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Document 62021CC0234(01)
Opinion of Advocate General Campos Sánchez-Bordona delivered on 7 September 2023.#Défense Active des Amateurs d’Armes ASBL and Others v Conseil des ministres.#Request for a preliminary ruling from the Cour constitutionnelle.#Reference for a preliminary ruling – Approximation of laws – Directive 91/477/EEC – Control of the acquisition and possession of weapons – Firearms prohibited or subject to authorisation – Semi-automatic firearms – Directive 91/477, as amended by Directive (EU) 2017/853 – Article 7(4a) – Power of Member States to confirm, renew or prolong authorisations – Presumed impossibility of using that power in respect of semi-automatic firearms converted to fire blanks or into salute or acoustic weapons – Validity – Article 17(1) and Articles 20 and 21 of the Charter of Fundamental Rights of the European Union – Principle of the protection of legitimate expectations.#Case C-234/21.
Conclusões do advogado-geral M. Campos Sánchez-Bordona apresentadas em 7 de setembro de 2023.
Défense Active des Amateurs d’Armes ASBL e o. contra Conseil des ministres.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour constitutionnelle (Bélgica).
Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Diretiva 91/477/CEE — Controlo da aquisição e da detenção de armas — Armas de fogo proibidas ou sujeitas a autorização — Armas de fogo semiautomáticas — Diretiva 91/477, conforme alterada pela Diretiva (UE) 2017/853 — Artigo 7.o, n.o 4‑A — Faculdade de os Estados‑Membros confirmarem, renovarem ou prorrogarem autorizações — Presumível impossibilidade de exercer essa faculdade no que respeita às armas de fogo semiautomáticas transformadas para o tiro de munições sem projétil ou em armas de alarme ou de salva — Validade — Artigo 17.o, n.o 1, e artigos 20.o e 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Princípio da proteção da confiança legítima.
Processo C-234/21.
Conclusões do advogado-geral M. Campos Sánchez-Bordona apresentadas em 7 de setembro de 2023.
Défense Active des Amateurs d’Armes ASBL e o. contra Conseil des ministres.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour constitutionnelle (Bélgica).
Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Diretiva 91/477/CEE — Controlo da aquisição e da detenção de armas — Armas de fogo proibidas ou sujeitas a autorização — Armas de fogo semiautomáticas — Diretiva 91/477, conforme alterada pela Diretiva (UE) 2017/853 — Artigo 7.o, n.o 4‑A — Faculdade de os Estados‑Membros confirmarem, renovarem ou prorrogarem autorizações — Presumível impossibilidade de exercer essa faculdade no que respeita às armas de fogo semiautomáticas transformadas para o tiro de munições sem projétil ou em armas de alarme ou de salva — Validade — Artigo 17.o, n.o 1, e artigos 20.o e 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Princípio da proteção da confiança legítima.
Processo C-234/21.
Court reports – general
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:644
CONCLUSÕES COMPLEMENTARES DO ADVOGADO‑GERAL
MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA
apresentadas em 7 de setembro de 2023 ( 1 )
Processo C‑234/21
Défense Active des Amateurs d’Armes ASBL,
NG,
WL
contra
Conseil des ministres
[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional, Bélgica)]
«Reenvio prejudicial — Reabertura da fase oral — Aproximação das legislações — Controlo da aquisição e da detenção de armas de fogo — Armas de fogo proibidas — Diretiva 91/477/CEE — Artigo 7.o, n.o 4‑A — Regime transitório para determinadas armas de fogo semiautomáticas — Artigo 17.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito de propriedade — Inexistência da faculdade de os Estados preverem um regime transitório para armas de fogo — Apreensão sem indemnização»
I. Reabertura do processo no Tribunal de Justiça
1. |
A Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional) recorre ao Tribunal de Justiça pedindo‑lhe que se pronuncie sobre a validade do artigo 7.o, n.o 4‑A, da Diretiva 91/477 ( 2 ). Entendia que essa disposição pode violar os direitos de igualdade perante a lei, de não discriminação e de propriedade, previstos, respetivamente, nos artigos 20.o, 21.o e 17.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), e o princípio da proteção da confiança legítima. |
2. |
O Tribunal de Justiça decidiu distribuir o processo à Primeira Secção, na qual se realizou audiência em 19 de setembro de 2022. Em 24 de novembro de 2022, apresentei as minhas conclusões ( 3 ). |
3. |
A Primeira Secção decidiu posteriormente, nos termos do artigo 60.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, propor que o processo fosse redistribuído a uma formação jurisdicional mais importante. |
4. |
O Tribunal de Justiça acedeu a essa proposta e redistribuiu o processo à Grande Secção, que, por Despacho de 28 de fevereiro de 2023, ordenou a reabertura da fase oral e convidou os interessados a participarem em nova audiência, centrada nas seguintes questões:
|
5. |
O Governo Belga, o Conselho, o Parlamento e a Comissão Europeia responderam a estas questões na audiência realizada em 8 de maio de 2023. |
II. Apreciação
6. |
A pedido do Tribunal de Justiça, limitarei estas conclusões complementares à análise das perguntas quarta e quinta que acabo de transcrever. |
7. |
Quanto aos factos e ao quadro jurídico (da União e nacional) em que se insere o pedido de decisão prejudicial, remeto para os n.os 13 a 20 das primeiras conclusões. |
8. |
Remeto igualmente para o conteúdo das primeiras conclusões, sem necessidade de as reproduzir, nas quais me inclinei por considerar que o artigo 7.o, n.o 4‑A, da Diretiva 91/477 não era válido, pois violava os artigos 17.o e 20.o da Carta. |
9. |
Limitar‑me‑ei, assim, a expor o meu ponto de vista sobre as perguntas quarta e quinta que o Tribunal de Justiça formulou, bem como as observações que, a respeito das mesmas, fizeram os participantes na audiência de 8 de maio de 2023. |
A. Quarta pergunta do Tribunal de Justiça
10. |
O Tribunal de Justiça coloca esta pergunta «[n]o caso de ser violado o princípio da igualdade de tratamento consagrado no artigo 20.o da Carta». Partindo desta premissa, pergunta‑se se essa violação «implicará necessariamente uma violação do artigo 17.o da Carta, na medida em que a base jurídica da limitação ao direito de propriedade em causa estará viciada pela violação do artigo 20.o da Carta». |
11. |
O teor da pergunta torna desnecessário, portanto, o reinício do debate sobre a comparabilidade das duas categorias de possuidores de armas de fogo ( 4 ) a quem o artigo 7.o, n.o 4‑A, da Diretiva 91/477 dá um tratamento desigual, sem justificação razoável. A premissa subjacente à pergunta é, repito, que as situações são comparáveis e que os titulares de umas e outras armas tiveram um tratamento contrário ao princípio da igualdade. |
12. |
Na audiência, foram defendidas duas posições claramente diferenciadas sobre esta pergunta:
|
13. |
Na realidade, nem todas as violações do direito da igualdade face à lei implicarão necessariamente a violação do artigo 17.o, n.o 1, da Carta ( 7 ). Só na análise do caso concreto se poderá dilucidar se uma violação leva à outra (isto é, à expropriação de direitos legítimos que dá origem a «justa indemnização pela respetiva perda») ou se, antes, existe um concurso de duas violações em paralelo dos respetivos artigos da Carta. |
14. |
Se não existisse o regime transitório do artigo 7.o, n.o 4‑A, da Diretiva 91/477, não se teria verificado o tratamento desigual entre os titulares de ambas as categorias de armas. Contudo, a proibição absoluta, sem nenhum regime transitório, de conservar as armas semiautomáticas (adquiridas licitamente) imposta a uns e não a outros titulares que se encontrem em situações comparáveis leva a declarar, só por isso, a invalidade do preceito por violação do artigo 20.o da Carta. |
15. |
Estando viciado de raiz esse preceito da Diretiva 91/477, a expropriação das armas que implica para determinados possuidores de armas infringe, além disso, o artigo 17.o, n.o 1, da Carta por violação das garantias que estabelece. Entendo, portanto, que o que se verifica é uma dupla violação de direitos da Carta. |
B. Quinta pergunta do Tribunal de Justiça
16. |
A quinta pergunta prevê, como hipótese, que a leitura conjugada dos artigos 6.o e 7.o, n.o 4‑A, da Diretiva 91/477 leve essa Diretiva a impor por si própria aos Estados‑Membros, sem lhes deixar nenhuma margem de apreciação, a obrigação de expropriarem aos proprietários as suas armas da categoria A, ponto 9. |
17. |
Para essa hipótese, o que o Tribunal de Justiça queria ouvir dos participantes na audiência era se, por força do artigo 17.o da Carta, cabia ao legislador da União ou aos Estados‑Membros prever uma indemnização a favor dos proprietários das armas a apreender ( 8 ). |
18. |
As posições estiveram novamente divididas:
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19. |
Nas minhas primeiras conclusões assinalei que é certo que o legislador da União pode excluir a possibilidade de manter a propriedade de armas de fogo prévia e legalmente adquiridas, tendo em conta a utilização dos bens na medida do necessário ao interesse geral, na aceção do artigo 17.o, n.o 1, terceiro período, da Carta. |
20. |
Ora, se o legislador da União decidir nesse sentido para uma categoria de armas (prévia e licitamente adquiridas) relativamente às que, não podendo beneficiar das exceções gerais, é apenas possível o abandono ou a inutilização definitiva, só respeitará a garantia do direito de propriedade mediante a compensação do titular desapossado. |
21. |
A previsão de compensação não consta da Diretiva 91/477, na redação dada pela Diretiva 2017/853. A Diretiva 91/477 (conforme alterada), ao não deixar aos Estados‑Membros qualquer margem de apreciação para modularem o destino das armas semiautomáticas adaptadas ao tiro de munição de fogo, leva a que a responsabilidade sobre a (obrigatória) apreensão das armas não possa ser imputada a esses Estados. |
22. |
Neste caso, o título de imputação recai única e exclusivamente sobre as instituições da União: foram estas quem instituíram um regime jurídico por força do qual, sem um período de transição, uma inteira categoria de armas de fogo não pode continuar a ser objeto de propriedade, quando os seus titulares as tinham adquirido legitimamente. |
23. |
O centro de gravidade do debate situa‑se, portanto, na compensação devida pela privação imediata. Neste sentido, os critérios do Acórdão Comissão/Hungria (Usufruto de terrenos agrícolas) são pertinentes. |
24. |
Particularmente oportuno é o exame que esse acórdão faz do artigo 17.o, n.o 1, segundo período, da Carta:
|
25. |
Ora, estes critérios sobre a interpretação do artigo 17.o, n.o 1, da Carta são tão aplicáveis ao direito dos Estados‑Membros como ao direito (derivado) da União. Uma legislação, seja de um Estado‑Membro, seja da União, que tenha caráter materialmente expropriatório deve conter as disposições que estabeleçam a indemnização dos titulares de direitos desapossados e que reja as suas condições. |
26. |
Se assim não fosse, o Tribunal de Justiça poderia ser acusado de usar dois pesos e duas medidas, um para os Estados‑Membros e outro para as instituições da União, ao interpretar a Carta. Esta última não fornece uma base para afirmar a existência de um duplo padrão de decisão consoante a avaliação da legalidade incida sobre normas nacionais ou sobre normas da União. |
27. |
Com efeito, as disposições da Carta «têm por destinatários as instituições, órgãos e organismos da União […] bem como os Estados‑Membros […] quando apliquem o direito da União» (artigo 51.o). Por conseguinte, a jurisprudência assente no processo Comissão/Hungria (Usufruto de terrenos agrícolas) é tão válida para os Estados (quando aplicam o direito da União) como para as instituições e órgãos da União (em qualquer caso). |
28. |
No restante, o Tribunal de Justiça declarou que «um ato normativo [da União] cuja aplicação conduz a restrições ao direito de propriedade […], suscetíveis de pôr em causa de forma desmedida e intolerável a própria substância do[…] referido[…] direito[…], eventualmente por não ter previsto precisamente uma indemnização adequada para evitar ou corrigir o referido prejuízo, pode implicar a responsabilidade extracontratual da [União]» ( 11 ). |
29. |
Neste processo, em que a proibição das armas de fogo, sem alternativa possível, leva à sua apreensão imediata, a restrição afeta a essência do direito com uma intensidade máxima. Pressupõe a privação, sem indemnização, de um objeto integrado licitamente no património do seu titular. A disposição que criava essa privação (a Diretiva 91/477) devia ter previsto a correspondente indemnização. |
30. |
Em suma, cabia ao legislador da União prever uma indemnização a favor dos proprietários das armas a apreender, em cumprimento do artigo 7.o, n.o 4‑A, da Diretiva 91/477. |
III. Conclusão
31. |
Em face do exposto, mantenho a minha proposta de resposta ao pedido de decisão prejudicial da Cour Constitutionnelle (Tribunal Constitucional, Bélgica), à qual acrescento que cabia ao legislador da União prever uma indemnização a favor dos proprietários das armas a apreender, em cumprimento do artigo 7.o, n.o 4‑A, da Diretiva 91/477/CEE do Conselho, de 18 de junho de 1991, relativa ao controlo da aquisição e da detenção de armas, com a redação dada pela Diretiva (UE) 2017/853 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2017. |
( 1 ) Língua original: espanhol.
( 2 ) Diretiva 91/477/CEE do Conselho, de 18 de junho de 1991, relativa ao controlo da aquisição e da detenção de armas (JO 1991, L 256, p. 51).
( 3 ) EU:C:2022:929 (a seguir «primeiras conclusões»).
( 4 ) Isto é, os titulares de armas da categoria A, pontos 6 a 8, por um lado, e os titulares de armas da categoria A, ponto 9, por outro.
( 5 ) O Conselho não deu uma resposta expressa a essa pergunta: em seu entender, a heterogeneidade das legislações nacionais sobre a necessidade de autorização das armas de fogo justificava a exigência de uma atuação harmonizadora que, além das situações individuais, proporcionasse soluções gerais em função dos motivos de interesse público que motivaram a reforma.
( 6 ) Diretiva (UE) 2017/853 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2017, que altera a Diretiva 91/477/CEE do Conselho relativa ao controlo da aquisição e da detenção de armas (JO 2017, L 137, p. 22). Ao argumentar desse modo, ambas as instituições se desviaram do que constituía o verdadeiro núcleo da pergunta.
( 7 ) A Comissão pareceu sustentar esta perspetiva na audiência ao afirmar que os termos de avaliação dos artigos 17.o, n.o 1, e 20.o da Carta são diferentes. Enquanto o artigo 20.o compara situações de dois grupos à luz de critérios que estabelecem alguma diferença de tratamento, o artigo 17.o, n.o 1, tem em conta a situação de um sujeito face aos poderes públicos. Neste contexto, a comparação de situações de diferentes grupos não seria decisiva.
( 8 ) Um ou outro dos participantes na audiência duvidou de que se verificasse, na realidade, uma expropriação das armas. Não entrarei nesse debate (afetado por um certo nominalismo), pois a quinta pergunta formulada pelo Tribunal de Justiça assenta na premissa de existir uma verdadeira expropriação e centra‑se unicamente em quem deve indemnizar.
( 9 ) Acórdão Comissão/Hungria (Usufruto de terrenos agrícolas), C‑235/17, EU:C:2019:432; a seguir «Acórdão Comissão/Hungria (Usufruto de terrenos agrícolas)».
( 10 ) Acórdão Comissão/Hungria (Usufruto de terrenos agrícolas), n.o 126.
( 11 ) Acórdão de 9 de setembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão (C‑120/06 P e C‑121/06 P, EU:C:2008:476, n.o 184).