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Documento 61970CJ0080

Acórdão do Tribunal de 25 de Maio de 1971.
Gabrielle Defrenne contra Estado belga.
Pedido de decisão prejudicial: Conseil d'Etat - Bélgica.
Igualdade de remuneração.
Processo 80-70.

Edição especial portuguesa 1971 00161

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1971:55

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

25 de Maio de 1971 ( *1 )

No processo 80/70,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo Conseil d'État da Bélgica, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Gabrielle Defrenne, antiga assistente de bordo na Sabena, sociedade anónima belga de navegação aérea, residente em Bruxelas,

e

Estado belga, representado pelo ministro da Previdência Social,

uma decisão, a título prejudicial, sobre a interpretação do artigo 119 o do Tratado CEE em relação com o decreto real, de 3 de Novembro de 1969, que estabelece regras especiais sobre o direito à pensão do pessoal de voo da aviação civil, e as regras especiais de execução do Decreto real n.o 50, de 24 de Outubro de 1967, relativo à pensão de reforma e de sobrevivência dos trabalhadores assalariados,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: R. Lecourt, presidente, A. M. Donner e A. Trabucchi, presidentes de secção, R. Monaco, J. Mertens de Wilmars, P. Pescatore e H. Kutscher, juízes,

advogado-geral: A. Dutheillet de Lamothe

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por decisão de 4 de Dezembro de 1970, entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 11 de Dezembro do mesmo ano, o Conseil d'État da Bélgica apresentou ao Tribunal, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, três questões de interpretação do artigo 119 o do Tratado CEE relativo à aplicação do princípio da igualdade de remunerações entre os trabalhadores masculinos e os trabalhadores femininos, por trabalho igual.

Quanto à primeira questão

2

Em primeiro lugar, pretende-se que o Tribunal esclareça se «a pensão de reforma concedida no âmbito da segurança social financiada pelas quotizações dos trabalhadores e dos empregadores bem como pelas subvenções do Estado, constitui uma regalia paga indirectamente pelo empregador ao trabalhador em razão do emprego deste último».

3

Resulta da decisão de reenvio que esta questão foi suscitada na pendência de um litígio sobre a validade do decreto real belga de 3 de Novembro de 1969, relativo às pensões de reforma do pessoal de voo da aviação civil — adoptado no âmbito do regime geral das pensões de reforma e de sobrevivência dos trabalhadores assalariados — e, mais concretamente, de uma disposição deste decreto que determina a exclusão das assistentes de bordo do regime em causa.

4

A recorrente no processo principal considera que tal exclusão é contrária ao princípio de igualdade expresso pelo artigo 119 o, sendo o benefício da pensão parte da «remuneração», tal como é definida pelo segundo parágrafo do artigo 119.o como regalia paga indirectamente pelo empregador.

5

Nos termos do primeiro parágrafo do artigo 119.o do Tratado CEE, os Estados-membros devem garantir a aplicação do princípio da igualdade de remunerações entre os trabalhadores masculinos e os trabalhadores femininos, por trabalho igual.

6

No seu segundo parágrafo, a referida disposição torna o conceito de remuneração extensivo a todas as regalias, em dinheiro ou em espécie, actuais ou futuras, desde que sejam pagas, ainda que indirectamente, pelo empregador ao trabalhador em razão do emprego deste último.

7

Embora não sejam por conseguinte, em princípio, estranhas ao conceito de remuneração, as regalias com a mesma natureza das prestações sociais não se podem incluir neste conceito, tal como está delimitado no artigo 119.o, os regimes ou prestações de segurança social, nomeadamente as pensões de reforma, directamente reguladas pela lei com exclusão de qualquer elemento de concertação no seio da empresa ou do ramo profissional interessado, obrigatoriamente aplicáveis a categorias gerais de trabalhadores.

8

Com efeito, estes regimes garantem aos trabalhadores o benefício de um sistema legal, para cujo financiamento os trabalhadores, os empregadores e, eventualmente, os poderes públicos contribuem numa medida que é menos função da relação de emprego entre empregador e trabalhador do que de considerações de política social.

9

Consequentemente, a parcela que incumbe aos empregadores no financiamento de tais sistemas não constitui um pagamento directo ou indirecto ao trabalhador.

10

Além disso, este último beneficia normalmente das prestações legalmente previstas, não em razão da contribuição patronal, mas devido ao facto de reunir as condições legais exigidas para a concessão da prestação.

11

Estas características são igualmente as dos regimes especiais que, no âmbito do sistema legal e geral de segurança social, dizem especificamente respeito a determinadas categorias de trabalhadores.

12

Há, pois, que declarar que as situações discriminatórias resultantes da aplicação de tal sistema não estão submetidas às exigências do artigo 119 o do Tratado.

13

Resulta do que precede, que uma pensão de reforma instituída no âmbito de um regime legal de segurança social não constitui uma regalia paga indirectamente pelo empregador ao trabalhador em razão do emprego deste último, na acepção do segundo parágrafo do artigo 119.o

Quanto às segunda e terceira questões

14

Na segunda questão pergunta-se se a regulamentação aplicável ao trabalhador pode «estabelecer um limite de idade diferente para os empregados masculinos e femininos que façam parte do pessoal de bordo da aviação civil».

15

Na terceira questão pergunta-se, além disso, se as assistentes de bordo e os comissários de bordo da aviação civil fazem «o mesmo trabalho».

16

Devido à resposta dada à primeira questão, as outras questões tornaram-se desnecessárias.

Quanto às despesas

17

As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o Conseil d'État da Bélgica, compete a este órgão jurisdicional decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

vistos os autos,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as alegações das partes na causa principal e da Comissão das Comunidades Europeias,

ouvidas as conclusões do advogado-geral,

visto o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia e, nomeadamente, os seus artigos 119.o e 177.o,

visto o Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da Comunidade Económica Europeia e, nomeadamente, o seu artigo 20.o,

visto o Regulamento Processual do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões apresentadas pelo Conseil d'État da Bélgica, Secção Administrativa, Terceira Secção, por decisão de 4 de Dezembro de 1970, declara:

 

1)

Uma pensão de reforma instituída no âmbito de um regime legal de segurança social não constitui uma regalia paga indirectamente pelo empregador ao trabalhador em razão do emprego deste último, nos termos do segundo paragrafo do artigo 119.o do Tratado CEE.

 

2)

Não hã que decidir sobre as outras questões.

 

Lecourt

Donner

Trabucchi

Monaco

Mertens de Wilmars

Pescatore

Kutscher

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de Maio de 1971.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

R. Lecourt


( *1 ) Língua do processo: francês.

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