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Document 62022CJ0770

Acórdão do Tribunal de Justiça (Décima Secção) de 11 de abril de 2024.
OSTP Italy Srl contra Agenzia delle Dogane e dei Monopoli, Ufficio delle Dogane di Genova 1 e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentada por Commissione tributaria provinciale di Genova.
Reenvio prejudicial — União aduaneira — Regulamento (UE) n.o 952/2013 — Sentenças da primeira instância que anulam medidas aduaneiras relativas aos recursos próprios tradicionais da União Europeia — Caráter imediatamente executório dessas sentenças — Não suspensão da execução das sentenças.
Processo C-770/22.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:299

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

11 de abril de 2024 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — União aduaneira — Regulamento (UE) n.o 952/2013 — Sentenças da primeira instância que anulam medidas aduaneiras relativas aos recursos próprios tradicionais da União Europeia — Caráter imediatamente executório dessas sentenças — Não suspensão da execução das sentenças»

No processo C‑770/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Corte di giustizia tributaria di primo grado di Genova (anteriormente Commissione tributaria provinciale di Genova) (Tribunal Tributário de Primeira Instância de Génova, anteriormente Comissão Tributária Provincial de Génova, Itália), por Decisão de 22 de novembro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de dezembro de 2022, no processo

OSTP Italy Srl

contra

Agenzia delle Dogane e dei Monopoli, Ufficio delle Dogane di Genova 1,

Agenzia delle Dogane e dei Monopoli, Ufficio delle Dogane di Genova 2,

Agenzia delle Entrate — Riscossione — Genova,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: Z. Csehi, presidente de Secção, E. Regan (relator), presidente da Quinta Secção, e D. Gratsias, juiz,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da OSTP Italy Srl, por R. Dominici, A. Macchi, F. Munari e S. Pedemonte, avvocati,

em representação do Governo Italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por F. Meloncelli, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por F. Clotuche‑Duvieusart e F. Moro, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 43.o e 45.o do Regulamento (UE) n.o 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União (JO 2013, L 269, p. 1; a seguir «Código Aduaneiro da União»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a OSTP Italy Srl (a seguir «OSTP») à Agenzia delle Dogane e dei Monopoli, Ufficio delle Dogane di Genova 1 (Agência Aduaneira e dos Monopólios, Estância Aduaneira de Génova 1, Itália), à Agenzia delle Dogane e dei Monopoli, Ufficio delle Dogane di Genova 2 (Agência Aduaneira e dos Monopólios, Estância Aduaneira de Génova 2, Itália) (a seguir, em conjunto, «Agência Aduaneira e dos Monopólios») e à Agenzia delle Entrate — Riscossione — Genova (Administração Tributária — Cobranças — Génova, Itália) (a seguir «Administração Tributária»), a respeito da execução de um crédito relativo a recursos próprios tradicionais da União Europeia que foi anulado por decisão de um órgão jurisdicional nacional, a qual está pendente de recurso.

Quadro jurídico

Direito da União

Código Aduaneiro da União

3

O artigo 43.o do Código Aduaneiro da União, sob a epígrafe «Decisões proferidas por uma autoridade judicial», dispõe:

«O disposto nos artigos 44.o e 45.o não se aplica aos recursos de anulação, revogação ou alteração de uma decisão relacionada com a aplicação da legislação aduaneira proferida pelas autoridades judiciais ou pelas autoridades aduaneiras atuando na qualidade de autoridades judiciais.»

4

O artigo 44.o deste código, sob a epígrafe «Direito de recurso», prevê:

«1.   Todas as pessoas têm o direito de interpor recurso de qualquer decisão tomada pelas autoridades aduaneiras relacionada com a aplicação da legislação aduaneira e que lhes diga direta e individualmente respeito.

Têm igualmente o direito de interpor recurso todas as pessoas que, tendo solicitado uma decisão das autoridades aduaneiras, delas não obtenham uma decisão no prazo fixado no artigo 22.o, n.o 3.

2.   O direito de recurso pode ser exercido pelo menos em duas fases:

a)

Numa primeira fase, perante as autoridades aduaneiras, uma autoridade judicial ou qualquer órgão designado para o efeito pelos Estados‑Membros;

b)

Numa segunda fase, perante uma instância superior independente, que pode ser uma autoridade judicial ou um órgão especializado equiparado, nos termos das disposições em vigor nos Estados‑Membros.

3.   O recurso é interposto no Estado‑Membro em que a decisão tenha sido tomada ou solicitada.

4.   Os Estados‑Membros devem certificar‑se de que o procedimento de recurso permite a pronta confirmação ou retificação das decisões adotadas pelas autoridades aduaneiras.»

5

O artigo 45.o do referido código, sob a epígrafe «Suspensão da execução», dispõe:

«1.   A interposição de recurso não tem efeito suspensivo da execução da decisão impugnada.

2.   Todavia, as autoridades aduaneiras devem suspender, total ou parcialmente, a execução dessa decisão caso tenham motivos fundamentados para pôr em dúvida a conformidade da decisão impugnada com a legislação aduaneira ou que seja de recear um prejuízo irreparável para a pessoa em causa.

3.   Nos casos referidos no n.o 2, se a decisão impugnada der origem à aplicação de direitos de importação ou de direitos de exportação, a suspensão da execução dessa decisão fica sujeita à prestação de uma garantia, salvo se for comprovado, com base numa avaliação documentada, que essa garantia pode causar graves dificuldades de natureza económica ou social ao devedor.»

6

O artigo 90.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do mesmo código, sob a epígrafe «Garantia obrigatória», prevê:

«Caso esteja prevista a prestação de uma garantia a título obrigatório, as autoridades aduaneiras fixam o montante dessa garantia a um nível igual ao montante exato dos direitos de importação ou de exportação correspondente à dívida aduaneira e de outras imposições, caso esse montante possa ser estabelecido com exatidão no momento em que é exigida a garantia.»

7

O artigo 98.o do Código Aduaneiro da União, sob a epígrafe «Liberação da garantia», enuncia:

«1.   As autoridades aduaneiras devem liberar imediatamente a garantia, logo que a dívida aduaneira ou a dívida relativa a outras imposições estiver extinta ou já não puder ser constituída.

2.   Caso a dívida aduaneira ou a dívida relativa a outras imposições esteja parcialmente extinta ou só possa ser constituída relativamente a parte do montante garantido, deve ser liberada a parte correspondente da garantia, a pedido do interessado, salvo se o montante envolvido o não justificar.»

8

O artigo 124.o, n.o 1, deste código, sob a epígrafe «Extinção», refere:

«Sem prejuízo das disposições em vigor relativas à não cobrança do montante dos direitos de importação ou de exportação correspondente a uma dívida aduaneira no caso de insolvência do devedor verificada por via judicial, a dívida aduaneira na importação ou na exportação extingue‑se das seguintes formas:

[…]

b)

Mediante pagamento do montante dos direitos de importação ou de exportação;

[…]

d)

Caso, em relação a mercadorias declaradas para um regime aduaneiro que implique a obrigação de pagar direitos de importação ou de exportação, a declaração aduaneira seja anulada;

[…]»

Regulamento n.o 609/2014

9

O artigo 2.o do Regulamento (UE, Euratom) n.o 609/2014 do Conselho, de 26 de maio de 2014, relativo aos métodos e ao procedimento para a colocação à disposição dos recursos próprios tradicionais e dos recursos próprios baseados no IVA e no RNB e às medidas destinadas a satisfazer as necessidades da tesouraria (JO 2014, L 168, p. 39), conforme alterado pelo Regulamento (UE, Euratom) 2016/804 do Conselho, de 17 de maio de 2016 (JO 2016, L 132, p. 85) (a seguir «Regulamento n.o 609/2014»), sob a epígrafe «Data de apuramento dos recursos próprios tradicionais», enuncia, no seu n.o 1:

«Para efeitos da aplicação do presente regulamento, um direito da União sobre os recursos próprios tradicionais a que se refere o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Decisão 2014/335/UE, Euratom [do Conselho, de 26 de maio de 2014, relativa ao sistema de recursos próprios da União Europeia (JO 2014, L 168, p. 105),] considera‑se apurado assim que se encontrem preenchidas as condições previstas na regulamentação aduaneira no que se refere ao registo de liquidação do montante do direito e à sua comunicação ao devedor.»

10

O artigo 13.o do Regulamento n.o 609/2014, sob a epígrafe «Montantes incobráveis», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Os Estados‑Membros tomam todas as medidas necessárias para que os montantes correspondentes aos direitos apurados nos termos do artigo 2.o sejam colocados à disposição da Comissão [Europeia] nas condições fixadas pelo presente regulamento.

2.   Os Estados‑Membros são dispensados de pôr à disposição da Comissão os montantes correspondentes aos direitos apurados em conformidade com o artigo 2.o que se verifique serem incobráveis por uma das seguintes razões:

a)

Por razões de força maior;

b)

Por outras razões que não lhes sejam imputáveis.

Os Estados‑Membros podem ser dispensados da obrigação de colocar à disposição da Comissão os montantes correspondentes aos direitos apurados nos termos do artigo 2.o caso se verifique que esses direitos são incobráveis devido ao diferimento do lançamento nas contas ou da notificação da dívida aduaneira a fim de não prejudicar uma investigação criminal lesiva dos interesses financeiros da União.

Os montantes de direitos apurados são declarados incobráveis por decisão da autoridade administrativa competente que verifica a impossibilidade de cobrança.

Os montantes de direitos apurados são considerados incobráveis o mais tardar após um período de cinco anos a contar da data em que o montante foi apurado nos termos do artigo 2.o ou, em caso de recurso administrativo ou judicial, da data da decisão definitiva, da sua notificação ou da sua publicação.

[…]»

Decisão 2014/335

11

A Decisão 2014/335 revogou e substituiu a Decisão 2007/436/CE, Euratom do Conselho, de 7 de junho de 2007, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (JO 2007, L 163, p. 17).

12

O artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Decisão 2014/335, que reproduz o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Decisão 2007/436, dispõe:

«Constituem recursos próprios inscritos no orçamento da União as receitas provenientes:

a)

Dos recursos próprios tradicionais que consistem em imposições, prémios, montantes suplementares ou compensatórios, montantes ou elementos adicionais, direitos da Pauta Aduaneira Comum e outros direitos estabelecidos ou a estabelecer pelas instituições da União sobre as trocas comerciais com países terceiros, direitos aduaneiros sobre os produtos abrangidos pelo já caducado Tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, bem como quotizações e outros direitos previstos no âmbito da organização comum de mercado no setor do açúcar;

[…]»

Direito italiano

13

O artigo 47.o do decreto legislativo n.o 546 — Disposizioni sul processo tributario in attuazione della delega al Governo contenuta nell’art. 30 della legge 30 dicembre 1991, n.o 413 (Decreto legislativo n.o 546, que aprova as Disposições relativas ao Processo Tributário ao abrigo da Delegação dada ao Governo nos Termos do Artigo 30.o da Lei n.o 413, de 30 de dezembro de 1991), de 31 de dezembro de 1992 (GURI n.o 9, de 13 de janeiro de 1993, suplemento ordinário n.o 8) (a seguir «Decreto Legislativo n.o 546/1992»), prevê, em substância, que se um requerente contestar um ato praticado pela Autoridade Tributária e esse ato lhe puder causar um prejuízo grave e irreparável, esse requerente pode pedir a suspensão provisória da execução do referido ato até à apreciação do mérito da ação.

14

O artigo 67.o‑A deste decreto legislativo, relativo à execução provisória, prevê que as decisões proferidas pelos tribunais tributários são executórias.

15

O artigo 68.o do referido decreto legislativo, sob a epígrafe «Pagamento do imposto na pendência do processo», dispõe:

«1.   Sem prejuízo do disposto nas leis tributárias individuais, nos casos em que esteja prevista a cobrança fracionada do imposto que é objeto de um procedimento perante as comissões [tributárias], devem ser pagos:

a)

dois terços do imposto, acrescido dos juros previstos nas leis tributárias, após a sentença da Comissione tributaria provinciale [(Comissão Tributária Provincial)] ter negado provimento ao recurso;

b)

o montante do imposto, acrescido dos juros previstos nas leis tributárias, que resulta da sentença da Commissione tributaria provinciale [(Comissão Tributária Provincial)], e, em qualquer caso, não mais de dois terços do imposto, se a sentença conceder parcial provimento ao recurso;

c)

o montante do imposto restante, acrescido dos juros previstos nas leis tributárias, determinado pela Commissione tributaria regionale [(Comissão Tributária Regional)] no seu acórdão;

c‑a)

o montante do imposto devido, acrescido dos juros previstos nas leis tributárias, enquanto se aguarda a decisão em primeira instância, após a prolação do acórdão da Corte [suprema] di cassazione [(Supremo Tribunal de Cassação, Itália)] que anula a sentença e ordena a remessa do processo, e a totalidade do montante indicado no ato impugnado, se não houver lugar à remessa do processo.

Nos casos referidos nas alíneas anteriores, os montantes já pagos são, em qualquer caso, deduzidos dos montantes a pagar.

2.   Se for concedido provimento ao recurso, o imposto pago adicionalmente em relação ao que foi decidido na sentença da Comissione tributaria provinciale [(Comissão Tributária Provincial)], bem como os juros correspondentes previstos na legislação tributária, devem ser reembolsados oficiosamente no prazo de 90 dias a contar da notificação da sentença. Em caso de não execução do reembolso, o contribuinte pode requerer a execução, nos termos do artigo 70.o, à Commissione tributaria provinciale [(Comissão Tributária Provincial)] ou, se a sentença for objeto de recurso nas fases posteriores do processo, à Commissione tributaria regionale [(Comissão Tributária Regional)].

3.   […]

3‑a Enquanto se aguarda a prolação da sentença, o pagamento dos recursos próprios tradicionais referidos no artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Decisão [2007/436] e do imposto sobre o valor acrescentado cobrado na importação continua a ser regido pelo Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, [que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO 1992, L 302, p. 1),] conforme alterado pelo [Código Aduaneiro da União] e pelas outras disposições pertinentes da União Europeia na matéria.»

16

O artigo 69.o do Decreto Legislativo n.o 546/1992, sob a epígrafe «Execução das sentenças condenatórias a favor do contribuinte», dispõe:

«1.   As decisões que ordenam o pagamento de montantes ao contribuinte e as proferidas em sede de recurso dos avisos relativos às operações cadastrais indicadas no artigo 2.o, n.o 2, são imediatamente executórias. Todavia, o pagamento dos montantes superiores a dez mil euros, que não sejam despesas, pode ser subordinado pelo juiz, tendo igualmente em conta as condições de solvabilidade do requerente, à constituição de uma garantia adequada.

[…]

4.   O pagamento dos montantes devidos na sequência da sentença deve ser efetuado no prazo de 90 dias a contar da sua notificação ou da apresentação da garantia referida no n.o 2, se esta for exigível.

5.   Em caso de não execução da sentença, o contribuinte pode requerer a execução, nos termos do artigo 70.o, à Commissione tributaria provinciale [(Comissão Tributária Provincial)] ou, se a sentença for objeto de recurso nas fases posteriores do processo, à Commissione tributaria regionale [(Comissão Tributária Regional)].»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

17

A Agência Aduaneira e dos Monopólios, Estância Aduaneira de Génova 2, notificou a OSTP, em 9 de outubro de 2019, de avisos de liquidação complementares e retificativos relativos aos direitos anti‑dumping devidos pela importação de tubos de aço provenientes de países terceiros com o fundamento, nomeadamente, de que esses tubos tinham sido apresentados como sendo importados da Índia, quando, na realidade, provinham da China. Estes avisos foram seguidos, no dia seguinte, da notificação de decisões que aplicavam sanções à OSTP.

18

A Agência Aduaneira e dos Monopólios, Estância de Génova 1 notificou igualmente a OSTP, pela mesma razão, de um aviso de liquidação retificativo, ao qual se seguiu uma decisão que lhe aplicou sanções.

19

Todos os avisos de liquidação e todas as sanções foram integralmente anulados pelo órgão jurisdicional de reenvio, por Sentenças de 17 e 19 de maio de 2021.

20

A Agência Aduaneira e dos Monopólios interpôs recurso dessas decisões para a Corte di giustizia tributaria di secondo grado della Liguria (anteriormente Commissione tributaria regionale della Liguria) (Tribunal de Justiça Tributária de Segunda Instância, anteriormente Comissão Tributária Regional da Ligúria, Itália), que não tomou uma decisão formal de suspensão da execução das referidas sentenças.

21

Em 26 de janeiro de 2022, a Administração Tributária notificou a OSTP de um aviso prévio de registo hipotecário, informando‑a de que, em caso de não pagamento dos montantes mencionados nos avisos de liquidação, seria registada uma hipoteca sobre os seus bens imóveis num montante equivalente ao do dobro da dívida.

22

A OSTP impugnou esse aviso no órgão jurisdicional de reenvio, alegando que, segundo a legislação nacional, em matéria de cobrança de direitos e taxas aduaneiras, quando um tribunal de primeira instância concede provimento, no todo ou em parte, ao recurso de um aviso de liquidação, os montantes reclamados nesse aviso deixam de ser exigíveis.

23

A Agência Aduaneira e dos Monopólios interveio neste segundo litígio. A mesma afirma que já não haver lugar ao conhecimento do mérito desse pedido, uma vez que a OSTP, entretanto, pagou integralmente os montantes que figuram nos avisos de liquidação anulados, tendo o litígio deixado de subsistir.

24

Subsidiariamente, a Agência Aduaneira e dos Monopólios invoca, em apoio da posição defendida pela Administração Tributária, o Despacho da Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) n.o 22012, de 13 de outubro de 2020.

25

Neste despacho, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) salientou, em substância, que, nos termos do artigo 45.o do Código Aduaneiro da União, a interposição de um recurso administrativo ou jurisdicional não suspende a força executória de uma decisão relativa à aplicação da legislação aduaneira e que, em conformidade com o artigo 98.o deste código, a garantia constituída para uma dívida aduaneira não pode ser liberada se, nomeadamente, essa dívida não for extinta.

26

Este órgão jurisdicional começou por concluir que as medidas tomadas pela administração aduaneira devem ser consideradas imediatamente executórias, em seguida, que a proteção do contribuinte contra o caráter potencialmente irreparável do prejuízo suscetível de ser sofrido devido à ilegalidade do aviso de liquidação deve ser considerada garantida pela possibilidade de apresentar um pedido de dispensa do pagamento dos direitos, um pedido de suspensão da execução do aviso retificativo ou, no decurso da instância, um pedido de suspensão da execução do ato de liquidação e, por último, que uma decisão não transitada em julgado da autoridade judicial favorável ao contribuinte não implica um direito desse contribuinte à restituição dos direitos já pagos, uma vez que os montantes pagos continuam a estar em garantia do pagamento da dívida aduaneira até à sua extinção definitiva.

27

Tendo em conta estes elementos, bem como a obrigação que incumbe aos Estados‑Membros, recordada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 11 de julho de 2019, Comissão/Itália (Recursos próprios — Cobrança de uma dívida aduaneira (C‑304/18, EU:C:2019:601), quando uma medida da autoridade administrativa não tenha sido suspensa ao abrigo dos códigos aduaneiros, de agir em tempo útil para garantir os recursos próprios da União, o referido órgão jurisdicional concluiu que, «em matéria de direitos cobrados nas fronteiras, que constituem recursos próprios da [União], a sentença não transitada em julgado que prevê o reembolso, em benefício do contribuinte, dos direitos aduaneiros que foram considerados não devidos não pode ser considerada imediatamente executória, nos termos do artigo 69.o, n.o 1, do Decreto Legislativo [n.o 546/1992] […], [uma vez que esta] disposição [é] incompatível […] com o Código Aduaneiro [da União]».

28

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se exclusivamente sobre a questão de saber se, em substância, se podia realmente deduzir do artigo 45.o deste código, ou mesmo também dos artigos 43.o e 44.o do referido código, que os Estados‑Membros não devem reconhecer caráter imediatamente executório às sentenças de primeira instância que anularam avisos de liquidação relativos aos recursos próprios tradicionais da União. Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se tal solução não é contrária ao direito de recurso, mencionado no artigo 44.o do mesmo código, lido à luz do princípio da tutela jurisdicional efetiva garantido pelo artigo 19.o TUE e pelo artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que obrigaria os Estados‑Membros a prever a suspensão da execução de qualquer decisão administrativa anulada por um órgão jurisdicional de primeira instância, a fim de conferir às vias de recurso previstas pela legislação nacional uma utilidade real para o particular.

29

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que, embora a OSTP tenha finalmente pago os montantes pedidos, ainda é necessário dissipar tais dúvidas, uma vez que, por um lado, não é possível excluir que esta sociedade tenha agido assim por receio do registo de uma hipoteca, sendo esta última igual ao dobro dos montantes reclamados, e, por outro, pelo facto de a questão da procedência das alegações da Agência Aduaneira e dos Monopólios ter incidência na atribuição das despesas processuais sobre a qual lhe cabe pronunciar‑se.

30

Nestas circunstâncias, a Corte di giustizia tributaria di primo grado di Genova (anteriormente Commissione tributaria provinciale di Genova) (Tribunal Tributário de Primeira Instância de Génova, anteriormente Comissão Tributária Provincial de Génova, Itália) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Podem os artigos 43.o [a] 45.o do [Código Aduaneiro da União] ser interpretados no sentido de que obstam à compatibilidade com o direito da União de uma legislação nacional que prevê que as [sentenças] proferidas em primeira instância pelos órgãos jurisdicionais nacionais que tenham por efeito anular, no todo ou em parte, atos tributários relativos a recursos próprios [tradicionais] da [União] têm força executória imediata?»

Quanto à questão prejudicial

Quanto à admissibilidade

31

O Governo Italiano sustenta que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível pelo facto de o litígio no processo principal ter perdido o seu objeto depois de a recorrente ter pago os montantes reclamados e de, no seu pedido, o órgão jurisdicional de reenvio ter indicado que colocava a sua questão na hipótese de um contribuinte ainda não ter pago os montantes solicitados.

32

A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo previsto no artigo 267.o TFUE, baseado numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional nacional tem competência exclusiva para verificar e apreciar os factos do litígio no processo principal, assim como para interpretar e aplicar o direito nacional. De igual modo, cabe exclusivamente ao juiz nacional, que conhece desse litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se [Acórdãos de 7 de agosto de 2018, Banco Santander e Escobedo Cortés, C‑96/16 e C‑94/17, EU:C:2018:643, n.o 50, e de 24 de novembro de 2022, Varhoven administrativen sad (Revogação da disposição impugnada), C‑289/21, EU:C:2022:920, n.o 24].

33

Daí resulta que a presunção de pertinência das questões prejudiciais submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais só pode ser ilidida em casos excecionais (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2005, Pupino,C‑105/03, EU:C:2005:386, n.o 30). Assim, o Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação de uma regra da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 24 de julho 2023, Lin,C‑107/23 PPU, EU:C:2023:606, n.o 62).

34

Ora, no caso em apreço, é certo que se pode deduzir das informações que figuram no pedido de decisão prejudicial que o pagamento, pela recorrente no processo principal, dos montantes reclamados afastou a ameaça de registo de uma hipoteca sobre os seus bens imóveis. Todavia, a questão submetida mantém a sua pertinência uma vez que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a recorrente no processo principal poderia, em função da resposta do Tribunal de Justiça, opor‑se, como faz no processo principal, às medidas destinadas a cobrar montantes não exigíveis e fazer valer o seu direito ao reembolso dos montantes já pagos. Além disso, esse órgão jurisdicional indica ter necessidade de conhecer a resposta à questão prejudicial que submeteu para se pronunciar, em conformidade com o direito nacional, sobre a repartição das despesas, uma vez que esta última depende do mérito do recurso.

35

Uma vez que, nomeadamente, esse órgão jurisdicional ainda não se pronunciou sobre o mérito do litígio no processo principal, não é manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tenha nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, ou que o problema suscitado se tenha tornado hipotético (v., por analogia, Acórdão de 28 de novembro de 2018, Amt Azienda Trasporti e Mobilità e o., C‑328/17, EU:C:2018:958, n.os 35 a 38).

36

Esta apreciação não é posta em causa pela afirmação do Governo Italiano, segundo a qual o órgão jurisdicional de reenvio indicou, no seu pedido, submeter a sua questão na hipótese de o contribuinte ainda não ter pago os montantes solicitados. Com efeito, tal indicação não resulta do pedido de decisão prejudicial. É certo que o órgão jurisdicional de reenvio se referiu, neste pedido, ao «caso de o contribuinte ainda não ter pago», mas apenas o fez para evocar a posição da Agência Aduaneira e dos Monopólios a respeito de um despacho proferido pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação), posição que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, consiste em «alarga[r] o princípio jurídico enunciado [por este órgão jurisdicional] também às situações em que o contribuinte ainda não tenha pagado».

37

Uma vez que o Tribunal de Justiça dispõe, além disso, de todos os elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente à questão que lhe foi submetida, há que declarar o pedido de decisão prejudicial admissível.

Quanto ao mérito

38

A título preliminar, é pacífico que as dúvidas expressas pelo órgão jurisdicional de reenvio estão relacionadas com a interpretação adotada pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) no seu Despacho n.o 22012, de 13 de outubro de 2020. Com efeito, nesse despacho, este último órgão jurisdicional afastou a aplicação do artigo 69.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 546/1992, que prevê o caráter imediatamente executório das sentenças que ordenam o pagamento de montantes a favor do contribuinte, com o fundamento, em substância, de que o artigo 45.o do Código Aduaneiro da União exige que a execução de qualquer sentença da primeira instância que anule avisos de liquidação relativos a recursos próprios tradicionais da União seja suspensa enquanto essa decisão não transitar em julgado. Ora, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se a interpretação adotada pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) é conforme com o artigo 45.o do Código Aduaneiro da União, conjugado com o artigo 43.o deste código.

39

Assim, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 43.o a 45.o do Código Aduaneiro da União devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que prevê o caráter imediatamente executório das sentenças da primeira instância ainda não transitadas em julgado, quando estão em causa recursos próprios tradicionais da União Europeia.

40

Pode salientar‑se, desde já, que nem o artigo 44.o nem o artigo 45.o do Código Aduaneiro da União são relevantes para apreciar a compatibilidade com o direito da União de uma legislação nacional que prevê o caráter imediatamente executório das sentenças da primeira instância, incluindo casos em que essas sentenças tenham tido por efeito anular total ou parcialmente avisos de liquidação relativos a recursos próprios tradicionais da União.

41

Com efeito, o artigo 43.o deste código indica expressamente que os artigos 44.o e 45.o do referido código não se aplicam aos recursos de anulação, revogação ou alteração de uma decisão relativa à aplicação da legislação aduaneira tomada por uma autoridade judicial. Por conseguinte, embora o artigo 44.o, n.o 2, do mesmo código preveja a hipótese de o direito ao recurso ser exercido em duas fases e sucessivamente perante duas autoridades judiciais, não é menos verdade que a regra, prevista no artigo 45.o, n.o 1, do Código Aduaneiro da União, segundo a qual a interposição de recurso não tem efeito suspensivo da execução na decisão contestada, só é válida no que respeita aos recursos interpostos das decisões relativas à aplicação da legislação aduaneira tomadas pelas autoridades aduaneiras e não das decisões judiciais que se pronunciaram sobre tais recursos.

42

Uma vez que a questão do caráter imediatamente executório ou não das sentenças da primeira instância, bem como o regime jurídico do recurso, não está abrangida pelo âmbito de aplicação dos artigos 44.o e 45.o do Código Aduaneiro da União, estas disposições não se podem opor a uma legislação nacional que prevê o caráter imediatamente executório das sentenças da primeira instância ainda não transitadas em julgado, nem exigem que a legislação nacional preveja que essas sentenças tenham esse caráter.

43

Esta interpretação não é posta em causa pela obrigação que incumbe aos Estados‑Membros por força do artigo 13.o do Regulamento 609/2014, lido à luz da Decisão 2014/335, de pôr à disposição da Comissão os montantes que correspondem aos direitos da União sobre os recursos próprios tradicionais, evocada pelo Governo Italiano nos seus articulados.

44

É certo que, nos termos do artigo 45.o, n.o 1, do Código Aduaneiro da União, a interposição de recurso não tem efeito suspensivo, pelo que, em princípio, quando um sujeito passivo contesta um aviso de liquidação retificativo, esse sujeito passivo já pagou, em princípio, os montantes reclamados quando o seu recurso for decidido em primeira instância ou, pelo menos, se as autoridades aduaneiras lhe tiverem concedido uma suspensão da execução nos termos do artigo 45.o, n.o 2, desse código, constituiu uma garantia aduaneira, em aplicação do artigo 45.o, n.o 3, do referido código. Assim, quando, na sequência de um recurso interposto pelas autoridades aduaneiras, seja, por sua vez, anulada uma sentença da primeira instância que declarou inválidos os avisos retificativos de liquidação, presume‑se que o Estado‑Membro já dispõe do montante correspondente aos direitos da União sobre os recursos próprios tradicionais, que deverá pôr à disposição da Comissão nos termos do artigo 13.o do Regulamento n.o 609/2014, lido à luz da Decisão 2014/335.

45

No entanto, contrariamente ao que parece ter considerado a Corte suprema di cassazione (Tribunal de Cassação) no seu Despacho n.o 22012, de 13 de outubro de 2020, não se pode daí deduzir que, com o fim de garantir a cobrança, pela União, dos direitos estabelecidos nos termos do artigo 2.o do Regulamento n.o 609/2014, o artigo 45.o, n.o 1, do Código Aduaneiro da União deve ser interpretado no sentido de que obriga os Estados‑Membros a permitir às autoridades aduaneiras — quando estas tardaram a proceder à cobrança do aviso retificativo de liquidação que emitiram — que possam continuar a fazê‑lo, mesmo depois de ter sido proferida uma sentença em primeira instância que anula esse aviso de liquidação, enquanto essa sentença não tiver transitado em julgado.

46

Desde logo, contrariamente à premissa em que parece assentar esta apreciação, tal interpretação não se afigura necessária para garantir a cobrança, pela União, dos direitos apurados ao abrigo do artigo 2.o do Regulamento n.o 609/2014. Com efeito, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de sublinhar que os erros cometidos pelas autoridades aduaneiras de um Estado‑Membro não dispensam este último da sua obrigação de pôr à disposição da União os direitos que deveria ter apurado, eventualmente acrescidos de juros de mora. [v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2019, Comissão/Itália (Recursos próprios — Cobrança de uma dívida aduaneira), C‑304/18, EU:C:2019:601, n.o 61]. Ora, do mesmo modo, a falta de diligência das autoridades aduaneiras não pode dispensar o Estado‑Membro dessa obrigação.

47

Mas, e sobretudo, uma vez que a redação do artigo 43.o do Código Aduaneiro da União é perfeitamente clara e unívoca quanto à inaplicabilidade dos artigos 44.o e 45.o deste código aos recursos interpostos de uma decisão tomada por uma autoridade judicial, não pode ser procurada nenhuma outra interpretação dessas disposições [v., neste sentido, Acórdão de 26 de setembro de 2019, Comissão/Espanha (Águas — Atualização dos planos de gestão das Ilhas Canárias), C‑556/18, EU:C:2019:785, n.o 34].

48

Por conseguinte e sem que seja necessário examinar a pertinência, para o caso em apreço, dos princípios consagrados no artigo 19.o TUE e no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais, há que responder à questão submetida que os artigos 43.o a 45.o do Código Aduaneiro da União devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que prevê o caráter imediatamente executório das sentenças da primeira instância ainda não transitadas em julgado quando estão em causa recursos próprios tradicionais da União Europeia.

Quanto às despesas

49

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

 

Os artigos 43.o a 45.o do Regulamento (UE) n.o 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União,

 

devem ser interpretados no sentido de que:

 

não se opõem a uma legislação nacional que prevê o caráter imediatamente executório das sentenças da primeira instância ainda não transitadas em julgado quando estão em causa recursos próprios tradicionais da União Europeia.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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