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Documento 61996CJ0122

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 2 de Outubro de 1997.
Stephen Austin Saldanha e MTS Securities Corporation contra Hiross Holding AG.
Pedido de decisão prejudicial: Oberster Gerichtshof - Áustria.
Igualdade de tratamento - Discriminação em razão da nacionalidade - Dupla nacionalidade - Âmbito de aplicação do Tratado - Cautio judicatum solvi.
Processo C-122/96.

Colectânea de Jurisprudência 1997 I-05325

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1997:458

61996J0122

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 2 de Outubro de 1997. - Stephen Austin Saldanha e MTS Securities Corporation contra Hiross Holding AG. - Pedido de decisão prejudicial: Oberster Gerichtshof - Áustria. - Igualdade de tratamento - Discriminação em razão da nacionalidade - Dupla nacionalidade - Âmbito de aplicação do Tratado - Cautio judicatum solvi. - Processo C-122/96.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-05325


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Adesão de novos Estados-Membros às Comunidades - Áustria - Artigo 6._ do Tratado CE - Aplicação imediata

(Tratado CE, artigo 6._; acto de adesão de 1994, artigo 2._)

2 Direito comunitário - Princípios - Igualdade de tratamento - Discriminação em razão da nacionalidade - Proibição - Âmbito de aplicação - Disposição nacional que impõe aos estrangeiros que intentem uma acção em juízo a prestação de uma «cautio judicatum solvi» - Inclusão - Condição

(Tratado CE, artigo 6._, primeiro parágrafo)

3 Direito comunitário - Princípios - Igualdade de tratamento - Discriminação em razão da nacionalidade - Proibição - Âmbito de aplicação - Disposição nacional que impõe aos estrangeiros que intentem uma acção em juízo a prestação de uma «cautio judicatum solvi» - Aplicação no âmbito de uma acção de um sócio contra uma sociedade - Inadmissibilidade

(Tratado CE, artigo 6._, primeiro parágrafo)

Sumário


4 Atendendo a que o acto de adesão de 1994 não prevê quaisquer condições específicas quanto à aplicação do artigo 6._ do Tratado CE, deve considerar-se, por força do artigo 2._ do acto de adesão, que aquela disposição é imediatamente aplicável, pelo que vincula a República da Áustria a partir da data da sua adesão e se aplica neste Estado-Membro aos efeitos futuros das situações surgidas antes da adesão.

5 Uma norma de processo civil de um Estado-Membro, como a que obriga um nacional de outro Estado-Membro, quando seja não residente, à prestação de uma «cautio judicatum solvi» quando pretenda agir em juízo, na sua qualidade de sócio, contra uma sociedade nele estabelecida, inclui-se no âmbito de aplicação do Tratado, na acepção do artigo 6._, primeiro parágrafo, do mesmo, e está sujeita ao princípio geral de não discriminação instituído por aquele artigo, uma vez que as normas que, no domínio do direito das sociedades, visam a protecção dos sócios, se incluem no âmbito de aplicação do Tratado.

6 O artigo 6._, primeiro parágrafo, do Tratado deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro exija a prestação de uma «cautio judicatum solvi» a um nacional de outro Estado-Membro que é também nacional de um país terceiro, onde tem domicílio, quando esse nacional, que não tem domicílio nem bens no primeiro Estado-Membro, tenha, na qualidade de accionista, intentado num dos seus tribunais cíveis uma acção contra uma sociedade nele estabelecida, quando essa exigência não possa ser imposta aos nacionais desse Estado que nele não têm bens nem domicílio.

Partes


No processo C-122/96,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, em aplicação do artigo 177._ do Tratado CE, pelo Oberster Gerichtshof (Áustria), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Stephen Austin Saldanha e MTS Securities Corporation

e

Hiross Holding AG,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 6._, primeiro parágrafo, do Tratado CE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Sexta Secção),

composto por: G. F. Mancini, presidente de secção, P. J. G. Kapteyn (relator) e H. Ragnemalm, juízes,

advogado-geral: A. La Pergola,

secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação de S. Saldanha e da MTS Securities Corporation, por Peter Lambert, advogado em Viena,

- em representação da Hiross Holding AG, por Gerold Zeiler, advogado em Viena,

- em representação do Governo austríaco, por Franz Cede, Botschafter no Ministério Federal dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

- em representação do Governo do Reino Unido, por Stephanie R. Ridley, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Ulrich Wölker, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de S. Saldanha, da MTS Securities Corporation, da Hiross Holding AG e da Comissão na audiência de 6 de Maio de 1997,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 6 de Maio de 1997,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por acórdão de 11 de Março de 1996, que deu entrada no Tribunal em 16 de Abril seguinte, o Oberster Gerichtshof submeteu, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, uma questão prejudicial relativa à interpretação do artigo 6._, primeiro parágrafo, do mesmo Tratado.

2 Esta questão foi suscitada no âmbito de uma acção intentada por S. Saldanha e pela MTS Securities Corporation contra a Hiross Holding AG, sociedade anónima austríaca (a seguir «Hiross») de que são accionistas, para que esta fosse condenada a não vender ou ceder, sem o assentimento da assembleia geral, participações que detém no capital de algumas das suas filiais em benefício da sua filial italiana ou das filiais desta com sede em Itália.

3 A Hiross pediu então ao Handelsgericht Wien que fosse exigida a S. Saldanha, nacional dos Estados Unidos da América e do Reino Unido, residente na Florida, e à MTS Securities Corporation, com sede nos Estados Unidos, a prestação de uma caução para o pagamento das custas do processo, nos termos do § 57, n._ 1, do Zivilprozeßordnung (Código de Processo Civil austríaco, a seguir «ZPO»).

4 Nos termos daquela disposição, os nacionais estrangeiros que sejam autores em acção intentada nos tribunais austríacos devem, a pedido do réu, depositar uma importância destinada a garantir o pagamento das custas judiciais (cautio judicatum solvi), salvo disposições em contrário constantes de tratados internacionais. O § 57, n._ 2, do ZPO dispõe, contudo, que essa obrigação não se aplica, designadamente, se o autor tiver residência habitual na Áustria ou se uma decisão judicial que condene o autor no pagamento das custas do réu puder ser executada no Estado da residência habitual do autor.

5 A este respeito, resulta da decisão de reenvio que não existe entre a República da Áustria e os Estados Unidos da América qualquer convenção que permita executar na Florida uma decisão austríaca sobre custas judiciais (v. o § 37 do decreto de 21 de Outubro de 1986 sobre a cooperação judiciária e outras relações jurídicas com o estrangeiro em matéria cível, JABl 1986/53). Segundo o Governo austríaco, embora pareça que alguns tribunais americanos reconheceram títulos executivos austríacos, o reconhecimento e a execução desses títulos nos Estados Unidos da América não estão garantidos, dado que, não existindo qualquer convenção, não é possível executar decisões americanas na Áustria. Seja como for, resulta da decisão de reenvio que o Oberster Gerichtshof já decidiu que a um autor estrangeiro com residência habitual na Florida deve ser em princípio exigido o depósito de uma importância como garantia do pagamento de custas judiciais, devido à inexistência de uma convenção sobre essa matéria.

6 Embora a convenção de cooperação judiciária concluída em 31 de Março de 1931 entre a República da Áustria e o Reino Unido (BGBl n._ 45/1932) preveja, no artigo 11._, a dispensa dos nacionais dos Estados signatários da prestação de uma cautio judicatum solvi, tal dispensa está limitada às pessoas com domicílio num desses dois Estados. Por força da Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, concluída em Lugano em 16 de Setembro de 1988 (JO L 319, p. 9), que, desde 1 de Setembro de 1996, vincula a República da Áustria e o Reino Unido, uma decisão proferida num Estado contratante e susceptível de ser aí executada é em princípio também reconhecida noutro Estado contratante depois de nele ter sido declarada executória. Contudo, o § 57, n._ 2, ponto 1a, do ZPO faz depender a sua aplicação da possibilidade de execução no Estado da residência habitual do autor, neste caso os Estados Unidos da América.

7 Por despacho de 22 de Novembro de 1994, o Handelsgericht Wien exigiu solidariamente a S. Saldanha e à MTS Securities Corporation o depósito de um montante de 500 000 ÖS como garantia de pagamento das custas judiciais da Hiross, por não poderem beneficiar de qualquer derrogação ao abrigo do § 57, n._ 2, do ZPO, tendo indicado que, se a Hiross o requeresse, se consideraria terem desistido da instância caso não cumprissem essa exigência no prazo fixado.

8 Em 1 de Janeiro de 1995 a República da Áustria aderiu à União Europeia e aos Tratados em que esta assenta, incluindo o Tratado CE. O artigo 6._, primeiro parágrafo, do Tratado dispõe: «No âmbito de aplicação do presente Tratado, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.»

9 Em recurso, o Oberlandesgericht Wien anulou o despacho do Handelsgericht na parte que dizia respeito a S. Saldanha, por ele ter nacionalidade britânica e, portanto, ser contrário ao artigo 6._, primeiro parágrafo, do Tratado impor-lhe a prestação de uma caução. Aquele tribunal considerou que a sua dupla nacionalidade ou o facto de não ter residência habitual num Estado-Membro não era susceptível de modificar esta conclusão.

10 A Hiross interpôs recurso de revista dessa decisão para o Oberster Gerichtshof. Considerando que o artigo 6._ do Tratado é uma disposição de ordem pública que, por força do direito processual austríaco, deve ser tida em conta pelos órgãos jurisdicionais nacionais, mesmo num processo anterior à adesão da República da Áustria às Comunidades Europeias, o Oberster Gerichtshof suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal a seguinte questão prejudicial:

«Um nacional britânico, que tem também a nacionalidade dos Estados Unidos da América, onde tem domicílio (na Florida), que intenta num tribunal austríaco, contra uma sociedade anónima com sede na Áustria, uma acção em que pede que esta seja condenada a não vender ou ceder por outro modo, à sua filial italiana ou às filiais desta com sede em Itália, participações sociais em determinadas filiais sem autorização da assembleia geral por maioria qualificada de três quartos ou - subsidiariamente - por maioria simples, e que não tem domicílio ou património na Áustria, é discriminado em razão da nacionalidade, em violação do primeiro parágrafo do artigo 6._ do Tratado CE, pelo facto de o tribunal austríaco competente (de primeira instância) lhe impor a prestação de caução para pagamento das custas judiciais, nos termos do n._ 1 do § 57 do Código de Processo Civil austríaco e a pedido da sociedade anónima demandada?»

11 Com a sua questão, o tribunal nacional pergunta, portanto, se o artigo 6._, primeiro parágrafo, do Tratado se opõe a que um Estado-Membro exija a prestação de uma cautio judicatum solvi a um nacional de outro Estado-Membro que é também nacional de um país terceiro, onde tem domicílio, quando esse nacional, que não tem domicílio nem bens no primeiro Estado-Membro, tenha, na qualidade de accionista, intentado num dos seus tribunais cíveis uma acção contra uma sociedade nele estabelecida, apesar de essa exigência não ser imposta aos seus próprios nacionais que nele não têm bens nem domicílio.

Quanto ao âmbito de aplicação temporal do artigo 6._, primeiro parágrafo, do Tratado

12 A título liminar, a Hiross alega que o processo principal se situa fora do âmbito de aplicação temporal do direito comunitário, uma vez que os factos, incluindo o despacho do Handelsgericht que impõe a S. Saldanha a prestação de uma caução, são anteriores à adesão da República da Áustria às Comunidades Europeias. A Hiross conclui daí que não existe, portanto, discriminação contrária ao artigo 6._ do Tratado.

13 A este respeito, deve observar-se que o artigo 2._ do Acto relativo às condições de adesão do Reino da Noruega, da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 1994, C 241, p. 21, a seguir «acto de adesão») especifica que, a partir da adesão, as disposições dos Tratados originários vinculam os novos Estados-Membros e são aplicáveis nesses Estados nas condições previstas por esses Tratados e pelo acto de adesão.

14 Atendendo a que o acto de adesão não prevê quaisquer condições específicas quanto à aplicação do artigo 6._ do Tratado, deve considerar-se que esta disposição é imediatamente aplicável e vincula a República da Áustria a partir da data da sua adesão, de modo que se aplica aos efeitos futuros das situações surgidas antes da adesão deste novo Estado-Membro às Comunidades. Uma norma processual que efectua uma discriminação em razão da nacionalidade deixa, pois, a partir da data da adesão, de poder ser invocada relativamente aos nacionais de outro Estado-Membro, desde que essa norma se integre no âmbito de aplicação material do Tratado CE.

Quanto ao âmbito de aplicação pessoal e material do artigo 6._, primeiro parágrafo, do Tratado

15 Importa observar antes de mais que o simples facto de um nacional de um Estado-Membro possuir simultaneamente a nacionalidade de um país terceiro, onde tem o seu domicílio, não o priva do direito de invocar, enquanto nacional desse Estado-Membro, a proibição de discriminação em razão da nacionalidade consagrada no artigo 6._, primeiro parágrafo (v., neste sentido, no respeitante ao artigo 52._ do Tratado, o acórdão de 7 de Julho de 1992, Micheletti e o., C-369/90, Colect., p. I-4239, n._ 15).

16 Como o artigo 6._ do Tratado produz os seus efeitos no âmbito de aplicação do Tratado, deve em seguida examinar-se se é abrangida por este artigo uma disposição de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que obriga os nacionais de outro Estado-Membro a prestar uma cautio judicatum solvi quando, na qualidade de accionistas, intentem uma acção contra uma sociedade nele estabelecida, quando os seus próprios nacionais não estão sujeitos a essa exigência.

17 A este respeito, deve recordar-se que, no acórdão de 26 de Setembro de 1996, Data Delecta e Forsberg (C-43/95, Colect., p. I-4661, n._ 15), bem como no acórdão de 20 de Março de 1997, Hayes (C-323/95, Colect., p. I-1711, n._ 17), o Tribunal decidiu que uma norma processual nacional dessa natureza entra no âmbito de aplicação do Tratado, na acepção do artigo 6._, n._ 1, numa situação em que a acção principal está conexa com o exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo direito comunitário, como, naqueles processos, uma acção para pagamento de mercadorias fornecidas.

18 A Hiross alega que, no caso presente, o litígio no processo principal - em que se pede que a Hiross seja condenada a não vender ou ceder, sem o assentimento da assembleia geral, participações que detém no capital de algumas das suas filiais em benefício da sua filial italiana ou das filiais desta com sede em Itália - não tem qualquer relação com o exercício de uma liberdade fundamental garantida pelo direito comunitário. Além disso, a disposição nacional em questão no processo principal não se incluiria no âmbito de aplicação do Tratado, através do artigo 220._ do Tratado CE.

19 A este respeito, deve recordar-se que, embora uma norma processual como a que está em causa no processo principal seja, em princípio, da competência dos Estados-Membros, é jurisprudência constante que ela não pode efectuar discriminações relativamente a pessoas a quem o direito comunitário confere o direito à igualdade de tratamento nem restringir as liberdades fundamentais garantidas pelo direito comunitário (acórdão de 2 de Fevereiro de 1989, Cowan, 186/87, Colect., p. I-195, n._ 19).

20 Nos acórdãos Data Delecta e Forsberg, n._ 15, e Hayes, n._ 17, já referidos, o Tribunal decidiu que uma norma processual nacional que, por ocasião de uma acção judicial como a que estava em causa naqueles processos, exige a prestação de uma cautio judicatum solvi podia ter incidência, ainda que indirecta, nas trocas intracomunitárias de bens e serviços, de modo que se incluía no âmbito de aplicação do Tratado.

21 Sem que seja necessário examinar o argumento da Hiross segundo o qual, atendendo ao objecto do litígio no processo principal, a norma controvertida não restringe no presente caso, nem de modo indirecto, qualquer liberdade fundamental garantida pelo direito comunitário, deve declarar-se que tal norma não pode, em caso algum, efectuar uma discriminação relativamente a pessoas a quem o direito comunitário confere o direito à igualdade de tratamento.

22 O litígio no processo principal visa a protecção dos interesses invocada por um sócio, nacional de um Estado-Membro, contra uma sociedade estabelecida noutro Estado-Membro.

23 O artigo 54._, n._ 3, alínea g), do Tratado CE atribui ao Conselho e à Comissão competência para concretizarem a liberdade de estabelecimento, para coordenarem, na medida em que tal seja necessário e a fim de as tornar equivalentes, as garantias que são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 58._ do Tratado CE, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros. Daqui resulta que normas que, no domínio do direito das sociedades, visam a protecção dos interesses dos sócios se incluem no âmbito de aplicação do Tratado. Estão, portanto, sujeitas à proibição de qualquer discriminação em razão da nacionalidade.

24 Quando o direito comunitário proíbe assim qualquer discriminação em razão da nacionalidade em matéria de garantias que são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 58._ do Tratado, para proteger os interesses dos sócios, os nacionais de um Estado-Membro devem também poder recorrer aos órgãos jurisdicionais de outro Estado-Membro para a resolução dos litígios que possam gerar os seus interesses em sociedades aí estabelecidas, sem que sejam discriminados relativamente aos nacionais desse Estado.

Quanto à discriminação na acepção do artigo 6._, primeiro parágrafo, do Tratado

25 Ao proibir «toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade», o artigo 6._ do Tratado exige, nos Estados-Membros, a plena igualdade de tratamento das pessoas que se encontrem numa situação regida pelo direito comunitário e dos nacionais do Estado-Membro considerado.

26 É manifesto que uma disposição como a que está em causa no processo principal constitui uma discriminação directa em razão da nacionalidade. Efectivamente, nos termos dessa disposição, um Estado-Membro não exige uma caução aos seus nacionais, mesmo que não tenham bens nem domicílio nesse Estado.

27 A Hiross considera, contudo, que a diferenciação em função da nacionalidade se justifica por razões objectivas. Em apoio desta tese, a Hiross sustenta que a finalidade da disposição controvertida é garantir que o réu poderá obter a execução do direito à restituição das custas caso obtenha vencimento. Invoca, designadamente, os problemas de execução que podem pôr-se quando o autor não tem domicílio nem bens na Comunidade, o que acontece no processo principal.

28 Neste contexto, a posse da nacionalidade austríaca como critério que permite renunciar à obrigação de prestar uma cautio judicatum solvi justificar-se-ia pela grande probabilidade de se conseguir, no território nacional, a execução do direito à restituição das custas decretado contra um cidadão nacional solvente, probabilidade essa que se deveria, designadamente, à existência presumida de um nexo patrimonial com o território nacional e à tendência para se respeitarem decisões judiciais nacionais.

29 A este respeito, basta observar que, embora o objectivo de uma disposição como a que está em causa no processo principal - garantir a execução de uma decisão que, em matéria de custas, se pronuncia a favor de um réu que obtém vencimento - não seja enquanto tal contrário ao artigo 6._ do Tratado, não é menos certo que tal disposição não impõe a prestação de uma cautio judicatum solvi aos nacionais austríacos, mesmo que não tenham bens nem domicílio na Áustria e residam num país terceiro onde não está garantida a execução de uma decisão que em matéria de custas dá vencimento ao réu.

30 Nestas condições, deve responder-se à questão submetida que o artigo 6._, primeiro parágrafo, do Tratado deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro exija a prestação de uma cautio judicatum solvi a um nacional de outro Estado-Membro que é também nacional de um país terceiro, onde tem domicílio, quando esse nacional, que não tem domicílio nem bens no primeiro Estado-Membro, tenha, na qualidade de accionista, intentado num dos seus tribunais cíveis uma acção contra uma sociedade nele estabelecida, quando essa exigência não seja imposta aos seus próprios nacionais que nele não têm bens nem domicílio.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

31 As despesas efectuadas pelos Governos austríaco e do Reino Unido e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Sexta Secção),

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Oberster Gerichtshof, por acórdão de 11 de Março de 1996, declara:

O artigo 6._, primeiro parágrafo, do Tratado CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro exija a prestação de uma cautio judicatum solvi a um nacional de outro Estado-Membro que é também nacional de um país terceiro, onde tem domicílio, quando esse nacional, que não tem domicílio nem bens no primeiro Estado-Membro, tenha, na qualidade de accionista, intentado num dos seus tribunais cíveis uma acção contra uma sociedade nele estabelecida, quando essa exigência não seja imposta aos seus próprios nacionais que nele não têm bens nem domicílio.

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