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Dokument 62023CJ0376
Judgment of the Court (Fifth Chamber) of 16 January 2025.#‘BALTIC CONTAINER TERMINAL’ SIA v Valsts ieņēmumu dienests.#Request for a preliminary ruling from the Augstākā tiesa (Senāts).#Reference for a preliminary ruling – Customs union – Regulation (EU) No 952/2013 – Union Customs Code – Delegated Regulation (EU) 2015/2446 – Implementing Regulation (EU) 2015/2447 – Free zones – Change of customs status of non-Union goods to Union goods – Records of the holder of an authorisation to carry on activities in a free zone – Legitimate expectations – Res judicata.#Case C-376/23.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 16 de janeiro de 2025.
«BALTIC CONTAINER TERMINAL» SIA contra Valsts ieņēmumu dienests.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Augstākā tiesa (Senāts).
Reenvio prejudicial – União aduaneira – Regulamento (UE) n.° 952/2013 – Código Aduaneiro da União – Regulamento Delegado (UE) 2015/2446 – Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 – Zonas francas – Alteração do estatuto aduaneiro de mercadorias não‑UE para mercadorias UE – Registos do titular de uma autorização de exercer atividades numa zona franca – Confiança legítima – Autoridade de caso julgado.
Processo C-376/23.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 16 de janeiro de 2025.
«BALTIC CONTAINER TERMINAL» SIA contra Valsts ieņēmumu dienests.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Augstākā tiesa (Senāts).
Reenvio prejudicial – União aduaneira – Regulamento (UE) n.° 952/2013 – Código Aduaneiro da União – Regulamento Delegado (UE) 2015/2446 – Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 – Zonas francas – Alteração do estatuto aduaneiro de mercadorias não‑UE para mercadorias UE – Registos do titular de uma autorização de exercer atividades numa zona franca – Confiança legítima – Autoridade de caso julgado.
Processo C-376/23.
Euroopa kohtulahendite tunnus (ECLI): ECLI:EU:C:2025:20
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)
16 de janeiro de 2025 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — União aduaneira — Regulamento (UE) n.o 952/2013 — Código Aduaneiro da União — Regulamento Delegado (UE) 2015/2446 — Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 — Zonas francas — Alteração do estatuto aduaneiro de mercadorias não‑UE para mercadorias UE — Registos do titular de uma autorização de exercer atividades numa zona franca — Confiança legítima — Autoridade de caso julgado»
No processo C‑376/23,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal, Letónia), por Decisão de 14 de junho de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de junho de 2023, no processo
«BALTIC CONTAINER TERMINAL» SIA
contra
Valsts ieņēmumu dienests,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
composto por: I. Jarukaitis, presidente da Quarta Secção, exercendo funções de presidente da Quinta Secção, D. Gratsias (relator) e E. Regan, juízes,
advogado‑geral: J. Kokott,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
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em representação da «BALTIC CONTAINER TERMINAL» SIA, por D. Kiseļevs e A. Zieds, valdes locekļi, |
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– |
em representação do Governo Letão, por E. Bārdiņš, J. Davidoviča e K. Pommere, na qualidade de agentes, |
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– |
em representação da Comissão Europeia, por E. Kalniņš e F. Moro, na qualidade de agentes, |
ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 11 de julho de 2024,
profere o presente
Acórdão
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1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação:
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2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a «BALTIC CONTAINER TERMINAL» SIA (a seguir «Baltic Container») ao Valsts ieņēmumu dienests (Administração Fiscal, Letónia) a respeito do pagamento de direitos de importação e do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) relativos a mercadorias que saíram da zona franca do porto de Riga (Letónia). |
Quadro jurídico
Direito da União
Código Aduaneiro da União
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3 |
O artigo 5.o do Código Aduaneiro da União, sob a epígrafe «Definições», prevê: «Para efeitos do Código, entende‑se por: […]
[…]
[…]
[…]» |
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4 |
O artigo 79.o deste código, sob a epígrafe «Constituição da dívida aduaneira por incumprimento», prevê: «1. Relativamente às mercadorias passíveis de direitos de importação, é facto constitutivo da dívida aduaneira na importação o incumprimento de:
[…] 3. Nos casos a que se refere o n.o 1, alíneas a) e b), são devedoras:
[…]» |
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5 |
O artigo 158.o, n.o 1, do referido código, sob a epígrafe «Declaração aduaneira das mercadorias e fiscalização aduaneira das mercadorias UE», dispõe: «Qualquer mercadoria destinada a ser sujeita a um regime aduaneiro, exceto o regime de zona franca, deve ser objeto de uma declaração aduaneira específica para o regime aduaneiro em causa.» |
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6 |
O artigo 188.o do mesmo código, sob a epígrafe «Alteração de uma declaração aduaneira», prevê: «Para a conferência da exatidão dos elementos de uma declaração aduaneira que tenha sido aceite, as autoridades aduaneiras podem:
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7 |
O artigo 201.o do Código Aduaneiro da União, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação e efeito», que faz parte do seu título VI, ele próprio intitulado «Introdução em livre prática e isenção de direitos de importação», dispõe: «1. As mercadorias não‑UE destinadas ao mercado da União ou destinadas a uso ou consumo privados no território aduaneiro da União devem ser introduzidas em livre prática. 2. A introdução em livre prática implica:
[…] 3. A introdução em livre prática confere o estatuto aduaneiro de mercadorias UE às mercadorias não‑UE.» |
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8 |
O título VII do mesmo código diz respeito aos regimes aduaneiros especiais. O capítulo I deste título VII, que inclui os artigos 210.o a 225.o deste código, estabelece as disposições gerais relativas a esses regimes aduaneiros especiais. |
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9 |
O artigo 210.o do referido código, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe: «As mercadorias podem ser sujeitas a qualquer das seguintes categorias de regimes especiais: […]
[…]» |
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10 |
O artigo 211.o, n.o 1, alínea b), da referida lei tem a seguinte redação: «É necessária uma autorização das autoridades aduaneiras para: […]
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11 |
O artigo 214.o do Código Aduaneiro da União, sob a epígrafe «Registos», prevê: «1. Exceto no que respeita ao regime de trânsito, e salvo disposição em contrário, o titular da autorização, o titular do regime e todas as pessoas que exerçam atividades de armazenamento, de fabrico ou de aperfeiçoamento de mercadorias, ou de compra ou venda de mercadorias numa zona franca, devem manter registos adequados sob uma forma aprovada pelas autoridades aduaneiras. Os registos devem conter as informações e os elementos que permitam às autoridades aduaneiras assegurar a fiscalização do regime em causa, nomeadamente a identificação das mercadorias a ele sujeitas, bem como o estatuto aduaneiro e a circulação dessas mercadorias. […]» |
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12 |
O artigo 215.o desse código, sob a epígrafe «Apuramento de um regime especial», dispõe: «1. Em casos distintos do regime de trânsito e sem prejuízo do disposto no artigo 254.o, um regime especial é apurado quando as mercadorias a ele sujeitas ou os produtos transformados forem sujeitos a um regime aduaneiro subsequente, tiverem sido retirados do território aduaneiro da União, tiverem sido inutilizados sem deixar resíduos ou forem abandonados a favor do Estado nos termos do artigo 199.o […]» |
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13 |
Nos termos do artigo 247.o do referido código, sob a epígrafe «Mercadorias não‑UE em zonas francas»: «1. As mercadorias não‑UE podem, durante o período de permanência numa zona franca, ser introduzidas em livre prática ou sujeitas aos regimes de aperfeiçoamento ativo, de importação temporária ou de destino especial, nas condições previstas para esses regimes. Nesses casos, considera‑se que as mercadorias não se encontram sujeitas ao regime de zona franca. […]» |
Regulamento Delegado 2015/2446
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14 |
Nos termos do artigo 1.o do Regulamento Delegado 2015/2446, sob a epígrafe «Definições»: «Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por: […]
[…]» |
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15 |
A secção 3 do capítulo 1 do título V deste regulamento delegado, que inclui os artigos 123.o a 127.o do mesmo, estabelece as regras relativas à prova do estatuto aduaneiro de mercadorias da União. Segundo estes artigos, a prova do estatuto aduaneiro de mercadorias da União pode ser feita através de um documento «T2L» ou «T2LF», de uma fatura ou de um documento de transporte que indique o código «T2L» ou «T2LF», acompanhado da assinatura do expedidor ou, na sua falta, do interessado, de um manifesto marítimo ou das cadernetas TIR, da ATA, bem como dos «formulários 302» relativos ao transporte de mercadorias em conformidade com a Convenção entre os Estados Partes no Tratado do Atlântico Norte sobre o estatuto das suas forças, assinada em Londres em 19 de junho de 1951. |
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16 |
O artigo 178.o do referido regulamento delegado, sob a epígrafe «Registos», dispõe: «1. Os registos referidos no artigo 214.o, n.o 1, do Código [Aduaneiro da União] devem conter as seguintes informações: […]
[…] 2. No caso de zonas francas, os registos devem, além das informações previstas no n.o 1, conter o seguinte:
[…] 3. As autoridades aduaneiras podem dispensar da obrigação de fornecer algumas das informações previstas nos n.os 1 e 2, desde que tal não afete negativamente a fiscalização aduaneira e os controlos da utilização de um regime especial. […]» |
Regulamento de Execução (UE) 2015/2447
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17 |
O artigo 226.o do Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 da Comissão, de 24 de novembro de 2015, que estabelece as regras de execução de determinadas disposições do Regulamento (UE) n.o 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o Código Aduaneiro da União (JO 2015, L 343, p. 558), sob a epígrafe «Número de referência principal» e estabelece as regras de aplicação do artigo 172.o do Código Aduaneiro da União, sob a epígrafe «Aceitação de uma declaração aduaneira», dispõe: «Com exceção dos casos em que a declaração aduaneira é apresentada verbalmente ou por um ato considerado como sendo uma declaração aduaneira, ou dos casos em que a declaração aduaneira reveste a forma de uma inscrição nos registos do declarante em conformidade com o artigo 182.o do Código [Aduaneiro da União], as autoridades aduaneiras notificam o declarante da aceitação da declaração aduaneira e fornecem‑lhe um MRN para essa declaração e a data da sua aceitação. O presente artigo não é aplicável até às respetivas datas de aplicação do AES (Sistema Automatizado de Exportação) e do NCTS (Novo Sistema de Trânsito Informatizado) e até que a modernização dos sistemas nacionais de importação referidos no anexo da Decisão de Execução 2014/255/UE [da Comissão, de 29 de abril de 2014, que institui o Programa de Trabalho do Código Aduaneiro da União (JO 2014, L 134, p. 46)] esteja operacional.» |
Direito letão
Decreto n.o 500 do Conselho de Ministros, relativo aos Entrepostos Aduaneiros, ao Depósito Temporário e às Zonas Francas
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18 |
O n.o 77 do Ministru kabineta noteikumi Nr. 500 «Muitas noliktavu, pagaidu uzglabāšanas un brīvo zonu noteikumi» (Decreto n.o 500 do Conselho de Ministros, relativo aos Entrepostos Aduaneiros, ao Depósito Temporário e às Zonas Francas), de 22 de agosto de 2017 (Latvijas Vēstnesis, 2017, n.o 173), prevê: «A pessoa na zona franca da qual as mercadorias não‑UE são armazenadas, trabalhadas, vendidas ou compradas assegura que as mercadorias armazenadas na zona franca são inscritas nos registos e identificadas.» |
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19 |
Nos termos do n.o 79 desse decreto: «A pessoa em causa deve apresentar um extrato mensal, no prazo especificado na aprovação, das mercadorias não‑UE introduzidas numa zona franca, retiradas da mesma e inscritas nos registos no mês anterior, indicando o número do documento aduaneiro ou o número da guia de remessa em que as mercadorias entraram e saíram da zona franca, ou facultar o acesso em linha ao sistema de contabilidade de mercadorias aos agentes da administração fiscal.» |
Lei do Procedimento Administrativo
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20 |
O artigo 153.o, n.o 3, da Administratīvā procesa likums (Lei do Procedimento Administrativo), de 25 de outubro de 2001 (Latvijas Vēstnesis, 2001, n.o 164), dispõe: «Os factos que se considerem provados na fundamentação de uma decisão judicial transitada em julgado não têm de ser novamente objeto de prova na apreciação de uma causa administrativa entre as mesmas partes.» |
Lei do Poder Judicial
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21 |
O artigo 16.o, n.os 3 e 4, da Likums «Par tiesu varu» (Lei do Poder Judicial), de 15 de dezembro de 1992 (Latvijas Vēstnesis, 1993, n.o 1/2), prevê: «(3) De acordo com o procedimento previsto na lei, uma decisão prejudicial é vinculativa para o tribunal quando conheça de outros processos relacionados com esse processo. (4) Essas decisões judiciais têm força de lei, têm efeitos vinculativos erga omnes e devem ser tratadas nos mesmos termos das leis.» |
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
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22 |
A recorrente no processo principal, a Baltic Container, é titular de uma autorização para exercer atividades de carga, descarga e armazenamento de mercadorias na zona franca do porto de Riga. A Administração Fiscal aprovou os registos, na aceção do artigo 214.o do Código Aduaneiro da União, nos quais a Baltic Container regista as mercadorias colocadas numa zona franca. |
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23 |
No âmbito de uma auditoria à contabilidade das mercadorias colocadas na zona franca, a Administração Fiscal considerou que certas mercadorias não pertencentes à União, na aceção do artigo 5.o, n.o 24, do Código Aduaneiro da União, neste caso, cestos de plástico de rotim, que tinham entrado na zona franca por via marítima em três contentores em 2 de outubro de 2018, 18 de dezembro de 2018 e 15 de janeiro de 2019 e que foram inscritos nos registos da Baltic Container, tinham deixado a zona franca de Riga em 2 de outubro de 2018, 18 de dezembro de 2018 e 17 de janeiro de 2019 sem que fosse aplicado um novo regime aduaneiro. Por conseguinte, o regime aduaneiro especial de armazenagem numa zona franca não tinha sido apurado. A Administração Fiscal concluiu que as mercadorias em causa tinham sido subtraídas à fiscalização aduaneira, o que, segundo esta Administração, deu origem à constituição de uma dívida aduaneira relativamente à Baltic Container, nos termos do artigo 79.o do Código Aduaneiro da União. |
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24 |
Por Decisão de 19 de julho de 2019, a Administração Fiscal ordenou à Baltic Container que pagasse direitos de importação, o IVA e juros de mora relativos a estas duas imposições. |
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25 |
Por Acórdão de 9 de julho de 2021, o Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo Regional, Letónia) negou provimento ao recurso interposto pela Baltic Container contra essa decisão no que respeita aos direitos de importação e ao IVA. Esse órgão jurisdicional salientou que as mercadorias em causa tinham sido retiradas da zona franca em causa com base em três cartas de porte emitidas em conformidade com a Convenção relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, assinada em Genebra, em 19 de maio de 1956, conforme alterada pelo Protocolo de 5 de julho de 1978, nas quais o estatuto aduaneiro dessas mercadorias era indicado pelo sinal «C», que servia para designar «mercadorias da União» na aceção do artigo 5.o, n.o 23, do Código Aduaneiro da União, o que foi certificado pelo carimbo aduaneiro e pela assinatura de um agente aduaneiro (a seguir «cartas de porte CMR»). No entanto, depois de as mercadorias terem saído da zona franca, os funcionários da autoridade aduaneira verificaram que não dispunham de documentos que justificassem a alteração do estatuto aduaneiro das mercadorias controvertidas de «mercadorias não‑UE» para «mercadorias UE». |
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26 |
Com efeito, resulta das regras aplicáveis que uma carta de porte CMR pode servir de prova do estatuto aduaneiro de mercadorias da União unicamente no que respeita a mercadorias que já têm esse estatuto e não em relação a mercadorias que o obtêm na sequência de uma alteração. Tal alteração do estatuto aduaneiro poderá ser provada por meio de uma declaração aduaneira que mencione um MRN ou uma carta de porte que refira igualmente um MRN atribuído a essa declaração aduaneira. Assim, uma menção manuscrita que indica «estatuto C», uma assinatura e um carimbo apostos numa carta de porte CMR não podem, na falta de uma referência a um MRN que permita constatar a aplicação de um regime aduaneiro que confere esse estatuto aduaneiro a mercadorias não‑União, servir de prova da alteração do referido estatuto para «mercadorias da União». |
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27 |
A Baltic Container interpôs recurso de cassação do Acórdão de 9 de julho de 2021, referido no n.o 25 do presente acórdão, para o Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal, Letónia), que é o órgão jurisdicional de reenvio. |
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28 |
Em apoio deste recurso, a Baltic Container alega que não violou nenhuma obrigação legal enquanto titular de uma autorização de exercer atividades numa zona franca (a seguir «titular»), que não tinha participado conscientemente na saída ilegal das mercadorias em causa da zona franca em causa e que não tinha, nem podia ter tido, conhecimento do caráter ilegal dessa saída. Com efeito, inscreveu essas mercadorias nos seus registos, em conformidade com a aprovação emitida pela Administração Fiscal, e entregou‑as ao transportador em conformidade com as cartas de porte CMR, as quais continham o carimbo da alfândega e uma menção assinada por um agente aduaneiro indicando que o estatuto aduaneiro das referidas mercadorias era o de mercadorias da União, o que está em conformidade com a prática aduaneira. A Baltic Container tem, portanto, o direito de esperar um apuramento do regime aduaneiro especial de armazenagem numa zona franca sob o qual essas mercadorias se encontravam. |
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29 |
A Baltic Container invoca igualmente um Acórdão do Rīgas apgabaltiesas Krimināllietu tiesas kolēģija (Tribunal Regional de Riga, Secção Penal, Letónia) de 5 de fevereiro de 2021, pelo qual este órgão jurisdicional anulou as sanções administrativas aplicadas à recorrente no processo principal sob a forma de sanções pelos mesmos factos que estão em causa no presente processo. Segundo esse acórdão, a Baltic Container não violou o artigo 215.o, n.o 1, do Código Aduaneiro da União, uma vez que não fez sair as mercadorias em causa da zona franca em causa antes de aplicar um novo regime aduaneiro. Em especial, o referido órgão jurisdicional declarou que não havia nenhuma razão para considerar que uma carta de porte CMR com a menção «estatuto C» com o carimbo da alfândega e a assinatura de um agente aduaneiro não era suficiente para que essas mercadorias fossem sujeitas a um novo regime aduaneiro. O mesmo órgão jurisdicional constatou igualmente que existia uma prática aduaneira segundo a qual as mercadorias estavam sujeitas a um novo regime aduaneiro quando a carta de porte CMR correspondente continha a menção «estatuto C», certificada pelo carimbo da estância aduaneira. |
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30 |
A Administração Fiscal alega que, aquando da saída das mercadorias em causa da zona franca em causa, a Baltic Container não garantiu que as mesmas fossem colocadas sob um novo regime aduaneiro nem incluiu nos seus registos os elementos previstos no artigo 178.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Delegado 2015/2446. Segundo a Administração Fiscal, as mercadorias não‑UE só podem ver o seu estatuto aduaneiro alterado para mercadorias da União através da aplicação de um novo regime aduaneiro na sequência da apresentação de uma declaração aduaneira identificada através de um MRN. Assim, a Baltic Container devia ter mencionado, nos seus registos, um MRN que permitisse identificar a declaração aduaneira que implicou a alteração do estatuto aduaneiro das mercadorias em causa de mercadorias não‑UE para mercadorias da União, não sendo suficiente para este efeito a menção «estatuto C» que figura nas cartas de porte CMR. |
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31 |
O órgão jurisdicional de reenvio duvida da possibilidade de a Baltic Container controlar o estatuto aduaneiro das mercadorias em causa com base num MRN que figura nas cartas de porte CMR e verificar a autenticidade de um documento T2L, com base no qual uma autoridade aduaneira de outro Estado‑Membro poderia ter alterado esse estatuto, uma vez que não é certo que esta sociedade tivesse acesso às bases de dados exigidas para esse efeito. Além disso, à data das operações em causa no processo principal, a prática da Administração Fiscal consistiu em submeter todas as mercadorias da União a um controlo aduaneiro suplementar antes da sua saída da zona portuária em causa, quando as cartas de porte CMR continham, como prova do estatuto aduaneiro das mercadorias da União, uma menção a esse estatuto, assinada pelo agente aduaneiro e com o carimbo do ponto de controlo aduaneiro. |
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32 |
O órgão jurisdicional de reenvio precisa igualmente que, segundo o ato de aprovação, pelas autoridades aduaneiras letãs, da forma dos registos mantidos pela Baltic Container, esta os deve conservar num sistema em linha e permitir a essas autoridades aduaneiras aceder a esse sistema. A Baltic Container deveria, segundo esse ato de aprovação, conservar os originais ou as cópias dos documentos de transporte que acompanham as mercadorias entradas na zona franca em causa e saídas desta. Se essas mercadorias forem introduzidas nessa zona franca ou dela retiradas mediante a elaboração de uma declaração aduaneira ou de uma declaração de reexportação mencionando um MRN, a Baltic Container não está, enquanto titular, obrigada a conservar cópias desse MRN para as referidas mercadorias. A fim de evitar a duplicação de informações nas bases de dados das alfândegas e dos terminais, o referido ato de aprovação foi posteriormente alterado para prever que, quando uma carga tenha sido declarada ou sujeita a um regime aduaneiro e lhe tenha sido atribuído um MRN, não seja necessário conservar cópias dos documentos de transporte. |
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33 |
O órgão jurisdicional de reenvio considerou que, nestas condições, havia que interrogar o Tribunal de Justiça a respeito da interpretação da regulamentação aduaneira da União relativa às condições de apuramento do regime aduaneiro de armazenamento numa zona franca e às obrigações que incumbem a uma empresa como a Baltic Container quanto aos elementos a conservar nos seus registos e à eventual verificação de uma alteração do estatuto aduaneiro. No caso de as regras aduaneiras da União deverem ser interpretadas no sentido de que uma alteração do estatuto aduaneiro não se pode efetuar segundo as modalidades aplicadas pela Baltic Container, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se igualmente sobre a questão de saber se esta pode fundar uma confiança legítima na prática das autoridades aduaneiras que consiste em indicar nas cartas de porte CMR o estatuto aduaneiro das mercadorias que saem de uma zona franca. |
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34 |
O órgão jurisdicional de reenvio pergunta igualmente se o princípio da autoridade do caso julgado, reconhecido no direito nacional e no direito da União, o proíbe de chegar a conclusões diferentes daquelas a que chegou o Rīgas apgabaltiesas Krimināllietu tiesas kolēģija (Tribunal Regional de Riga, Secção Penal), num Acórdão de 5 de fevereiro de 2021, transitado em julgado, segundo o qual a Baltic Container não é culpada de inobservância, na aceção do artigo 79.o do Código Aduaneiro da União, das obrigações que lhe incumbem por força da regulamentação aduaneira da União. |
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35 |
Nestas condições, o Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
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Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira questão
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36 |
Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 214.o, n.o 1, do Código Aduaneiro da União e o artigo 178.o, n.o 1, alíneas b) e c), do Regulamento Delegado 2015/2446 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que o titular indique, nos seus registos, que o regime aduaneiro da zona franca sob o qual as mercadorias estavam colocadas foi apurado sem mencionar, nesses mesmos registos, o MRN que identifica a declaração aduaneira correspondente à sujeição dessas mercadorias a um novo regime aduaneiro. |
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37 |
O artigo 214.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Código Aduaneiro da União impõe ao titular a obrigação de manter registos adequados sob a forma aprovada pelas autoridades aduaneiras. Segundo o artigo 214.o, n.o 1, segundo parágrafo, os registos devem conter as informações e os elementos que permitam às autoridades aduaneiras assegurar a fiscalização do regime em causa, nomeadamente a identificação das mercadorias a ele sujeitas, bem como o estatuto aduaneiro e a circulação dessas mercadorias. |
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38 |
O alcance desta obrigação é clarificado no artigo 178.o, n.o 1, do Regulamento Delegado 2015/2446, que enumera os elementos que os referidos registos devem conter e que prevê, nomeadamente, as condições em que o titular é obrigado a incluir nas mesmas um MRN. |
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39 |
No que respeita mais precisamente ao artigo 178.o, n.o 1, alínea b), esta disposição enuncia duas obrigações distintas, a saber, que os registos devem conter, por um lado, o MRN ou, quando não exista, qualquer outro número ou código que identifique as declarações aduaneiras através das quais as mercadorias são sujeitas ao regime especial e, por outro, quando o regime é apurado, informações sobre a maneira como o regime foi apurado. |
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40 |
Ora, no que respeita à primeira destas obrigações, importa salientar, à semelhança da advogada‑geral no n.o 41 das suas conclusões, que, segundo o artigo 158.o, n.o 1, do Código Aduaneiro da União, a sujeição de mercadorias ao regime aduaneiro especial da zona franca não necessita de declaração aduaneira, pelo que não é comunicado nenhum MRN por ocasião dessa sujeição. |
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41 |
A segunda das referidas exigências diz respeito ao apuramento do regime especial a que as mercadorias foram sujeitas. Em conformidade com o artigo 215.o, n.o 1, deste código, o regime aduaneiro especial da zona franca pode ser apurado de quatro maneiras diferentes. Primeiro, quando as mercadorias dela objeto são colocadas sob um novo regime aduaneiro, segundo, quando saem do território aduaneiro da União, terceiro, quando foram destruídas sem deixar resíduos e, quarto, quando são abandonadas ao Estado. |
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42 |
No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio indica que os três carregamentos em causa no processo principal foram colocados sob o regime aduaneiro especial da zona franca enquanto mercadorias não‑União e saíram a curto prazo como mercadorias da União. Ora, tal alteração do estatuto aduaneiro das mercadorias em causa só se pode efetuar na sequência da sua sujeição ao regime aduaneiro de introdução em livre prática. |
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43 |
Com efeito, em conformidade com o artigo 201.o, n.o 3, do Código Aduaneiro da União, é conferido a uma mercadoria não‑UE que é introduzida em livre prática o estatuto aduaneiro de mercadoria da União. Por outro lado, resulta do artigo 247.o, n.o 1, deste código que as mercadorias não‑UE podem ser introduzidas em livre prática durante a sua permanência numa zona franca. |
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44 |
Para o efeito, as mercadorias em causa são objeto de uma declaração aduaneira em conformidade com o artigo 158.o, n.o 1, do Código Aduaneiro, à qual é atribuído um NRP, na aceção do artigo 1.o, ponto 22, do Regulamento Delegado 2015/2446 e nas condições previstas no artigo 226.o do Regulamento de Execução 2015/2447. |
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45 |
Em conformidade com o artigo 226.o, primeiro parágrafo, do Regulamento de Execução 2015/2447, salvo se a declaração aduaneira for apresentada verbalmente ou por um ato considerado como uma declaração aduaneira ou assumir a forma de inscrição nos registos do declarante, as autoridades aduaneiras comunicam a este último um MRN para essa declaração. |
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46 |
É certo que, nos termos do segundo parágrafo deste artigo 226.o, o referido artigo não se aplica antes das datas em que têm lugar, respetivamente, a implantação do AES e do NCTS, bem como a atualização dos sistemas nacionais de importação referidos no anexo da Decisão de Execução 2014/255. |
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47 |
Todavia, é pacífico que a primeira questão se baseia em duas premissas implícitas. A primeira é a de que os factos do processo principal não se enquadram num dos três casos particulares enunciados no referido artigo 226.o, primeiro parágrafo, nos quais não é atribuído nenhum MRN. A segunda premissa implícita é a de que estes factos são posteriores à data da implantação do AES e do NCTS, bem como à data da modernização dos sistemas de importação letões referidos no anexo da Decisão de Execução 2014/255. |
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48 |
Por conseguinte, há que responder a esta questão partindo do princípio de que, contrariamente à sujeição inicial das mercadorias ao regime especial da zona franca, a subsequente sujeição destas mercadorias ao regime aduaneiro da livre prática deveria ter dado origem a uma declaração aduaneira e que, por conseguinte, no momento em que o regime da zona franca tinha sido apurado, o declarante devia dispor de um MRN que identificasse essa declaração. |
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49 |
Assim sendo, há que salientar que a segunda exigência imposta no artigo 178.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Delegado 2015/2446 se limita a exigir que os documentos escritos do titular contenham informações sobre o modo como o regime foi apurado sem exigir que esses documentos incluam um MRN. |
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50 |
Do mesmo modo, no que respeita ao artigo 178.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento Delegado 2015/2446, este impõe que sejam mencionados nos registos do titular dados que permitam identificar inequivocamente os documentos visados por esta disposição, sem exigir a inclusão de um MRN. |
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51 |
Daqui resulta que esta disposição não impõe ao titular que mencione, nos seus registos, o MRN que identifica a declaração aduaneira que deu lugar ao apuramento do regime aduaneiro especial de armazenagem numa zona franca através da sujeição das mercadorias em causa ao regime aduaneiro de introdução em livre prática. |
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52 |
Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 214.o, n.o 1, do Código Aduaneiro da União e o artigo 178.o, n.o 1, alíneas b) e c), do Regulamento Delegado 2015/2446 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que o titular inclua, nos seus registos, informações sobre o modo como o regime aduaneiro da zona franca foi apurado e dados que permitam identificar qualquer documento, diferente da declaração aduaneira, relativo ao apuramento, sem mencionar, nesses registos, o MRN que identifica a declaração aduaneira correspondente à sujeição das mercadorias em causa a um novo regime aduaneiro. |
Quanto à segunda e à terceira questões
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53 |
Com a segunda e terceira questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 214.o, n.o 1, e o artigo 215.o, n.o 1, do Código Aduaneiro da União, assim como o artigo 178.o, n.o 1, alíneas b) e c), do Regulamento Delegado 2015/2446, devem ser interpretados no sentido de que:
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Em primeiro lugar, resulta das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que as cartas de porte CMR, com a menção manuscrita «estatuto C», certificada pelo carimbo aduaneiro e assinada por um agente aduaneiro, indicam, é certo, que o estatuto aduaneiro das mercadorias em causa passou do de «mercadorias não-UE» para o de «mercadorias da União». No entanto, essas cartas de porte não contêm informações suficientemente explícitas sobre o modo exato como o regime aduaneiro especial de armazenagem na zona franca foi apurado. Daqui resulta que a inclusão, nos registos do titular, de uma referência a essas cartas de porte não cumpre a segunda exigência prevista no artigo 178.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2015/2446, de incluir nos registos informações sobre a forma como o regime em causa foi apurado, tal como não cumpre a exigência, imposta no artigo 178.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento Delegado 2015/2446, de incluir, nesses mesmos registos, dados que permitam a identificação de qualquer documento relativo ao apuramento correspondente. |
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55 |
Assim sendo, deve ter‑se em conta, como salientou a advogada‑geral no n.o 44 das suas conclusões, que o referido artigo 178.o, n.o 3, prevê que as autoridades aduaneiras possam dispensar a obrigação de fornecer algumas das informações previstas nos n.os 1 e 2 do referido artigo 178.o, quando tal não prejudique a fiscalização e o controlo aduaneiros da utilização de um regime especial. Assim, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se as autoridades aduaneiras letãs, em conformidade com o mesmo artigo 178.o, n.o 3, dispensaram a obrigação de o titular incluir, nos seus registos, informações sobre o modo como o regime aduaneiro especial da zona franca foi apurado, bem como os dados que permitem identificar qualquer documento relativo a esse apuramento. |
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56 |
Daqui resulta que o titular pode cumprir as suas obrigações de manter registos relativos ao apuramento do regime aduaneiro especial da zona franca a que estão sujeitas mercadorias não‑União, incluindo, nos seus registos, informações relativas a uma carta de porte CMR que acompanha essas mercadorias no momento da sua saída da zona franca em causa, que indica, sob a forma de menção aposta pelas autoridades aduaneiras, o estatuto aduaneiro das mesmas, desde que essas autoridades tenham dispensado a obrigação de fornecer informações mais explícitas quanto ao modo como o apuramento desse regime aduaneiro específico é efetuado em aplicação do artigo 178.o, n.o 3, do Regulamento Delegado 2015/2446, o que, no processo principal, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. |
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57 |
Em segundo lugar, no que respeita à verificação da indicação do estatuto aduaneiro que figura nas cartas de porte CMR, importa salientar, à semelhança do que a advogada‑geral observa no n.o 55 das suas conclusões, que o Código Aduaneiro não refere nenhuma obrigação especial, que incumba ao titular, de verificar a exatidão dos elementos e outras indicações que figuram nos documentos que lhe são transmitidos. |
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58 |
É certo que, enquanto profissional, o titular deve fazer prova de um mínimo de vigilância. Todavia, na medida em que não seja manifesto, para qualquer profissional, a leitura da carta de porte de que a indicação que esta menciona era duvidosa, o que, no processo principal, compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar tendo em conta a circunstância de essa carta estar, além disso, certificada pelo carimbo aduaneiro e assinada por um agente aduaneiro, não se pode acusar o titular de não ter verificado a exatidão da referida indicação. |
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59 |
Por conseguinte, há que responder à segunda e terceira questões que o artigo 214.o, n.o 1, e o artigo 215.o, n.o 1, do Código Aduaneiro da União, assim como o artigo 178.o, n.o 1, alíneas b) e c), do Regulamento Delegado 2015/2446, devem ser interpretados no sentido de que:
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Quanto à quarta questão
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60 |
Com a quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o princípio da proteção da confiança legítima deve ser interpretado no sentido de que a indicação do estatuto aduaneiro de mercadorias da União que figura numa carta de porte CMR que acompanha essas mercadorias quando da sua saída de uma zona franca, certificada pelo carimbo aduaneiro e assinada por um agente aduaneiro, pode gerar tal confiança na esfera jurídica do titular quanto à validade de uma alteração do estatuto aduaneiro dessas mercadorias à luz da legislação aduaneira, quando essa carta não indica o fundamento dessa alteração. |
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61 |
Importa salientar, a título preliminar, que esta questão se coloca para o caso de o órgão jurisdicional de reenvio constatar, à luz da resposta dada à segunda e terceira questões, que as autoridades aduaneiras letãs não adotaram, em aplicação do artigo 178.o, n.o 3, do Regulamento Delegado 2015/2446, um ato formal para afastar as obrigações previstas nesse artigo 178.o, n.o 1, alíneas b) e c), relativas às informações e aos dados que permitem a identificação inequívoca dos documentos relativos ao apuramento do regime aduaneiro especial que os registos do titular devem conter. |
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62 |
Por outro lado, uma vez que, como exposto no n.o 57 do presente acórdão, o Código Aduaneiro não faz referência a nenhuma obrigação especial que incumba ao titular de verificar a exatidão dos elementos contidos nos documentos que lhe são transmitidos, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre as condições em que o titular pode invocar a confiança legítima na conformidade dos seus registos com as obrigações decorrentes do artigo 178.o do Regulamento Delegado 2015/2446. |
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63 |
Nestas condições, como observou a advogada‑geral no n.o 69 das suas conclusões, coloca‑se a questão de saber, em especial, em que condições uma prática administrativa constante que consiste em apor, nas cartas de porte CMR que acompanham as mercadorias quando da sua saída da zona franca, uma menção assinada e um carimbo indicando que essas mercadorias obtiveram o estatuto aduaneiro de mercadorias da União pode dar origem, na esfera jurídica do titular, a uma confiança legítima no sentido de que, em aplicação do artigo 178.o, n.o 3, do Regulamento Delegado 2015/2446, as autoridades aduaneiras dispensaram a obrigação de fornecer algumas das informações previstas nos n.os 1 e 2 deste artigo e que a inclusão, nos registos do titular, de informações relativas unicamente às cartas de porte CMR anotadas pelas autoridades aduaneiras é suficiente. |
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64 |
Segundo jurisprudência constante, o princípio da proteção da confiança legítima faz parte da ordem jurídica da União e impõe‑se a qualquer autoridade nacional encarregada de aplicar o direito da União (Acórdão de 14 de julho de 2022, Sense Visuele Communicatie en Handel vof,C‑36/21, EU:C:2022:556, n.o 26 e jurisprudência referida). |
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Daqui resulta que, na aplicação das disposições do Código Aduaneiro, as autoridades nacionais são obrigadas a respeitar este princípio. Ora, o direito de invocar o referido princípio pertence, enquanto corolário do princípio da segurança jurídica, a qualquer particular que se encontre numa situação em que uma administração lhe criou expectativas fundadas. São suscetíveis de fazer surgir tais expectativas, qualquer que seja a forma como são comunicadas, as informações precisas, incondicionais e concordantes que emanam de fontes autorizadas e fiáveis. Em contrapartida, ninguém pode invocar uma violação do princípio da proteção da confiança legítima na falta de garantias precisas fornecidas pela administração [v., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2024, Lituânia e o./Parlamento e Conselho (Pacote mobilidade), C‑541/20 a C‑555/20, EU:C:2024:818, n.o 616]. Além disso, o comportamento de uma autoridade nacional encarregada de aplicar o direito da União, que esteja em contradição com uma disposição desse direito ou com o direito nacional adotado em aplicação deste último, não pode gerar, na esfera jurídica de um operador económico, uma confiança legítima (v., neste sentido, Acórdão de 14 de julho de 2022, Sense Visuele Communicatie en Handel vof,C‑36/21, EU:C:2022:556, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida). |
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A este respeito, há que constatar que o artigo 178.o, n.o 3, do Regulamento Delegado 2015/2446 não prevê modalidades precisas segundo as quais as autoridades aduaneiras podem dispensar a obrigação de fornecer algumas das informações previstas nos n.os 1 e 2 deste artigo. Nestas condições, uma prática administrativa constante que consiste em considerar que a inclusão, nos registos do titular, das informações relativas a uma carta de porte CMR que acompanha as mercadorias em causa aquando da sua saída de uma zona franca, acompanhada da indicação do estatuto aduaneiro, certificada pelo carimbo aduaneiro e assinada por um agente aduaneiro, é suficiente para efeitos do apuramento do regime aduaneiro especial não é contrária ao artigo 178.o, n.o 1, alíneas b) e c), e n.o 3, do Regulamento Delegado 2015/2446. |
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Por conseguinte, o titular pode invocar, perante tal prática, uma confiança legítima na conformidade dos seus registos com o artigo 178.o do Regulamento Delegado 2015/2446. Pode ser esse o caso, nomeadamente, se as autoridades aduaneiras tiverem, no passado, indicado ao titular de forma precisa, incondicional e concordante que a inclusão, nos seus registos, dos dados que permitem identificar uma carta de porte CMR com essa indicação é suficiente para considerar que este cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do referido artigo. Nesse caso, o titular pode ter uma confiança legítima em que as autoridades aduaneiras tenham, em conformidade com o artigo 178.o, n.o 3, do Regulamento Delegado 2015/2446, dispensado a obrigação de prestar algumas das informações previstas no n.o 1 deste artigo. |
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Por conseguinte, há que responder à quarta questão que o princípio da confiança legítima deve ser interpretado no sentido de que o titular pode basear essa confiança na conformidade dos seus registos com o artigo 178.o, n.o 1, alíneas b) e c), do Regulamento Delegado 2015/2446 numa prática constante das autoridades aduaneiras da qual resulta de forma precisa e incondicional que a inclusão, nesses registos, unicamente de informações relativas a uma carta de porte CMR que acompanha as mercadorias em causa quando da sua saída de uma zona franca, acompanhada da indicação manuscrita do estatuto aduaneiro, certificada pelo carimbo aduaneiro e assinada por um agente aduaneiro, é suficiente para cumprir as obrigações decorrentes desta disposição. |
Quanto à quinta questão
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69 |
Com a quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União se opõe à aplicação de uma disposição nacional relativa à autoridade do caso julgado, que obriga um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro a anular uma dívida aduaneira devida pelo titular em aplicação do artigo 79.o do Código Aduaneiro da União, pelo facto de o órgão jurisdicional desse Estado‑Membro competente para fiscalizar a legalidade da sanção administrativa aplicada a esse titular pelas mesmas operações aduaneiras e pelos mesmos motivos que os resultantes dessa dívida ter declarado, numa decisão judicial transitada em julgado, que este não violou as obrigações que lhe incumbem ao abrigo da legislação aduaneira da União. |
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Antes de mais, há que precisar que a resposta a esta questão é dada para o caso de o órgão jurisdicional de reenvio considerar, por um lado, que as autoridades aduaneiras não dispensaram formalmente, em aplicação do artigo 178.o, n.o 3, do Regulamento Delegado 2015/2446, as obrigações pertinentes do titular e, por outro, que o titular não pode, nas circunstâncias do processo principal, invocar a confiança legítima na conformidade dos seus registos com o artigo 178.o, n.o 1, alíneas b) e c), do Regulamento Delegado 2015/2446. |
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Feita esta precisão, importa recordar que o princípio da autoridade do caso julgado reveste importância tanto na ordem jurídica da União como nas ordens jurídicas nacionais. Com efeito, para garantir tanto a estabilidade do direito e das relações jurídicas como a boa administração da justiça, é necessário que as decisões judiciais que se tornaram definitivas após o esgotamento das vias de recurso disponíveis ou depois de terminados os prazos previstos para esses recursos já não possam ser postas em causa (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2022, Avio Lucos,C‑116/20, EU:C:2022:273, n.o 92 e jurisprudência referida). |
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72 |
Como tal, o direito da União não obriga o juiz nacional a afastar a aplicação das regras processuais internas que confiram autoridade do caso julgado a uma decisão, mesmo que tal permitisse reparar uma situação nacional incompatível com esse direito. Por conseguinte, o direito da União não exige que, para ter em conta a interpretação de uma disposição pertinente desse direito adotada pelo Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional nacional deva, por princípio, rever uma decisão revestida da autoridade do caso julgado (Acórdão de 2 de abril de 2020, CRPNPAC e Vueling Airlines, C‑370/17 e C‑37/18, EU:C:2020:260, n.os 89 e 90 e jurisprudência referida). |
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73 |
Na falta de regulamentação da União na matéria, as modalidades de aplicação do princípio da autoridade do caso julgado fazem parte da ordem jurídica interna dos Estados‑Membros ao abrigo do princípio da autonomia processual destes últimos. Todavia, essas modalidades não devem ser menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) nem ser concebidas de forma a tornarem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (Acórdão de 7 de abril de 2022, Avio Lucos,C‑116/20, EU:C:2022:273, n.o 100 e jurisprudência referida). |
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74 |
Além disso, cada caso em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito da União deve ser analisado tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa no processo, visto como um todo, a tramitação deste e as suas particularidades perante as várias instâncias nacionais. Nesta perspetiva, há que tomar em consideração, sendo caso disso, os princípios que estão na base do sistema jurisdicional nacional, como a proteção dos direitos de defesa, o princípio da segurança jurídica e a correta tramitação do processo (Acórdão de 2 de abril de 2020, CRPNPAC e Vueling Airlines, C‑370/17 e C‑37/18, EU:C:2020:260, n.o 93). |
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75 |
Assim, foi declarado que o princípio da efetividade se opõe a uma interpretação do princípio da autoridade do caso julgado que obrigue o juiz nacional a reproduzir uma interpretação e uma aplicação erradas do direito da União, pelo simples facto de, apesar de ter um objeto diferente, o processo nele pendente ter por objeto a mesma relação jurídica ou o mesmo ponto fundamental decidido por uma decisão judicial transitada em julgado. Com efeito, esses obstáculos à aplicação efetiva das regras do direito da União não podem ser razoavelmente justificados pelo princípio da segurança jurídica e devem, portanto, ser considerados contrários ao princípio da efetividade (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de setembro de 2009, Fallimento Olimpiclub,C‑2/08, EU:C:2009:506, n.os 29 a 31; de 2 de abril de 2020, CRPNPAC e Vueling Airlines, C‑370/17 e C‑37/18, EU:C:2020:260, n.os 94 a 96, e de 7 de abril de 2022, Avio Lucos,C‑116/20, EU:C:2022:273, n.o 102 a 104). |
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Ora, o órgão jurisdicional de reenvio não é chamado a reproduzir uma interpretação e uma aplicação erradas do direito da União resultante de uma decisão judicial que se pronunciou, de forma definitiva, sobre uma relação jurídica ou um ponto fundamental em causa num litígio com um objeto diferente. |
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Com efeito, primeiro, o processo julgado pelo Rīgas apgabaltiesas Krimināllietu tiesas kolēģija (Tribunal Regional de Riga, Secção Penal) e o processo principal têm por objeto as mesmas operações aduaneiras. |
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78 |
Segundo, é verdade que o incumprimento de uma obrigação aduaneira pode implicar várias consequências jurídicas, como a constituição de uma dívida aduaneira principal, composta por direitos de importação e por IVA, por um lado, e pelas sanções correspondentes, por outro. Não deixa de ser verdade que, como resulta do pedido de decisão prejudicial, tanto a dívida principal como as correspondentes penalidades por mora são devidas pelo titular por força de uma única e mesma decisão da Administração Fiscal e, em todo o caso, têm a sua origem na alegada inobservância das mesmas obrigações relativas aos documentos do titular sobre as quais incidiu o processo julgado pelo Rīgas apgabaltiesas Krimināllietu tiesas kolēģija (Tribunal Regional de Riga, Secção Penal). |
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Nestas condições, uma vez que o direito letão prevê uma regra segundo a qual os órgãos jurisdicionais administrativos estão vinculados pelas decisões dos órgãos jurisdicionais penais, a impugnação dessa alegada inobservância, suscitada no âmbito de recursos jurisdicionais relativos às mesmas operações aduaneiras, deverá, em princípio, ser regulada de modo uniforme. Ora, o princípio da efetividade não pode obstar ao respeito da autoridade do caso julgado de que se reveste uma decisão judicial transitada em julgado, desde que esse respeito não produza efeitos em relação a litígios diferentes dos que põem em causa a legalidade de uma mesma decisão administrativa ou da qualificação jurídica dos factos relativos às mesmas operações aduaneiras. |
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80 |
Por conseguinte, há que responder à quinta questão que o direito da União não se opõe à aplicação de uma disposição nacional relativa à autoridade do caso julgado, que obriga um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro a anular uma dívida aduaneira devida pelo titular em aplicação do artigo 79.o do Código Aduaneiro da União, pelo facto de o órgão jurisdicional desse Estado‑Membro competente para fiscalizar a legalidade da sanção administrativa aplicada a esse titular pelas mesmas operações aduaneiras e pelos mesmos motivos que os resultantes dessa dívida ter declarado, numa decisão judicial transitada em julgado, que este não violou as obrigações que lhe incumbem ao abrigo da legislação aduaneira da União. |
Quanto às despesas
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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
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Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara: |
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Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: letão.