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Document 62014CJ0429

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 17 de fevereiro de 2016.
Air Baltic Corporation AS contra Lietuvos Respublikos specialiųjų tyrimų tarnyba.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas.
Reenvio prejudicial — Transporte aéreo — Convenção de Montreal — Artigos 19.°, 22.° e 29.° — Responsabilidade da transportadora aérea em caso de atraso no transporte internacional de passageiros — Contrato de transporte celebrado pelo empregador de passageiros — Dano resultante de um atraso — Dano sofrido pelo empregador.
Processo C-429/14.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:88

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

17 de fevereiro de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Transporte aéreo — Convenção de Montreal — Artigos 19.°, 22.° e 29.° — Responsabilidade da transportadora aérea em caso de atraso no transporte internacional de passageiros — Contrato de transporte celebrado pelo empregador de passageiros — Dano resultante de um atraso — Dano sofrido pelo empregador»

No processo C‑429/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Lituânia), por decisão de 16 de setembro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de setembro de 2014, no processo

Air Baltic Corporation

contra

Lietuvos Respublikos specialiųjų tyrimų tarnyba,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, D. Šváby, J. Malenovský (relator), M. Safjan e M. Vilaras, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 15 de outubro de 2015,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Air Baltic Corporation AS, por I. Jansons, consultor jurídico, M. Freimane, jurista, e E. Matulionytė, avokatė,

em representação do Governo lituano, por D. Kriaučiūnas e A. Svinkūnaitė, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por T. Henze, J. Möller e J. Kemper, na qualidade de agentes,

em representação do Governo francês, por D. Colas e M.‑L. Kitamura, na qualidade de agentes,

em representação do Governo letão, por L. Skolmeistare e I. Kalniņš, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Steiblytė, N. Yerrell e J. Jokubauskaitė, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 19.°, 22.° e 29.° da Convenção para a unificação de certas regras relativas ao Transporte Aéreo Internacional, celebrada em Montreal, em 28 de maio de 1999, e aprovada, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2001/539/CE do Conselho, de 5 de abril de 2001 (JO L 194, p. 38, a seguir «Convenção de Montreal»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Air Baltic Corporation AS (a seguir «Air Baltic») e o Lietuvos Respublikos specialiųjų tyrimų tarnyba (Serviço de Investigação Especial da República da Lituânia, a seguir «Serviço de Investigação»), a respeito da indemnização do dano causado a este último pelo atraso de voos que transportaram dois dos seus agentes ao abrigo de um contrato de transporte internacional de passageiros celebrado com a Air Baltic.

Quadro jurídico

3

O preâmbulo da Convenção de Montreal expõe, designadamente, no seu terceiro parágrafo, que os Estados Partes nesta Convenção «reconhece[m] a importância de assegurar a proteção dos interesses dos utilizadores do transporte aéreo internacional, bem como a necessidade de uma indemnização equitativa com base no princípio da restituição». Expõe igualmente, no seu quinto parágrafo, que estes estão «convictos de que uma ação coletiva dos Estados atinente a uma maior harmonização e codificação de certas regras relativas ao transporte aéreo internacional […] constitui o meio mais adequado de alcançar um justo equilíbrio de interesses».

4

O capítulo I desta Convenção, intitulado «Disposições gerais», inclui o artigo 1.o, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», que estipula, designadamente:

«1.   A presente Convenção aplica‑se a todas as operações de transporte internacional de pessoas, bagagens ou mercadorias em aeronave efetuadas a título oneroso. A presente Convenção aplica‑se igualmente às operações gratuitas de transporte em aeronave efetuadas por uma empresa de transportes aéreos.

2.   Para efeitos da presente Convenção, entende‑se por ‘transporte internacional’ todas as operações de transporte em que, segundo as estipulações das partes, o ponto de partida e o ponto de destino, independentemente de se verificar uma interrupção do transporte ou um transbordo, se situam no território dos dois Estados Partes ou no território de um único Estado Parte, caso tenha sido acordada uma escala no território de um terceiro Estado, mesmo que este não seja parte na Convenção. [...]

3.   Para efeitos da presente Convenção, o transporte a realizar por várias transportadoras sucessivas é considerado um transporte único e indiviso caso tenha sido considerado pelas partes uma única operação, independentemente de ter sido acordado sob a forma de um único contrato ou de uma série de contratos, e não perde o seu caráter internacional pelo facto de um contrato, ou uma série de contratos, dever ser integralmente executado no território do mesmo Estado.

[...]»

5

O capítulo II da referida Convenção, intitulado «Documentação e deveres das partes referentes ao transporte de passageiros, bagagens e mercadorias», inclui um artigo 3.o, sob a epígrafe «Passageiros e bagagens», cujo n.o 5 estipula:

«O incumprimento das disposições previstas nos números precedentes não afeta a existência ou a validade do contrato de transporte que deve, no entanto, observar as regras previstas na presente Convenção, incluindo as relativas à limitação da responsabilidade.»

6

O capítulo III da mesma Convenção, intitulado «Responsabilidade da transportadora e limites da indemnização por danos», inclui os artigos 17.° a 37.° da mesma.

7

O artigo 19.o da Convenção de Montreal, sob a epígrafe «Atrasos», dispõe:

«A transportadora é responsável pelo dano resultante de atraso no transporte aéreo de passageiros, bagagens ou mercadorias. Não obstante, a transportadora não será responsável pelo dano resultante de atraso se provar que ela ou os seus trabalhadores ou agentes adotaram todas as medidas que poderiam razoavelmente ser exigidas para evitar o dano ou que lhes era impossível adotar tais medidas.»

8

O artigo 22.o desta Convenção, sob a epígrafe «Limites da responsabilidade por atrasos, bagagens e mercadorias», prevê, no seu n.o 1:

«No transporte de pessoas, em caso de dano causado por atraso, conforme especificado no artigo 19.o, a responsabilidade da transportadora está limitada a 4150 direitos de saque especiais por passageiro.»

9

O artigo 25.o da referida Convenção, sob a epígrafe «Determinação dos limites», dispõe:

«As transportadoras poderão estipular que o contrato de transporte fique sujeito a limites de responsabilidade superiores aos previstos na presente Convenção ou a nenhum limite de responsabilidade.»

10

O artigo 29.o da mesma Convenção, sob a epígrafe «Fundamento dos pedidos», prevê:

«No transporte de passageiros, bagagens e mercadorias, as ações por danos, qualquer que seja o seu fundamento, quer este resida na presente Convenção, em contrato, em ato ilícito ou em qualquer outra causa, só podem ser intentadas sob reserva das condições e limites de responsabilidade previstos na presente Convenção, sem prejuízo da determinação de quais as pessoas com legitimidade para a ação e de quais os direitos que lhes assistem. Em tais ações, as transportadoras não podem ser condenadas no pagamento de indemnizações punitivas, exemplares ou outras indemnizações não compensatórias.»

11

O artigo 33.o da Convenção de Montreal, sob a epígrafe «Jurisdição», prevê, no seu n.o 1:

«A ação por danos deve ser intentada, à escolha do autor, no território de um dos Estados Partes, seja perante o tribunal da sede da transportadora, do estabelecimento principal desta ou do estabelecimento em que tenha sido celebrado o contrato, seja perante o tribunal do local de destino.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

O Serviço de Investigação adquiriu, por intermédio de uma agência de viagens, bilhetes de avião destinados a permitir a dois dos seus agentes efetuar um trajeto entre Vilnius (Lituânia) e Bacu (Azerbaijão), via Riga (Letónia) e Moscovo (Rússia), para efeitos de uma missão profissional. Nesse âmbito, estava previsto que os agentes em questão partissem de Vilnius, em 16 de janeiro de 2011, às 9h55, e chegassem a Bacu, no mesmo dia, às 22h40. Estava igualmente previsto que os voos entre Vilnius, Riga e Moscovo fossem efetuados pela Air Baltic.

13

Os agentes do Serviço de Investigação partiram de Vilnius e chegaram a Riga à hora prevista. Em contrapartida, o voo seguinte descolou de Riga e aterrou atrasado em Moscovo. Consequentemente, não puderam apanhar o terceiro voo que devia levá‑los de Moscovo a Bacu. Por este motivo, a Air Baltic transferiu‑os para outro voo, que partiu de Moscovo e chegou a Bacu no dia seguinte ao dia previsto.

14

Uma vez que o atraso de mais de catorze horas com que os interessados chegaram ao seu destino final implicou o prolongamento da sua missão profissional, o Serviço de Investigação pagou‑lhes, em conformidade com a regulamentação lituana, ajudas de custo diárias e contribuições sociais suplementares, no valor total de 1168,35 litas lituanas (LTL) (cerca de 338 euros). Posteriormente, o mesmo Serviço pediu à Air Baltic que o indemnizasse pelo referido pagamento, tendo esta recusado dar seguimento favorável a esse pedido.

15

Nestas circunstâncias, o Serviço de Investigação intentou no Vilniaus miesto 1‑asis apylinkės teismas (Primeiro Tribunal Distrital da Cidade de Vilnius) uma ação pedindo a condenação da Air Baltic no pagamento de 1168,35 LTL (cerca de 338 euros), a título de indemnização. Por sentença de 30 de novembro de 2012, o referido tribunal julgou o pedido procedente.

16

A Air Baltic interpôs recurso dessa sentença para o Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vilnius). Este negou provimento ao recurso e confirmou a referida sentença em acórdão de 7 de novembro de 2013.

17

A Air Baltic interpôs então recurso de cassação no Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Tribunal Supremo da Lituânia).

18

No âmbito desse recurso, a Air Baltic alegou que uma pessoa coletiva, como o Serviço de Investigação, não tem o direito de invocar a responsabilidade do transportador aéreo prevista no artigo 19.o da Convenção de Montreal. Alega, em substância, que essa responsabilidade só se aplica aos próprios passageiros, e não a outras pessoas, por maioria de razão quando não são pessoas singulares e não podem, consequentemente, ser consideradas utilizadores.

19

Por sua vez, o Serviço de Investigação alega, em substância, que a responsabilidade da transportadora aérea, prevista no referido artigo 19.o, também deve valer para uma pessoa que, como este Serviço, é parte num contrato de transporte internacional de passageiros celebrado com uma transportadora aérea, por um lado, e sofreu um dano devido a um atraso, por outro.

20

Nestas condições, o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Tribunal Supremo da Lituânia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem os artigos 19.°, 22.° e 29.° da Convenção de Montreal ser interpretados no sentido de que uma transportadora aérea é responsável perante terceiros, designadamente perante o empregador dos passageiros, pessoa coletiva com a qual celebrou um contrato de transporte internacional de passageiros, pelos danos resultantes do atraso num voo, em razão do qual o demandante (empregador) incorreu em despesas adicionais (por exemplo, o pagamento de [ajudas de custo diárias])?

2)

Em caso de resposta negativa à primeira questão, deve o artigo 29.o da Convenção de Montreal ser interpretado no sentido de que esses terceiros têm o direito de propor contra a transportadora aérea uma ação com fundamento noutra base jurídica, por exemplo o direito nacional?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

21

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Convenção de Montreal, designadamente os seus artigos 19.°, 22.° e 29.°, deve ser interpretada no sentido de que uma transportadora aérea que celebrou um contrato de transporte internacional com o empregador de pessoas transportadas como passageiros, como o que está em causa no processo principal, é responsável, perante esse empregador, pelos danos resultantes de atrasos dos voos efetuados pelos seus trabalhadores em aplicação desse contrato, decorrentes das despesas adicionais incorridas pelo referido empregador.

22

Cabe precisar, a título preliminar, que a Convenção de Montreal foi assinada pela Comunidade Europeia, em 9 de dezembro de 1999, e aprovada, em nome desta, pelo Conselho da União Europeia, em 5 de abril de 2001. Entrou em vigor em 28 de junho de 2004, no que respeita à União Europeia.

23

Daqui resulta que as disposições da Convenção de Montreal fazem parte integrante, a partir dessa entrada em vigor, da ordem jurídica da União e que, consequentemente, o Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a sua interpretação (v., neste sentido, acórdãos IATA e ELFAA, C‑344/04, EU:C:2006:10, n.o 36, e Walz, C‑63/09, EU:C:2010:251, n.o 20), entendendo‑se que esta Convenção foi feita nas línguas inglesa, árabe, chinesa, espanhola, francesa e russa e que cada uma destas seis versões linguísticas faz fé.

24

Quanto a essa interpretação, cabe sublinhar que, segundo jurisprudência constante, um tratado internacional deve ser interpretado em função dos termos em que está redigido e à luz dos seus objetivos. O artigo 31.o da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969, que codifica as regras do direito internacional geral, que vinculam a União, precisa, a este respeito, que um tratado deve ser interpretado de boa‑fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos do tratado no seu contexto e à luz dos respetivos objeto e fim (v., neste sentido, acórdãos IATA e ELFAA, C‑344/04, EU:C:2006:10, n.o 40, e Walz, C‑63/09, EU:C:2010:251, n.o 23).

25

Quanto ao mérito, importa salientar que o artigo 29.o da Convenção de Montreal, relativo aos recursos, prevê que, no transporte de passageiros, bagagens e mercadorias, as ações por danos, qualquer que seja o seu fundamento, quer este resida na Convenção, em contrato, em ato ilícito ou em qualquer outra causa, só podem ser intentadas sob reserva das condições e limites de responsabilidade previstos na referida Convenção, sem prejuízo da determinação de quais as pessoas com legitimidade para a ação e de quais os direitos que lhes assistem. Dispõe ainda que, em tais ações, não pode haver condenações no pagamento de indemnizações punitivas, exemplares ou outras indemnizações não compensatórias.

26

Daqui decorre que, para determinar se é possível intentar uma ação de indemnização invocando a responsabilidade de uma transportadora aérea com base na Convenção de Montreal, importa verificar previamente se um dano como o que está em causa no processo principal, devido ao qual essa responsabilidade é invocada, está abrangido pelo âmbito de aplicação da referida Convenção.

27

A este respeito, resulta do artigo 19.o da Convenção de Montreal que a transportadora aérea tem, em princípio, uma obrigação geral de indemnizar qualquer «dano resultante de atraso no transporte aéreo de passageiros, bagagens ou mercadorias».

28

Embora este artigo caracterize o dano indemnizável em caso de atraso pelo facto gerador desse dano, não precisa a pessoa a quem esse dano pode ter sido causado.

29

Nestas circunstâncias, importa observar que o artigo 19.o da Convenção de Montreal, apesar de não ter previsto expressamente a responsabilidade de uma transportadora aérea perante um empregador, como o que está em causa no processo principal, em caso de dano resultante do atraso de voos efetuados em aplicação do contrato de transporte internacional entre esse empregador e esse transportador, é suscetível de ser interpretado no sentido de que se aplica não apenas ao dano que foi causado a um passageiro mas também ao dano sofrido por esse empregador.

30

Atendendo à jurisprudência recordada no n.o 24 do presente acórdão, importa determinar se esta interpretação resultante do teor do artigo 19.o da Convenção de Montreal é corroborada pelo contexto em que se insere este artigo e pelos objetivos desta Convenção.

31

A este respeito, importa, em primeiro lugar, observar que o artigo 22.o, n.o 1, da Convenção de Montreal, na sua versão em língua francesa, circunscreve o conceito de dano resultante de um atraso, para efeitos de limitar a responsabilidade da transportadora aérea, unicamente ao dano «subi par des passagers» [dano sofrido por passageiros].

32

Todavia, esta disposição remete expressamente para o artigo 19.o da Convenção de Montreal, pelo que não pode ser entendida no sentido de que define o conceito de dano de forma diferente da desse artigo.

33

Além disso, as versões inglesa, espanhola e russa do artigo 22.o, n.o 1, da Convenção de Montreal diferem da versão em língua francesa, na medida em que as primeiras se referem ao dano resultante de um atraso («damage caused by delay», «daño causado por retraso» e «вред, причиненный при перевозке лиц в результате задержки»), sem limitar esse dano ao que é sofrido unicamente pelos passageiros.

34

A leitura do artigo 22.o, n.o 1, da Convenção de Montreal, nas suas diferentes versões linguísticas autênticas, é, portanto, suscetível de corroborar a interpretação que figura no n.o 29 do presente acórdão.

35

Em segundo lugar, decorre do artigo 1.o, n.o 1, da Convenção de Montreal, que precisa o seu âmbito de aplicação, que esta Convenção se aplica a todas as operações de transporte internacional de pessoas, bagagens ou mercadorias em aeronave efetuadas a título oneroso.

36

Esta disposição limita‑se, portanto, a englobar, de maneira geral, as pessoas na sua qualidade de passageiros transportados, da mesma forma que as bagagens e as mercadorias, a título de um transporte aéreo internacional.

37

Em contrapartida, não define as pessoas que recorrem aos serviços de uma transportadora aérea internacional para fazer transportar determinadas bagagens, mercadorias ou passageiros e que são suscetíveis de sofrer, a esse título, um dano.

38

Todavia, a este respeito, há que interpretar o artigo 1.o, n.o 1, da Convenção de Montreal à luz do terceiro parágrafo do preâmbulo desta Convenção, que sublinha a importância de assegurar a proteção dos interesses dos utilizadores do transporte aéreo internacional, entendendo‑se que o conceito de «utilizador», na aceção desta Convenção, não se confunde com o de «passageiro», incluindo, consoante os casos, pessoas que não são elas próprias transportadas e que, portanto, não são passageiros.

39

Atendendo a esse objetivo, a falta de referência, na letra do artigo 1.o, n.o 1, da Convenção de Montreal, às pessoas que recorrem aos serviços de uma transportadora aérea internacional com vista a fazer transportar os seus funcionários como passageiros não pode ser entendida no sentido de que essas pessoas e, consequentemente, os danos que elas são suscetíveis de sofrer a esse título são excluídos do âmbito de aplicação desta Convenção.

40

Assim, decorre da análise do artigo 1.o, n.o 1, da Convenção de Montreal que os danos sofridos por essas pessoas são suscetíveis de ser abrangidos pelo âmbito de aplicação desta Convenção.

41

Em terceiro e último lugar, decorre de várias disposições convergentes da Convenção de Montreal que esta institui um nexo entre a responsabilidade da transportadora aérea, por um lado, e a existência de um contrato de transporte internacional celebrado entre essa transportadora aérea e outra parte, por outro, sem que o facto de essa outra parte ser ela própria ou não um passageiro seja particularmente pertinente para desencadear a responsabilidade do transportador nos termos desse contrato.

42

Assim, o artigo 1.o, n.o 2, da Convenção de Montreal refere‑se, para definir o conceito de transporte internacional, às «estipulações das partes» relativas aos pontos de partida e de destino desse transporte, indicando que este deve ser entendido num quadro contratual.

43

Além disso, conforme se salientou no n.o 25 do presente acórdão, resulta do artigo 29.o da Convenção de Montreal que as ações por danos, qualquer que seja o seu fundamento, quer este resida na Convenção, em contrato, em ato ilícito ou em qualquer outra causa, só podem ser intentadas sob reserva das condições e limites de responsabilidade previstos na referida Convenção, exceto se, nos termos do artigo 25.o da mesma, a transportadora aérea tiver estipulado que o contrato fica sujeito a um limite de responsabilidade superior ou que não comporta nenhum limite.

44

Por outro lado, o artigo 33.o, n.o 1, da Convenção de Montreal dispõe que essa ação pode ser intentada, entre outras possibilidades de que o recorrente dispõe, no tribunal da sede da transportadora aérea com a qual foi celebrado o contrato.

45

Por último, o artigo 3.o desta Convenção dispõe, no seu n.o 5, que o incumprimento dos deveres específicos de informação e de emissão de documentos que incumbem à transportadora aérea, no âmbito de um transporte internacional de pessoas, não afeta a existência nem a validade do contrato de transporte, que deve, no entanto, observar as regras previstas na referida Convenção, incluindo as relativas à limitação da responsabilidade.

46

Resulta das considerações precedentes que o artigo 19.o da Convenção de Montreal deve ser interpretado, tendo em conta os seus termos, o contexto em que se insere e o objetivo de proteção dos interesses dos utilizadores que é prosseguido por esta Convenção, no sentido de que é aplicável não só ao dano sofrido por um passageiro mas também ao dano sofrido por uma pessoa que, na qualidade de empregador, celebrou com uma transportadora aérea um contrato de transporte internacional para fazer transportar passageiros que são seus trabalhadores.

47

Todavia, conforme decorre do n.o 12 do presente acórdão, no processo principal, a pessoa em causa pediu para ser indemnizada de um dano que para ela resultou do atraso de um voo efetuado ao abrigo de um contrato de transporte internacional que tinha por objeto o transporte, não de um mas de dois passageiros seus trabalhadores. Ora, em tal situação, não se pode excluir que o montante da indemnização reclamada por essa pessoa seja superior ao que poderia ser pedido por cada um dos passageiros em questão, se estes tivessem intentado a ação de indemnização a título individual.

48

Atendendo à limitação «por passageiro» da responsabilidade da transportadora aérea, prevista no artigo 22.o, n.o 1, da Convenção de Montreal, há pois que verificar que a interpretação do artigo 19.o desta Convenção que se expôs no n.o 46 do presente acórdão não é suscetível de ser posta em causa pelo facto de as partes na referida Convenção, ao celebrá‑la, também terem pretendido estabelecer um justo equilíbrio dos interesses em jogo, conforme decorre do quinto parágrafo do seu preâmbulo.

49

Ora, decorre da exigência de responsabilidade limitada «por passageiro» que o montante da indemnização suscetível de ser concedida à pessoa que, como no processo principal, intenta a ação de indemnização do dano resultante de um atraso no transporte internacional de passageiros não pode, em todo o caso, ultrapassar o montante obtido multiplicando o limite fixado no artigo 22.o, n.o 1, da Convenção de Montreal pelo número de passageiros transportados nos termos do contrato celebrado entre essa pessoa e a transportadora ou as transportadoras aéreas em causa.

50

Tal indemnização é suscetível de assegurar um justo equilíbrio entre os interesses em jogo. Com efeito, atendendo ao limite previsto no artigo 22.o, n.o 1, da Convenção de Montreal, as pessoas como a que está em causa no processo principal são postas numa situação que não é nem mais favorável nem menos favorável do que a dos próprios passageiros que tenham sofrido um dano devido ao atraso.

51

Por sua vez, garante‑se às transportadoras aéreas que a sua responsabilidade não pode ir além do limite «por passageiro» fixado por essa disposição, uma vez que, conforme se expôs no n.o 49 do presente acórdão, a indemnização concedida a essas pessoas não pode, em caso algum, ultrapassar o cúmulo de todas as indemnizações que poderiam ser concedidas a todos os passageiros em causa, se estes agissem individualmente.

52

Daqui decorre que há que responder à primeira questão que a Convenção de Montreal, designadamente os seus artigos 19.°, 22.° e 29.°, deve ser interpretada no sentido de que uma transportadora aérea que celebrou um contrato de transporte internacional com um empregador de pessoas transportadas na qualidade de passageiros, como o que está em causa no processo principal, é responsável perante esse empregador pelo dano resultante dos atrasos de voos efetuados pelos seus trabalhadores em aplicação desse contrato, decorrente das despesas adicionais efetuadas pelo referido empregador.

Quanto à segunda questão

53

Com a sua segunda questão, submetida em caso de resposta negativa à primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 29.o da Convenção de Montreal deve ser interpretado no sentido de que um empregador, como o que está em causa no processo principal, tem o direito de propor contra uma transportadora aérea uma ação com fundamentos diferentes desta Convenção, por exemplo, com base no direito nacional.

54

Tendo em conta a resposta à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

Quanto às despesas

55

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

A Convenção para a unificação de certas regras relativas ao Transporte Aéreo Internacional, celebrada em Montreal, em 28 de maio de 1999, e aprovada, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2001/539/CE do Conselho, de 5 de abril de 2001, designadamente os seus artigos 19.°, 22.° e 29.°, deve ser interpretada no sentido de que uma transportadora aérea que celebrou um contrato de transporte internacional com um empregador de pessoas transportadas na qualidade de passageiros, como o que está em causa no processo principal, é responsável perante esse empregador pelo dano resultante dos atrasos de voos efetuados pelos seus trabalhadores em aplicação desse contrato, decorrente das despesas adicionais efetuadas pelo referido empregador.

 

Assinaturas


( *1 )   Língua do processo: lituano.

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