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Document EESC-2021-05429-AC

Parecer - Comité Económico e Social Europeu - Condições necessárias para a aceitação social da transição energética e hipocarbónica

EESC-2021-05429-AC

PARECER

Comité Económico e Social Europeu

Condições necessárias para a aceitação social da transição energética e hipocarbónica

_____________

Condições necessárias para a aceitação social da transição energética e hipocarbónica

[Parecer exploratório a pedido da Presidência francesa do Conselho da UE]

TEN/760

Relator: Arnaud Schwartz

Correlator: Pierre Jean Coulon

PT

Consulta

Presidência francesa do Conselho, 20/09/2021

Base jurídica

Artigo 304.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção dos Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação

Adoção em secção

10/03/2022

Adoção em plenária

23/03/2022

Reunião plenária n.º

568

Resultado da votação
(votos a favor/votos

contra/abstenções)

224/6/5

1.Conclusões e recomendações

1.1A fim de assegurar uma aceitação social da transição energética com base nas informações recolhidas nas etapas de planeamento e execução, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) solicita a todos os intervenientes em causa que melhorem os seguintes elementos: a independência do processo, a qualidade e acessibilidade da informação, a liberdade e diversidade de participação, a clareza das modalidades, a responsabilização e a tomada em conta da participação no processo de decisão, a transparência e o acompanhamento de um plano ou projeto desde a fase de conceção até à conclusão, bem como a viabilidade económica e a funcionalidade da transição (através de soluções disponíveis como, por exemplo, pontos de carregamento para veículos elétricos convenientemente localizados e em número suficiente).

1.2O CESE insta a UE a promover de forma mais ativa a justiça distributiva e o conceito de «prossumidor» através de incentivos financeiros, uma vez que estes são o fator com maior impacto na aceitação local da transição energética. Esses incentivos devem ser objeto de informações acessíveis e de processos simples. Importa realizar, mais rapidamente do que até aqui, o objetivo da União da Energia, ou seja, colocar os cidadãos no centro da política e assegurar que possam facilmente tornar-se produtores de energia e beneficiar das novas tecnologias. O CESE destaca ainda a importância de os benefícios e custos associados a um projeto serem repartidos de forma justa em cada comunidade.

1.3O CESE propõe que a UE identifique e elimine os obstáculos que explicam, se for caso disso, o nível fraco de participação e adesão dos cidadãos. De modo geral, conceder aos cidadãos e às organizações da sociedade civil visadas a oportunidade de participarem na elaboração de projetos e nas decisões de planeamento aumenta a aceitação social. Por conseguinte, a falta de tempo e a ausência de educação para a cidadania e de responsabilização das autoridades em causa, bem como outros fatores, devem ser objeto de um plano de ação com vista ao desenvolvimento da participação.

1.4O CESE deseja promover uma concertação, ou mesmo uma construção conjunta com os cidadãos e, em particular, com os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil, desde a fase de planeamento, de forma mais aprofundada do que atualmente, com uma articulação clara entre os objetivos e o planeamento a todos os níveis territoriais, até à implantação local da transição. Tal é indispensável para reforçar a aceitação social e alcançar as nossas metas de transição energética a um ritmo adequado.

1.5O CESE sublinha que a melhoria da aceitação pelos cidadãos e pelas partes interessadas afetadas pela transição e pelas mudanças técnicas a ela inerentes exige também atenção e medidas específicas, tais como a educação ao longo da vida, a requalificação e a melhoria de competências dos trabalhadores, a assistência às empresas e as campanhas de informação destinadas aos diversos públicos abrangidos pela transição. A informação deve destacar a mensagem fundamental de que a transição energética é necessária, na medida em que é mais justa e mais limpa, tanto a nível individual como coletivo, e que, a longo prazo, é mais económica para os cidadãos.

1.6No entanto, o CESE reitera que a transição energética exigirá mudanças a nível individual e coletivo por parte das pessoas, das empresas, dos municípios, e não só. A curto prazo, devido ao facto de a política energética ter ignorado, até aqui, as externalidades negativas dos combustíveis fósseis, a descarbonização implicará um aumento dos custos para os produtores e preços mais elevados para os consumidores. Eis porque há necessidade de mais transparência. Com os atuais preços da energia, só muito dificilmente os consumidores aceitarão voluntariamente preços mais elevados. É importante estar ciente deste facto. Assim, importa também comunicar sobre práticas bem-sucedidas em matéria de transição justa. Acontece, porém, que o debate em curso é dominado por histórias negativas. Uma condição fundamental para que a transição seja socialmente aceitável e bem-sucedida é a preservação da competitividade das empresas da UE no mercado mundial, a fim de evitar pressões indesejáveis na economia e o desemprego.

1.7O CESE alerta para o facto de os antigos impostos sobre os combustíveis fósseis e os novos impostos ambientais serem um encargo que afeta desproporcionadamente os orçamentos dos agregados familiares desfavorecidos em relação aos orçamentos dos agregados familiares abastados. Há que eliminar, de forma gradual mas rápida, os subsídios e impostos prejudiciais para o ambiente, tal como tantas vezes prometido pelos dirigentes políticos. Assim, as receitas desses novos impostos verdes devem ser utilizadas, nomeadamente, em prol da inovação social, bem como para subvencionar a transição energética dos agregados familiares vulneráveis e preservar o seu poder de compra.

1.8O CESE salienta igualmente que a transição para uma sociedade hipocarbónica deve colocar o conceito de transição justa no centro da reflexão e da ação. A transição justa deve ser mais do que um conjunto de objetivos políticos, uma vez que é nela que assenta a aceitação social da transição energética. A nível europeu, o pacote Objetivo 55 deve ser completado com um quadro jurídico para uma transição justa, incluindo, por exemplo, as propostas concretas referidas no presente parecer, que podem ser traduzidas no âmbito de planos nacionais em matéria de energia e clima.

1.9O CESE apela para uma reavaliação do pacote Objetivo 55, a fim de melhorar a capacidade de resposta à volatilidade dos preços da energia e aos problemas decorrentes de situações de emergência, incluindo a guerra, e para a introdução de disposições adequadas para gerir tais situações, de modo a evitar efeitos negativos para os utilizadores finais.

2.Contexto e elementos de definição

2.1A humanidade vê-se confrontada com a finitude dos recursos do planeta 1 , o colapso da biodiversidade e o aquecimento global. A transição energética para uma economia neutra em carbono representa uma transformação concreta (nomeadamente através de uma mudança de hábitos, quer individuais quer coletivos) e civilizacional das nossas sociedades. Esta transição deve permitir a redução das nossas necessidades materiais e energéticas de forma democrática, justa e respeitadora dos ecossistemas 2 , assegurando simultaneamente o bem-estar de todos 3 .

2.1.1A exploração continuada dos combustíveis fósseis ao longo das próximas décadas, tal como se faz atualmente, não é uma opção, seja por questões ambientais, sociais ou de abastecimento. Tal significa que a transição para uma sociedade neutra em carbono é uma necessidade urgente.

2.1.2No entanto, no âmbito do crescimento verde 4 , a fraca rendibilidade dos investimentos energéticos em energias alternativas faz pairar sobre as nossas economias a ameaça de um colapso do sistema, não esquecendo o impacto ambiental potencialmente devastador da extração de minérios.

2.1.3O reforço da coerência e da aceitação social implica:

-Reduzir a procura de minerais brutos, melhorando a sua reciclagem;

-Realizar avaliações de impacto para assegurar uma transição mais apta a evitar, reduzir ou compensar o seu impacto;

-Ter uma economia circular no setor das energias renováveis;

-Estimular a eficiência energética e reduzir significativamente a procura global de energia;

-Reavaliar as propostas do pacote Objetivo 55 no sentido de melhorar a capacidade de resposta à volatilidade dos preços da energia e aos problemas decorrentes de situações de emergência, incluindo a guerra.

2.1.4Tendo em conta os limites dos cenários associados ao risco tecnológico e ao fracasso dos sumidouros de carbono ou da eficiência energética, será necessário não só criar uma margem de manobra determinada assente na sobriedade sistémica, repensando os nossos estilos de vida, mas também reforçar a aceitação das medidas de adaptação às alterações climáticas.

2.2Nos últimos anos, as condições para a aceitação social dessa transição têm sido objeto de análises científicas. O CESE refere-se a tais análises no presente parecer, nomeadamente com vista à melhoria das práticas nas instituições da UE e nos Estados-Membros.

2.3A aceitação social de um projeto útil para a transição energética é muito complexa, estando dependente de elementos como a compreensão das tecnologias propostas, dos riscos associados (sociais, sanitários, económicos ...) e das alternativas possíveis, a avaliação dos custos e dos benefícios das opções preconizadas, ou ainda as características do território de acolhimento. A aceitação social implica que esses projetos sejam debatidos com os cidadãos e com todas as partes interessadas, suscitando uma reflexão mais ampla sobre o desenvolvimento do território e os estilos de vida nele desejáveis.

2.4De acordo com os estudos realizados 5 e com o CESE, os principais impulsionadores da aceitação social são:

-A confiança na governação e na justiça processual;

-A natureza justa e financeiramente acessível da transição;

-As preocupações relativas à localização e ao planeamento;

-O efeito dos fatores sociodemográficos;

-A viabilidade sociotécnica.

2.5Vejamos agora o que se entende por esses termos e o que deles podemos deduzir como modalidade para realizar a transição energética rumo a uma economia hipocarbónica.

3.Condições de aplicação

3.1Confiança na governação e na justiça processual

3.1.1Diversos estudos demonstraram que a confiança é fundamental para determinar o nível de aceitação social. Há uma correlação entre justiça processual, confiança e nível de aceitação da transição. Um processo de decisão transparente e a divulgação de informações aumentam o nível de confiança mútua entre os responsáveis pelo desenvolvimento de projetos e as comunidades.

3.1.2Por conseguinte, o CESE reitera que o Estado de direito deve estar no centro das atenções, por exemplo, no que diz respeito à utilização dos vários fundos da UE. Do mesmo modo, considera que a Comissão deve publicar as suas propostas em todas as línguas oficiais de forma rápida e legível, a fim de assegurar uma ampla acessibilidade e participação.

3.1.3Além disso, certos estudos indicam que a participação dos cidadãos ajuda a responder às preocupações da comunidade e a aumentar o nível de confiança mútua. A divulgação de informações é essencial para corrigir quaisquer conceções erradas sobre a transição e as ações ou ferramentas a utilizar com vista à sua concretização. Neste sentido, é importante realizar consultas sobre questões relacionadas, por exemplo, com a localização, os custos e os possíveis impactos ambientais, económicos, sanitários e sociais negativos dos projetos de transição energética, mas também abordar os seus benefícios. Tal contribui igualmente para a aceitação, pelos cidadãos em geral, da construção de novas instalações nas suas imediações.

3.1.4Assim, o CESE considera que a aceitação pela comunidade requer o estabelecimento de um diálogo com os habitantes e as partes interessadas em causa, bem como o desenvolvimento da confiança mútua através de uma comunicação aberta e de oportunidades de participação, tão cedo quanto possível, no desenvolvimento de ações e projetos relacionados com a transição energética 6 , a todos os níveis territoriais pertinentes, do nível local ao nível da UE.

3.1.5O apoio a nível local, em particular pelas organizações da sociedade civil que apoiam publicamente a transição com base na ciência, é importante para promover a participação e fomentar a confiança 7 . Esta rede local pode divulgar informações na esfera pública de forma mais orgânica e ajudar a dissipar quaisquer ideias falsas que circulem.

3.1.6A democracia participativa constitui, atualmente, um elemento-chave do modelo de cidadania europeia. O Tratado de Lisboa assegura a complementaridade entre a democracia representativa e a democracia participativa. A nível internacional, o acesso à informação e a participação dos cidadãos nas fases de planeamento e desenvolvimento são dois dos três pilares da Convenção de Aarhus. A implantação destes pilares deve ainda ser melhorada, tal como a do pilar do acesso à justiça 8 .

3.1.7O debate público, como forma de participação, merece ser incentivado, devendo ser assegurado por um comité de especialistas em participação cívica com experiência comprovada e independente 9 . Trata-se de um elemento imprescindível para assegurar a credibilidade de todo o debate que envolve os cidadãos no desenvolvimento das principais ações relativas ao território em que vivem. Tais debates asseguram uma informação completa e transparente a todas as partes interessadas sobre um determinado plano, um programa ou um projeto em fase de conceção, proporcionando-lhes a oportunidade de exprimirem a sua opinião, tanto individualmente como em grupos organizados, sobre o caráter oportuno das medidas apresentadas.

3.1.8Nos últimos anos, a digitalização da participação dos cidadãos, sem responsabilização nem debate com mediadores terceiros que asseguram este método, tem erodido progressivamente a confiança dos cidadãos. No entanto, para além da informação, a combinação de consultas em linha e reuniões presenciais é necessária 10 para que os cidadãos possam participar em todas as fases e influir nas escolhas a fazer.

3.1.9Com vista a melhorar o diálogo entre todas as partes interessadas, será necessário, por exemplo, na sequência da participação dos cidadãos, que os decisores e os responsáveis pela democracia representativa indiquem por escrito o seguimento dado aos vários contributos recolhidos e qual é a melhoria de que os cidadãos beneficiarão. Essa responsabilização permitiria compreender melhor as razões das suas decisões e aumentaria a confiança na democracia.

3.2Transição justa e acessível

3.2.1Com o pacote Objetivo 55 e a meta da neutralidade carbónica até 2050, o desafio a enfrentar é enorme. Segundo a Comissão Europeia, a consecução das nossas metas para 2030 exigirá um investimento adicional de 350 mil milhões de euros por ano só em matéria de sistemas de produção de energia. A grande questão para o CESE e, obviamente, para a sociedade em geral é a de saber quem pagará, quem investirá, quem beneficiará e, ainda, se os fundos serão suficientes.

3.2.2A justiça distributiva, na perspetiva de uma transição justa e acessível, assegura que os benefícios e não apenas os custos de um projeto são repartidos de forma equitativa. É uma determinante essencial da aceitação social. Os incentivos financeiros, com o mínimo possível de complexidade administrativa ou técnica, acabam por ser o fator de motivação mais importante de aceitação de um projeto relacionado com a transição. Só assim os indivíduos, os agricultores, as PME, as comunidades de energia e outros intervenientes estarão dispostos a aderir ao novo sistema, nomeadamente investindo e assumindo o compromisso de proceder à transformação necessária.

3.2.3Afigura-se evidente que uma condição fundamental para uma transição socialmente aceitável e bem-sucedida rumo a uma economia neutra em carbono é a preservação da competitividade das empresas europeias no mercado mundial, a fim de evitar pressões indesejáveis na economia e o desemprego.

3.2.4Os incentivos financeiros, qualquer que seja a sua forma, (por exemplo, tarifas energéticas mais baixas ou oportunidades de geração de receitas, apoio à economia local, à formação contínua ou à reconversão profissional) são um fator com poder para a aceitação local e para o apoio de um projeto.

3.2.5A perceção dos benefícios pode igualmente contribuir para o reforço da aceitação local. Por exemplo, a criação de postos de trabalho ao nível local, especialmente no caso da transição energética de uma bacia de emprego, é considerada um benefício para a comunidade, podendo favorecer a aceitação de um projeto.

3.2.6A eletricidade proveniente dos sistemas eólicos e solares, em particular, está a tornar-se, ou já se tornou em alguns lugares, a mais acessível e sustentável de todas as soluções. Atualmente, todos os cidadãos locais podem produzir esta eletricidade a baixo custo e beneficiar dela: ao tornarem-se igualmente produtores, o seu papel muda, passando de consumidores a prossumidores. Os seus direitos têm de ser reforçados e salvaguardados. Esta abordagem é especialmente importante face à eletrificação crescente dos setores dos transportes e do aquecimento.

3.2.7Teoricamente, para o clima não importa quem constrói e opera um sistema fotovoltaico ou eólico, mas esta questão é da maior importância para a aceitação local e a economia regional. Concretamente, devem envidar-se esforços particulares a fim de tornar possível esse tipo de participação.

3.2.8O CESE considera que o número de prossumidores e a aceitação social da transição poderão aumentar rapidamente se as seguintes medidas forem adotadas:

a)Autossuficiência da comunidade: se os consumidores operarem os sistemas coletivamente e se a eletricidade neles produzida for consumida localmente, então deveria ser tratada como eletricidade de fonte individual.

b)Partilha de energia: no seio das comunidades de energias renováveis, deverá aplicar-se uma tarifa de rede reduzida à eletricidade que é objeto de uma partilha de energia para ser utilizada pelos produtores.

c)Contagem líquida virtual: as pessoas que não vivem na proximidade imediata de um sistema de energia renovável poderão participar nele e utilizar diretamente a energia produzida. Para isso, a contagem líquida virtual deve ser uma nova possibilidade prevista na legislação, segundo a qual cada quilowatt-hora de eletricidade consumido a partir do sistema em que o consumidor participa é compensado pelo quilowatt-hora que o consumidor retira de outra fonte num momento diferente. Esta contagem já existe na Grécia, na Polónia e na Lituânia, por exemplo.

3.2.9O conceito de prossumidor local também é interessante quando associado a contadores inteligentes que processam os sinais de preços do mercado e permitem um consumo e uma flexibilidade compatíveis com a rede, recompensando-os. Esta combinação pode contribuir para a redução da carga na rede e, deste modo, diminuir a necessidade de expansão da rede.

3.2.10As questões do aumento dos custos da energia e da capacidade dos Estados-Membros para os reduzirem devem estar no centro das futuras medidas políticas. Além de apoiar medidas de emergência para evitar consequências sociais graves, o CESE é também muito favorável às avaliações do mercado que verificam o comportamento dos intervenientes no mercado da energia. Ao mesmo tempo, o CESE recorda os valores comuns da União em matéria de serviços de interesse económico geral na aceção do artigo 14.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), tal como se estabelece no Protocolo n.º 26 relativo aos serviços de interesse geral, anexo ao TFUE. Essas avaliações poderão contribuir para aumentar significativamente a eficiência e eliminar as deficiências do mercado. As autoridades devem controlar o mercado de forma mais eficaz.

3.2.11O CESE apela para uma reavaliação do pacote Objetivo 55, a fim de melhorar a capacidade de resposta à volatilidade dos preços da energia e aos problemas decorrentes de situações de emergência, incluindo a guerra, de modo a evitar efeitos negativos para os utilizadores finais, nomeadamente através da introdução de mecanismos adequados para evitar preços demasiado elevados, como a suspensão temporária da aplicação do CELE.

3.2.12Ao mesmo tempo, será necessário assegurar a justiça social e reduzir a crescente precariedade energética a que os cidadãos europeus estão sujeitos 11 . Segundo a Comissão Europeia, a luta contra as alterações climáticas comporta riscos concretos de agravamento das desigualdades, contra os quais cabe adotar políticas públicas específicas. Trata-se, em particular, de reforçar a formação e a reconversão profissional, bem como de manter sob controlo a subida de alguns preços para os agregados familiares afetados pela «precariedade energética» 12 . Uma transição energética que crie empregos e seja capaz de preservar o poder de compra dos agregados familiares desfavorecidos torna-se socialmente mais aceitável 13 .

3.2.13Além disso, com o objetivo de facilitar a aceitação da transição, consideraram-se diferentes cenários para disponibilizar mais meios aos agregados familiares desfavorecidos, como nas simulações do consórcio Locomotion. No entanto, o CESE reitera a necessidade de expandir e reforçar o Fundo Social para o Clima e o Fundo para uma Transição Justa 14 , da UE, a fim de assegurar efetivamente que ninguém é deixado para trás, levando-se em conta todas as dimensões associadas à exclusão e à marginalização.

3.2.14De modo a ajudar, em particular, os cidadãos mais desfavorecidos a participar na transição energética, será também útil desenvolver e melhorar as políticas redistributivas e, para esse efeito, testar medidas inovadoras 15 , tais como o rendimento básico universal, créditos fiscais, semanas de trabalho mais curtas, a partilha de empregos e programas de garantia do emprego, bem como um papel mais importante para os trabalhadores na governação das empresas.

3.2.15Estas medidas, e outras já citadas, são suscetíveis de reforçar a aceitação da transição, podendo tirar partido da reorientação imediata dos subsídios, do financiamento e dos benefícios fiscais que ainda hoje são atribuídos aos combustíveis fósseis. É importante criar fontes de financiamento para investimentos sustentáveis.

3.2.16Em especial, é recomendável programar imediatamente – e cumprir assim promessas há muito anunciadas – a eliminação do financiamento prejudicial para o ambiente, e criar impostos verdes no âmbito de uma fiscalidade própria 16 , ou seja, com a afetação de fontes de financiamento à transição. Tal permitirá que todos possam compreender e aceitar a ação pública nesta matéria.

3.2.17Com efeito, a aceitação social da fiscalidade ecológica pressupõe uma compensação que tenha em conta os rendimentos das famílias e a respetiva precariedade energética (falta de transportes públicos, mau isolamento das habitações, baixa eficiência do sistema de aquecimento e dos tipos de veículo que possuem, etc.) com vista a ajudá-las 17 a beneficiarem de economias potencialmente realizáveis a longo prazo graças a equipamentos que consomem menos energia.

3.2.18Do mesmo modo, há que experimentar o lançamento do cartão de carbono 18 , que consiste em atribuir licenças de emissão individuais não transmissíveis, a fim de determinar não apenas se o seu potencial pedagógico se traduz, no terreno, em reduções de emissões de gases com efeito de estufa e no reforço da transição energética, mas também se esta última, através desta ferramenta igualitária, vê reforçada a sua aceitação.

3.2.19A exemplaridade dos intervenientes públicos (além das suas práticas e medidas a favor da sobriedade e das energias renováveis, da democracia participativa, do diálogo social e do financiamento das instalações de cidadãos ou ainda das ações de educação em matéria de transição ao longo da vida) dependerá da sua capacidade para colocar na mesa a questão do financiamento e assegurar a sua manutenção a longo prazo, por exemplo, através de um programa plurianual de financiamento destinado à renovação energética com uma obrigação de resultados.

3.2.20Os novos subsídios e medidas fiscais devem ser complementados adequadamente por normas aplicáveis a todos, uma vez que, à semelhança das medidas a adotar para permitir a evolução das interações que refletem condições propícias à transição, tais normas também são necessárias para alcançar o mundo sustentável que desejamos.

3.3Localização e planeamento

3.3.1Muitos dos problemas associados à implantação de projetos úteis à transição energética são causados pelas respetivas características físicas específicas. São necessários esforços adicionais para dar resposta a este tipo de preocupações, nomeadamente através da divulgação de conhecimentos destinados a combater informações falsas e através da aplicação de boas práticas que permitem resolver esses problemas.

3.3.2Em particular, tal implica uma tomada de consciência da herança histórica cultural e urbana (entradas de cidades desfiguradas por áreas comerciais e industriais, estacionamentos que ocupam áreas férteis, áreas residenciais e edifícios suburbanos que resultam na dependência de veículos particulares, entre outros). Atualmente, a transição energética traz mais vantagens do que consequências para a «paisagem». A fim de assegurar a sua sustentabilidade, é necessário evitar, ou pelo menos reduzir e compensar, tanto quanto possível, os efeitos negativos associados à necessidade de ocupação de terras.

3.3.3Tal implica instalar a infraestrutura em causa em lugares onde não esteja em concorrência com a agricultura nem entre em conflito com o respeito pela natureza ou pelo património cultural. Uma das soluções passa por integrar as instalações em espaços urbanos ou industriais já existentes ou situá-las em terras marginais com valor produtivo ou natural pouco significativo.

3.3.4Sempre que a instalação em terras produtivas seja inevitável, esta deve ser integrada, tanto quanto possível, no sistema agrícola, em vez de ocasionar uma reafetação do uso do solo e/ou uma artificialização líquida.

3.3.5Além disso, com vista a informar devidamente todos os cidadãos e ganhar a sua confiança, deve realizar-se, de forma sistemática, avaliações de impacto ambiental rigorosas das instalações, bem como de todos os objetivos e planos nacionais e europeus relacionados com a energia.

3.3.6As avaliações ex post são igualmente essenciais para que a nossa sociedade se mantenha numa dinâmica de melhoria contínua. Além disso, importa estabelecer pontes de diálogo entre todos os níveis territoriais e desenvolver boas ferramentas de acompanhamento e aplicação de políticas que permitem evitar ao máximo a artificialização das terras e a «deslocalização dos problemas ambientais», conforme recomendado em particular pela Agência Europeia do Ambiente (AEA) 19 .

3.3.7Na avaliação ex post de ações e projetos relativos à transição energética, a quantificação dos benefícios económicos locais é um elemento suscetível de gerar aceitação social.

3.3.8Uma solução complementar para o problema da dificuldade em encontrar lugares para a produção energética na Europa passaria pela importação sob forma líquida, tendo como vetor o hidrogénio, da eletricidade verde produzida nos países vizinhos. Na perspetiva da aceitação social, este aspeto deve ser entendido como uma dimensão de codesenvolvimento dessas regiões 20 .

3.4Fatores sociodemográficos

3.4.1Além destas razões, a demografia geral desempenha também um papel nas perceções dos cidadãos. A realização prévia de estudos demográficos contribuiria para formular mais adequadamente a estratégia para a aceitação dos projetos, pois permitiria conhecer a dimensão e a composição do público-alvo mais suscetível de se opor. Tais estudos devem ser acessíveis a todas as partes interessadas.

3.4.2Os níveis mais elevados de aceitação estão associados a um nível de habilitações superior e a uma idade mais jovem. Por conseguinte, é importante desenvolver a educação ao longo da vida (incluindo nas empresas e nos centros de formação profissional) relativa à sobriedade, à participação dos cidadãos e ao investimento em ações coletivas a favor da transição.

3.4.3O CESE propõe que as campanhas de sensibilização para a transição se inspirem na corrente BIMBY (Build In My Backyard [Construir no espaço à minha volta]), em referência à corrente NIMBY (Not in my backyard [Não no espaço à minha volta]), valorizando exemplos que resultam num mimetismo social virtuoso e em benefícios para os cidadãos, uma lista de relatos positivos através de testemunhos e de exemplos concretos de práticas bem-sucedidas adotadas por várias regiões e países, com os quais todos se poderiam identificar.

3.4.4Tudo isto poderá gerar aceitação e vontade de percorrer juntos o caminho rumo a esse novo modo de vida, que implica obrigatoriamente a necessidade atual de substituir os combustíveis fósseis. Cabe afetar recursos a ações de sensibilização que as várias partes interessadas poderiam realizar eficazmente.

3.4.5Não há consenso sobre o efeito direto de fatores sociodemográficos específicos, pois estes têm impactos variados em função do país e do respetivo contexto político. No entanto, esses fatores têm um efeito inegável na aceitação local dos planos e projetos que contribuem para a transição. Por isso, o CESE considera necessário apoiar ações de formação inicial e continuada em matéria de transição energética, em articulação com os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil.

3.4.6No entanto, colocar a tónica na aceitação social significa, por vezes, transferir para o público‑alvo a responsabilidade de adotar ou não as tecnologias em questão, ou seja, considerar que apenas a dimensão social teria um papel na concretização do potencial dessas tecnologias. No entanto, a resistência à aquisição ou à utilização de novas ferramentas pode ser mais complexa 21 .

3.5Viabilidade sociotécnica 22

3.5.1Algumas barreiras à adoção de determinados equipamentos são técnicas, tais como a dificuldade em promover uma cultura menos energívora numa sociedade que, paradoxalmente, fomenta cada vez mais o consumo, o que é marcadamente contrário às mensagens destinadas a promover a poupança energética.

3.5.2A aceitação social refere-se a uma situação complexa de coexistência aceite entre a tecnologia e os utilizadores. Mas a aceitação não significa adoção (veja-se, por exemplo, o caso dos contadores inteligentes que, em teoria, são aceites, mas não são adotados quando o consumidor recusa a sua instalação). A adoção envolve, primeiro, uma espécie de banalização da tecnologia, quando esta já não é posta em causa, a sua utilidade já foi demonstrada e coexiste com outras alternativas tecnológicas, embora sem que haja adesão. A adesão à tecnologia pressupõe a apropriação da mesma, no sentido em que a incorporamos no nosso modo de vida e a consideramos essencial e incontornável.

3.5.3As dificuldades associadas à adoção de tecnologias de transição prendem-se também com o facto de que, na maioria dos casos, estas tecnologias são concebidas com base no pressuposto de que os utilizadores saberão utilizá-las em conformidade com as finalidades para que foram concebidas.

3.5.4É suposto os utilizadores aderirem aos projetos de energia associados a essas tecnologias antes de poderem extrair delas todo o seu potencial. No entanto, vários estudos já demonstraram que até as tecnologias do nosso quotidiano são consideravelmente subutilizadas devido à falta de conhecimentos sobre as suas verdadeiras capacidades e sobre a forma como devem ser utilizadas.

3.5.5A viabilidade sociotécnica pode ser vista como um processo de integração e difusão na sociedade que se enquadra numa escala de tempo assente num certo número de fases. A primeira fase é fundamental, porque diz respeito ao tempo dedicado à investigação e ao desenvolvimento, bem como às controvérsias 23 , ou seja, é a fase que antecipa as mudanças decorrentes da introdução de novas tecnologias. A segunda fase refere-se às primeiras reações à sua utilização. É aqui que as lógicas da conceção são postas à prova face à utilização prevista e à capacidade das tecnologias para se integrarem na sociedade. A última fase é a da banalização e durabilidade. Nesta fase, está em causa a rejeição ou a adoção do projeto, a apropriação do mesmo e as modalidades da sua integração na sociedade.

3.5.6É neste ponto que se assiste às mobilizações locais: os territórios tentam, ou não, fazer face a uma série de desafios graças a essas tecnologias. A integração na sociedade corresponde, assim, às transformações macrossociais que a sua adoção gera.

3.5.7A utilização de uma tecnologia pode alterar profundamente a relação com o mundo, bem como as relações e as representações sociais. Tal só será possível se a tecnologia não se impuser como «um dado adquirido» e, em vez disso, oferecer a possibilidade de ajustes e de novas apropriações. A este respeito, o CESE entende que a neutralidade tecnológica, com base em estudos científicos, bem como a concorrência leal e a possibilidade de testar e debater a utilidade das diferentes tecnologias podem ajudar a melhorar a aceitação social.

3.5.8Assim, ao analisarmos em pormenor o debate sobre a transição energética, verificamos que este se afasta da sua abordagem centrada na tecnologia para evoluir no sentido de uma abordagem mais centrada na sociedade. Este processo implica a contextualização da noção de aceitação social sempre que a transição tenda a colocar a responsabilidade pelos estilos de vida energívoros apenas nos consumidores, incluindo-a na esfera mais ampla da viabilidade sociotécnica, que obriga a questionar o sentido das tecnologias e das escolhas políticas em matéria de energia.

Bruxelas, 23 de março de 2022

Christa Schweng

Presidente do Comité Económico e Social Europeu

_____________

(1)     https://www.footprintnetwork.org/our-work/ecological-footprint/ .
(2)     https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2021/07/IPBES_IPCC_WR_12_2020.pdf .
(3)     https://doughnuteconomics.org/about-doughnut-economics .
(4)     https://eeb.org/library/decoupling-debunked/ ; https://www.eea.europa.eu/publications/growth-without-economic-growth .
(5)    « Trends in Social Acceptance of Renewable Energy Across Europe – A Literature Reviewۛ » [Tendências em matéria de Aceitação Social das Energias Renováveis na Europa – Análise da literatura], 8.12.2020.
(6)    O que a France Nature Environnement preconiza nos seus « scopes » (as ferramentas de ajuda ao posicionamento em relação a determinados projetos, por exemplo, de metanização – «méthascope» – e de construção de parques eólicos – «éoloscope»).
(7)     https://www.fondation-nicolas-hulot.org/sondage-science-et-transition-ecologique-en-qui-les-francais-ont-il-confiance/ .
(8)     JO C 123 de 9.4.2021, p. 66 .
(9)    Como a Commission nationale du débat public [Comissão nacional para o debate público], em França.
(10)    Ver Conselho de Estado francês, Relatório público 2011 «Consulter autrement, participer effectivement» [Consultar de forma diferente, participar eficazmente], La Documentation française 2011.
(11)     Relatório de informação do Comité Económico e Social Europeu – Avaliação da União Europeia da Energia – A dimensão social e societal da transição energética .
(12)    Esta precariedade conduz a fenómenos como o roubo de eletricidade (através da ligação a redes elétricas pertencentes a terceiros), quer por razões associadas à pobreza quer por desobediência civil contra o sistema de comercialização da eletricidade.
(13)     JO C 152 de 6.4.2022, p. 158 ,
(14)     JO C 311 de 18.9.2020, p. 55 .
(15)     https://eeb.org/library/escaping-the-growth-and-jobs-treadmill/ .
(16)     JO C 62 de 15.2.2019, p. 8 .
(17)

   Eurofound, 2015, « Access to social benefits: reducing non-take-up » [Acesso às prestações sociais: reduzir a taxa de não utilização], Serviço das Publicações da União Europeia, Luxemburgo. Nota informativa da Agência Europeia do Ambiente e da Eurofound «Exploring the social challenges of low-carbon energy policies in Europe» [Explorar os desafios sociais das políticas hipocarbónicas na Europa], ef22004en.pdf .

(18)     https://www.socialter.fr/article/carte-carbone-plutot-qu-une-taxe-un-quota-pour-chaque-citoyen-1 .
(19)     https://www.eea.europa.eu/themes/energy/renewable-energy/eu-renewable-electricity-has-reduced .
(20)       JO C 123 de 9.4.2021, p. 30 .
(21)    Por exemplo, a aquisição de um automóvel elétrico implica mudar o modo de condução, ou seja, passar de uma alavanca de velocidades para uma caixa de velocidades automática, o que poderá dissuadir muitas pessoas.
(22)

    https://www.larevuedelenergie.com/les-energies-renouvelables-en-transition-de-leur-acceptabilite-sociale-a-leur-faisabilite-sociotechnique/ .

(23)    Veja-se, por exemplo, num domínio diferente do da transição energética, o caso dos telemóveis inteligentes, que são amplamente aceites e adotados.
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