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Document 62004CJ0503

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 18 de Julho de 2007.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Federal da Alemanha.
Incumprimento de Estado - Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento - Inexecução - Artigo 228.º CE - Medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça - Rescisão de um contrato.
Processo C-503/04.

Colectânea de Jurisprudência 2007 I-06153

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2007:432

Processo C‑503/04

Comissão das Comunidades Europeias

contra

República Federal da Alemanha

«Incumprimento de Estado – Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento – Inexecução – Artigo 228.° CE – Medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça – Rescisão de um contrato»

Sumário do acórdão

1.        Acção por incumprimento – Acórdão do Tribunal que declara verificado o incumprimento – Incumprimento da obrigação de execução do acórdão – Sanções pecuniárias

(Artigo 228.°, n.° 2, CE)

2.        Aproximação das legislações – Processos de recurso em matéria de adjudicação de contratos de direito público de obras e de fornecimentos – Directiva 89/665

(Artigos 226.° CE e 228.° CE; Directiva 89/665 do Conselho, artigo 3.°)

3.        Aproximação das legislações – Processos de recurso em matéria de adjudicação de contratos de direito público de obras e de fornecimentos – Directiva 89/665

(Artigos 226.° CE e 228.° CE; Directiva 89/665 do Conselho, artigo 2.°, n.° 6, segundo parágrafo)

4.        Aproximação das legislações – Processos de recurso em matéria de adjudicação de contratos de direito público de obras e de fornecimentos – Directiva 92/50

(Artigo 226.° CE; Directiva 92/50 do Conselho)

5.        Estados‑Membros – Obrigações – Incumprimento – Justificação baseada na ordem jurídica interna – Inadmissibilidade

(Artigo 226.° CE)

1.        No âmbito do processo previsto no artigo 228.°, n.° 2, CE, a acção não é inadmissível pelo facto de a Comissão já não pedir a imposição de uma sanção pecuniária. Com efeito, sendo o Tribunal de Justiça competente para decretar uma sanção pecuniária não proposta pela Comissão, a acção não é inadmissível pelo simples facto de a Comissão considerar, num certo estádio do processo perante o Tribunal de Justiça, que já não se impõe a aplicação de uma sanção pecuniária.

(cf. n.os 21, 22)

2.        O processo especial previsto no artigo 3.° da Directiva 89/665, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras e de fornecimentos, nos termos do qual a Comissão pode intervir junto de um Estado‑Membro se considerar que houve infracção clara e manifesta das disposições comunitárias em matéria de adjudicação de contratos de direito público, constitui uma medida preventiva que não pode derrogar nem sobrepor‑se às competências da Comissão decorrentes do disposto nos artigos 226.° CE e 228.° CE.

(cf. n.° 23)

3.        Embora seja um facto que a disposição do artigo 2.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Directiva 89/665, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras e de fornecimentos, autoriza os Estados‑Membros a manter os efeitos de contratos celebrados em violação das directivas em matéria de adjudicação de contratos de direito público e protege, assim, a confiança legítima dos co‑contratantes, não pode, sem reduzir o alcance das disposições do Tratado CE que estabelecem o mercado interno, ter por consequência que o comportamento da entidade adjudicante relativamente a terceiros deva ser considerado conforme com o direito comunitário posteriormente à celebração desses contratos.

Ora, se a referida disposição não afecta a aplicação do artigo 226.° CE, a mesma também não pode afectar a aplicação do artigo 228.° CE, sob pena de reduzir o alcance das disposições do Tratado que estabelecem o mercado interno. Por outro lado, diz respeito, como resulta da sua redacção, à reparação que uma pessoa lesada por uma violação cometida por uma entidade adjudicante pode obter desta última. Ora, devido à sua especificidade, essa disposição não pode ser considerada no sentido de que regula também a relação entre um Estado‑Membro e a Comunidade, relação em causa no contexto dos artigos 226.° CE e 228.° CE.

(cf. n.os 33‑35)

4.        Mesmo pressupondo que à entidade adjudicante possam ser opostos pelo seu co‑contratante os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima, o princípio pacta sunt servanda e o direito de propriedade em caso de rescisão do contrato celebrado em violação da Directiva 92/50, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, um Estado‑Membro não pode, de qualquer forma, prevalecer‑se desses princípios e desse direito para justificar a inexecução de um acórdão que declara um incumprimento de harmonia com o disposto no artigo 226.° CE e, por essa razão, fugir à sua própria responsabilidade em sede de direito comunitário.

(cf. n.° 36)

5.        Um Estado‑Membro não pode defender‑se por excepção invocando disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna para justificar a inobservância das obrigações resultantes do direito comunitário.

(cf. n.° 38)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

18 de Julho de 2007 (*)

«Incumprimento de Estado – Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento – Inexecução – Artigo 228.° CE – Medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça – Rescisão de um contrato»

No processo C‑503/04,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 228.° CE, entrada em 7 de Dezembro de 2004,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por B. Schima, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Federal da Alemanha, representada por W.‑D. Plessing e C. Schulze‑Bahr, na qualidade de agentes, assistidos por H.‑J. Prieß, Rechtsanwalt,

demandada,

apoiada por

República Francesa, representada por G. de Bergues e J.‑C. Gracia, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Reino dos Países Baixos, representado por H. G. Sevenster e D. J. M. de Grave, na qualidade de agentes,

República da Finlândia, representada por T. Pynnä, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans (relator), presidente de secção, P. Kūris, K. Schiemann, J. Makarczyk e J.‑C. Bonichot, juízes,

advogada‑geral: V. Trstenjak,

secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

vistos os autos e após a audiência de 7 de Dezembro de 2006,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 28 de Março de 2007,

profere o presente

Acórdão

1        Através da sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que a República Federal da Alemanha, não tendo adoptado as medidas decorrentes do acórdão de 10 de Abril de 2003, Comissão/Alemanha (C‑20/01 e C‑28/01, Colect., p. I‑3609), respeitante à celebração de um contrato para a evacuação das águas residuais do município de Bockhorn (Alemanha), e de um contrato para a eliminação dos resíduos da cidade de Braunschweig (Alemanha), não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 228.°, n.° 1, CE e condene esse Estado‑Membro a pagar à Comissão, na conta dos recursos próprios da Comunidade Europeia, uma sanção pecuniária no montante de 31 680 euros por dia de mora na execução das medidas que são necessárias para dar cumprimento a esse acórdão no que respeita ao contrato relativo ao município de Bockhorn e no montante de 126 720 euros por dia de mora na execução das medidas que são necessárias para dar cumprimento ao referido acórdão no que respeita ao contrato relativo à cidade de Braunschweig, e isso a partir da data da prolação do acórdão até à execução das referidas medidas.

2        Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 6 de Junho de 2005, a República Francesa, o Reino dos Países Baixos e a República da Finlândia foram admitidos a intervir em apoio dos pedidos da República Federal da Alemanha.

 Quadro jurídico

3        A Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras e de fornecimentos (JO L 395, p. 33), prevê no seu artigo 2.°, n.° 6:

«Os efeitos do exercício dos poderes referidos no n.° 1 sobre o contrato celebrado na sequência da atribuição de um contrato de direito público serão determinados pelo direito nacional.

Além disso, excepto se a decisão tiver de ser anulada antes da concessão de indemnizações, os Estados‑Membros podem prever que, após a celebração do contrato na sequência da atribuição de um contrato de direito público, os poderes da instância de recurso responsável se limitem à concessão de indemnizações a qualquer pessoa que tenha sido lesada por uma violação.»

4        Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 89/665:

«A Comissão pode invocar o processo previsto no presente artigo sempre que, antes da celebração de um contrato, considerar que houve infracção clara e manifesta das disposições comunitárias em matéria de contratos de direito público no decorrer de um processo de adjudicação de contrato abrangido pelo campo de aplicação das Directivas 71/305/CEE e 77/62/CEE.»

 Acórdão Comissão/Alemanha, já referido

5        Nos n.os 1 e 2 da parte decisória do acórdão Comissão/Alemanha, já referido, o Tribunal de Justiça decidiu:

«1)      Não tendo o município de Bockhorn (Alemanha) submetido a concurso o contrato relativo à evacuação das suas águas residuais e não tendo publicado o resultado do processo de adjudicação no suplemento do Jornal Oficial das Comunidades Europeias, a República Federal da Alemanha, na adjudicação desse contrato público de prestação de serviços, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições conjugadas dos artigos 8.°, 15.°, n.° 2, e 16.°, n.° 1, da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços [JO L 209, p. 1].

2)      Tendo a cidade de Braunschweig (Alemanha) celebrado um contrato relativo à eliminação dos seus resíduos através de um procedimento por negociação, sem publicação prévia de um anúncio de concurso, apesar de não se encontrarem preenchidos os pressupostos fixados pelo artigo 11.°, n.° 3, da Directiva 92/50, relativos à adjudicação de contratos por ajuste directo, sem concurso a nível comunitário, a República Federal da Alemanha não cumpriu, na adjudicação de um contrato público de prestação de serviços, as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 8.° e 11.°, n.° 3, alínea b), da referida directiva.»

 Fase pré‑contenciosa

6        Por ofício de 27 de Junho de 2003, a Comissão convidou o Governo alemão a comunicar‑lhe as medidas tomadas tendo em vista a execução do acórdão Comissão/Alemanha, já referido.

7        Não ficando satisfeita com a resposta do Governo alemão de 7 de Agosto de 2003, a Comissão, em 17 de Outubro de 2003, convidou as autoridades alemãs a formular as suas observações no prazo de dois meses.

8        Na sua comunicação de 23 de Dezembro de 2003, o Governo alemão referiu um ofício dirigido no início do mês de Dezembro de 2003 ao Governo do Land da Baixa Saxónia no qual convidara este último a respeitar a legislação em vigor em matéria de adjudicação de contratos de direito público e a comunicar‑lhe as medidas que devem permitir evitar que se repitam no futuro infracções comparáveis. Além disso, o Governo alemão fez referência ao § 13 do Regulamento sobre a adjudicação de contratos de direito público (Vergabeverordnung), disposição entrada em vigor em 1 de Fevereiro de 2001, que prevê que são nulos os contratos celebrados pelas entidades adjudicantes públicas quando os proponentes vencidos não tenham sido informados da celebração dos referidos contratos no prazo de catorze dias que precedem a adjudicação de um contrato de direito público. Esse governo alegou também que o direito comunitário não exigia a rescisão dos dois contratos em causa no processo que deu origem ao acórdão Comissão/Alemanha, já referido.

9        Em 1 de Abril de 2004, a Comissão enviou um parecer fundamentado à República Federal da Alemanha a que esta respondeu em 7 de Junho de 2004.

10      Considerando que a República Federal da Alemanha não tomara as medidas necessárias à execução do acórdão Comissão/Alemanha, já referido, a Comissão decidiu propor a presente acção.

 Quanto à acção

 Quanto ao objecto da acção

11      Tendo a República Federal da Alemanha comunicado na sua contestação que procedera, em 28 de Fevereiro de 2005, à anulação do contrato celebrado pelo município de Bockhorn respeitante à evacuação das suas águas residuais, a Comissão declarou, na sua réplica, que desistia dessa parte da acção e do pedido de aplicação de uma sanção pecuniária na medida em que diziam respeito ao referido contrato.

12      Assim, tendo a Comissão desistido parcialmente da sua acção, só há que examiná‑la no que se refere ao contrato celebrado pela cidade de Braunschweig respeitante à eliminação dos resíduos.

 Quanto à admissibilidade

13      A República Federal da Alemanha invoca, em primeiro lugar, a inexistência de interesse em agir por parte da Comissão devido à não apresentação de um pedido de interpretação na acepção do artigo 102.° do Regulamento de Processo. Segundo este Estado‑Membro, o litígio relativo à questão de saber que consequências decorrem do acórdão Comissão/Alemanha, já referido, poderia ou deveria ter sido resolvido no âmbito de um pedido de interpretação do referido acórdão, e não no de uma acção baseada no artigo 228.° CE.

14      Esta tese não pode, no entanto, ser acolhida.

15      Com efeito, no âmbito do processo por incumprimento, nos termos do artigo 226.° CE, o Tribunal de Justiça é unicamente obrigado a declarar que foi violada uma disposição do direito comunitário. Por força do artigo 228.°, n.° 1, CE, incumbe, em seguida, ao Estado‑Membro em causa tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, acórdão de 18 de Novembro de 2004, Comissão/Alemanha, C‑126/03, Colect., p. I‑11197, n.° 26). Dado que a questão de saber quais são as medidas necessárias à execução de um acórdão que declara um incumprimento de harmonia com o disposto no artigo 226.° CE é estranha ao objecto de tal acórdão, essa questão não pode ser objecto de um pedido de interpretação desse acórdão (v., também, neste sentido, despacho de 20 de Abril de 1988, Maindiaux e o./CES e o., 146/85 INT e 431/85 INT, Colect., p. 2003, n.° 6).

16      Por outro lado, é precisamente no âmbito de uma eventual acção nos termos do artigo 228.°, n.° 2, CE que compete ao Estado‑Membro, ao qual incumbe extrair as consequências que lhe parecem decorrer do acórdão que declarou o incumprimento, justificar o fundamento das mesmas consequências, se elas forem criticadas pela Comissão.

17      Em segundo lugar, na sua tréplica, a República Federal da Alemanha, apoiada pelo Reino dos Países Baixos, pede ao Tribunal de Justiça que encerre o processo em aplicação do artigo 92.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, dado a acção ter ficado sem objecto uma vez que foi também posto termo, com efeitos a partir de 10 de Julho de 2005, ao contrato celebrado pela cidade de Braunschweig respeitante à eliminação dos resíduos.

18      A Comissão respondeu, nas suas observações relativas aos articulados de intervenção da República Francesa, do Reino dos Países Baixos e da República da Finlândia, que mantém o interesse em obter uma decisão do Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a questão de saber se, à data do termo do prazo fixado no parecer fundamentado emitido de harmonia com o disposto no artigo 228.° CE, a República Federal da Alemanha tinha dado já cumprimento ao acórdão de 10 de Abril de 2003, Comissão/Alemanha, já referido. A Comissão especifica, todavia, que a condenação no pagamento de uma sanção pecuniária já não é necessária.

19      A este propósito, deve recordar‑se que, segundo jurisprudência assente, a data de referência para apreciar a existência de um incumprimento nos termos do artigo 228.° CE situa‑se no momento da extinção do prazo fixado no parecer fundamentado emitido de harmonia com o disposto na referida disposição (acórdão de 18 de Julho de 2006, Comissão/Itália, C‑119/04, Colect., p. I‑6885, n.° 27 e jurisprudência referida).

20      No caso em apreço, o parecer fundamentado que, como resulta do carimbo de recepção, foi recebido pelas autoridades alemãs em 1 de Abril de 2004, mencionava um prazo de dois meses. A data de referência para apreciar a existência de um incumprimento à luz do artigo 228.° CE é, portanto, 1 de Junho de 2004. Ora, nesta data, não tinha ainda sido posto termo ao contrato celebrado pela cidade de Braunschweig respeitante à eliminação dos resíduos.

21      Por outro lado, a acção também não é inadmissível, contrariamente ao que a República Federal da Alemanha sustentou na audiência, pelo facto de a Comissão já não pedir a imposição de uma sanção pecuniária.

22      Com efeito, sendo o Tribunal de Justiça competente para decretar uma sanção pecuniária não proposta pela Comissão (v., neste sentido, acórdão de 12 de Julho de 2005, Comissão/França, C‑304/02, Colect., p. I‑6263, n.° 90), a acção não é inadmissível pelo simples facto de a Comissão considerar, num certo estádio do processo perante o Tribunal de Justiça, que já não se impõe a aplicação de uma sanção pecuniária.

23      Em terceiro lugar, quanto à questão prévia de inadmissibilidade deduzida do artigo 3.° da Directiva 89/665, a que se refere a advogada‑geral no n.° 44 das suas conclusões, há que salientar que o procedimento especial previsto na referida disposição constitui uma medida preventiva que não pode derrogar nem sobrepor‑se às competências da Comissão decorrentes do disposto nos artigos 226.° CE e 228.° CE (v., neste sentido, acórdão de 2 de Junho de 2005, Comissão/Grécia, C‑394/02, Colect., p. I‑4713, n.° 27 e jurisprudência referida).

24      Resulta de todas as considerações que precedem que a acção é admissível.

 Quanto ao mérito

25      A Comissão considera que a República Federal da Alemanha não tomou as medidas suficientes para dar cumprimento ao acórdão de 10 de Abril de 2003, Comissão/Alemanha, já referido, porque esse Estado‑Membro não mandou proceder, antes da data do termo do prazo fixado no parecer fundamentado, à rescisão do contrato celebrado pela cidade de Braunschweig respeitante à eliminação dos resíduos.

26      A República Federal da Alemanha reitera a posição expressa na comunicação do Governo alemão de 23 de Dezembro de 2003, segundo a qual não era requerida a rescisão dos contratos a que esse acórdão diz respeito e sustenta que as intervenções mencionadas nessa comunicação constituíram medidas suficientes para dar cumprimento ao referido acórdão.

27      A este propósito, há que recordar que, como resulta do n.° 12 do acórdão de 10 de Abril de 2003, Comissão/Alemanha, já referido, a cidade de Braunschweig e a Braunschweigsche Kohlebergwerke tinham celebrado um contrato pelo qual tinha sido confiada a esta última, a partir de Junho/Julho de 1999 e por um prazo de 30 anos, a eliminação de resíduos remanescentes com vista a tratamento térmico.

28      Ora, como o salienta a advogada‑geral no n.° 72 das suas conclusões, as medidas evocadas pelo Governo alemão na sua comunicação de 23 de Dezembro de 2003 tiveram em vista exclusivamente impedir a celebração de novos contratos que fossem constitutivos de infracções semelhantes às declaradas no referido acórdão. Essas medidas não impediram, em contrapartida, que o contrato celebrado pela cidade de Braunschweig continuasse a produzir plenamente os seus efeitos em 1 de Junho de 2004.

29      Portanto, uma vez que não tinha sido posto termo ao referido contrato em 1 de Junho de 2004, o incumprimento perdurava nesta data. Com efeito, a infracção contra a livre prestação de serviços pela inobservância das disposições da Directiva 92/50 subsiste durante todo o período de execução dos contratos celebrados em violação da mesma directiva (acórdão de 10 de Abril de 2003, Comissão/Alemanha, já referido, n.° 36). Além disso, na referida data, o incumprimento era reputado perdurar ainda durante décadas, tendo em conta a longa duração pela qual o contrato em questão tinha sido celebrado.

30      Tendo presente todas estas circunstâncias, não pode considerar‑se, numa situação como a do caso em apreço, que, no que respeita ao contrato celebrado pela cidade de Braunschweig, a República Federal da Alemanha tenha tomado, em 1 de Junho de 2004, as medidas necessárias para a execução do acórdão de 10 de Abril de 2003, Comissão/Alemanha, já referido.

31      A República Federal da Alemanha, apoiada pela República Francesa, pelo Reino dos Países Baixos e pela República da Finlândia, alega, no entanto, que o artigo 2.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Directiva 89/665, que permite aos Estados‑Membros prever na sua legislação que, após a celebração do contrato na sequência da atribuição de um contrato de direito público, a propositura de uma acção pode apenas dar lugar à concessão de uma indemnização por perdas e danos e, assim, excluir qualquer possibilidade de rescisão desse contrato, opõe‑se a que a declaração de um incumprimento na acepção do artigo 226.° CE relativamente a tal contrato acarrete a obrigação de o rescindir. A isso opõem‑se igualmente, segundo esses Estados‑Membros, os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima, o princípio pacta sunt servanda, o direito fundamental de propriedade, o artigo 295.° CE, bem como a jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de limitação dos efeitos de um acórdão no tempo.

32      Todavia, esses argumentos não podem ser acolhidos.

33      Em primeiro lugar, quanto ao artigo 2.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Directiva 89/665, o Tribunal de Justiça julgou já no sentido de que, embora seja um facto que a referida disposição autoriza os Estados‑Membros a manter os efeitos de contratos celebrados em violação das directivas em matéria de adjudicação de contratos de direito público e protege, assim, a confiança legítima dos co‑contratantes, não pode, sem reduzir o alcance das disposições do Tratado CE que estabelecem o mercado interno, ter por consequência que o comportamento da entidade adjudicante relativamente a terceiros deva ser considerado conforme com o direito comunitário posteriormente à celebração desses contratos (acórdão de 10 de Abril de 2003, Comissão/Alemanha, já referido, n.° 39).

34      Ora, se o artigo 2.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Directiva 89/665 não afecta a aplicação do artigo 226.° CE, também não pode afectar a aplicação do artigo 228.° CE, sob pena de, numa situação como a do caso em apreço, reduzir o alcance das disposições do Tratado que estabelecem o mercado interno.

35      Por outro lado, o artigo 2.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Directiva 89/665, que tem por objectivo garantir a existência, em todos os Estados‑Membros, de vias de recurso eficazes em caso de violação do direito comunitário em matéria de contratos de direito público ou de normas nacionais que transponham esse direito, a fim de garantir a aplicação efectiva das directivas relativas à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de direito público (acórdão de 12 de Dezembro de 2002, Universale‑Bau e o., C‑470/99, Colect., p. I‑11617, n.° 71), diz respeito, como resulta da sua redacção, à reparação que uma pessoa lesada por uma violação cometida por uma entidade adjudicante pode obter desta última. Ora, devido à sua especificidade, essa disposição não pode ser considerada no sentido de que regula também a relação entre um Estado‑Membro e a Comunidade, relação em causa no contexto dos artigos 226.° CE e 228.° CE.

36      Em segundo lugar, quanto aos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima, ao princípio pacta sunt servanda e ao direito de propriedade, mesmo pressupondo que à entidade adjudicante possam ser opostos esses princípios e esse direito pelo seu co‑contratante em caso de rescisão do contrato, um Estado‑Membro não pode, de qualquer forma, prevalecer‑se desse facto para justificar a inexecução de um acórdão que declara um incumprimento de harmonia com o disposto no artigo 226.° CE e, por essa razão, fugir à sua própria responsabilidade em sede de direito comunitário (v., por analogia, acórdão de 17 de Abril de 2007, AGM‑COS.MET, C‑470/03, ainda não publicado na Colectânea, n.° 72).

37      No que diz respeito, em terceiro lugar, ao artigo 295.° CE, segundo o qual «o [...] Tratado em nada prejudica o regime da propriedade nos Estados‑Membros», há que recordar que o referido artigo não tem por efeito fazer subtrair os regimes de propriedade existentes nos Estados‑Membros às regras fundamentais do Tratado (acórdão de 13 de Maio de 2003, Comissão/Espanha, C‑463/00, Colect., p. I‑4581, n.° 67 e jurisprudência referida). As particularidades de um regime de propriedade existente num Estado‑Membro não podem, portanto, justificar a persistência de um incumprimento consistente numa infracção contra a livre prestação de serviços pela inobservância das disposições da Directiva 92/50.

38      De resto, deve recordar‑se que um Estado‑Membro não pode defender‑se por excepção invocando disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna para justificar a inobservância das obrigações resultantes do direito comunitário (acórdão Comissão/Itália, já referido, n.° 25 e jurisprudência referida).

39      Em quarto lugar, quanto à jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de limitação dos efeitos de um acórdão no tempo, basta reconhecer que esta não permite, de qualquer forma, justificar a inexecução de um acórdão que declara um incumprimento de harmonia com o disposto no artigo 226.° CE.

40      Se, no que diz respeito ao contrato celebrado pela cidade de Braunschweig, se impõe, portanto, declarar que a República Federal da Alemanha não tinha tomado, em 1 de Junho de 2004, as medidas necessárias à execução do acórdão de 10 de Abril de 2003, Comissão/Alemanha, já referido, o mesmo não acontece, no entanto, à data da apreciação dos factos pelo Tribunal de Justiça. Assim, a imposição de uma sanção pecuniária, que a Comissão, aliás, já não pede, não se justifica.

41      Da mesma forma, as circunstâncias do presente processo são tais que não se afigura necessário impor o pagamento de uma quantia fixa.

42      Deve, por isso, declarar‑se que, não tendo tomado, à data em que se extinguiu o prazo estabelecido no parecer fundamentado emitido pela Comissão de harmonia com o disposto no artigo 228.° CE, as medidas necessárias à execução do acórdão de 10 de Abril de 2003, Comissão/Alemanha, já referido, respeitante à celebração de um contrato para a eliminação dos resíduos da cidade de Braunschweig, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do referido artigo.

 Quanto às despesas

43      Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Federal da Alemanha e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas. Em conformidade com o disposto no n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo artigo, a República Francesa, o Reino dos Países Baixos e a República da Finlândia, intervenientes, suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)      Não tendo tomado, à data em que se extinguiu o prazo estabelecido no parecer fundamentado emitido pela Comissão das Comunidades Europeias de harmonia com o disposto no artigo 228.° CE, as medidas necessárias à execução do acórdão de 10 de Abril de 2003, Comissão/Alemanha (C‑20/01 e C‑28/01), respeitante à celebração de um contrato para a eliminação dos resíduos da cidade de Braunschweig (Alemanha), a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do referido artigo.

2)      A República Federal da Alemanha é condenada nas despesas.

3)      A República Francesa, o Reino dos Países Baixos e a República da Finlândia suportarão as suas próprias despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.

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