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Document 62023CJ0144

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 15 de outubro de 2024.
KUBERA, trgovanje s hrano in pijačo, d.o.o. contra Republika Slovenija.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Vrhovno sodišče Republike Slovenije.
Reenvio prejudicial – Artigo 267.° TFUE. – Alcance da obrigação de reenvio dos órgãos jurisdicionais nacionais que decidem em última instância – Procedimento de admissão de um recurso de revista para o supremo tribunal de um Estado‑Membro – Requerimento da parte que requer a admissão de um recurso de revista de que seja submetida ao Tribunal de Justiça uma questão relativa à interpretação do direito da União – Regulamentação nacional por força da qual o recurso de revista é admitido quando suscita uma questão de direito importante para garantir a segurança jurídica, a aplicação uniforme do direito ou o seu desenvolvimento – Obrigação de o supremo tribunal nacional examinar, no processo de admissão de um recurso de revista, se há que proceder a um reenvio prejudicial – Fundamentação da decisão de indeferimento do requerimento de admissão de um recurso de revista.
Processo C-144/23.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:881

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

15 de outubro de 2024 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Artigo 267.o TFUE — Âmbito da obrigação de reenvio prejudicial dos órgãos jurisdicionais nacionais que decidem em última instância — Processo de admissão de um recurso de revista para o supremo tribunal de um Estado‑Membro — Requerimento da parte que pede a admissão de um recurso de revista de submissão ao Tribunal de Justiça de uma questão relativa à interpretação do direito da União — Regulamentação nacional por força da qual o recurso de revista é admitido quando suscite uma questão de direito importante para garantir a segurança jurídica, a aplicação uniforme do direito ou o desenvolvimento do mesmo — Obrigação de o supremo tribunal nacional examinar, no âmbito do processo de admissão de um recurso de revista, se há que proceder a um reenvio prejudicial — Fundamentação da decisão de indeferimento do requerimento de admissão de um recurso de revista»

No processo C‑144/23,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal, Eslovénia), por Decisão de 7 de março de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de março de 2023, no processo

KUBERA, trgovanje s hrano in pijačo, d.o.o.

contra

Republika Slovenija,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, T. von Danwitz, vice-presidente, F. Biltgen, K. Jürimäe, C. Lycourgos, M. L. Arastey Sahún, S. Rodin, D. Gratsias, M. Gavalec, presidentes de secção, A. Arabadjiev (relator), J. Passer, Z. Csehi e O. Spineanu‑Matei, juízes,

advogado‑geral: N. Emiliou,

secretário: M. Longar, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 5 de março de 2024,

vistas as observações apresentadas:

em representação da KUBERA, trgovanje s hrano in pijačo, d.o.o., por A. Velkaverh, odvetnik,

em representação do Governo Esloveno, por B. Jovin Hrastnik e N. Pintar Gosenca, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Alemão, por J. Möller, na qualidade de agente,

em representação do Governo Letão, por K. Pommere e S. Zābele, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Neerlandês, por P. P. Huurnink, na qualidade de agente,

em representação do Governo Finlandês, por A. Laine, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por F. Erlbacher, B. Rous Demiri e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 18 de junho de 2024,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE e do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a KUBERA, trgovanje s hrano in pijačo, d.o.o. (a seguir «KUBERA») à Republika Slovenija (República da Eslovénia), representada pelo Ministrstvo za finance (Ministério das Finanças, Eslovénia) relativo a uma medida aduaneira que tem por objeto o respeito dos direitos de propriedade intelectual.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 608/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de junho de 2013, relativo à intervenção das autoridades aduaneiras para assegurar o cumprimento da legislação sobre os direitos de propriedade intelectual e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1383/2003 do Conselho (JO 2013, L 181, p. 15), dispõe:

«As autoridades aduaneiras devem suspender a autorização de saída das mercadorias ou proceder à sua retenção caso identifiquem mercadorias suspeitas de violar um direito de propriedade intelectual abrangido por uma decisão de deferimento de um pedido [dirigido ao serviço aduaneiro competente para intervenção das autoridades].»

Direito esloveno

4

O artigo 22.o da Constituição eslovena tem a seguinte redação:

«Deve ser garantida a todos igual proteção dos direitos em qualquer processo em juízo e noutros órgãos do Estado, órgãos das autarquias locais e titulares de mandatos públicos que decidam de direitos, deveres ou interesses jurídicos de uma pessoa.»

5

O artigo 22.o, n.o 1, da Zakon o upravnem sporu (Lei do Contencioso Administrativo) (Uradni list RS, n.o 105/06), na redação aplicável ao litígio no processo principal, dispõe:

«Nos litígios administrativos, aplicam‑se as disposições da lei de processo civil, salvo disposição em contrário da presente lei.»

6

O artigo 367.o, n.o 1, da Zakon o pravdnem postopku (Código de Processo Civil) (Uradni list RS, n.o 73/07), na redação aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «ZPP»), dispõe:

«As partes podem interpor recurso de revista de um acórdão definitivo proferido em segunda instância no prazo de quinze dias a contar da notificação da decisão do [Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal, Eslovénia)] de admitir o recurso [de revista].»

7

Nos termos do artigo 367.o-A do ZPP:

«(1)   O tribunal admite o recurso de revista se for de esperar que a decisão do [Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal)] conheça de uma questão de direito importante para garantir a segurança jurídica, para a aplicação uniforme do direito ou para o desenvolvimento do direito pela jurisprudência. Em especial, o tribunal admite o recurso [de revista] nos seguintes casos:

se se tratar de uma questão de direito sobre a qual a decisão do tribunal de segunda instância se afaste da jurisprudência do [Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal)]; ou

se se tratar de uma questão de direito sobre a qual não exista jurisprudência do [Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal)], em especial se a jurisprudência dos tribunais superiores não for uniforme, ou

se se tratar de uma questão de direito sobre a qual a jurisprudência do [Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal)] não seja uniforme.

(2)   O [Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal)] admite um recurso [de revista] com base no requerimento de admissão de um recurso [de revista] apresentado por uma das partes.»

8

O artigo 367.o-B do ZPP tem a seguinte redação:

«(1)   O requerimento de admissão de um recurso [de revista] deve ser apresentado por uma das partes no prazo de 30 dias a contar da notificação do acórdão definitivo do tribunal de segunda instância.

(2)   O requerimento de admissão de um recurso [de revista] deve ser apresentado no [Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal)].

[…]

(4)   No requerimento de admissão do recurso [de revista], a parte deve expor de forma precisa e específica a questão de direito controvertida e a norma jurídica cuja violação invoca, as circunstâncias que demonstram a importância dessa questão e uma breve exposição das razões pelas quais o tribunal de segunda instância decidiu ilegalmente sobre a mesma; deve descrever de forma precisa e específica as irregularidades processuais alegadas e, do mesmo modo, demonstrar a existência de jurisprudência do [Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal)] de que a decisão [do órgão jurisdicional inferior] se afastou ou a incoerência da jurisprudência.»

9

O artigo 367.o-C do ZPP dispõe:

«(1)   Um coletivo de três juízes do [Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal)] decide por despacho sobre o requerimento de admissão do recurso [de revista].

(2)   Para fundamentar uma decisão de indeferimento do requerimento de admissão de um recurso [de revista], basta que o tribunal indique, em termos gerais, não estarem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 367.o-A do presente Código.

(3)   No despacho que admite o recurso [de revista], o tribunal indica a parte ou as questões de direito específicas em relação às quais deve ser admitido o recurso [de revista].

(4)   Da decisão de admissão ou de recusa de admissão do recurso [de revista] não cabe recurso.»

10

O artigo 368.o do ZPP dispõe:

«O [Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal)] pronuncia‑se sobre o recurso de revista.»

11

Nos termos do artigo 370.o, n.o 1, do ZPP:

«O recurso [de revista] pode ser interposto por violação substancial de disposições que regem o processo no tribunal de primeira instância que a parte tenha invocado perante o tribunal de segunda instância, por violação substancial de disposições que regulam o processo no tribunal de segunda instância ou por erro de direito.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

A KUBERA, sociedade comercial de produtos alimentares e bebidas, comprou, na Turquia, 87600 latas de Red Bull produzidas na Áustria e transportou‑as por navio até ao porto de Koper (Eslovénia) para a respetiva importação.

13

Por duas Decisões de 5 de outubro de 2021, a Administração de Finanças da República da Eslovénia decidiu reter aquelas latas, em aplicação do artigo 17.o do Regulamento n.o 608/2013, até que fosse proferida decisão no processo judicial movido pela Red Bull GmbH, titular dos direitos de propriedade intelectual relativos às referidas latas, com vista a proteger esses direitos.

14

Na sequência da negação de provimento aos recursos administrativos interpostos dessas decisões, a KUBERA interpôs recursos das referidas decisões para o Upravno sodišče (Tribunal Administrativo, Eslovénia), que lhes negou provimento.

15

A KUBERA apresentou no Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal), que é o órgão jurisdicional de reenvio, dois pedidos de admissão de um recurso de revista das decisões do Upravno sodišče (Tribunal Administrativo), em cujo âmbito alega que o litígio no processo principal suscita a questão de saber se o Regulamento n.o 608/2013 se aplica a uma situação na qual as mercadorias importadas são produzidas pelo titular dos respetivos direitos de propriedade industrial. A KUBERA entende tratar‑se de uma questão jurídica importante, na aceção do artigo 367.o-A do ZPP, que justifica a admissão dos recursos de revista. Embora considere que o Regulamento n.o 608/2013 não se aplica a tal situação, a KUBERA pede que, no caso de o órgão jurisdicional de reenvio não subscrever esse entendimento, que o Tribunal de Justiça seja chamado a pronunciar‑se a título prejudicial sobre esta questão.

16

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, por um lado, sobre se o artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE o obriga, para decidir dos requerimentos de admissão do recurso de revista apresentados pela KUBERA, a examinar o requerimento desta de submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial relativa à interpretação do direito da União. Por outro lado, interroga‑se sobre se, no caso de considerar que não há que submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial, é obrigado, por força do artigo 47.o da Carta, a fundamentar a sua decisão, uma vez que, segundo o artigo 367.o-C, n.o 2, do ZPP, uma decisão de indeferimento do requerimento de admissão de um recurso de revista apenas tem de ser objeto de fundamentação sumária.

17

O órgão jurisdicional de reenvio indica que o recurso de revista é uma via de recurso extraordinária contra uma decisão judicial definitiva e que tem por objetivo unificar a jurisprudência e orientá‑la, do mesmo modo que o processo de reenvio prejudicial, previsto no artigo 267.o TFUE. Na medida em que o direito da União faz parte do ordenamento jurídico esloveno, este vela também, através do processo de revista, pela aplicação correta e uniforme do direito da União.

18

O processo de revista está dividido em duas etapas, a saber, por um lado, a de determinar se deve ser admitido o recurso de revista e, por outro, em caso de concessão dessa admissão, o de exame do mérito do processo em causa.

19

O recurso de revista só pode ser admitido a pedido expresso de uma das partes no litígio em causa e unicamente se esta demonstrar a importância objetiva da questão de direito a decidir pelo Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal). Na fase de apreciação do pedido de admissão do recurso de revista, este tribunal deve, portanto, fazer prevalecer o interesse público em sentido amplo, a saber, a necessidade de assegurar a coerência da jurisprudência e a aplicação uniforme do direito, e não o interesse privado das partes no litígio. Esta etapa constitui um «filtro» ao acesso ao Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal), visando garantir que este desempenhe plenamente o seu papel constitucional e decida num prazo razoável.

20

Resulta da jurisprudência do Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal) que o recurso de revista é admitido se uma parte demonstrar que o órgão jurisdicional inferior se afastou da jurisprudência do Tribunal de Justiça ou que o processo em causa suscita uma questão relativa à conformidade do direito nacional com o direito da União sobre a qual não existe jurisprudência do Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal). Este último tribunal já admitiu recursos de revista com o fundamento de que a questão suscitada era importante tanto do ponto de vista da interpretação e da aplicação uniforme do direito da União como do desenvolvimento do direito nacional. Por conseguinte, trata da mesma maneira as questões relativas ao direito da União e as relativas ao direito nacional.

21

Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio nota que, embora não esteja excluída a possibilidade de a importância jurídica de um processo que lhe foi submetido resultar de considerações relativas ao direito da União, nem o facto de esse direito poder ser aplicado no âmbito da apreciação do mérito do processo, nem o facto de uma das partes no litígio propor, no seu requerimento de admissão do recurso de revista, que seja submetido ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial bastam, por si só, para que o recurso de revista seja admitido.

22

Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio não é obrigado, por força do ZPP, a examinar, logo na fase do processo de admissão de um recurso de revista, se há ou não que submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça na hipótese de este ser admitido.

23

O órgão jurisdicional de reenvio indica ainda que o direito interno prevê que das suas decisões sobre os pedidos de admissão de um recurso de revista não cabe recurso judicial e que, quando recusa admitir esse recurso, se limita a indicar não estarem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 367.o-A do ZPP.

24

Contudo, de uma Decisão do Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional, Eslovénia) de 31 de março de 2022 resulta que o requerimento de uma das partes no litígio no sentido de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado no âmbito do requerimento de admissão de um recurso de revista, deve ser tratado logo na fase do exame deste último requerimento. O Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional) declarou ainda que, quando o Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal) profere uma decisão que indefere um requerimento de admissão de um recurso de revista, o artigo 47.o da Carta, conjugado com o artigo 22.o da Constituição eslovena, exige que este último tribunal fundamente essa decisão da mesma forma que as suas decisões jurisdicionais. Resulta da referida decisão do Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional) que o Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal) deve, no âmbito do processo de admissão de um recurso de revista, examinar o pedido de reenvio ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 267.o TFUE, tendo em conta os critérios decorrentes da jurisprudência deste último, e deve, na sua decisão de não admitir o recurso de revista, indicar os fundamentos pelos quais não submeteu ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial, para permitir, sendo caso disso, ao Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional) verificar se foram respeitadas as condições que permitem derrogar a obrigação de reenvio prejudicial enunciada no artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, conforme resultam dessa jurisprudência.

25

Considerando que, no caso em apreço, os requerimentos da KUBERA de admissão dos seus recursos de revista não preenchem os pressupostos previstos no artigo 367.o-A do ZPP e não podem, por conseguinte, ser deferidos, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, atenta a Decisão do Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional) de 31 de março de 2022, o processo principal suscita uma questão importante relativa à interpretação do direito da União, que lhe impõe que submeta ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE.

26

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, para determinar, na fase do exame do requerimento de admissão de um recurso de revista, se uma questão de interpretação do direito da União suscitada por uma das partes no litígio deve ser submetida ao Tribunal de Justiça a título prejudicial, cabe‑lhe apreciar um determinado número de questões jurídicas conexas. Deve, nomeadamente, determinar se o direito da União é aplicável ao litígio em causa, se a parte interessada pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie a título prejudicial sobre a interpretação de uma norma do direito da União e se há que proceder a um reenvio prejudicial. Isso exige, em substância, uma apreciação do mérito do recurso de revista logo nessa fase. A interpretação defendida pelo Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional) no que respeita à obrigação resultante do artigo 267.o TFUE implica uma alteração completa do critério seguido pelo órgão jurisdicional de reenvio no âmbito das suas decisões relativas aos requerimentos de admissão de um recurso de revista. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio refere que uma decisão proferida a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça não teria efeito útil no âmbito do processo de admissão de um recurso de revista, uma vez que só na fase da apreciação do mérito do recurso de revista é possível determinar se o direito da União é aplicável ao processo em causa e se necessita de uma interpretação do Tribunal de Justiça.

27

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se ainda sobre se, tendo em conta a existência do processo de admissão de um recurso de revista previsto no ZPP, é possível considerar que as decisões judiciais contra as quais este recurso não é admitido emanam de um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno e sobre o qual impende a obrigação de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial, previsto no artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE.

28

Por último, se o Tribunal de Justiça considerar que o órgão jurisdicional de reenvio é obrigado a examinar, logo na fase da apreciação do requerimento de admissão do recurso de revista, a questão de saber se há que submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o dever de fundamentação enunciado, nomeadamente, no n.o 51 do Acórdão de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi (C‑561/19, EU:C:2021:799), se aplica também às suas decisões que não admitem um recurso de revista.

29

Nestas condições o Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE opõe‑se a uma disposição do [ZPP], com base na qual o Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal, Eslovénia), no âmbito de um processo de [admissão] de um recurso de [revista], não procede à apreciação da questão de saber se o pedido formulado por uma das partes com vista à submissão ao Tribunal de Justiça [de uma questão] prejudicial?

2)

[No caso de resposta afirmativa à primeira questão, d]eve o artigo 47.o da Carta, relativo ao dever de fundamentação das decisões judiciais, ser interpretado no sentido de que uma decisão processual de indeferimento do [requerimento de admissão de]um recurso de [revista], apresentado por uma das partes, em conformidade com o [ZPP], constitui uma “decisão judicial” que deve indicar as razões pelas quais o pedido formulado por uma das partes com vista à submissão ao [Tribunal de Justiça] de um pedido de decisão prejudicial não deve ser deferido no processo em causa?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

30

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso jurisdicional previsto no direito interno decida, no âmbito de um processo de análise de um requerimento de admissão de um recurso de revista cujo resultado depende da importância da questão de direito suscitada por uma das partes no litígio para a segurança jurídica, para a aplicação uniforme do direito ou para o desenvolvimento deste, indeferir esse requerimento de admissão sem ter apreciado se estava obrigado a submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial relativa à interpretação ou à validade de uma disposição do direito da União suscitada em apoio desse requerimento.

31

Há que recordar que, embora a organização judicial nos Estados‑Membros, nomeadamente, a instituição, a composição, as competências e o funcionamento dos supremos tribunais nacionais, seja da sua competência, esses Estados não deixam de estar obrigados, no exercício dessa competência, a respeitar as obrigações que para eles decorrem do direito da União (Acórdão de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 44 e jurisprudência referida).

32

Daqui resulta que, embora o direito da União não se oponha, em princípio, a que os Estados‑Membros instituam processos de admissão dos recursos ou de outros sistemas de seleção ou de «filtragem» dos recursos nos supremos tribunais nacionais, a implementação desses processos ou sistemas deve respeitar as exigências decorrentes desse direito, em especial do artigo 267.o TFUE.

33

A este respeito, importa sublinhar que o processo de reenvio prejudicial previsto neste artigo, que constitui a pedra angular do sistema jurisdicional instituído pelos Tratados, institui um diálogo de juiz para juiz entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros que tem por objetivo assegurar a unidade de interpretação do direito da União. Deste modo, este processo permite assegurar a coerência, o pleno efeito e a autonomia desse direito, bem como, em última instância, o seu caráter próprio [Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.o 176, e Acórdãos de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi, C‑561/19, EU:C:2021:799, n.o 27, e de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 73].

34

Quando não caiba recurso jurisdicional de direito interno da decisão de um órgão jurisdicional nacional, este está, em princípio, obrigado a submeter uma questão ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, quando lhe seja submetida uma questão relativa à interpretação do direito da União ou à validade de um ato de direito derivado (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de julho de 2013, Consiglio Nazionale dei Geologi, C‑136/12, EU:C:2013:489, n.o 25; de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi, C‑561/19, EU:C:2021:799, n.o 32; e de 22 de dezembro de 2022, Airbnb Ireland e Airbnb Payments UK, C‑83/21, EU:C:2022:1018, n.o 79).

35

A obrigação de os órgãos jurisdicionais nacionais cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso jurisdicional de direito interno submeterem uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça insere‑se no âmbito da cooperação, instituída com o objetivo de garantir a correta aplicação e a interpretação uniforme do direito da União em todos os Estados‑Membros, entre os órgãos jurisdicionais nacionais, na sua qualidade de juízes incumbidos da aplicação desse direito, e o Tribunal de Justiça. Essa obrigação tem nomeadamente por objetivo evitar que se estabeleça em qualquer Estado‑Membro uma jurisprudência nacional em desacordo com as regras do direito da União [Acórdãos de 24 de maio de 1977, Hoffmann‑La Roche, 107/76, EU:C:1977:89, n.o 5; de4 de junho de 2002, Lyckeskog, C‑99/00, EU:C:2002:329, n.o 14; e de 4 de outubro de 2018, Comissão/França (Imposto sobre os rendimentos mobiliários retido na fonte),C‑416/17, EU:C:2018:811, n.o 109].

36

Um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso jurisdicional previsto no direito interno só pode ser dispensado da obrigação prevista no artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE quando tiver verificado que a questão suscitada é irrelevante ou que a disposição do direito da União em causa já foi objeto de interpretação pelo Tribunal de Justiça ou que a interpretação correta do direito da União se impõe com tal evidência que não deixa margem para nenhuma dúvida razoável (Acórdãos de 6 de outubro de 1982, Cilfit e o., 283/81, EU:C:1982:335, n.o 21, e de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi, C‑561/19, EU:C:2021:799, n.o 33).

37

Esse órgão jurisdicional nacional deve apreciar sob a sua própria responsabilidade, de forma independente e com toda a atenção necessária, se tem a obrigação de submeter ao Tribunal de Justiça a questão de direito da União que foi suscitada perante si ou se, pelo contrário, se encontra numa das situações referidas no número anterior, que lhe permita ser dispensado dessa obrigação (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de setembro de 2005, Intermodal Transports, C‑495/03, EU:C:2005:552, n.o 37, e de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi, C‑561/19, EU:C:2021:799, n.o 50 e jurisprudência referida).

38

Quando estiver perante uma dessas situações, esse órgão jurisdicional nacional não está assim obrigado a submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, ainda que a questão relativa à interpretação ou à validade de uma disposição do direito da União seja suscitada por uma parte no processo nele pendente (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi, C‑561/19, EU:C:2021:799, n.o 57 e jurisprudência referida).

39

Refira‑se ainda que as decisões de um órgão jurisdicional nacional que possam ser impugnadas pelas partes num supremo tribunal nacional não emanam de «um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno», na aceção do artigo 267.o TFUE. O facto de o exame do mérito dessas impugnações, formuladas, como no processo principal, no âmbito de um recurso de revista, estar subordinado a um processo de admissão desse recurso por esse supremo tribunal nacional não tem por efeito privar as partes de uma via de recurso (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de junho de 2002, Lyckeskog, C‑99/00, EU:C:2002:329, n.o 16, e de 16 de dezembro de 2008, Cartesio, C‑210/06, EU:C:2008:723, n.o 76). A existência de tal processo não pode, portanto, transformar o órgão jurisdicional inferior cuja decisão é suscetível de ser impugnada no âmbito desse recurso num órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso jurisdicional de direito interno e sobre o qual impenderia, consequentemente, a obrigação de reenvio prevista no artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE.

40

Em contrapartida, essa obrigação recai sobre um supremo tribunal nacional, como o Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal), sem prejuízo do que foi recordado no n.o 36 do presente acórdão.

41

No presente caso, resulta do artigo 367.o-A, n.o 1, do ZPP, bem como das indicações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, que, para determinar se o recurso de revista deve ser admitido, esse órgão jurisdicional examina se o processo que lhe foi submetido suscita uma questão de direito importante para garantir a segurança jurídica, a aplicação uniforme do direito ou o desenvolvimento deste.

42

Refira‑se, porém, que os casos previstos nesta disposição dizem exclusivamente respeito a situações caracterizadas, no que se refere à questão de direito suscitada, quer por uma divergência de uma decisão de um tribunal nacional de segunda instância face à jurisprudência do supremo tribunal nacional, quer pela falta de jurisprudência deste último tribunal, quer pela falta de uniformidade da sua jurisprudência ou dos tribunais superiores nacionais. Em contrapartida, nenhum destes casos faz referência ao direito da União, em especial ao estado atual da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a questão suscitada em apoio de um requerimento de admissão de um recurso de revista.

43

O órgão jurisdicional de reenvio expõe que interpreta a referida disposição no sentido de que não está obrigado a apreciar, na fase da análise do requerimento de admissão de um recurso de revista, se, no âmbito do processo de revista, há ou não que submeter ao Tribunal de Justiça a título prejudicial a questão de direito da União suscitada em apoio desse requerimento.

44

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio especifica que, quando um recurso de revista não é admitido, a decisão de indeferimento põe definitivamente termo ao processo. Neste caso, a interpretação dada ao direito da União pelo órgão jurisdicional inferior poderia impor‑se no ordenamento jurídico nacional em causa, ainda que a questão suscitada em apoio do requerimento de admissão de um recurso de revista justificasse um reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça.

45

Esta regulamentação ou prática nacional pode assim conduzir a uma situação em que uma questão relativa à interpretação ou à validade de uma disposição do direito da União, ainda que suscitada por uma parte no Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal) ou deva ser suscitada por este tendo em conta a questão de direito suscitada por essa parte e não esteja abrangida pelas exceções referidas no n.o 36 do presente acórdão, não seja submetida ao Tribunal de Justiça, em violação da obrigação imposta a esse órgão jurisdicional nacional pelo artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE.

46

Ora, essa situação é suscetível de comprometer a eficácia do sistema de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, estabelecido no artigo 267.o TFUE, bem como a realização dos objetivos que este artigo visa atingir, em especial o de evitar que se estabeleça em qualquer Estado‑Membro uma jurisprudência nacional que não seja conforme com as normas do direito da União.

47

Esta interpretação não é posta em causa pela jurisprudência resultante dos Acórdãos de 15 de março de 2017, Aquino (C‑3/16, EU:C:2017:209, n.o 56), e de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi (C‑561/19, EU:C:2021:799, n.o 61), segundo a qual um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso jurisdicional previsto no direito interno pode abster‑se de submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça por motivos de inadmissibilidade próprios do processo nesse órgão jurisdicional nacional, sob reserva do respeito dos princípios da equivalência e da efetividade.

48

Com efeito, o primeiro desses acórdãos dizia respeito a uma norma nacional por força da qual um fundamento de recurso é inadmissível quando visa contestar apenas um fundamento da decisão recorrida quando os outros fundamentos são suscetíveis de justificar, por si sós, essa decisão (Acórdão de 15 de março de 2017, Aquino, C‑3/16, EU:C:2017:209, n.o 54). O segundo dos referidos acórdãos dizia respeito a uma norma nacional segundo a qual uma nova questão suscitada por uma parte após a interposição do recurso no órgão jurisdicional nacional que decide em última instância deve ser declarada inadmissível por modificar o objeto do litígio (Acórdão de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi, C‑561/19, EU:C:2021:799, n.o 60).

49

Nos processos que deram origem aos acórdãos mencionados no número anterior estavam em causa normas nacionais que estabeleciam pressupostos de admissibilidade de natureza puramente processual cuja inobservância impedia o órgão jurisdicional nacional de última instância de conhecer do mérito do recurso.

50

Ao contrário dessas normas, um critério de admissão de um recurso de revista como o previsto no artigo 367.o-A, n.o 1, do ZPP exige que o Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal) examine a importância da questão de direito suscitada em apoio do requerimento de admissão desse recurso para a segurança jurídica, para a aplicação uniforme do direito ou para o desenvolvimento deste.

51

Contudo, resulta ainda de jurisprudência constante que o princípio da interpretação conforme do direito nacional com o direito da União exige que os órgãos jurisdicionais nacionais, nomeadamente no respeito da proibição de interpretação contra legem do direito nacional, façam tudo o que for da sua competência, tomando em consideração todo o direito interno e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, para garantir a plena eficácia da disposição do direito da União em causa e alcançar uma solução conforme com o objetivo por ela prosseguido [v., neste sentido, Acórdãos de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o., C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.os 118 e 119; de 29 de junho de 2017, Popławski, C‑579/15, EU:C:2017:503, n.os 31 a 34; e de 11 de julho de 2024, Skarb Państwa (Atraso de pagamento não significativo ou de crédito reduzido),C‑279/23, EU:C:2024:605, n.o 29 e jurisprudência referida].

52

A exigência de tal interpretação conforme inclui, nomeadamente, a obrigação de os órgãos jurisdicionais nacionais alterarem, sendo caso disso, jurisprudência assente, caso esta se baseie numa interpretação do direito nacional incompatível com os objetivos do direito da União. Assim, um órgão jurisdicional nacional não pode considerar validamente que lhe é impossível interpretar uma disposição nacional em conformidade com o direito da União pelo simples facto de essa disposição ter sido, de forma constante, interpretada num sentido que não é compatível com este direito [v., neste sentido, Acórdãos de 19 de abril de 2016, DI, C‑441/14, EU:C:2016:278, n.os 33 e 34; de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.os 72 e 73, e de 11 de julho de 2024, Skarb Państwa (Atraso de pagamento não significativo ou de crédito reduzido),C‑279/23, EU:C:2024:605, n.o 30 e jurisprudência referida].

53

Tendo em conta o facto de que só os órgãos jurisdicionais nacionais são competentes para interpretar o direito nacional, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se é possível interpretar a legislação nacional em causa no processo principal em conformidade com as exigências do artigo 267.o TFUE. Não obstante, cabe ao Tribunal de Justiça dar ao órgão jurisdicional de reenvio determinadas indicações úteis, atendendo aos elementos que figuram na decisão de reenvio [v., neste sentido, Acórdão de 9 de abril de 2024, Profi Credit Polska (Reabertura do procedimento que terminou com uma decisão definitiva),C‑582/21, EU:C:2024:282, n.o 64].

54

No caso em apreço, tal como resulta das informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio sobre a evolução resultante da jurisprudência do Ustavno sodišče (Tribunal Constitucional) mencionada no n.o 24 do presente acórdão, parece possível uma interpretação conforme da legislação nacional em causa no processo principal.

55

A este respeito, há que observar que as disposições do ZPP em causa no processo principal não parecem proibir o Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal) de apreciar, no âmbito do processo de exame de um requerimento de admissão de um recurso de revista, se a questão relativa à interpretação ou à validade de uma disposição do direito da União suscitada em apoio desse requerimento exige um reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça ou se, pelo contrário, está abrangida por uma das exceções recordadas no n.o 36 do presente acórdão.

56

Em especial, os casos previstos no artigo 367.o-A, n.o 1, do ZPP não parecem ser taxativos. Nestas condições, esta disposição revela‑se suscetível de ser interpretada em conformidade com a obrigação prevista no artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, no sentido de que o critério da importância da questão de direito suscitada para a segurança jurídica, para a aplicação uniforme do direito ou para o desenvolvimento deste, enunciado na referida disposição nacional, inclui a hipótese de a parte no litígio que requer a admissão do recurso de revista suscitar uma questão relativa à interpretação ou à validade de uma disposição do direito da União que não esteja abrangida por nenhuma das exceções referidas no n.o 36 do presente acórdão e que exige, por conseguinte, que o Tribunal de Justiça se pronuncie a título prejudicial tendo em conta os objetivos prosseguidos pelo artigo 267.o TFUE e recordados nos n.os 33 a 35 desse acórdão.

57

A apreciação referida no n.o 55 do presente acórdão não implica um exame mais aprofundado do que aquele que o Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal) é obrigado a efetuar por força do artigo 367.o-A, n.o 1, e do artigo 367.o-B, n.o 4, do ZPP, uma vez que essa apreciação exige apenas que esse órgão jurisdicional se assegure da relevância da questão suscitada para a decisão da causa que lhe foi submetida e que verifique, sendo caso disso, a necessidade de obter do Tribunal de Justiça a interpretação da disposição do direito da União visada por esta questão pelo facto de esta não estar abrangida por nenhuma das exceções recordadas no n.o 36 desse acórdão.

58

Importa ainda sublinhar que a obrigação a que o órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno está sujeito, por força do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, salvo as referidas exceções, não prejudica a sua responsabilidade de decidir em que fase do processo nacional deve submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi, C‑561/19, EU:C:2021:799, n.o 56). Além disso, cabe a esse órgão jurisdicional apreciar se é do interesse de uma boa administração da justiça que essa questão só seja colocada na sequência de um debate contraditório (v., neste sentido, Acórdão de 1 de fevereiro de 2017, Tolley, C‑430/15, EU:C:2017:74, n.o 32).

59

Assim, cabe a um supremo tribunal nacional, chamado a pronunciar‑se sobre um requerimento de admissão de um recurso de revista e que tem a obrigação de proceder a um reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça, decidir se há que proceder a esse reenvio na fase da análise desse requerimento de admissão ou numa fase posterior (v., por analogia, Acórdão de 4 de junho de 2002, Lyckeskog, C‑99/00, EU:C:2002:329, n.o 18). Se decidir apresentar o seu pedido de decisão prejudicial na fase da análise do requerimento de admissão do recurso de revista, deve suspender o tratamento desse requerimento enquanto aguarda a decisão prejudicial e aplicar, em seguida, esta decisão na sua apreciação da questão de saber se há que admitir o recurso de revista.

60

Em face do exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso jurisdicional previsto no direito interno decida, no âmbito de um processo de análise de um requerimento de admissão de um recurso de revista cujo resultado depende da importância da questão de direito suscitada por uma das partes no litígio para a segurança jurídica, para a aplicação uniforme do direito ou para o desenvolvimento deste, indeferir esse requerimento de admissão sem ter apreciado se estava obrigado a submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial relativa à interpretação ou à validade de uma disposição do direito da União suscitada em apoio desse requerimento.

Quanto à segunda questão

61

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 267.o TFUE, lido à luz do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno deve expor na decisão de indeferimento de um requerimento de admissão de um recurso de revista que inclui um requerimento de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça de uma questão relativa à interpretação ou à validade de uma disposição do direito da União, os motivos que justificaram que não tenha procedido a esse reenvio.

62

A este respeito, decorre do sistema instituído pelo artigo 267.o TFUE, lido à luz do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, que, quando um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não são suscetíveis de recurso jurisdicional previsto no direito interno considere, pelo facto de estar na presença de uma das três situações mencionadas no n.o 36 do presente acórdão, que está dispensado da obrigação de submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial, prevista no artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, os fundamentos da sua decisão devem revelar que a questão de direito da União suscitada é irrelevante para a decisão da causa ou que a interpretação da disposição em causa do direito da União se baseia na jurisprudência do Tribunal de Justiça ou, na falta dessa jurisprudência, que a interpretação do direito da União se impõe ao órgão jurisdicional nacional de última instância com tal evidência que não deixa margem para nenhuma dúvida razoável (Acórdão de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi, C‑561/19, EU:C:2021:799, n.o 51).

63

Ora, resulta da resposta à primeira questão que, sem prejuízo da aplicação de um fundamento de inadmissibilidade de natureza puramente processual como os referidos no n.o 49 do presente acórdão, um supremo tribunal nacional como o Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal) não pode indeferir um requerimento de admissão de recurso de revista que suscite uma questão relativa à interpretação ou à validade de uma disposição do direito da União sem apreciar previamente se está obrigado a submeter essa questão ao Tribunal de Justiça a título prejudicial ou se esta última está abrangida por uma das exceções recordadas no n.o 36 deste acórdão.

64

Daqui resulta que, quando esse supremo tribunal nacional decide indeferir esse requerimento ao abrigo de uma dessas exceções, essa decisão deve respeitar a exigência de fundamentação recordada no n.o 62 do presente acórdão.

65

Tendo estas considerações em conta, há que responder à segunda questão que o artigo 267.o TFUE, lido à luz do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno deve expor na decisão de indeferimento de um requerimento de admissão de um recurso de revista que inclui um requerimento de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça de uma questão relativa à interpretação ou à validade de uma disposição do direito da União, os motivos que justificaram que não tenha procedido a esse reenvio, a saber, ou que essa questão é irrelevante para a decisão da causa, ou que a disposição do direito da União em causa já foi objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça, ou que a interpretação correta do direito da União se impõe com uma evidência tal que não deixa margem para nenhuma dúvida razoável.

Quanto às despesas

66

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso jurisdicional previsto no direito interno decida, no âmbito de um processo de análise de um requerimento de admissão de um recurso de revista cujo resultado depende da importância da questão de direito suscitada por uma das partes no litígio para a segurança jurídica, para a aplicação uniforme do direito ou para o desenvolvimento deste, indeferir esse requerimento de admissão sem ter apreciado se estava obrigado a submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial relativa à interpretação ou à validade de uma disposição do direito da União suscitada em apoio desse requerimento.

 

2)

O artigo 267.o TFUE, lido à luz do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno deve expor na decisão de indeferimento de um requerimento de admissão de um recurso de revista que inclui um requerimento de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça de uma questão relativa à interpretação ou à validade de uma disposição do direito da União, os motivos que justificaram que não tenha procedido a esse reenvio, a saber, ou que essa questão é irrelevante para a decisão da causa, ou que a disposição do direito da União em causa já foi objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça, ou que a interpretação correta do direito da União se impõe com uma evidência tal que não deixa margem para nenhuma dúvida razoável.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: esloveno.

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