxteis, a reparação e a reutilização são particularmente importantes. O ensino e a formação profissionais, tanto iniciais como contínuos, incluindo aprendizagens, são essenciais para dotar as pessoas das competências necessárias.
No âmbito do Pacto da UE para as Competências, a Comissão apoiou a criação de uma parceria de competências em grande escala no ecossistema têxtil, a fim de promover a melhoria de competências, a requalificação e a aquisição e transferência de competências ecológicas e digitais, incluindo conhecimentos sobre processos de avaliação do ciclo de vida e avaliação da cadeia de valor. Em consonância com a Nova Agenda de Competências para a Europa, as Orientações para a Digitalização até 2030 e os objetivos definidos na Cimeira do Porto, o Pacto para as Competências no ecossistema têxtil, lançado em 16 de dezembro de 2021, centra-se em indicadores-chave de desempenho específicos, com vista à criação de parcerias locais entre empresas do setor, autoridades públicas e prestadores de serviços educativos. Entre as ações acordadas incluem-se: aumentar a diversificação nos cargos de gestão das empresas até 5 % por ano, dando especial atenção ao acesso das mulheres a cargos mais elevados; apoiar os esforços de digitalização de 10 mil PME; conceber 20 novos processos e ferramentas educativas referentes a competências ecológicas e digitais; aumentar em 20 % a oferta de aprendizagens no setor; bem como outros compromissos relacionados com a melhoria de competências e a requalificação da mão de obra nos próximos anos.
4.Enlaçar as cadeias de valor dos têxteis sustentáveis a nível mundial
A UE defenderá progressos globais no sentido de uma maior sustentabilidade e circularidade dos têxteis em instâncias internacionais (G7, G20), no contexto da Aliança Mundial para a Economia Circular e a Eficiência dos Recursos (GACERE) e da Assembleia das Nações Unidas para o Ambiente. A Comissão colaborará com outros parceiros a nível mundial, regional e bilateral para promover a cooperação e iniciativas que apoiem cadeias de valor dos têxteis sustentáveis e a moda sustentável. O projeto Intex do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), que visa estimular práticas empresariais e modelos económicos inovadores na cadeia de valor dos têxteis, é financiado pela UE e constitui um exemplo prático desse envolvimento.
4.1.Cumprir o dever de diligência em prol da justiça ambiental e social
A maior parte do vestuário e dos têxteis para uso doméstico consumidos na Europa são importados de países terceiros. Em 2019, a UE foi um dos maiores importadores mundiais de vestuário, num valor combinado de 80 mil milhões de EUR. A promoção de cadeias de valor mais ecológicas e mais justas além-fronteiras e continentes assegurará que os produtos têxteis consumidos na UE, e não só, sejam fabricados tendo em conta aspetos sociais e ambientais em todo o mundo.
A Comunicação sobre o trabalho digno em todo o mundo para uma transição mundial justa e uma recuperação sustentável identifica os têxteis como um setor fundamental em que a dignidade das condições de trabalho será promovida no âmbito de relações bilaterais e instâncias multilaterais. Neste contexto, a indústria têxtil é um potencial vetor de progresso da igualdade de género, uma vez que, segundo as estimativas, 75 % dos trabalhadores do setor do vestuário a nível mundial são mulheres. Além disso, no âmbito do programa Better Work, a Comissão apoia países terceiros parceiros na melhoria das condições de trabalho e no reforço do cumprimento das normas laborais internacionais.
No contexto das cadeias de valor dos têxteis, o guia da OCDE sobre o dever de diligência para o setor do vestuário e do calçado identificou uma série de riscos comuns de violações graves dos direitos humanos e laborais, incluindo trabalho infantil, discriminação, trabalho forçado, preocupações em matéria de saúde e segurança no trabalho e salários injustos. A proposta de Diretiva Dever de Diligência das Empresas e Sustentabilidade introduz a obrigação horizontal de as grandes empresas exercerem a diligência devida a fim de identificarem, prevenirem, atenuarem, fazerem cessar e assumirem os impactos negativos, reais e potenciais, nos direitos humanos (incluindo os direitos laborais) e no ambiente causados pelas próprias operações e pelas respetivas cadeias de valor mundiais. As empresas de média capitalização (grandes empresas com mais de 250 trabalhadores e volume de negócios superior a 40 milhões de EUR) ativas em setores de grande impacto, incluindo os têxteis, também estão abrangidas pelo âmbito da proposta. As empresas de países terceiros integradas nas cadeias de valor dos têxteis de compradores europeus, ou de grandes compradores que operam na UE, que geram um volume de negócios significativo na UE, terão igualmente de cumprir as referidas obrigações. Além disso, a Estratégia da UE sobre os Direitos da Criança advoga a «tolerância zero relativamente ao trabalho infantil» e insta os Estados-Membros da UE a tornarem as cadeias de abastecimento livres de trabalho infantil. A Comissão está ainda a preparar uma nova iniciativa legislativa, que irá efetivamente proibir a colocação no mercado da UE de produtos fabricados com recurso a trabalho forçado, incluindo o trabalho infantil forçado.
Refira-se ainda o quadro internacional de transparência e rastreabilidade das cadeias de valor sustentáveis na indústria do vestuário e do calçado
, cujo desenvolvimento e aplicação está em curso, que facilitará uma gestão mais eficaz das cadeias de valor e permitirá identificar e abordar violações de direitos laborais e humanos e impactos ambientais.
4.2.Enfrentar os desafios da exportação de resíduos têxteis
As exportações de resíduos têxteis para fora da UE têm vindo a aumentar de forma constante, atingindo 1,4 milhões de toneladas em 2020. De acordo com a recente proposta da Comissão de novas regras da UE aplicáveis às transferências de resíduos, a exportação de resíduos têxteis para países não membros da OCDE só seria permitida na condição de esses países notificarem a Comissão da sua disponibilidade para importarem tipos específicos de resíduos e demonstrarem capacidade para os gerir de forma sustentável.
Para evitar que os fluxos de resíduos sejam indevidamente classificados como bens em segunda mão quando exportados da UE e, desta forma, escapem ao regime aplicável aos resíduos, a Comissão ponderará, com base na habilitação prevista na proposta, a definição de critérios específicos a nível da UE que permitam distinguir entre resíduos e determinados produtos têxteis em segunda mão. Foi lançado um convite no âmbito do programa LIFE para melhorar a rastreabilidade das exportações de têxteis usados e de resíduos têxteis.
A Comissão trabalhará igualmente no sentido de aumentar a transparência e a sustentabilidade do comércio mundial de resíduos têxteis e têxteis usados. A nível bilateral, a UE intensificará a cooperação em questões de interesse comum relacionadas com as transferências de resíduos têxteis, no contexto dos diálogos sobre o ambiente com regiões e países terceiros, bem como dos capítulos sobre desenvolvimento sustentável dos acordos de comércio bilaterais e regionais da UE, se for caso disso, em consonância com os objetivos globais da UE de reforçar a dimensão de sustentabilidade da sua política comercial.
5.Conclusão
A marcha no sentido de uma maior sustentabilidade do ecossistema têxtil exige mudanças profundas do atual paradigma linear de conceção, produção, utilização e eliminação dos produtos têxteis, a par da redução dos seus impactos em termos de alterações climáticas, utilização insustentável dos recursos e poluição ambiental, bem como da cessação da violação dos direitos humanos nas cadeias de valor dos têxteis.
A transição para uma indústria têxtil sustentável e circular, em sinergia com uma ação firme em prol da digitalização e da justiça social, pode ajudar o setor a recuperar da crise da COVID-19, a aumentar a resiliência para o futuro e a reforçar a sustentabilidade competitiva, bem como contribuir positivamente para fazer face às crises climática e de biodiversidade e à injustiça social.
A Comissão convida as instituições e organismos da UE a aprovarem a presente estratégia e apela para que os Estados-Membros, os intervenientes da cadeia de valor e os parceiros internacionais se comprometam a tomar medidas firmes e concretas para a sua execução.