EUR-Lex Acesso ao direito da União Europeia

Voltar à página inicial do EUR-Lex

Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 61989CJ0288

Acórdão do Tribunal de 25 de Julho de 1991.
Stichting Collectieve Antennevoorziening Gouda e outros contra Commissariaat voor de Media.
Pedido de decisão prejudicial: Raad van State - Países Baixos.
Livre prestação dos serviços - Condições exigidas para a retransmissão de mensagens publicitárias constantes de programas de rádio ou de televisão emitidos a partir de outros Estados-membros.
Processo C-288/89.

Colectânea de Jurisprudência 1991 I-04007

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1991:323

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-288/89 ( *1 )

I — Matéria de facto e tramitação processual

Os demandantes no processo principal são dez exploradores de redes de teledistribuição nos Países Baixos.

A cada um deles foi aplicada uma multa de 100 HFL por infracção da lei neerlandesa de 21 de Abril de 1987 que regula o fornecimento de programas de radiodifusão e de televisão, as taxas de radiotelevisão e as medidas de auxílio aos órgãos de imprensa (a seguir «Mediawet», que foi publicada no Stbl. n.° 249 de 4.6.1987 e entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1988).

Estas multas foram-lhes aplicadas por decisão de 6 de Janeiro de 1989 do Commissariaat voor de Media, organismo encarregue pela Mediawet da fiscalização da exploração do cabo, devido aos seguintes factos:

em 30 de Novembro de 1988, o programa Sky Channel difundiu, designadamente, mensagens publicitárias dos produtos Nutra Sweet e Croma, integralmente em lingua neerlandesa;

nos dias 1 e 2 de Dezembro de 1988, o programa Cable One difundiu, designadamente, mensagens publicitárias das empresas Free Record Shop e Samsung, na sua maior parte em língua neerlandesa;

em 2 de Dezembro de 1988, o programa Super Channel difundiu, designadamente, uma mensagem publicitária do produto Vizir, integralmente em língua neerlandesa.

Os demandantes recorreram desta decisão para a secção do contencioso do Raad van State.

Este órgão jurisdicional considerou que para apreciar o litígio lhe era necessário saber se a proibição enunciada no artigo 66.°, n.° 1, parte inicial e alínea b), da Mediawet era compatível com o Tratado, em especial com os seus artigos 7.°, 52.° e seguintes, e 57.° e seguintes, bem como com qualquer norma de direito comunitário, adoptada em sua aplicação.

O artigo 66.° da Mediawet dispõe:

«1.

O explorador de uma rede de teledistribuição pode:

a)

transmitir os programas que são emitidos por um organismo de radiodifusão estrangeiro através de um emissor de radiodifusão e que, a maior parte do tempo, podem ser captados directamente na zona servida pela rede de cabo por meio de uma antena individual normal em condições de qualidade geralmente satisfatórias;

b)

transmitir programas que não sejam os visados na alínea a) e que sejam emitidos por um organismo como programas de radiodifusão, em conformidade com a legislação aplicável nos países de emissão. Se estes programas contiverem mensagens publicitárias, a sua difusão só é autorizada se estas mensagens forem produzidas por uma pessoa colectiva distinta, se puderem ser claramente separadas de outras partes do programa e não forem difundidas ao domingo, se a duração destas mensagens não ultrapassar 5 % do tempo de emissão utilizado, se o organismo de radiodifusão satisfizer o disposto no artigo 55.°, n.° 1, e se as receitas forem integralmente afectadas à produção de programas. Todavia, se não estiverem preenchidas estas condições, a difusão de tal programa é igualmente autorizada desde que as mensagens publicitárias nele contidas não sejam especialmente destinadas ao público neerlandês;

...

2.

Para efeitos da aplicação do disposto no n.° 1, alínea b), considerar-se-á que as mensagens publicitárias se dirigem especialmente ao público neerlandês quando forem difundidas durante ou imediatamente depois de uma parte de um programa ou de um conjunto coerente de partes de programa legendados em neerlandês ou que tenham uma parte de programa em língua neerlandesa.

3.

O ministro competente pode conceder uma derrogação à proibição prevista no n.° 1, alínea b), no que diz respeito aos programas de radiodifusão que são emitidos na Bélgica com destino ao público de língua neerlandesa da Bélgica.»

O Raad van State, secção do contencioso, reservou a sua decisão para final, até que o Tribunal se pronuncie sobre as três questões prejudiciais seguintes :

«1)

O artigo 59.° do Tratado deve ser interpretado no sentido de que existe uma restrição proibida à livre prestação de serviços, tais como a difusão, por exploradores de organismos de teledistribuição e por meio da rede de cabos, de programas — contendo, ou não, mensagens publicitárias — que lhes são oferecidos através de ligações por cabo, por ondas ou por satélite a partir do estrangeiro, quando uma regulamentação nacional submeta este método de difusão a condições restritivas tais como as enunciadas na parte inicial e alínea b), segunda frase, do n.° 1 do artigo 66.° da Mediawet e que se aplicam do mesmo modo aos programas correspondentes, difundidos a partir do território nacional?»

2)

Em caso de aplicação das disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços, a regulamentação nacional acima referida deve satisfazer, além da exigência de não discriminação, também a exigência de que a regulamentação seja justificada por razões de interesse geral e não seja desproporcionada em relação à finalidade que prossegue?

3)

Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, os fins relacionados com a política cultural e tendentes à manutenção de uma rádio e de uma televisão multiforme e não comercial e/ou à protecção da diversidade de opiniões na rádio, na televisão e na imprensa podem constituir uma justificação na referida acepção?»

A decisão da secção do contencioso do Raad van State foi registada na Secretaria do Tribunal em 19 de Setembro de 1989.

Em conformidade com o artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, foram apresentadas alegações escritas em 21 de Dezembro de 1989 pelo Governo neerlandês, representado por B. R. Bot, na qualidade de secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros; em 21 de Dezembro de 1989 pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por René Barents e Giuliano Marenco, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes; em 22 de Dezembro de 1989 pelo Commissariaat voor de Media, demandado no processo principal, representado por G. H. L. Weesing, advogado em Amsterdão; em 29 de Dezembro de 1989 pela Stichting Collectieve Antennevoorziening Gouda e os nove outros demandados no processo principal, representados por B. H. ter Kuile e C. H. van Lennep, advogados em Haia; e em 4 de Janeiro de 1990 pelo Governo português, representado por Rui Assis Ferreira, chefe de divisão da Direcção-Geral da Comunicação Social, Luís Inês Fernandes, director dos Serviços de Assuntos Jurídicos da Direcção-Geral das Comunidades Europeias e António Goucha Soares, consultor dos Serviços de Assuntos Jurídicos da Direcção-Geral das Comunidades Europeias, na qualidade de agentes.

Com base no relatório preliminar do juiz relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu dar início à fase oral sem instrução prévia. No entanto, decidiu colocar algumas questões ao Governo neerlandês e à Comissão. Foi dada resposta a estas questões no prazo fixado.

II — Alegações escritas apresentadas ao Tribunal

1. Observações gerais

Antes de abordar as respostas que propõem que sejam dadas às questões do órgão jurisdicional nacional, algumas partes chamam a atenção do Tribunal para os aspectos mais salientes da regulamentação neerlandesa.

Os demandantes explicam que nos Países Baixos, o tempo de antena na rádio e na televisão é atribuído, nomeadamente, a organizações de radiodifusão («omroepverenigingen»). Para terem acesso aos emissores, estas últimas devem satisfazer um grande número de condições destinadas a assegurar a sua representatividade e a sua diversidade. São igualmente obrigadas a afectar a totalidade das suas receitas aos seus programas ou a actividades associativas; é-lhes vedado obter lucros para terceiros.

Os demandantes referem que todas as despesas de emissão da radiodifusão nacional e uma parte das despesas de produção dos programas nacionais são cobertas pelas autoridades públicas neerlandesas. Para o efeito, estas autoridades, por um lado, cobram uma taxa a cargo de todos os possuidores de aparelhos de rádio e/ou de televisão e, por outro, obtêm receitas da publicidade comercial. O monopólio da difusão destas mensagens publicitárias é reservado a uma pessoa colectiva criada especialmente para o efeito, a Stichting Etherreclame (a seguir «STER»).

Os demandantes esclarecem, por último, que tanto os programas dos organismos neerlandeses de radiodifusão como os das sociedades de radiodifusão estabelecidas noutros países só podem ser seguidos pela maior parte do público neerlandês graças à teledistribuição.

Por força do artigo 65.° da Mediawet, os exploradores de redes de teledistribuição têm a obrigação de emitir integralmente os programas dos organismos nacionais que obtiveram tempo de emissão para a radiodifusão nacional, e isto independentemente do conteúdo dos programas em causa.

O artigo 66.°, n.° 1, alíneas a) e b), trata das condições de retransmissão dos programas emitidos pelos organismos de radiodifusão estrangeiros.

Os exploradores de redes de teledistribuição estão autorizados a retransmitir estes programas quando estes podem ser directamente captados, em condições de recepção satisfatórias, através de uma antena individual vulgar, quando não incluam mensagens publicitárias ou quando incluam mensagens publicitárias que não se dirijam especialmente ao público neerlandês.

Em contrapartida, os programas estrangeiros, que tenham mensagens publicitárias destinadas especificamente ao público neerlandês, só podem ser retransmitidos pelos exploradores de redes de teledistribuição quando estiverem preenchidas certas condições.

Umas dizem respeito às próprias mensagens publicitárias: estas devem ser reconhecíveis enquanto tais; não podem exceder 5 % do tempo total de emissão, nem ser difundidas ao domingo.

As outras referem-se ao emissor estrangeiro: este não deve prosseguir um fim lucrativo, não pode obter lucros para terceiros e deve confiar a gestão da publicidade a uma pessoa colectiva independente do fornecedor do programa.

De qualquer modo, considera-se que se dirigem especialmente ao público neerlandês as mensagens publicitárias que acompanham programas em neerlandês ou legendados em neerlandês.

Os demandantes consideram que estas considerações são discriminatórias.

Alegam, antes de mais, que estas disposições tratam de modo idêntico situações não similares.

As situações não são similares: com efeito, os organismos nacionais são altamente subsidiados, o que não é o caso em relação às sociedades estrangeiras que não dependem dos poderes públicos. Ao exigir, no entanto, que as receitas destas últimas sejam integralmente afectadas à produção de programas e que não obtenham lucros para terceiros, a Mediawet cria obstáculos intransponíveis para estas sociedades e impede assim toda e qualquer retransmissão dos seus programas.

Em seguida, os demandantes alegam que a Mediawet trata situações similares, de modo discriminatório, sob três aspectos.

Em primeiro lugar, as receitas dos organismos nacionais de radiodifusão podem, em parte, ser afectadas a actividades associativas; de igual modo, uma parte das receitas da STER tem uma afectação alheia ao domínio da radiodifusão, ou seja, o apoio à imprensa escrita. Em contrapartida, a Mediawet exige que a totalidade das receitas dos organismos de radiodifusão estrangeiros seja afectada à produção de programas.

Em segundo lugar, os programas dos organismos nacionais de radiodifusão são obrigatoriamente retransmitidos por cabo, quer satisfaçam ou não as exigências da lei neerlandesa. Em contrapartida, os programas dos organismos estrangeiros só podem ser retransmitidos sob certas condições.

Em terceiro lugar, aos organismos de radiodifusão estrangeiros são impostas as normas legais neerlandesas no que diz respeito às mensagens publicitárias, quando satisfazem já as normas legais do Estado de emissão.

Os demandantes salientam que a preocupação principal do legislador neerlandês não é a de assegurar um carácter não comercial aos programas, dado que os programas comerciais que não contenham publicidade dirigindo-se especialmente ao público neerlandês podem ser livremente retransmitidos. Sublinham que, na realidade, o artigo 66.° da Mediawet se destina a impedir que os organismos de radiodifusão estrangeiros tenham acesso ao cabo e se tornem assim concorrentes dos organismos neerlandeses de radiodifusão no plano da oferta de tempo de emissão para as mensagens publicitárias destinadas ao público neerlandês.

O Governo neerlandês, cujas alegações o Commissariaat voor de Media se limita a subscrever, compara a Kabelregeling com a Mediawet.

Observa em primeiro lugar que a Mediawet manteve os princípios fundamentais do sistema neerlandês de radiodifusão que, tal como a imprensa escrita diária, é o garante da liberdade de expressão bem como da identidade cultural neerlandesa. Explica que a política neerlandesa tem por finalidade permitir às diferentes correntes sociais, culturais, religiosas e espirituais existentes nos Países Baixos exprimirem-se. Este sistema opõe-se a que o acesso aos meios de comunicação social seja função de considerações comerciais. E com este objectivo que a Mediawet impõe aos organismos de radiodifusão condições de acesso ao sistema (número de membros, programas oferecidos, proibição de publicidade...).

No que diz respeito à retransmissão de programas de radiodifusão estrangeiros e à utilização das redes de teledistribuição, o Governo neerlandês aponta as diferenças entre a Kabelregeling e a Mediawet. Diferentemente da Kabelregeling, a Mediawet não prevê a proibição de legendagem. Abandonou igualmente a proibição absoluta de difusão de programas com publicidade dirigida especificamente ao público neerlandês. Passou a autorizar os exploradores de redes de teledistribuição a transmitir programas publicitários deste tipo desde que estivessem preenchidas as condições previstas no artigo 66.° da Mediawet. Estas condições destinam-se a garantir os objectivos do sistema neerlandês. Imporiam aos emissores estrangeiros as exigências mais importantes decorrentes do sistema neerlandês e teriam por finalidade assegurar a realização destes objectivos.

A Comissão explica que nos Países Baixos, os organismos de radiodifusão que fornecem os programas das cadeias de televisão não podem difundir publicidade. Esta publicidade é confiada a título exclusivo à STER que dispõe para o efeito de tempos de emissão determinados. Segundo a Comissão, a STER está autorizada a difundir mensagens publicitárias especificamente destinadas ao público neerlandês. As receitas daí resultantes são repartidas entre os organismos de radiodifusão neerlandeses; no entanto, uma parte é reservada à imprensa escrita neerlandesa, para compensar as perdas de receitas sofridas devido à concorrência da rádio e da televisão no mercado da publicidade.

2. Primeira questão (uma regubmentação do tipo da que está aqui em causa constitui uma restrição à livre circulação de serviços nos termos do artigo 59.° do Tratado CEE quando se aplique igualmente aos programas emitidos a partir do território nacional?)

Os demandantes consideram que o órgão jurisdicional de reenvio julga erradamente que o artigo 66.° da Mediawet enuncia condições indistintamente aplicáveis. Em sua opinião não se trata de restrições que possam ser justificadas por considerações de interesse geral, mas sim de discriminações que só podem beneficiar das derrogações previstas nos artigos 55.° e 66.° do Tratado CEE.

Os demandantes recordam que o artigo 56.° do Tratado só admite uma disposição nacional discriminatória quando a mesma é justificada por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.

Segundo os demandantes, o artigo 66.° da Mediawet visa proteger as receitas que a STER obtém no mercado neerlandês das receitas publicitárias, evitando que as empresas utilizem o seu orçamento publicitário para comprar tempo de emissão a organismos de radiodifusão estrangeiros.

Uma regulamentação nacional discriminatória, fundada em razões de natureza financeira e política deste tipo, não pode considerar-se justificada por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.

Acrescentam que o artigo 66.° da Mediawet não é necessário para atingir o objectivo cultural prosseguido : as autoridades públicas poderiam muito bem financiar a estrutura pluralista e não comercial da radiodifusão pública através de taxas de radiodifusão ou de outras taxas.

O Governo neerlandês observa, antes de mais, que as exigências do artigo 66.°, n.° 1, parte inicial e alínea b), segunda frase, da Mediawet se aplicam igualmente aos organismos neerlandeses de radiodifusão. Sublinha igualmente que estes organismos são, além disso, sujeitos a condições de obtenção de tempo de emissão e de composição de programas que não são impostas aos organismos estrangeiros.

Examina em seguida cada uma das condições previstas na Mediawet.

No que diz respeito à primeira exigência — ou seja, que as mensagens publicitárias sejam produzidas por uma entidade distinta do produtor de programas — o Governo neerlandês alega que a mesma visa impedir os produtores de publicidade de influenciarem o conteúdo dos programas. No sistema nacional, este objectivo está na base da separação efectuada entre as organizações de radiodifusão e a STER.

Quanto à segunda exigência — ou seja, que as mensagens publicitárias sejam reconhecíveis enquanto tais e bem distintas de outras partes do programa — o Governo neerlandês salienta que a mesma se encontra nos artigos 10.° e 11.° da Directiva 89/552/CEE do Conselho, de 3 de Outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva (a seguir «directiva sobre a televisão sem fronteiras», JO L 298, p. 23), e nos artigos 13.° e 14.° da convenção do Conselho da Europa sobre a televisão transfronteiras. Do mesmo modo, a proibição de emissão de mensagens publicitárias ao domingo foi reconhecida como uma exigência objectiva pelo Tribunal no acórdão de 26 de Abril de 1988, processo 352/87, n.° 37.

Do mesmo modo, a terceira exigência, relativa à percentagem màxima do tempo de emissão reservado à publicidade, seria uma exigência objectiva expressamente mencionada pelo Tribunal no n.° 37 no acórdão do processo 352/85.

A quarta exigência — ou seja, que os emissores estrangeiros não obtenham lucros para terceiros — seria, ela, destinada a garantir o carácter não comercial da radiodifusão. Impede, com efeito, que sejam desviadas quantias que devem ser afectadas ao funcionamento da radiodifusão. O Governo neerlandês afirma que esta exigência não se refere à «realização de lucros normais por terceiros».

Por último, no que diz respeito à condição relativa à afectação das receitas publicitárias, o Governo neerlandês declara que a mesma tem por objectivo «proporcionar aos emissores estrangeiros possibilidades pelo menos similares às que existem para o sistema neerlandês». No sistema nacional, a maior parte das receitas de publicidade da STER cobre as despesas de funcionamento da radiodifusão, e a parte restante serve para apoiar

a imprensa escrita. Uma vez que esta afectação só é imposta no sistema nacional dos Países Baixos, os emissores estrangeiros encontrar-se-iam na realidade beneficiados.

O Governo neerlandês acrescenta que, segundo jurisprudência constante do Tribunal, um Estado-membro tem o direito de adoptar disposições com vista a impedir que a liberdade garantida pelo artigo 59.° do Tratado CEE seja utilizada por um prestador cuja actividade seja inteira ou parcialmente virada para o seu território e que procure subtrair-se às regras específicas que lhe seriam aplicáveis se estivesse estabelecido no território deste Estado (acórdãos de 3 de Dezembro de 1974, Van Binsbergen, 33/74, Recueil, p. 1299; de 4 de Dezembro de 1986, Comissão/Alemanha, 205/84, Colect., p. 3755; de 27 de Setembro de 1989, Van de Bilj, 130/88, Colect., p. 3039).

O Governo português considera igualmente que o direito comunitário deve recusar a sua protecção ao operador de radiotelevisão, que se estabelece num Estado diferente do de recepção, com o único intuito de contornar as regras mais severas em vigor no Estado de recepção.

A Comissão salienta que, através dos lucros da STER que lhe são destinados, os emissores neerlandeses lucram com a publicidade especialmente destinada ao público neerlandês, ao passo que esta fonte de rendimento é, pela regulamentação impugnada, tornada praticamente inacessível aos emissores dos outros Estados-membros, mesmo se estes não tiverem carácter comercial.

Além disso, as empresas neerlandesas veriam restringidas as suas possibilidades de pedir aos organismos de radiodifusão de outros Estados-membros que difundam mensagens publicitárias especialmente destinadas ao público neerlandês.

Segundo a Comissão, as restrições resultantes da Mediawet não são compatíveis com o artigo 59.° do Tratado.

A Comissão distingue as condições impostas aos emissores (que não devem prosseguir um fim lucrativo, não podem obter lucros para terceiros e devem confiar a gestão da publicidade a uma pessoa colectiva independente) das condições relativas à publicidade (que não deve exceder 5 % do tempo de emissão, deve ser claramente identificável e distinta do resto do programa e não deve ser difundida ao domingo).

As condições relativas aos emissores estrangeiros podem afigurar-se idênticas às impostas aos organismos nacionais de radiodifusão. A Comissão verifica no entanto que, ao tornar extensivo aos emissores estrangeiros o sistema aplicável aos emissores nacionais, a Mediawet torna impossível a tarefa dos primeiros. Estes só podem difundir os seus programas se estiverem estabelecidos num Estado-membro que tenha decalcado a sua legislação da dos Países Baixos.

As condições relativas à publicidade são, quanto a elas, indistintamente aplicáveis. No entanto, segundo a Comissão, deveriam então ser justificadas por objectivos de interesse geral, como o de proteger o espectador ou o ouvinte contra os excessos da publicidade. Ora, a Comissão salienta que estas condições já não devem ser respeitadas quando a publicidade não é especialmente destinada ao público neerlandês. Daí a Comissão infere que as mesmas só têm a finalidade de proteger o mercado neerlandês da publicidade em benefício do sistema nacional de radiodifusão e contra a concorrência estrangeira.

Por fim, a Comissão refere as diferenças entre o presente processo e o processo Van Binsbergen que deu origem ao acórdão de 3 de Dezembro de 1974, atrás referido, invocado pelo Governo neerlandês. Esta jurisprudência era norteada pelo desejo de preservar a aplicabilidade de regras profissionais destinadas a proteger os destinatários do serviço. Visa assegurar que um prestador de serviços estabelecido no estrangeiro não escape às regras impostas ao prestador estabelecido, por exemplo, as regras de organização, de qualificação, de deontologia, de controlo e de responsabilidade. Nenhuma preocupação deste tipo estaria na base do artigo 66.° da Mediawet. A proibição da Mediawet não é limitada às hipóteses admitidas pelo Tribunal.

Em síntese, a Comissão considera que os critérios previstos no artigo 66.°, n.° 1, alínea b), da Mediawet são discriminatórios e injustificáveis face à ordem pública ou isentos de carácter discriminatório mas injustificáveis face ao interesse geral. A Comissão salienta que as condições da Mediawet só têm por objectivo fechar o mercado neerlandês da publicidade audiovisual à concorrência estrangeira. A protecção de um objectivo cultural não pode passar por tal meio proteccionista.

A Comissão sugere assim que se responda à questão colocada pelo Raad van State do seguinte modo:

«O artigo 59.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que é proibida uma legislação nacional que subordina a teledistribuição de programas de televisão provenientes de outros Estados-membros e que contenham publicidade especificamente destinada ao público neerlandês às condições cumulativas seguintes:

o emissor não contribua para o lucro de um terceiro;

a publicidade seja gerida por uma pessoa colectiva independente do emissor;

a publicidade não deve exceder 5 °/o do tempo de emissão;

deve ser claramente identificável e claramente distinta do resto do programa;

não deve ser difundida ao domingo.»

3. Segunda questão (uma regulamentação nacional como a que está aqui em causa deve ser não só isenta de caracter discriminatório, mas igualmente justificada por razões assentes no interesse geral e proporcional ao objectivo prosseguido f)

Os demandantes consideram, a título subsidiário, que, supondo que o sistema neerlandês não seja discriminatório, é ainda necessário que seja justificado pelo interesse geral. Com efeito, os entraves à livre prestação de serviços na Comunidade resultantes das disparidades entre as regulamentações nacionais só podem ser admitidos na medida em que sejam indispensáveis à protecção de interesses imperiosos, que não sejam económicos.

O Governo neerkndês recorda que o Tribunal considerou que, devido à natureza particular de determinadas prestações de serviços, como a emissão de mensagens televisivas, exigências específicas justificadas pelo interesse geral são compatíveis com o Tratado quando se imponham igualmente a qualquer pessoa ou empresa estabelecida no território do Estado-membro de recepção (acórdão de 18 de Março de 1980, Debauve, 52/79, Recueil, p. 833).

A Comissão, que apontou o carácter discriminatório da disposição em causa, considera inútil responder à segunda questão.

4. Terceira questão (as considerações relativas à política cultural relevam do interesse geral?)

Os demandantes distinguem a política cultural e os meios escolhidos para a pôr em prática. Não se pode, em nome do interesse geral, justificar a escolha de certos meios financeiros que afectem o comércio intracomunitário de serviços, desde que a mesma política cultural possa ser implementada por meios menos restritivos.

Na opinião do Governo neerlandes, os Esta-dos-membros dispõem de um amplo poder para apreciar näo só o que é indispensável ou desejável no interesse geral, mas igualmente os meios mais aptos para servir este interesse geral. Segundo este Governo, o interesse geral comanda a manutenção de um sistema de radiodifusão pluralista e sem carácter comercial.

A Comissão, que sublinhou o carácter discriminatório da disposição em causa, considera inútil responder à terceira questão.

III — Respostas às questões colocadas pelo Tribunal

1. Questões colocadas ao Governo neerlandês

Questão 1: Solicita-se ao Governo neerlandês que comunique ao Tribunal em que fase se encontra o processo de alteração do artigo 66.° da Mediawet e que comunique o texto que foi apresentado ou adoptado.

Resposta: O projecto de lei que altera a Mediawet foi apresentado em 18 de Maio de 1990 perante a Tweede Kamer der Staten-Generaal. Durante a preparação escrita do exame parlamentar deste projecto foram propostas alterações, nomeadamente ao artigo 66.°

O último projecto de alteração do artigo 66.° prevê, designadamente, que «o explorador de uma rede de teledistribuição pode transmitir... b) programas de organismos de radiodifusão estrangeiros ou de grupos destes organismos, que são emitidos no estrangeiro enquanto programas de radiodifusão em conformidade com a legislação que é aplicável no país de emissão...».

Este projecto continua em exame.

Questão 2: Solicita-se ao Governo neerlandês que indique como concilia o disposto nos artigos 55.°, n.° 1, e 66.° da Mediawet, que proíbe ao emissor ser utilizado com vista à realização de qualquer lucro por terceiros, com a afirmação constante do ponto 31 das suas alegações, segundo a qual esta exigência não se refere nem às relações económicas normais nem à realização de lucros normais por terceiros. Que entende por «terceiros»? Onde se situa a fronteira entre os lucros «normais» e os que o não são? Quando e como foram informados desta interpretação os gestores de instituições de difusão por cabo bem como os outros terceiros interessados?

Resposta: É a necessidade de preservar o carácter não comercial da radiodifusão pública que está na base do artigo 55.°, n.° 1, da Mediawet. A lei não quer que os organismos públicos de radiodifusão que obtiveram tempo de emissão tenham por finalidade realizar lucros financeiros. Claro que estes organismos participam na vida económica normal e, nestes termos, podem remunerar os serviços que lhes são prestados por terceiros ou pagar as mercadorias que lhes são fornecidas.

Terceiros são todas as pessoas que não sejam os organismos que obtiveram tempo de emissão nos termos da Mediawet, ou seja, designadamente, os co-contratantes destes organismos.

Não se pode falar de lucros normais quando as quantias atribuídas a estes terceiros não possam razoavelmente ser qualificadas de contraprestação ao fornecimento de um serviço ou de uma mercadoria.

Os exploradores de redes de teledistribuição não devem ignorar a lei. Podem de qualquer modo informar-se desta interpretação junto dos organismos de defesa dos seus interesses, ou junto do Commissariaat voor de Media.

2. Questão colocada à Comissão

Questão: A Comissão pode referir a diferença entre a posição que pede que o Tribunal consagre no presente processo e o sistema da directiva sobre a televisão sem fronteiras?

Resposta:

«1.

O efeito da directiva sobre a televisão sem fronteiras sobre as diferentes condições exigidas pela lei neerlandesa à retransmissão por cabo de programas de radiodifusão proveniente de outros Estados-membros será o seguinte:

a)

A publicidade deve ser claramente identificável enquanto tal e ckramente distinta do resto do programa.

Esta condição encontra-se igualmente prevista no artigo 10.° da directiva. Deverá, assim, ser respeitada aquando da emissão de programas em toda a Comunidade. Em conformidade com o artigo 2.°, n.° 2, os Países Baixos não podem opor-se à retransmissão de programas provenientes de outros Estados-membros invocando o não respeito desse critério. As acções por incumprimento (ex-artigos 169.° ou 170.°) são o único meio contra um Estado-membro de emissão que não tenha assegurado o respeito do artigo 10.° no seu território.

b)

A publicidade não deve exceder 5 % do tempo total de emissão.

Segundo o artigo 18.° da directiva, a publicidade não deve exceder 15 % do tempo quotidiano de retransmissão. O artigo 19.° permite aos Estados-membros reduzir esta percentagem para os programas nacionais, mas mesmo neste caso eles devem permitir a retransmissão dos programas provenientes de outros Estados-membros, devendo estes programas, bem entendido, ser conformes à directiva aquando da sua emissão. Se não for esse o caso, o remedio consiste uma vez mais na acção por incumprimento. Os Países Baixos podem portanto manter a percentagem de 5 % para os seus programas nacionais, sem prejuízo das condições visadas no artigo 19.°, mas deixam de a poder aplicar aos programas provenientes de outros Estados-membros.

c)

Proibição da publicidade ao domingo.

A directiva não prevê proibição análoga.

Todavia, por força do artigo 3.°, n.° 1, os Estados-membros podem prever esta proibição apenas para os programas nacionais. Os Países Baixos devem assim autorizar a retransmissão ao domingo de programas de outros Estados-membros que contenham publicidade.

d)

A publicidade deve ser gerida por uma pessoa colectiva independente do fornecedor do programa.

e)

O organismo de radiodifusão deve utilizar a totalidade dos seus lucros para o financiamento do programa.

f)

O organismo de radiodifusão não deve contribuir para o lucro de um terceiro.

O artigo 2.°, n.° 2, já mencionado, da directiva prevê que os Estados-membros não entravem a retransmissão no seu território de emissões provenientes de outros Estados-membros por razões que relevem de domínios coordenados. Sendo a publicidade um domínio coordenado, a imposição destas três condições para a retransmissão de programas provenientes de outros Estados-membros será contrária à directiva.

2.

Do que precede resulta que as seis condições em causa são todas incompatíveis com o sistema especial de harmonização previsto pela directiva. A posição tomada pela Comissão no processo C-288/89 é que, sem esperar pela aplicação da directiva, estas condições são, de qualquer modo, desde já incompatíveis com o artigo 59.° do Tratado.

3.

Esta conclusão deve ser matizada e esclarecida referindo que a directiva diz apenas respeito às emissões televisivas, ao passo que o artigo 66.° da Mediawet respeita igualmente às emissões radiofónicas. Sob este último aspecto a lei neerlandesa é portanto incompatível com o artigo 59.° sem no entanto o ser igualmente com a directiva.»

R. Joliét

Juiz relator


( *1 ) Lingua do processo: neerlandês.

Início

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

25 de Julho de 1991 ( *1 )

No processo C-288/89,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pela secção do contencioso do Raad van State (Países Baixos), destinado a obter, no litígio pendente nesse órgão jurisdicional entre

Stichting Collectieve Antennevoorziening Gouda e outros

e

Commissariaat voor de Media,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 59.° do Tratado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. F. Mancini, presidente de secção, exercendo funções de presidente, T. F. O'Higgins, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias e M. Diez de Velasco, presidentes de secção, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris, R. Joliét, F. A. Schockweiler, F. Grévisse e M. Zuleeg, juízes,

advogado-geral : G. Tesauro

secretário: J.-G. Giraud

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação da Stichting Collectieve Antennevoorziening Gouda e dos outros nove demandantes no processo principal, por B. H. ter Kuile e L. H. van Lennep, advogados no foro de Haia,

em representação do Commissariaat voor de Media, por G. H. L. Weesing, advogado no foro de Amsterdão,

em representação do Governo neerlandês, por B. R. Bot, secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

em representação do Governo português, por Rui Assis Ferreira, chefe de divisão na Direcção-Geral da Comunicação Social, Luís Inês Fernandes, director do Serviço dos Assuntos Jurídicos na Direcção-Geral das Comunidades Europeias, e António Goucha Soares, consultor jurídico dos Serviços dos Assuntos Jurídicos na Direcção-Geral das Comunidades Europeias, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por René Barents e Guiliano Marenco, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Stichting Collectieve Antennevoorziening Gouda e dos outros nove demandantes no processo principal, do Governo neerlandês, representado por J. W. De Zwaan e T. Heukels, na qualidade de agentes, do Governo belga, representado por A. Berenboom, advogado no foro de Bruxelas, e da Comissão, na audiencia de 21 de Fevereiro de 1991,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 18 de Abril de 1991,

profere o presente

Acórdão

1

Por decisão de 30 de Agosto de 1989, entrada no Tribunal em 19 de Setembro seguinte, a secção do contencioso do Raad van State dos Países Baixos colocou três questões prejudiciais relativas à interpretação das disposições do Tratado CEE respeitantes à livre prestação de serviços, com vista a apreciar a compatibilidade com o direito comunitário de uma regulamentação nacional que fixa condições para a transmissão por cabo de programas de ràdio e de televisão, emitidos a partir de outros Estados-membros, que contêm mensagens publicitárias destinadas especialmente ao público neerlandês.

2

Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe dez exploradores de redes de teledistribuição à instituição encarregue da fiscalização da exploração do cabo, o Commissariaat voor de Media, quanto às condições para a transmissão de mensagens publicitárias contidas em programas de rádio ou de televisão emitidos a partir do estrangeiro, fixadas pela lei neerlandesa de 21 de Abril de 1987 que regula o fornecimento de programas de radiodifusão e de televisão, as taxas de radiotelevisão e as medidas de auxílio aos órgãos de imprensa (Stbl. n.° 249 de 4.6.1987, a seguir «Mediawet»). Os exploradores de redes de teledistribuição consideram estas condições contrárias aos artigos 59.° e seguintes do Tratado CEE.

3

As condições em causa decorrem do artigo 66.° da Mediawet. O mesmo dispõe:

« 1.

O explorador de uma rede de teledistribuição pode :

a)

transmitir os programas que são emitidos por um organismo de radiodifusão estrangeiro através de um emissor de radiodifusão e que, a maior parte do tempo, podem ser captados directamente na zona servida pela rede de cabo por meio de uma antena individual normal em condições de qualidade geralmente satisfatórias;

b)

transmitir programas que não sejam os visados na alínea a) e que sejam emitidos por um organismo como programas de radiodifusão, em conformidade com a legislação aplicável nos países de emissão. Se estes programas contiverem mensagens publicitárias, a sua difusão só é autorizada se estas mensagens forem produzidas por uma pessoa colectiva distinta, se puderem ser claramente separadas de outras partes do programa e não forem difundidas ao domingo, se a duração destas mensagens não ultrapassar 5 % do tempo de emissão utilizado, se o organismo de radiodifusão satisfizer o disposto no artigo 55.°, n.° 1, e se as receitas forem integralmente afectadas à produção de programas. Todavia, se näo estiverem preenchidas estas condições, a difusão de tal programa é igualmente autorizada desde que as mensagens publicitárias nele contidas não sejam especialmente destinadas ao público neerlandês;

...

2.

Para efeitos da aplicação do disposto no n.° 1, alínea b), considerar-se-á que as mensagens publicitárias se dirigem especialmente ao público neerlandês quando forem difundidas durante ou imediatamente depois de uma parte de um programa ou de um conjunto coerente de partes de programa legendados em neerlandês ou que tenham uma parte de programa em língua neerlandesa.

3.

O ministro competente pode conceder uma derrogação à proibição prevista no n.° 1, alínea b), no que diz respeito aos programas de radiodifusão que são emitidos na Bélgica com destino ao público de língua neerlandesa da Bélgica.»

4

Nos termos do artigo 55.°, n.° 1, da Mediawet, em princípio, «os organismos que obtiveram tempo de emissão não podem ser utilizados para permitir a realização de lucros por terceiros...».

5

Por decisão 6 de Janeiro de 1988, o Commissariaat voor de Media aplicou uma multa a cada um dos dez exploradores de rede de teledistribuição porque tinham transmitido programas emitidos por organismos de radiodifusão estrangeiros, contendo mensagens publicitárias, integral ou parcialmente em neerlandês, que não satisfaziam as condições previstas no artigo 66.°, n.° 1, alínea b), atrás referido.

6

Os exploradores de redes de teledistribuição recorreram desta decisão para a secção do contencioso do Raad van State, alegando que o artigo 66.°, n.° 1, alínea b), já referido, era contrário ao disposto nos artigos 56.° e 59.° do Tratado CEE.

7

Este órgão jurisdicional considerou então ser necessário colocar três questões relativas à interpretação dos artigos 59.° e seguintes do Tratado. Estas questões têm a seguinte redacção:

«1)

O artigo 59.° do Tratado deve ser interpretado no sentido de que existe uma restrição proibida à livre prestação de serviços, tais como a difusão, por exploradores de organismos de teledistribuição e por meio da rede de cabos, de programas — contendo, ou não, mensagens publicitárias — que lhes são oferecidos através de ligações por cabo, por ondas ou por satélite a partir do estrangeiro, quando uma regulamentação nacional submeta este método de difusão a condições restritivas tais como as enunciadas na parte inicial e alínea b), segunda frase, do n.° 1 do artigo 66.° da Mediawet e que se aplicam do mesmo modo aos programas correspondentes, difundidos a partir do território nacional?»

2)

Em caso de aplicação das disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços, a regulamentação nacional acima referida deve satisfazer, além da exigência de não discriminação, também a exigência de que a regulamentação seja justificada por razões de interesse geral e não seja desproporcionada em relação à finalidade que prossegue?

3)

Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, os fins relacionados com a política cultural e tendentes à manutenção de uma rádio e de uma televisão multiforme e não comercial e/ou à protecção da diversidade de opiniões na rádio, na televisão e na imprensa podem constituir uma justificação na referida acepção?»

8

Para mais ampla exposição dos factos do processo, da tramitação processual e das alegações das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo só serão adiante retomados na medida do necessário à fundamentação da decisão do Tribunal.

Quanto ao âmbito de aplicação do artigo 59.° do Tratado

9

Através destas questões, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se condições como as exigidas pela Mediawet em relação à transmissão por exploradores de redes de teledistribuição de programas de rádio ou de televisão emitidos a partir do território de outros Estados-membros são abrangidas pelo artigo 59.° do Tratado e, em caso afirmativo, se as mesmas podem ser justificadas.

10

A este respeito, resulta de uma jurisprudência constante (ver em último lugar, acórdãos de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/França, n.° 12, C-154/89, Cole., p. I-659; Comissão/Itália, n.° 15, C-180/89, Colect., p. I-709; e Comissão//Grécia, n.° 16, C-198/89, Colect., p. I-727) que o artigo 59.° do Tratado implica, em primeiro lugar, a eliminação de toda e qualquer discriminação do prestador em razão da sua nacionalidade ou com fundamento no facto de se encontrar estabelecido num Estado-membro diferente daquele em que a prestação é efectuada.

11

Tal como o Tribunal o salientou no seu acórdão de 26 de Abril de 1988, Bond van Adverteerders, n.os 32 e 33 (325/85, Colect., p. 2085), regulamentações nacionais, não indistintamente aplicáveis às prestações de serviços independentemente da sua origem, apenas estarão em conformidade com o direito comunitário se puderem ser abrangidas por uma disposição derrogatória expressa, como o artigo 56.° do Tratado. Deste acórdão (n.° 34), decorre ainda que os objectivos de natureza económica não podem constituir razões de ordem pública no sentido deste artigo.

12

Na ausência de harmonização das regras aplicáveis aos serviços, ou de um regime de equivalência, entraves à liberdade garantida pelo Tratado neste domínio podem, em segundo lugar, resultar da aplicação de regulamentações nacionais, que afectam qualquer pessoa estabelecida no território nacional, a prestadores estabelecidos no território de outro Estado-membro, que devem já satisfazer as exigências da legislação deste Estado.

13

Tal como decorre de uma jurisprudência constante (ver, em último lugar, os acórdãos de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/França, atrás referido, n.° 15; Comissão/Itália, atrás referido, n.° 18; e Comissão/Grécia, atrás referido, n.° 18), tais entraves são abrangidos pelo artigo 59.° desde que a aplicação da legislação nacional aos prestadores estrangeiros não seja justificada por razões imperiosas de interesse geral ou que as exigências dessa legislação sejam já satisfeitas pelas regras impostas a estes prestadores no Estado-membro em que se encontram estabelecidos.

14

A este respeito, figuram entre as razões imperiosas de interesse geral já reconhecidas pelo Tribunal as regras profissionais destinadas a proteger os destinatários do serviço (acórdão de 18 de Janeiro de 1979, Van Wesemael, n.° 28, 110/78 e 111/78, Recueil, p. 35), a protecção da propriedade intelectual (acórdão de 18 de Março de 1980, Coditei, 62/79, Recueil, p. 881), a dos trabalhadores (acórdão de 17 de Dezembro de 1981, Webb, n.° 19, 279/80, Recueil, p. 3305; acórdão de 3 de Fevereiro de 1982, Seco/Evi, n.° 14, 62/81 e 63/81, Recueil, p. 223; acórdão de 27 de Março de 1990, Rush Portuguesa, n.° 18, C-113/89, Colect., p. I-1417), a dos consumidores (acórdãos de 4 de Dezembro de 1986, Comissão/França, n.° 20, 220/83, Colect., p. 3663; Comissão/Dinamarca, n.° 20, 252/83, Colect., p. 3713; Comissão/Alemanha, n.° 30, 205/84, Colect., p. 3755; Comissão/Irlanda, n.° 20, 206/84, Colect., p. 3817; acórdãos de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/Itália, atrás referido, n.° 20, e Comissão/Grécia, atrás referido, n.° 21), a conservação do património histórico e artístico nacional (acórdão de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/Itália, atrás referido, n.° 20), a valorização das riquezas arqueológicas, históricas e artísticas e a melhor difusão possível dos conhecimentos relativos ao património artístico e cultural de um país (acórdãos de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/França, atrás referido, n.° 17, e Comissão/Grécia, atrás referido, n.° 21).

15

Por último, segundo uma jurisprudência constante, a aplicação das regulamentações nacionais aos prestadores estabelecidos noutros Estados-membros deve ser destinada a garantir a realização do objectivo por elas visado e.não ultrapassar o que é necessário para que o mesmo seja alcançado; noutros termos, é necessário que o mesmo resultado não possa ser obtido através de normas menos restritivas (ver, em último lugar, acórdãos de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/França, atrás referido, n.os 14 e 15; Comissão/Itália, atrás referido, n.os 17 e 18; Comissão/Grécia, atrás referido, n.os 18 e 19).

16

E à luz dos princípios assim recordados que convém examinar se uma disposição como o artigo 66.°, n.° 1, alínea b), da Mediawet, que, segundo o órgão jurisdicional nacional não é discriminatória, contém restrições à livre prestação de serviços e, em caso afirmativo, se as mesmas podem ser justificadas.

Quanto à existência de restrições à livre prestação de serviços

17

Convém verificar-se à partida que condições como as impostas pelo artigo 66.°, n.° 1, alínea b), segunda frase, da Mediawet comportam uma dupla restrição à livre prestação de serviços. Por um lado, impedem os exploradores de redes de teledistribuição estabelecidos num Estado-membro de transmitir programas de rádio ou de televisão oferecidos por emissores estabelecidos noutros Estados-membros, que não satisfaçam essas condições. Por outro, limitam as possibilidades que têm estes emissores de programar em benefício de publicitários estabelecidos nomeadamente no Estado de recepção mensagens destinadas especialmente ao público deste Estado.

18

Deve assim responder-se à primeira questão colocada pelo órgão jurisdicional nacional que condições como as previstas no artigo 66.°, n.° 1, alínea b), segunda frase, da Mediawet constituem restrições à livre prestação de serviços abrangidas pelo artigo 59.° do Tratado.

Quanto à possibilidade de justificar estas restrições

19

Tal como a Comissão salientou acertadamente, as condições que são exigidas pelo artigo 66.° da Mediawet pertencem a duas categorias diversas. Existem em primeiro lugar condições relativas à estrutura dos emissores: estes devem confiar a publicidade a uma pessoa colectiva independente dos fornecedores de programas; devem afectar integralmente as suas receitas publicitárias à produção de programas; não podem permitir a terceiros realizar lucros. Há em seguida condições que se referem à própria publicidade: esta deve ser claramente identificada enquanto tal e separada das outras partes do programa; esta não pode ultrapassar 5 % do tempo de emissão; não deve ser difundida ao domingo. Cabe, portanto, examinar separadamente estas condições.

20

A fim de responder à segunda e à terceira questão colocadas pelo órgão jurisdicional nacional, através das quais se pretende saber, essencialmente, se tais restrições podem ter uma justificação, cabe examinar separadamente estas condições.

A — No que diz respeito às condições relativas à estrutura dos organismos de radiodifusão estabelecidos noutros Estados-membros

21

Quanto às condições relativas às estruturas dos organismos de radiodifusão estabelecidos noutros Estados-membros, o Governo neerlandês explica que elas são idênticas às que devem satisfazer os organismos neerlandeses de radiodifusão. Assim, a exigência segundo a qual as mensagens publicitárias devem ser produzidas por uma pessoa colectiva distinta dos produtores de programas corresponde à proibição feita pela Mediawet aos organismos nacionais de emitirem publicidade comercial, sendo a difusão da mesma reservada à fundação para a publicidade televisiva (a «Stichting Etherreclame», a seguir «STER»). A obrigação imposta aos emissores de outros Estados-membros de não realização de lucros por terceiros destinar-se-ia a garantir o carácter não comercial da radiodifusão, carácter que a Mediawet visa manter para os organismos nacionais de radiodifusão. Por último, a exigência relacionada com a afectação das receitas publicitárias, que devem ser reservadas à produção de programas, teria por finalidade proporcionar aos emissores de outros Estados-membros meios pelo menos equivalentes aos que existem no sistema nacional, onde a maior parte das receitas de publicidade da STER cobre as despesas de funcionamento da rádio e da televisão.

22

O Governo neerlandês alega que estas restrições são justificadas pelos imperativos relacionados com a política cultural que criou no sector audiovisual. Explica que a mesma tem por objectivo proteger a liberdade de expressão das diferentes componentes, nomeadamente sociais, culturais, religiosas ou filosóficas existentes nos Países Baixos, como deve poder manifestar-se na imprensa, na rádio ou na televisão. Ora, este objectivo poderia ser ameaçado pela preponderância excessiva dos publicitários na elaboração dos programas.

23

Entendida neste sentido, uma política cultural pode certamente constituir uma razão imperiosa de interesse geral justificando uma restrição à livre prestação de serviços. Com efeito, a manutenção do pluralismo que esta política neerlandesa pretende garantir está ligada à liberdade de expressão, como é protegida pelo artigo 10.° da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, que figura entre os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica comunitária (acórdão de 14 de Maio de 1974, Nold, n.° 13, 4/73, Recueil, p. 491).

24

Convém no entanto verificar que não existe relação necessária entre tal política cultural e as condições relativas à estrutura dos organismos de radiodifusão estrangeiros. Com vista a assegurar o pluralismo no sector audiovisual, não é de modo algum indispensável, com efeito, que a legislação nacional imponha aos organismos de radiodifusão estabelecidos noutros Estados-membros que se alinhem pelo modelo neerlandês, se pretenderem difundir programas com mensagens publicitárias destinadas ao público neerlandês. Para garantir o pluralismo que deseja manter, o Governo neerlandês pode muito bem limitar-se a elaborar o estatuto dos seus próprios organismos de modo adequado.

25

Condições relacionadas com a estrutura dos organismos de radiodifusão estrangeiros não podem portanto ser consideradas objectivamente necessárias com vista a garantir o interesse geral que constitui a manutenção de um sistema nacional de rádio e de televisão que garanta o pluralismo.

B — No que diz respeito às condições rehtivas às mensagens publicitárias

26

Segundo o Governo neerlandês, e contrariamente ao ponto de vista defendido pela Comissão, nem a proibição de transmitir mensagens publicitárias certos dias, nem a limitação da sua duração, nem a obrigação de as identificar enquanto tais e de as separar das outras partes dos programas têm caracter discriminatório. Os serviços prestados pela STER estariam sujeitos às mesmas restrições. O Governo neerlandês referiu-se, a este respeito, ao artigo 39.° da Mediawet. Deste texto resulta que o Commissariaat voor de Media atribui à STER tempo de emissão disponível na rede nacional, e que esta atribuição deve ser feita de tal modo que os programas dos organismos nacionais de radiodifusão não sejam interrompidos. Por fim, segundo o mesmo artigo, aos domingos não é atribuído qualquer tempo de emissão.

27

A este respeito, deve sublinhar-se em primeiro lugar que podem ser justificadas por razões imperiosas de interesse geral restrições à emissão de mensagens publicitárias, tal como a proibição de publicidade para certos produtos ou certos dias, a limitação da duração ou da frequência das mensagens, ou restrições que têm por finalidade permitir aos ouvintes ou aos telespectadores não confundir a publicidade comercial com outras partes do programa. Tais restrições podem, com efeito, ser impostas para proteger os consumidores contra os excessos da publicidade comercial ou, com um objectivo de política cultural, para manter uma certa qualidade dos programas.

28

Convém em seguida salientar que as restrições em causa só dizem respeito ao mercado das mensagens publicitárias destinadas especialmente ao público neerlandês. Este mercado era igualmente o único visado pela proibição de publicidade contida na Kabelregeling, que deu origem às questões prejudiciais no âmbito do processo Bond van Adverteerders (ver acórdão de 26 de Abril de 1988, já refendo). Mesmo que as mensagens publicitárias digam respeito a produtos que podem ser consumidos nos Países Baixos, as restrições só produzem os seus efeitos quando as mensagens acompanhem programas em neerlandês ou legendados em neerlandês. Além disso, estas restrições podem ser levantadas no que diz respeito aos programas em neerlandês que são emitidos na Bélgica com destino ao público belga de língua neerlandesa.

29

Diferentemente da Kabelregeling, as disposições da Mediawet visadas pelo órgão jurisdicional nacional deixaram de reservar à STER a totalidade das receitas provenientes das mensagens publicitárias destinadas especialmente ao público neerlandês. Todavia, ao regulamentar a transmissão destas mensagens, restringem a concorrência com a qual a STER pode ser confrontada, neste mercado, por parte dos organismos de radiodifusão estrangeiros. Conduzem assim, embora em menor medida do que na Kabelregeling, a proteger as receitas da STER e prosseguem portanto o mesmo objectivo que a regulamentação anterior. Ora, tal como foi decidido no acórdão de 26 de Abril de 1988, Bond van Adverteerders (atrás referido, n.° 34), este objectivo não pode justificar as restrições à livre prestação de serviços.

30

Assim há que responder às segunda e terceira questões colocadas pelo órgão jurisdicional nacional que restrições como as que estão aqui em causa não são justificadas por razões imperiosas de interesse geral.

Quanto às despesas

31

As despesas efectuadas pelo Governo neerlandês e pela Comissão, que apresentaram alegações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo quanto às partes no processo principal a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pela secção do contencioso do Raad van State dos Países Baixos, por decisão de 30 de Agosto de 1989, declara:

 

1)

Condições como as previstas no artigo 66.°, n.° 1, alínea b), segunda frase, da Mediawet constituem restrições à livre prestação de serviços abrangidas pelo artigo 59.° do Tratado CEE.

 

2)

Restrições como as que estão aqui em causa não são justificadas por razões imperiosas de interesse geral.

 

Mancini

O'Higgins

Moitinho de Almeida

Rodríguez Iglesias

Diez de Velasco

Slynn

Kakouris

Joliét

Schockweiler

Grévisse

Zuleeg

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de Julho de 1991.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente em exercício

G. F. Mancini

presidente de secção


( *1 ) Língua do processo: neerlandés.

Início