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Document 62008CJ0407

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 1 de Julho de 2010.
Knauf Gips KG contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Acordos, decisões e práticas concertadas - Placas de estuque - Acesso ao processo - Meios de prova incriminatórios e ilibatórios - Conceito de ‘empresa’ - Unidade económica - Sociedade responsável pela acção da unidade económica - Argumento apresentado pela primeira vez durante o processo contencioso.
Processo C-407/08 P.

Colectânea de Jurisprudência 2010 I-06375

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2010:389

Processo C‑407/08 P

Knauf Gips KG

contra

Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral – Acordos, decisões e práticas concertadas – Placas de estuque – Acesso ao processo – Meios de prova incriminatórios e ilibatórios – Conceito de ‘empresa’ – Unidade económica – Sociedade responsável pela acção da unidade económica – Argumento apresentado pela primeira vez durante o processo contencioso»

Sumário do acórdão

1.        Concorrência – Procedimento administrativo – Respeito dos direitos de defesa – Acesso ao processo – Alcance – Recusa de comunicação de um documento – Consequências

2.        Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Prova – Grau de precisão que se exige dos elementos de prova tidos em consideração pela Comissão

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

3.        Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Empresa – Conceito – Unidade económica – Existência susceptível de ser inferida de um conjunto de elementos concordantes – Sociedade‑mãe que não detém 100% do capital de uma filial – Circunstância que não exclui a existência de uma unidade económica

(Artigo 101.°, n.° 1, TFUE)

4.        Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Prática concertada – Prova da infracção – Ónus da prova

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

5.        Recurso de anulação – Admissibilidade – Pessoas singulares ou colectivas – Empresa destinatária de uma comunicação de acusações que não contestou os elementos de facto e de direito durante o procedimento administrativo – Limitação do direito de recurso – Violação dos princípios fundamentais da legalidade e do respeito dos direitos de defesa

(Artigos 101.° TFUE, 102.° TFUE e 263.°, quarto parágrafo, TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 47.° e 52.°, n.° 1)

6.        Concorrência – Regras comunitárias – Infracções – Imputação – Grupo de sociedades de cujo topo fazem parte diversas pessoas

(Artigo 81.° CE)

1.        Corolário do princípio do respeito dos direitos de defesa, o direito de acesso ao processo implica, num procedimento administrativo em matéria de aplicação das regras de concorrência, que a Comissão deva facultar à empresa em causa a possibilidade de proceder a um exame de todos os documentos que figuram no processo de instrução e que possam ser pertinentes para a sua defesa. Estes incluem elementos de prova, tanto de acusação como de defesa, com a ressalva dos segredos comerciais de outras empresas, dos documentos internos da Comissão e de outras informações confidenciais.

Porém, a não comunicação de um documento apenas constitui violação dos direitos de defesa se a empresa em causa demonstrar, por um lado, que a Comissão se baseou nesse documento para fundamentar a sua acusação relativa à existência de uma infracção e, por outro, que essa acusação só poderia ser provada por referência ao dito documento. Em especial, incumbe‑lhe demonstrar que o resultado a que a Comissão chegou na sua decisão teria sido diferente se fosse afastado, enquanto meio de prova incriminatório, um documento não comunicado no qual a Comissão se baseou para incriminar essa empresa. Em contrapartida, quanto à não comunicação de um documento de defesa, a empresa em causa deve demonstrar unicamente que a sua não divulgação pôde influenciar, em seu prejuízo, o desenrolar do processo e o conteúdo da decisão da Comissão, na medida em que teria podido invocar elementos que não concordavam com as deduções feitas pela Comissão.

(cf. n.os 13, 22, 23)

2.        Para demonstrar a existência de uma infracção ao artigo 81.°, n.° 1, CE, é necessário que a Comissão apresente provas sérias, precisas e concordantes. Porém, as provas que esta apresenta não têm de necessariamente cumprir estes critérios relativamente a todos os elementos da infracção. Basta que o conjunto dos indícios apresentados por essa instituição, apreciados globalmente, satisfaça esta exigência.

Por conseguinte, mesmo admitindo que nenhum dos diferentes elementos de uma infracção, considerados separadamente, constitui um acordo ou uma prática concertada proibidos pelo artigo 81.°, n.° 1, CE, tal não obsta a que esses elementos, considerados no seu conjunto, consubstanciem um acordo ou uma prática desse tipo.

Com efeito, dado que a proibição de participar em práticas e acordos anticoncorrenciais e as sanções em que os infractores podem incorrer são do conhecimento geral, é normal que as actividades que essas práticas e acordos comportam decorram clandestinamente, que as reuniões se realizem secretamente, a maior parte das vezes em Estados terceiros, e que a respectiva documentação seja reduzida ao mínimo. Mesmo que a Comissão descubra documentos que comprovem de maneira explícita a existência de contactos ilegais entre os operadores, como as actas de uma reunião, esses documentos são normalmente fragmentados e dispersos, pelo que, muitas vezes, é necessário reconstituir por dedução determinados pormenores. Na maior parte dos casos, a existência de uma prática ou de um acordo anticoncorrencial deve ser inferida de um determinado número de coincidências e de indícios que, considerados no seu todo, podem constituir, na falta de outra explicação coerente, a prova de uma violação das regras da concorrência.

(cf. n.os 47‑49)

3.        O direito da concorrência da União visa as actividades das empresas. O conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do estatuto jurídico dessa entidade e do seu modo de financiamento. Inserido nesse contexto, este conceito deve ser entendido como designando uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou colectivas. A existência de uma unidade económica pode, assim, inferir‑se de um conjunto de elementos concordantes, mesmo que nenhum desses elementos, considerados isoladamente, baste para demonstrar a existência dessa unidade.

A circunstância de uma sociedade‑mãe não deter 100% do capital de uma filial não obsta à eventual existência de uma unidade económica na acepção do direito da concorrência.

(cf. n.os 64, 65, 82)

4.        Compete à parte ou à autoridade que alega a violação das regras da concorrência fazer a prova dessa violação e compete à empresa ou à associação de empresas que invoca o benefício de um meio de defesa contra o apuramento de uma infracção a essas regras fazer prova de que se encontram reunidas as condições de aplicação desse meio de defesa, pelo que a referida autoridade deverá, pois, recorrer a outros elementos de prova. Assim, mesmo que o ónus legal da prova caiba, segundo estes princípios, quer à Comissão quer à empresa ou à associação em causa, os elementos de facto invocados por uma parte podem ser de natureza a obrigar a outra parte a fornecer uma explicação ou uma justificação, sob pena de se poder concluir que o ónus da prova foi respeitado.

(cf. n.° 80)

5.        No que toca à aplicação das regras da concorrência, nenhuma norma de direito da União obriga o destinatário de uma comunicação de acusações a contestar os seus diferentes elementos de facto ou de direito durante o procedimento administrativo, sob pena de já não o poder fazer ulteriormente, na fase jurisdicional. Efectivamente, embora o reconhecimento expresso ou tácito de elementos de facto ou de direito por uma empresa, no decurso do procedimento administrativo na Comissão, possa constituir um elemento de prova adicional quando da apreciação do mérito de um recurso de carácter jurisdicional, tal reconhecimento não pode limitar o próprio exercício do direito de recurso para o Tribunal Geral, de que dispõem as pessoas singulares ou colectivas ao abrigo do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE.

Não havendo fundamento legal expressamente previsto para esse efeito, tal limitação é contrária aos princípios fundamentais da legalidade e do respeito dos direitos de defesa. De resto, o direito de intentar uma acção e de aceder a um tribunal imparcial é garantido pelo artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, TUE, possui o mesmo valor jurídico que os Tratados. Nos termos do artigo 52.°, n.° 1, dessa Carta, qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos por esse diploma deve estar prevista na lei.

(cf. n.os 89‑91)

6.        No quadro de um processo por violação das regras do direito da concorrência, para apurar se uma sociedade determina de modo autónomo o seu comportamento no mercado, há que ter em consideração todos os elementos pertinentes relativos aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos existentes entre esta e a sociedade do mesmo grupo que foi considerada responsável pela actuação desse grupo, que podem variar de caso para caso e que não podem ser objecto de uma enumeração exaustiva

No caso de um grupo de sociedades no topo do qual se encontram diversas pessoas, a Comissão não comete um erro de apreciação se considerar que uma dessas sociedades é a única responsável pela actuação das sociedades desse grupo, cujo conjunto constitui uma unidade económica. Com efeito, o facto de não haver, no topo do grupo, uma única pessoa não obsta a que uma sociedade seja considerada responsável pela actuação desse grupo. A estrutura jurídica específica de um grupo de sociedades que se caracteriza pelo facto de não ter no topo uma só pessoa não é determinante quando essa estrutura não reflecte o funcionamento efectivo e a organização real desse grupo. Em especial, a inexistência de vínculos jurídicos de subordinação entre duas sociedades que se encontram no topo do grupo não põe em causa a conclusão de que uma destas duas sociedades deve ser considerada responsável pela actuação do grupo, pois, na verdade, a segunda sociedade não determina autonomamente o seu comportamento no mercado em causa.

(cf. n.os 95, 98‑100, 107‑109)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

1 de Julho de 2010 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral – Acordos, decisões e práticas concertadas – Placas de estuque – Acesso ao processo – Meios de prova incriminatórios e ilibatórios – Conceito de ‘empresa’ – Unidade económica – Sociedade responsável pela acção da unidade económica – Argumento apresentado pela primeira vez durante o processo contencioso»

No processo C‑407/08 P,

que tem por objecto um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, interposto ao abrigo do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, entrado em 19 de Setembro de 2008,

Knauf Gips KG, anteriormente Gebrüder Knauf Westdeutsche Gipswerke KG, com sede em Iphofen (Alemanha), representada por M. Klusmann e S. Thomas, Rechtsanwälte,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por F. Castillo de la Torre e R. Sauer, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente de secção, P. Lindh, U. Lõhmus, A. Ó Caoimh e A. Arabadjiev (relator), juízes,

advogado‑geral: J. Mazák,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 22 de Outubro de 2009,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de Fevereiro de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        No presente recurso, a Knauf Gips KG, anteriormente Gebrüder Knauf Westdeutsche Gipswerke KG (a seguir «Knauf» ou «recorrente»), pede a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 8 de Julho de 2008, Knauf Gips/Comissão (T‑52/03, a seguir «acórdão recorrido»), que negou provimento ao recurso de anulação que interpôs da Decisão 2005/471/CE da Comissão, de 27 de Novembro de 2002, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE contra as empresas BPB PLC, Gebrüder Knauf Westdeutsche Gipswerke KG, Société Lafarge SA e Gyproc Benelux NV (Processo COMP/E‑1/37.152 – Placas de estuque) (JO 2005, L 166, p. 8, a seguir «decisão controvertida»).

 Quadro jurídico

2        O artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), dispõe:

«A Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas e associações de empresas multas de mil unidades de conta, no mínimo, a um milhão de unidades de conta, podendo este montante ser superior desde que não exceda dez por centro do volume de negócios realizado, durante o exercício social anterior, por cada uma das empresas que tenha participado na infracção sempre que, deliberada ou negligentemente:

a)      Cometam uma infracção ao disposto no n.° 1 do artigo [81.° CE] ou no artigo [82.° CE]

[…]»

 Factos na origem do litígio

3        No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância resumiu o quadro factual na origem do litígio que lhe foi submetido, nos seguintes termos:

«1      A recorrente, Knauf […], produz e comercializa materiais de construção à base de gesso.

2      A recorrente é uma sociedade em comandita de direito alemão. Todas as suas partes sociais estão na posse dos 21 membros da família Knauf e de uma sociedade que detém as partes dos outros quatro sócios. Os sócios gerentes pessoalmente responsáveis são B e C.

3      Na sequência das informações que obteve, a Comissão procedeu, em 25 de Novembro de 1998, a verificações inopinadas em oito empresas activas no sector das placas de estuque, entre as quais se encontravam a recorrente e outras empresas do grupo Knauf. Em 1 de Julho de 1999, prosseguiu com as suas investigações em mais duas empresas.

4      Em seguida, a Comissão enviou pedidos de informações, ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 […], às diversas empresas em causa, solicitando que essas informações versassem sobre documentos apreendidos nas instalações dessas empresas durante as verificações de Novembro de 1998 e de Julho de 1999. A Knauf respondeu a esse pedido em 14 de Setembro de 1999.

5      Em 18 de Abril de 2001, a Comissão desencadeou o procedimento administrativo e adoptou a comunicação de acusações relativa às empresas BPB plc [a seguir ‘BPB’], Knauf, société Lafarge SA (a seguir ‘Lafarge’), Etex SA e Gyproc Benelux NV (a seguir ‘Gyproc’) [a seguir ‘comunicação de acusações’]. As empresas em causa apresentaram, por escrito, as respectivas observações e foi‑lhes facultado o acesso ao processo de instrução da Comissão, sob a forma de cópia em CD‑ROM que lhes foi enviada em 17 de Maio de 2001.

6      A recorrente respondeu à comunicação de acusações por carta de 6 de Julho de 2001.

7      Procedeu‑se a audições em 17 de Julho de 2001. Foi à porta fechada que a BPB e a Gyproc apresentaram uma parte da sua exposição.

8      Por ofício de 10 de Agosto de 2001, o auditor enviou à recorrente versões não confidenciais de documentos da BPB e da Gyproc.

9      Por carta de 20 de Agosto de 2001, a recorrente solicitou acesso a todos os documentos do processo posteriores ao envio do CD‑ROM, nomeadamente às respostas que as outras empresas em causa no procedimento administrativo deram à comunicação de acusações.

10      Em 7 de Setembro de 2001, o auditor enviou à recorrente três documentos adicionais que a Lafarge tinha enviado à Comissão na sequência da audição de 17 de Julho de 2001.

11      Em 11 de Setembro de 2001, a Comissão indeferiu o pedido de 20 de Agosto de 2001 da recorrente, para lhe ser facultado o acesso a outros elementos do processo.

12      Em 19 de Novembro de 2002, o auditor adoptou o seu relatório.

13      Em 27 de Novembro de 2002, a Comissão adoptou a decisão [controvertida].

14      O dispositivo da decisão [controvertida] dispõe:

‘Artigo 1.°

A BPB […], o grupo Knauf, […] a Lafarge […] e a Gyproc […] violaram o artigo 81.°, n.° 1, [CE] ao participarem numa série de acordos e práticas concertadas no sector das placas de estuque.

A infracção teve a seguinte duração:

a)      BPB […]: de 31 de Março de 1992 até, no máximo, 25 de Novembro de 1998;

b)      [grupo] Knauf: de 31 de Março de 1992 até, no máximo, 25 de Novembro de 1998;

c)      […] Lafarge […]: de 31 de Agosto de 1992 até, no máximo, 25 de Novembro de 1998;

d)      Gyproc […]: de 6 de Junho de 1996 até, no máximo, 25 de Novembro de 1998;

[…]

Artigo 3.°

Pela infracção a que se refere o artigo 1.°, são aplicadas as seguintes coimas às empresas que se seguem:

a)      BPB […]: 138,6 milhões de euros;

b)      […] Knauf […]: 85,8 milhões de euros;

c)      […] Lafarge […]: 249,6 milhões de euros;

d)      Gyproc […]: 4,32 milhões de euros;

[…]’

15      A Comissão considera, na decisão [controvertida], que as empresas em causa participaram numa infracção única e continuada que se manifestou através dos seguintes comportamentos, constitutivos de acordos ou práticas concertadas:

–        os representantes da BPB e da Knauf encontraram‑se em Londres (Reino Unido), em 1992 [a seguir ‘reunião de Londres’], e manifestaram a vontade comum de estabilizar os mercados das placas de estuque na Alemanha, no Reino Unido, na França e no Benelux;

–        os representantes da BPB e da Knauf criaram, a partir de 1992, sistemas de troca de informações, a que aderiram a Lafarge e em seguida a Gyproc, sobre os seus volumes de vendas nos mercados alemão, do Reino Unido, francês e do Benelux;

–        os representantes da BPB, da Knauf e da Lafarge trocaram entre si, de antemão, por diversas vezes, informações sobre as subidas de preços no mercado do Reino Unido;

–        para fazer face à evolução específica do mercado alemão, os representantes da BPB, da Knauf, da Lafarge e da Gyproc encontraram‑se em Versalhes (França), em 1996, em Bruxelas (Bélgica), em 1997, e em Haia (Países Baixos), em 1998, a fim de repartirem entre si ou, pelo menos, de estabilizarem o mercado alemão;

–        os representantes da BPB, da Knauf, da Lafarge e da Gyproc trocaram informações entre si, por diversas vezes, e concertaram‑se sobre a aplicação de subidas de preços no mercado alemão, entre 1996 e 1998.

16      Para efeitos do cálculo do montante da coima, a Comissão aplicou a metodologia exposta nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir ‘orientações’).

17      Para efeitos da fixação do montante de partida das coimas, determinado em função da gravidade da infracção, a Comissão considerou, antes de mais, que as empresas em causa haviam cometido uma infracção que, pela sua própria natureza, era muito grave, dado que as práticas em causa visavam pôr termo à guerra de preços e estabilizar o mercado por meio da troca de informações confidenciais. A Comissão entendeu, além disso, que as práticas em causa tiveram impacto no mercado, pois as empresas em questão representam a quase totalidade da oferta de placas de estuque e as diversas manifestações do acordo foram postas em prática num mercado muito concentrado e oligopolista. Quanto à extensão do mercado geográfico em causa, a Comissão considerou que o acordo cobria os quatro principais mercados da Comunidade Europeia, ou seja, a Alemanha, o Reino Unido, a França e o Benelux.

18      Em seguida, por entender que existia uma grande disparidade entre as empresas em causa, a Comissão tratou‑as de forma diferenciada, baseando‑se, para esse efeito, no volume de negócios obtido com a venda do produto em causa, nos referidos mercados, no último ano completo da infracção. Assim, o montante de partida das coimas foi fixado em 80 milhões de euros, para a BPB, em 52 milhões de euros, para a Knauf e a Lafarge, e em 8 milhões de euros para a Gyproc.

19      Para que, dada a dimensão e os recursos globais das empresas, a coima fosse suficientemente dissuasiva, o montante de partida da coima aplicada à Lafarge sofreu um agravamento de 100%, passando para 104 milhões de euros.

20      A fim de atender à duração da infracção, o montante de partida foi ainda agravado em 65%, no que respeita à BPB e à Knauf, em 60%, no que respeita à Lafarge, e em 20%, no que respeita à Gyproc, visto a Comissão ter considerado, no caso da Knauf, da Lafarge e da BPB, que a infracção tinha sido de longa duração e, no caso da Gyproc, de duração média.

21      Quanto às circunstâncias agravantes, o montante de base das coimas aplicadas à BPB e à Lafarge sofreu um agravamento de 50%, por serem reincidentes.

22      Em seguida, a título das circunstâncias atenuantes, a Comissão desagravou em 25% a coima aplicada à Gyproc, em virtude de esta ter sido um elemento desestabilizador que contribuiu para limitar os efeitos do acordo no mercado alemão e de não ter estado presente no mercado do Reino Unido.

23      Por último, a Comissão, ao abrigo da secção D, n.° 2, da sua Comunicação sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (JO 1996, C 207, p. 4, […]), reduziu em 30% o montante da coima aplicada à BPB e em 40% o da aplicada à Gyproc. Assim, o montante final das coimas aplicadas foi de 138,6 milhões de euros, para a BPB, de 85,8 milhões de euros, para a Knauf, de 249,6 milhões de euros, para a Lafarge, e de 4,32 milhões de euros, para a Gyproc.»

 Acórdão recorrido

4        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 13 de Fevereiro de 2003, a Knauf interpôs recurso de anulação da decisão controvertida. A título subsidiário, solicitou ao Tribunal de Primeira Instância que reduzisse a coima que lhe foi aplicada.

5        No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância negou total provimento ao recurso.

 Pedidos das partes

6        No presente recurso, a Knauf solicita que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o acórdão recorrido;

–        a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância, para nova apreciação;

–        a título ainda mais subsidiário, reduzir adequadamente, em montante nunca inferior a 54,51 milhões de euros, a coima que lhe foi aplicada nos termos do artigo 3.° da decisão controvertida, e

–        condenar a Comissão nas despesas.

7        A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne negar provimento ao presente recurso e condenar a Knauf nas despesas.

 Quanto ao presente recurso

8        Em apoio do presente recurso, a Knauf apresenta três fundamentos, relativos à violação, em primeiro lugar, dos direitos de defesa, em segundo lugar, do artigo 81.° CE e, em terceiro lugar, do artigo 15.° do Regulamento n.° 17.

 Quanto ao primeiro fundamento do presente recurso: violação dos direitos de defesa

9        O presente fundamento divide‑se em duas partes, que importa apreciar por ordem.

 Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa à recusa de acesso aos meios de prova incriminatórios

–       Argumentos das partes

10      A Knauf contesta, no essencial, os n.os 49 e 50 do acórdão recorrido, porquanto o Tribunal de Primeira Instância teria ilegalmente desrespeitado a sua obrigação de examinar as consequências da recusa da Comissão de lhe facultar o acesso a determinados elementos de prova incriminatórios. Segundo afirma, a partir do momento em que identificara os elementos de prova incriminatórios não comunicados e as passagens da decisão controvertida que apenas se baseavam nesses elementos, não era necessária mais nenhuma indicação para concluir que, caso esses elementos não tivessem sido acolhidos, as passagens correspondentes da referida decisão teriam sido diferentes. Como essas passagens dizem respeito ao elemento material da infracção, considerada no seu conjunto, o resultado dessa decisão teria sido necessariamente diferente.

11      A Comissão considera que a primeira parte do fundamento é inoperante, pois, como decorre do n.° 63 do acórdão recorrido, põe em causa um argumento meramente subsidiário. Além disso, alega que a Knauf não demonstrou que o resultado a que a decisão controvertida conduziu teria sido diferente se a recorrente tivesse tido acesso aos documentos incriminatórios não comunicados.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

12      Sublinhe‑se que o Tribunal de Primeira Instância observou, no n.° 49 do acórdão recorrido, que, excepto no caso de alguns exemplos mais detalhados, a recorrente mais não fez do que enumerar os considerandos da decisão controvertida onde vêm referidos os documentos cujo acesso foi recusado, e concluiu que essa enumeração não bastava para dar cumprimento à obrigação, consagrada na jurisprudência, segundo a qual a recorrente deve demonstrar que o resultado a que a Comissão chegou nessa decisão teria sido diferente se os documentos em causa não tivessem sido aceites como meios de prova incriminatórios. Consequentemente, o Tribunal de Primeira Instância, tal como referiu no n.° 50 do mesmo acórdão, examinou a alegada violação do acesso aos documentos, enquanto meios de prova que continham elementos incriminatórios, à luz, apenas, das acusações expressamente formuladas pela recorrente.

13      A este respeito, recorde‑se que é jurisprudência assente que a não comunicação de um documento apenas constitui violação dos direitos de defesa se a empresa em causa demonstrar, por um lado, que a Comissão se baseou nesse documento para fundamentar a sua acusação relativa à existência de uma infracção e, por outro, que essa acusação só poderia ser provada por referência ao dito documento. Se houver outras provas documentais de que as partes tomaram conhecimento ao longo do procedimento administrativo, que sirvam especificamente de apoio às conclusões da Comissão, a eliminação, enquanto elemento de prova, do documento de acusação não comunicado não invalida a procedência das acusações formuladas na decisão impugnada. Assim, incumbe à empresa em questão demonstrar que o resultado a que a Comissão chegou na sua decisão teria sido diferente se fosse afastado, enquanto meio de prova incriminatório, um documento não comunicado no qual a Comissão se baseou para incriminar essa empresa (acórdão de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.os 71 a 73).

14      Ora, a simples enumeração dos considerandos da decisão controvertida onde vêm referidos os documentos aos quais o acesso foi recusado não basta para demonstrar, por si só, que o resultado a que a Comissão chegou nessa decisão teria sido diferente se esses documentos não tivessem sido aceites como meio de prova incriminatório.

15      Por conseguinte, a primeira parte do primeiro fundamento do presente recurso deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa à recusa de acesso aos meios de prova ilibatórios

–       Argumentos das partes

16      Em primeiro lugar, a Knauf acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter resumido incorrectamente, nos n.os 64 e 65 do acórdão recorrido, a sua argumentação relativa à recusa da Comissão de lhe autorizar o acesso a determinados meios de prova ilibatórios.

17      Em segundo lugar, a Knauf considera que, nos n.os 70 a 78 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância aplicou incorrectamente a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa aos elementos de prova ilibatórios. Assim, a recorrente não era obrigada a demonstrar que, se tivesse tido acesso às respostas que as outras empresas em causa deram à comunicação de acusações, a decisão controvertida teria tido um conteúdo diverso, mas apenas que lhe teria sido possível utilizar esses documentos em sua defesa. Ora, o Tribunal de Primeira Instância verificou se os meios de prova ilibatórios invocados pela recorrente poderiam ter repercussões no resultado da referida decisão.

18      Em terceiro lugar, a Knauf contesta a apreciação do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual a resposta da BPB à comunicação de acusações não incluía meios de prova ilibatórios. Alega que, de acordo com os princípios gerais em matéria de prova, as declarações produzidas pelas outras empresas interessadas constituem elementos de prova. Além disso, o facto de, no procedimento administrativo, a recorrente ter apresentado os mesmos argumentos não altera a natureza dessas declarações.

19      Por último, a recorrente acusa o Tribunal de Primeira Instância de não ter considerado determinadas passagens da resposta da BPB à comunicação de acusações, que ela tinha invocado enquanto elementos ilibatórios não comunicados.

20      A Comissão considera que o Tribunal de Primeira Instância fez uma correcta aplicação da jurisprudência do Tribunal de Justiça na matéria e que não desvirtuou a argumentação da recorrente.

21      Esta instituição também alega que a Knauf se limita a reproduzir os argumentos já apresentados no Tribunal de Primeira Instância, tentando assim obter uma nova apreciação das suas acusações pelo Tribunal de Justiça, o que tornaria a segunda parte do primeiro fundamento inadmissível. Além disso, a recorrente não tinha demonstrado como é que os referidos elementos de prova não divulgados poderiam ter sido úteis para a sua defesa.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

22      Corolário do princípio do respeito dos direitos de defesa, o direito de acesso ao processo implica que a Comissão deva facultar à empresa em causa a possibilidade de proceder a um exame de todos os documentos que figuram no processo de instrução e que possam ser pertinentes para a sua defesa. Estes incluem elementos de prova, tanto de acusação como de defesa, com a ressalva dos segredos comerciais de outras empresas, dos documentos internos da Comissão e de outras informações confidenciais (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, já referido, n.° 68 e jurisprudência aí indicada).

23      Quanto à não comunicação de um documento de defesa, é jurisprudência assente que a empresa em causa deve demonstrar unicamente que a sua não divulgação pôde influenciar, em seu prejuízo, o desenrolar do processo e o conteúdo da decisão da Comissão. Basta que a empresa demonstre que poderia ter feito uso dos referidos documentos de defesa, no sentido de que, se os pudesse ter invocado durante o procedimento administrativo, teria podido invocar elementos que não concordavam com as deduções feitas nessa fase pela Comissão e, consequentemente, teria podido influenciar, de uma maneira ou de outra, as apreciações feitas por esta instituição na eventual decisão, pelo menos no que respeita à gravidade e à duração do comportamento que lhe era censurado, e, portanto, o nível da coima (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, já referido, n.os 74 e 75 e jurisprudência aí indicada).

24      Conclui‑se que é à recorrente que cabe demonstrar não só que não teve acesso a determinados elementos de prova ilibatórios mas também que poderia ter utilizado esses elementos em sua defesa.

25      O Tribunal de Primeira Instância observou, a este respeito, nos n.os 72 a 77 do acórdão recorrido, que a recorrente não demonstrou que poderia utilizar os referidos documentos não divulgados na sua defesa, pois, no procedimento administrativo, apresentara uma argumentação igual à contida nesses documentos e essa argumentação tinha sido rejeitada pela Comissão na decisão controvertida. Foi com base nestes factos que o Tribunal de Primeira Instância pôde concluir, no n.° 78 desse acórdão, que, mesmo que a recorrente se pudesse servir desses documentos no procedimento administrativo, as apreciações efectuadas pela Comissão não podiam ser por eles influenciadas.

26      Ora, sublinhe‑se que a recorrente não põe em causa a apreciação do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual ela não tinha demonstrado que, no procedimento administrativo, poderia ter utilizado em sua defesa os documentos que não foram divulgados.

27      Por conseguinte, mesmo que se admita que os documentos em causa são elementos de prova ilibatórios, como afirma a recorrente, esta conclusão não é susceptível de acarretar a anulação do acórdão recorrido.

28      De igual modo, se for verdade, como a recorrente afirma, que o Tribunal de Primeira Instância aplicou erradamente, no n.° 74 do acórdão recorrido, a jurisprudência evocada no n.° 23 do presente acórdão, ao considerar que as informações contidas num documento ilibatório não dado a conhecer, ou seja, o ponto 4.2.1 da resposta da BPB à comunicação de acusações, não poderiam ter alterado o «resultado final» da decisão controvertida, esse erro não é susceptível de acarretar a anulação do acórdão recorrido, pois a recorrente não tentou demonstrar que poderia ter utilizado essas informações em sua defesa, à luz, designadamente, da conclusão do Tribunal de Primeira Instância de que a Comissão já havia atendido a esses argumentos na decisão.

29      Assim, deve declarar‑se que esta crítica é ineficaz.

30      A crítica relativa a uma alegada desvirtuação dos argumentos apresentados pela Knauf em primeira instância, que estariam incorrectamente sintetizados no n.° 65 do acórdão recorrido, também não pode vingar.

31      Efectivamente, um recorrente, quando alega desvirtuação dos seus próprios argumentos, deve indicar com precisão, por força do disposto nos artigos 256.° TFUE, 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e 112.°, n.° 1, primeiro parágrafo, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, os elementos que foram desvirtuados pelo Tribunal de Primeira Instância (v., por analogia, acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, já referido, n.° 50). Ora, a recorrente não identifica com precisão quais os seus argumentos que foram desvirtuados no acórdão recorrido.

32      De resto, como a recorrente não censura o Tribunal de Primeira Instância por não ter respondido aos fundamentos e pedidos que aí apresentou, a questão de saber se a síntese que fez da argumentação da recorrente estava incorrecta é irrelevante para efeitos da solução do presente processo.

33      Também não pode ser acolhida a alegação de que o Tribunal de Primeira Instância não tomou em consideração determinadas passagens da resposta da BPB à comunicação de acusações, nomeadamente os seus pontos 4.1.16 e 4.2.3.

34      Quanto ao ponto 4.1.16 da referida resposta, sublinhe‑se que a sua principal novidade residia na afirmação de que «a concorrência continuava intensa nos diversos mercados europeus», apesar do «alegado compromisso» assumido quando da reunião de Londres. Ora, a questão da persistência da concorrência foi examinada pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 72 e 75 do acórdão recorrido.

35      Quanto ao ponto 4.2.3 da resposta da BPB à comunicação de acusações, o Tribunal de Primeira Instância refere que os dados quantificados trocados entre essa sociedade e os seus concorrentes não faziam parte da planificação desta. Porém, quando, nos n.os 73 e 74 do acórdão recorrido, examinou as afirmações sobre o objecto dessa troca de informações, bem como o alegado facto de as informações assim trocadas não serem do conhecimento do Sr. D, administrador da Gyproc e presidente do conselho de administração da BPB, o Tribunal de Primeira Instância respondeu implicitamente ao argumento da recorrente.

36      Por conseguinte, a segunda parte do primeiro fundamento do presente recurso deve ser julgada improcedente.

37      Assim, o primeiro fundamento apresentado pela Knauf em apoio do presente recurso deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento do presente recurso: violação do artigo 81.°, n.° 1, CE

 Argumentos das partes

38      A Knauf alega que o Tribunal de Primeira Instância considerou existir uma violação do artigo 81.°, n.° 1, CE, ao basear‑se, nos n.os 140 a 298 do acórdão recorrido, em conclusões que retirou de elementos de prova incriminatórios não divulgados. Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância não teria respeitado a sua própria declaração, constante do n.° 63 do mesmo acórdão, segundo a qual, quando procedesse à apreciação do mérito da causa, não teria em consideração os referidos elementos incriminatórios.

39      Além disso, a recorrente considera que, mesmo tendo em conta os elementos de prova incriminatórios não divulgados, nenhum dos cinco elementos da infracção que lhe é imputada, ou seja, a reunião de Londres, em 1992, as trocas de informações sobre as quantidades vendidas na Alemanha, em França, no Benelux e no Reino Unido, de 1992 a 1998, as trocas de informações sobre as subidas de preços no Reino Unido, durante o mesmo período, os acordos sobre quotas de mercado na Alemanha (reuniões de Versalhes, de Bruxelas e de Haia), a partir de Junho de 1996, e os acordos sobre as subidas de preços na Alemanha, a partir de 1996, satisfaz os requisitos necessários para se poder concluir que houve infracção ao artigo 81.°, n.° 1, CE.

40      A Comissão considera que o segundo fundamento é globalmente inadmissível, porquanto apenas diz respeito a factos apurados pelo Tribunal de Primeira Instância.

41      Além disso, refere que a Knauf não contesta a existência de uma infracção única e continuada, na qual se funda a decisão controvertida. Ora, a existência de uma prática ou de um acordo anticoncorrencial deve resultar de um certo número de coincidências e de indícios que, no seu conjunto, podem constituir, na falta de outra explicação razoável, a prova da infracção às regras da concorrência.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

42      No que respeita à alegação de que o Tribunal de Primeira Instância, para concluir pela existência de uma infracção nos termos do artigo 81, n.° 1, CE, se fundou em conclusões que retirou de elementos de prova incriminatórios não divulgados, sublinhe‑se que a recorrente só sumariamente se referiu aos n.os 140 a 298 do acórdão recorrido, sem indicar com precisão os elementos de prova incriminatórios não divulgados em que aquele Tribunal baseou o seu raciocínio.

43      Ora, resulta dos artigos 256.° TFUE, 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e 112.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância deve indicar, de modo preciso, os elementos impugnados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente esse pedido (v., designadamente, acórdãos de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, Colect., p. I‑5291, n.° 34; de 8 de Janeiro de 2002, França/Monsanto e Comissão, C‑248/99 P, Colect., p. I‑1, n.° 68; e de 22 de Dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, Colect., p. I‑10515, n.° 121).

44      Esta alegação é, por conseguinte, inadmissível.

45      Quanto à alegação relativa à natureza de infracção de cada um dos cinco elementos da conduta imputada à recorrente, sublinhe‑se que o Tribunal de Primeira Instância declarou, no n.° 306 do acórdão recorrido, que resulta da decisão controvertida que «o conjunto dos acordos e práticas concertadas do presente caso se integram numa série de esforços desenvolvidos pelas empresas em causa, com um único objectivo económico, isto é, a restrição da concorrência, e constituem as diferentes manifestações de um acordo complexo e continuado que tem por objecto e efeito restringir a concorrência. Ao considerar que esses acordos e práticas concertadas consubstanciaram, ininterruptamente, de 1992 até 1998, a manifestação da vontade comum dessas empresas de, pelo menos, estabilizar e, consequentemente, restringir a concorrência nos mercados das placas de estuque alemão, francês, do Reino Unido e do Benelux, a Comissão qualificou a infracção como única, complexa e continuada». No n.° 321 do referido acórdão, o Tribunal de Primeira Instância considerou improcedentes as críticas da recorrente relativas à qualificação da concertação como infracção única e continuada.

46      A Knauf não contesta a conclusão do Tribunal de Primeira Instância relativa à existência de uma infracção única e continuada, apenas se limitando a afirmar que nenhum dos elementos constitutivos da infracção que lhe foi imputada sustenta uma violação do artigo 81.°, n.° 1, CE.

47      A este propósito, recorde‑se que, para demonstrar a existência de uma infracção ao artigo 81.°, n.° 1, CE, é necessário que a Comissão apresente provas sérias, precisas e concordantes (v., neste sentido, acórdão de 31 de Março de 1993, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, C‑89/85, C‑104/85, C‑114/85, C‑116/85, C‑117/85 e C‑125/85 a C‑129/85, Colect., p. I‑1307, n.° 127). Porém, as provas que esta apresenta não têm de necessariamente cumprir estes critérios relativamente a todos os elementos da infracção. Basta que o conjunto dos indícios apresentados por essa instituição, apreciados globalmente, satisfaça esta exigência.

48      Por conseguinte, mesmo admitindo que nenhum dos diferentes elementos da infracção em causa, considerados separadamente, constitui um acordo ou uma prática concertada proibidos pelo artigo 81.°, n.° 1, CE, como a recorrente alega, tal não obsta a que esses elementos, considerados no seu conjunto, consubstanciem um acordo ou uma prática desse tipo.

49      Com efeito, como o Tribunal de Justiça já declarou, dado que a proibição de participar em práticas e acordos anticoncorrenciais e as sanções em que os infractores podem incorrer são do conhecimento geral, é normal que as actividades que essas práticas e acordos comportam decorram clandestinamente, que as reuniões se realizem secretamente, a maior parte das vezes em Estados terceiros, e que a respectiva documentação seja reduzida ao mínimo. Mesmo que a Comissão descubra documentos que comprovem de maneira explícita a existência de contactos ilegais entre os operadores, como as actas de reuniões, esses documentos são normalmente fragmentados e dispersos, pelo que, muitas vezes, é necessário reconstituir por dedução determinados pormenores. Na maior parte dos casos, a existência de uma prática ou de um acordo anticoncorrencial deve ser inferida de um determinado número de coincidências e de indícios que, considerados no seu todo, podem constituir, na falta de outra explicação coerente, a prova de uma violação das regras da concorrência (v., neste sentido, acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, já referido, n.os 55 a 57).

50      Assim, esta alegação não pode ser acolhida.

51      Por conseguinte, há que rejeitar o segundo fundamento que a Knauf apresentou em apoio do presente recurso, por ser parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento do presente recurso: violação do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do artigo 81.° CE

 Argumentos das partes

52      A Knauf alega, a título preliminar, que resulta da letra do n.° 348 do acórdão recorrido que o Tribunal de Primeira Instância não fez prova de objectividade nem de imparcialidade, antes tendo, pelo contrário, feito um juízo antecipado de que lhe deveria ser aplicada uma coima pelos actos praticados pela Gebrüder Knauf Verwaltungsgesellschaft KG (a seguir «GKV») e as suas filiais, embora a conclusão segundo a qual estas tinham lucrado com a infracção em causa não estivesse minimamente fundamentada.

53      A recorrente considera que o Tribunal de Primeira Instância também violou o artigo 15.° do Regulamento n.° 17, ao concluir que existia uma unidade económica entre ela e as outras sociedades detidas pela família Knauf (a seguir «grupo Knauf») e ao responsabilizá‑la pela actuação destas.

54      A Knauf critica os elementos em que o Tribunal de Primeira Instância se fundou para concluir que existia uma unidade económica entre a Knauf, a GKV e as suas filiais. Em especial, o acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão (C‑286/98 P, Colect., p. I‑9925), não é aplicável ao caso vertente, pois a recorrente não é dominada nem domina outra sociedade. Além disso, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Dezembro de 2003, Minoan Lines/Comissão (T‑66/99, Colect., p. II‑5515), a que o mesmo Tribunal se referiu nos n.os 350, 351 e 355 do acórdão recorrido, também não é aplicável, pois esse acórdão diz respeito a relações de concessão de exploração comercial. O mesmo acontece com o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, HFB e o./Comissão (T‑9/99, Colect., p. II‑1487), na medida em que a existência de uma unidade económica se baseava, nesse acórdão, na detenção, por um sócio, de todas as partes sociais das diferentes sociedades, ao passo que, no presente caso, a recorrente e a GKV são detidas por 22 pessoas, sendo cada uma delas detentora de uma participação minoritária.

55      A existência de uma unidade económica também não pode decorrer do facto de os inúmeros sócios pertencentes à família Knauf exercerem um controlo comum sobre a recorrente e as outras sociedades do grupo do mesmo nome, pois esse controlo comum está excluído quando entre os sócios sejam possíveis alterações de maioria ou maiorias variáveis. O pacto de família de 9 de Dezembro de 1994 (a seguir «pacto de família»), referido pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 349 do acórdão recorrido, não submete as sociedades em causa a um controlo comum. A este propósito, a Knauf considera que o acórdão recorrido é contrário à jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente ao seu acórdão de 2 de Outubro de 2003, Aristrain/Comissão (C‑196/99 P, Colect., p. I‑11005), no qual se declarou que o mero facto de o capital social de duas sociedades comerciais distintas se encontrar nas mãos de uma mesma pessoa ou de uma mesma família não basta, por si só, para demonstrar a existência de uma unidade económica entre essas duas sociedades.

56      Além disso, o facto de os mesmos sócios serem os gestores de todas as sociedades do grupo Knauf e de as terem representado durante todo o período de duração da infracção é irrelevante. O mesmo acontece com as trocas de informações entre as sociedades desse grupo, a comunicação dos volumes de negócios no âmbito do procedimento administrativo, o facto de a maior parte dos documentos encontrados durante as investigações terem sido redigidos em papel timbrado da Knauf, contendo as suas coordenadas, e com a circunstância de esta ter sido o interlocutor durante o procedimento administrativo.

57      Quanto à responsabilização da recorrente pelas actuações do grupo Knauf, esta critica o n.° 356 do acórdão recorrido, alegando que o facto de ser a única sociedade não gerida pela GKV não explica por que é que a coima não foi aplicada a esta última, mas apenas a si.

58      A Knauf alega que existe uma contradição entre, por um lado, a afirmação, constante do n.° 357 do acórdão recorrido, segundo a qual terá coordenado as actividades operacionais do grupo Knauf no mercado pertinente e, por outro, a contida no n.° 337 do dito acórdão, nos termos da qual «não há, à cabeça [do grupo Knauf], uma pessoa a quem, como responsável pela coordenação da acção do grupo, possam ser imputadas as infracções cometidas pelas diferentes sociedades que o compõem».

59      Por último, a recorrente critica os n.os 359 e 360 do acórdão recorrido, nos termos dos quais deveria ter contestado, no decurso do procedimento administrativo, a conclusão segundo a qual constituía uma unidade económica com as outras sociedades do grupo Knauf, sob pena de já não o poder fazer no Tribunal de Primeira Instância. Em seu entender esta conclusão viola o princípio do in dubio pro reo.

60      A Comissão contesta o conjunto dos argumentos apresentados pela recorrente no quadro do terceiro fundamento invocado em apoio do presente recurso, alegando que as conclusões a que o Tribunal de Primeira Instância chegou a propósito da existência de uma unidade económica não enfermam de nenhum erro de direito.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

61      Quanto à crítica relativa a uma alegada falta de objectividade e de imparcialidade do Tribunal de Primeira Instância, por ter chegado à conclusão, no n.° 348 do acórdão recorrido, de que as filiais da GKV beneficiaram com a infracção em causa, recorde‑se que o Tribunal de Justiça não é competente, no quadro de um recurso como o em apreço, para proceder ao apuramento dos factos nem, em princípio, para analisar as provas que o Tribunal de Primeira Instância considerou sustentarem esses factos. A apreciação dos factos e dos elementos de prova submetidos ao Tribunal de Primeira Instância não constitui, portanto, excepto em caso de desvirtuamento desses elementos, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (acórdão de 3 de Setembro de 2009, Papierfabrik August Koehler e o./Comissão, C‑322/07 P, C‑327/07 P e C‑338/07 P, Colect., p. I‑0000, n.° 52 e jurisprudência aí indicada).

62      Como a recorrente não alegou um desvirtuamento dos elementos de prova em que o Tribunal de Primeira Instância se fundou para chegar à conclusão, constante do n.° 348 do acórdão recorrido, segundo a qual as filiais da GKV beneficiaram com a infracção em causa, a sua crítica visa, na verdade, obter uma nova apreciação desses elementos de prova, o que não é da competência do Tribunal de Justiça. Assim, esta crítica deve ser julgada inadmissível.

63      Quanto à crítica relativa a uma violação do artigo 15.° do Regulamento n.° 17, refira‑se que a Knauf contesta tanto a conclusão do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual a GKV e as suas filiais, por um lado, e a recorrente, por outro, constituem uma unidade económica, na acepção do direito da concorrência, como aquela segundo a qual ela é a sociedade responsável pela actuação do grupo Knauf.

64      No que respeita à questão da existência de uma unidade económica, recorde‑se que é de jurisprudência assente que o direito da concorrência da União visa as actividades das empresas e que o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do estatuto jurídico dessa entidade e do seu modo de financiamento. O conceito de empresa, inserido nesse contexto, deve ser entendido como designando uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou colectivas (acórdão de 10 de Setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑97/08 P, Colect., p. I‑0000, n.os 54 e 55 e jurisprudência aí indicada).

65      A existência de uma unidade económica pode, assim, inferir‑se de um conjunto de elementos concordantes, mesmo que nenhum desses elementos, considerados isoladamente, baste para demonstrar a existência dessa unidade.

66      No presente caso, foi com base num conjunto de elementos que o Tribunal de Primeira Instância concluiu existir uma unidade económica. Assim, no n.° 344 do acórdão recorrido, concluiu, em primeiro lugar, que os sócios da recorrente e das outras sociedades na posse da família Knauf, designadamente os da GKV, são os mesmos, ou seja, 21 pessoas singulares da referida família e uma sociedade de que são sócios outros quatro membros dessa família.

67      Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância sublinhou, no n.° 345 do acórdão recorrido, que os sócios‑gerentes da Knauf, ou seja, os Srs. B e C, também são sócios‑gerentes de todas as sociedades do grupo Knauf.

68      Em terceiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância, ao mesmo tempo que observa, no n.° 347 do acórdão recorrido, que a GKV possui participações em diversas sociedades activas no mercado das placas de estuque e controladas pela família Knauf, sublinhou, no n.° 348 do mesmo acórdão, que essa sociedade mais não é do que uma holding, sem pessoal, que gere as sociedades de participação que detém por conta dos 22 sócios que a detêm e que depende dos gestores e das instalações da recorrente.

69      Em quarto lugar, o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 349 do acórdão recorrido, teve em atenção o pacto de família, cujo n.° 2 da cláusula 1 determina que o seu objecto é garantir uma administração e uma gestão únicas das sociedades do grupo Knauf. Por força dos n.os 3 e 4 da mesma cláusula, o referido pacto também tem por objecto garantir o exercício único e concentrado dos direitos das sociedades em todo o grupo e a tomada de decisões no que respeita à direcção, gestão, organização e forma jurídica da sociedade, de modo a que o seu funcionamento não possa ser dificultado por um único sócio ou por apenas alguns deles. Entre essas sociedades figuram nomeadamente, de acordo com o disposto na cláusula 2 do dito pacto, a Knauf e a GKV.

70      Em quinto lugar, o Tribunal de Primeira Instância referiu, no n.° 346 do acórdão recorrido, que a globalidade dos valores das vendas da recorrente trocados no quadro da infracção em causa era relativo ao conjunto das sociedades do grupo Knauf activas no mercado das placas de estuque e que de nenhum elemento dos autos resultava que os Srs. B e C não representaram o grupo nas diferentes manifestações da infracção.

71      Por último, resulta do n.° 347 do acórdão recorrido que a própria recorrente informou a Comissão, sem esta lho pedir, do volume de negócios global do grupo Knauf, na resposta que deu, em 19 de Setembro de 2002, ao pedido de informações que lhe fora apresentado ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento n.° 17.

72      Foi com base no conjunto destes elementos que o Tribunal de Primeira Instância pôde correctamente concluir, no n.° 350 do acórdão recorrido, que as sociedades pertencentes à família Knauf constituem uma entidade económica única.

73      Quanto à circunstância, expressamente invocada pela Knauf, segundo a qual tanto ela como a GKV são detidas por 22 sócios, nenhum deles possuindo a maioria das partes sociais ou dos votos, o que permite a formação de maiorias variáveis nas diferentes sociedades do grupo Knauf, observe‑se que o Tribunal de Primeira Instância só atendeu ao facto de todas essas sociedades estarem na posse dos mesmos 22 sócios, que, aliás, são membros da família Knauf, por se tratar de apenas um dos elementos susceptíveis de demonstrar a existência de uma unidade económica. De resto, a possibilidade de formação de maiorias variáveis no interior de um grupo de sociedades não obsta, por si só, à existência de uma entidade económica única.

74      Contrariamente ao que a Knauf afirma, o Tribunal de Primeira Instância também não contrariou o acórdão Aristrain/Comissão, já referido. Com efeito, no n.° 99 desse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o simples facto de o capital social de duas sociedades comerciais distintas pertencer a uma só pessoa ou a uma só família não basta, enquanto tal, para provar a existência de uma unidade económica entre essas duas sociedades. Ora, como referido no número anterior, o Tribunal de Primeira Instância não se fundou apenas no facto de as sociedades do grupo Knauf estarem na posse de uma só família, para chegar à conclusão de que existia uma unidade económica.

75      A Knauf também contesta a pertinência do pacto de família a que o Tribunal de Primeira Instância se referiu no n.° 349 do acórdão recorrido. Segundo afirma, esse pacto apenas visa permitir que, no futuro, as participações que constituem o capital social das sociedades do grupo Knauf fiquem na posse dos membros da família Knauf. Além disso, também visa impedir que essas sociedades sejam dominadas por determinados sócios ou grupos de sócios.

76      Mesmo admitindo que o referido pacto de família persegue efectivamente objectivos do tipo dos mencionados no número anterior, acontece que a recorrente não contesta que o objecto desse pacto, expressamente indicado no n.° 2 da cláusula 1, é «garantir uma administração e uma gestão únicas das empresas Knauf».

77      A recorrente considera, além disso, que a circunstância de os Srs. B e C serem gestores de todas as sociedades do grupo Knauf é irrelevante para efeitos da existência de uma unidade económica, porquanto esse facto não obsta a que as diferentes sociedades desse grupo sejam autónomas na perspectiva do direito da concorrência. Porém, o facto de as referidas sociedades serem geridas pelos mesmos dois sócios permite garantir, efectivamente, a sua administração e gestão únicas, na acepção do n.° 2 da cláusula 1 do pacto de família.

78      Quanto à troca dos valores das vendas do conjunto das sociedades do grupo Knauf activas no mercado das placas de estuque no quadro da infracção em causa, sublinhe‑se que, contrariamente ao que a recorrente sustenta, esta circunstância constitui mais uma prova de que essas sociedades actuavam, pelo menos enquanto a infracção durou, como uma unidade económica dotada de um interesse comum.

79      A alegação de que o Tribunal de Primeira Instância violou o princípio do in dubio pro reo, ao considerar, no n.° 346 do acórdão recorrido, que dos elementos dos autos não resulta que os Srs. B e C não representaram o grupo Knauf no quadro da infracção, também não pode vingar. Com efeito, no n.° 346, o Tribunal de Primeira Instância apenas concluiu que os elementos de prova que lhe foram apresentados revelam que os Srs. B e C desempenharam um papel de representação desse grupo, no âmbito da infracção, e que não lhe foi apresentado nenhum elemento passível de desmentir essa conclusão.

80      A este propósito, deve recordar‑se a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual é à parte ou à autoridade que alega uma violação das regras da concorrência que cabe provar essa violação, e compete à empresa ou à associação de empresas que invoca o benefício de um meio de defesa contra o apuramento de uma infracção fazer prova de que se encontram reunidas as condições de aplicação desse meio de defesa, pelo que a referida autoridade deverá, pois, recorrer a outros elementos de prova. Assim, mesmo que o ónus legal da prova caiba, segundo estes princípios, quer à Comissão quer à empresa ou à associação em causa, os elementos de facto invocados por uma parte podem ser de natureza a obrigar a outra parte a fornecer uma explicação ou uma justificação, sob pena de se poder concluir que o ónus da prova foi respeitado (v. acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, já referido, n.os 78 e 79).

81      A Knauf também alega que alguns dos acórdãos em que o Tribunal de Primeira Instância se fundou para proferir o acórdão recorrido não são pertinentes.

82      Quanto ao acórdão Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, já referido, note‑se que o Tribunal de Primeira Instância só o mencionou para chegar à conclusão de que existia uma unidade económica. Além disso, o facto de, no presente litígio, não se tratar de uma filial detida a 100% por uma sociedade‑mãe, contrariamente ao que ocorria no processo que esteve na origem do referido acórdão, não obsta à eventual existência de uma unidade económica na acepção do direito da concorrência.

83      Quanto ao acórdão Minoan Lines/Comissão, já referido, sublinhe‑se que o Tribunal de Primeira Instância apenas o citou como elemento de referência para sustentar considerações de carácter geral em matéria de concorrência, sem proceder a uma qualquer analogia entre as circunstâncias específicas do processo que esteve na origem desse acórdão e as do presente processo.

84      Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância recordou, nos n.os 350, 351 e 355 do acórdão recorrido, referindo‑se a jurisprudência assente, que o conceito de empresa em direito da concorrência deve ser entendido como designando uma unidade económica do ponto de vista do objecto do acordo em causa, mesmo se, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica for constituída por várias pessoas singulares ou colectivas, e que essa entidade económica consiste numa organização unitária de elementos pessoais, materiais e incorpóreos que prosseguem, de forma duradoura, um objectivo económico determinado, organização esta que pode concorrer para a prática de uma das infracções previstas no artigo 81.°, n.° 1, CE. O Tribunal de Primeira Instância também referiu que, quando um grupo de sociedades constitui uma única e mesma empresa, a Comissão pode imputar a responsabilidade por uma infracção cometida por essa empresa à sociedade responsável pela acção do grupo no quadro da infracção e aplicar‑lhe uma coima.

85      O mesmo acontece com o acórdão HFB e o./Comissão, já referido, pois resulta do n.° 343 do acórdão recorrido que o Tribunal de Primeira Instância só a título exemplificativo se referiu a esse acórdão, para ilustrar a pertinência, para efeitos da apreciação da existência de uma unidade económica, de determinados elementos de facto, como a ocupação, pela mesma pessoa, de lugares‑chave nos órgãos de gestão das sociedades do grupo e o facto de essa pessoa ter representado, nas reuniões do clube dos directores, as diferentes sociedades e de a estas só ter sido atribuída uma quota única no quadro do cartel.

86      Resulta das considerações que precedem que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito, ao entender que as sociedades da família Knauf constituem uma unidade económica.

87      Quanto ao papel da recorrente no grupo Knauf, o Tribunal de Primeira Instância observou, no n.° 358 do acórdão recorrido, que ela se tinha apresentado, no procedimento administrativo, como o único interlocutor da Comissão e que nunca contestou essa qualidade ao longo do referido procedimento. No n.° 359 do mesmo acórdão, o Tribunal de Primeira Instância sublinhou que, embora a Comissão, na comunicação de acusações, tivesse considerado que a infracção dizia respeito a todo o grupo Knauf e que, com base nas informações contidas nessa comunicação, a recorrente não podia ignorar que podia ser a destinatária de uma decisão final da Comissão, acabou por lhe responder sem pôr em causa o seu papel de sociedade responsável pela actuação do referido grupo no quadro da infracção.

88      O Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 360 do acórdão recorrido, que, sendo assim, a recorrente deveria ter reagido durante o procedimento administrativo, sob pena de já não o poder fazer, demonstrando que, apesar dos elementos considerados provados pela Comissão, a infracção cometida pelas sociedades do grupo Knauf não lhe era imputável.

89      Sublinhe‑se, a este propósito, tal como a recorrente correctamente alega, que, no que toca à aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE, nenhuma norma de direito da União obriga o destinatário da comunicação de acusações a contestar os seus diferentes elementos de facto ou de direito durante o procedimento administrativo, sob pena de já não o poder fazer ulteriormente, na fase jurisdicional.

90      Efectivamente, embora o reconhecimento expresso ou tácito de elementos de facto ou de direito por uma empresa, no decurso do procedimento administrativo na Comissão, possa constituir um elemento de prova adicional quando da apreciação do mérito de um recurso de carácter jurisdicional, tal reconhecimento não pode limitar o próprio exercício do direito de recurso para o Tribunal de Primeira Instância, de que dispõem as pessoas singulares ou colectivas ao abrigo do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE.

91      Não havendo fundamento legal expressamente previsto para esse efeito, tal limitação é contrária aos princípios fundamentais da legalidade e do respeito dos direitos de defesa. Cabe, além disso, referir que o direito de intentar uma acção e de aceder a um tribunal imparcial é garantido pelo artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, TUE, possui o mesmo valor jurídico que os Tratados. Nos termos do artigo 52.°, n.° 1, dessa Carta, qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos por esse diploma deve estar prevista na lei.

92      Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito, ao considerar que cabia à Knauf reagir durante o procedimento administrativo, sob pena de já não o poder fazer nos órgãos jurisdicionais da União.

93      Assim, há que, por um lado, anular o acórdão recorrido, por o Tribunal de Primeira Instância ter considerado, no n.° 362 desse acórdão, que a recorrente era a sociedade responsável pela actuação do grupo Knauf no quadro da infracção e, por outro, negar provimento ao recurso quanto ao demais.

 Quanto ao fundamento do recurso para o Tribunal de Primeira Instância, relativo à violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17

94      Nos termos do artigo 61.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal de Primeira Instância. Pode, nesse caso, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado. É o que acontece no presente caso.

95      Quanto ao papel da recorrente no seio do grupo Knauf, importa examinar se a Comissão cometeu um erro de apreciação ao tê‑la considerado a única responsável pela actuação das sociedades desse grupo, cujo conjunto constitui uma unidade económica, como se apurou no n.° 86 do presente acórdão.

96      Resulta do organigrama fornecido pela recorrente em resposta a uma questão que lhe fora colocada por escrito pelo Tribunal de Primeira Instância que, em 2001, se encontravam três sociedades no topo desse grupo: a recorrente, a GKV e a Knauf Fiber Glass GmbH. Todavia, esta última, cujo centro de actividades está localizado nos Estados Unidos, não actuava no mercado das placas de estuque.

97      Esse mesmo organigrama revela que a GKV detém, directa ou indirectamente, dezenas de sociedades, muitas das quais actuam no referido mercado.

98      Assim, importa apurar se a Comissão podia imputar à Knauf a responsabilidade pela infracção em causa, e não à GKV.

99      Seria esse o caso se esta última não determinasse autonomamente o seu comportamento no mercado em causa.

100    Para apurar se uma sociedade determina de modo autónomo o seu comportamento no mercado, há que ter em consideração todos os elementos pertinentes relativos aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos existentes entre esta e a sociedade do mesmo grupo que foi considerada responsável pela actuação desse grupo, que podem variar de caso para caso e que não podem ser objecto de uma enumeração exaustiva (v., por analogia, acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.° 74).

101    No caso concreto, em primeiro lugar, é certo que a GKV é apenas uma sociedade holding, sem pessoal, que gere as sociedades de participação que detém por conta dos 22 sócios que a possuem, não sendo esta conclusão posta em causa pela Knauf.

102    Em segundo lugar, resulta do n.° 497 da decisão controvertida que a GKV depende da Knauf, tanto relativamente às suas instalações como, pelo menos em parte, no que respeita ao pessoal; este facto também não é posto em causa pela recorrente.

103    Em terceiro lugar, é certo que a Knauf é a única sociedade do grupo Knauf activa no mercado em causa que não é gerida pela GKV.

104    Em quarto lugar, a maioria dos documentos do grupo Knauf apreendidos pela Comissão durante as investigações foram redigidos em papel timbrado da recorrente, com as suas coordenadas. Mesmo admitindo que esta sociedade possa alegar, como fez no âmbito do presente recurso, que esses documentos foram fotocopiados por acaso ou seleccionados intencionalmente pelos funcionários da Comissão incumbidos da investigação, a verdade é que não juntou ao processo nenhum elemento susceptível de escorar essa tese.

105    Em quinto lugar, segundo o organigrama referido no n.° 96 do presente acórdão, entre as sociedades do grupo Knauf activas no mercado das placas de estuque, a recorrente é a sociedade cujo volume de negócios pertinente é, de longe, o mais elevado. Esta circunstância revela que goza de uma importância maior no seio desse grupo, pelo menos no que respeita a esse mercado.

106    Resulta das considerações que precedem que, na verdade, a GKV não determina autonomamente o seu comportamento no referido mercado, dependendo da Knauf para o efeito.

107    Contrariamente ao que esta última alega, o facto de não haver, no topo do grupo Knauf, uma única pessoa não obsta a que a recorrente seja considerada responsável pela actuação desse grupo.

108    Com efeito, a estrutura jurídica específica de um grupo de sociedades que se caracteriza pelo facto de não ter no seu topo uma só pessoa não é determinante quando essa estrutura não reflecte o funcionamento efectivo e a organização real desse grupo.

109    Por conseguinte, a inexistência de vínculos jurídicos de subordinação entre a recorrente e a GKV não é susceptível de pôr em causa a conclusão de que a primeira destas duas sociedades deve ser considerada responsável pela actuação do grupo Knauf, pois é certo que, na verdade, a GKV não determina autonomamente o seu comportamento no mercado das placas de estuque.

110    Conclui‑se que a Comissão não cometeu um erro de apreciação ao entender que a recorrente devia ser considerada responsável pelo conjunto das actuações do grupo Knauf.

111    Assim, o quarto fundamento do recurso que a recorrente interpôs no Tribunal de Primeira Instância, relativo à violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, deve ser julgado improcedente.

 Quanto às despesas

112    Nos termos do artigo 122.°, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

113    Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do mesmo regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.°, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Todavia, por força do artigo 69.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do mesmo diploma, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal de Justiça pode determinar que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

114    No caso concreto, dado que a Knauf e a Comissão foram parcialmente vencidas no quadro do presente recurso, há que decidir que cada uma delas suporte as suas próprias despesas relativas ao presente processo.

115    Em contrapartida, como o recurso de anulação interposto pela Knauf foi julgado improcedente, há que confirmar o n.° 2 da parte decisória do acórdão recorrido no que respeita às despesas relativas ao processo em primeira instância.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)      O acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 8 de Julho de 2008, Knauf Gips/Comissão (T‑52/03), é anulado na parte em que imputa à Knauf Gips KG a responsabilidade pelas infracções cometidas pelas sociedades que constituem o grupo Knauf.

2)      Quanto ao restante, é negado provimento ao presente recurso.

3)      O recurso de anulação que a Knauf Gips KG interpôs da Decisão 2005/471/CE da Comissão, de 27 de Novembro de 2002, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE contra as empresas BPB PLC, Gebrüder Knauf Westdeutsche Gipswerke KG, Société Lafarge SA e Gyproc Benelux NV (Processo COMP/E‑1/37.152 – Placas de estuque), é julgado improcedente.

4)      Cada parte suportará as suas próprias despesas relativas à presente instância, e a totalidade das despesas relativas ao processo em primeira instância continuam a cargo da Knauf Gips KG.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.

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