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Document 62010CC0544

Conclusões do advogado‑geral J. Mazák apresentadas em 29 de março de 2012.
Deutsches Weintor eG contra Land Rheinland‑Pfalz.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht.
Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Saúde pública — Informação e proteção dos consumidores — Rotulagem e apresentação dos géneros alimentícios — Conceitos de ‘alegações nutricionais’ e de ‘saúde’ — Regulamento (CE) n.° 1924/2006 — Qualificação de um vinho como ‘digestível’ — Indicação de um teor de acidez reduzido — Bebidas com um título alcoométrico superior a 1,2% — Proibição de alegações de saúde — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 15.°, n.° 1 — Liberdade profissional — Artigo 16.° — Liberdade de empresa — Compatibilidade.
Processo C‑544/10.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:189

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

JÁN MAZÁK

apresentadas em 29 de março de 2012 ( 1 )

Processo C-544/10

Deutsches Weintor eG

contra

Land Rheinland-Pfalz

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht (Alemanha)]

«Interpretação do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1924/2006, relativo às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos — Descrição de um vinho como sendo digestível, acompanhada da indicação de uma acidez suave — Proibição de alegações de saúde a respeito de bebidas com um título alcoométrico superior a 1,2% — Conceito de ‘alegações de saúde’»

I — Introdução

1.

Por despacho de 23 de setembro de 2010, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de novembro de 2010, o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Alemanha) submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.o TFUE, um pedido de decisão prejudicial que tem por objeto a interpretação dos artigos 2.°, n.o 2, ponto 5, 4.°, n.o 3, e 10.°, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1924/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativo às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos ( 2 ), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 116/2010 da Comissão, de 9 de fevereiro de 2010 ( 3 ) (a seguir «Regulamento n.o 1924/2006» ou «regulamento»).

2.

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Deutsches Weintor, uma cooperativa vinícola, ao Land Rheinland-Pfalz [Estado Federado da Renânia-Palatinado] a respeito de uma publicidade que contém a descrição de um vinho como sendo digestível, acompanhada da indicação de uma acidez suave.

3.

A fim de determinar se esta descrição constitui uma «alegação de saúde» — proibida com caráter geral no tocante às bebidas alcoólicas, como o vinho em questão, pelo artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1924/2006 — o órgão jurisdicional de reenvio pretende ser esclarecido sobre este conceito.

4.

Além disso, para a hipótese de uma descrição desta natureza dever efetivamente ser qualificada como uma alegação de saúde que, nos termos do Regulamento n.o 1924/2006, o produtor ou o comercializador do vinho está proibido de utilizar na apresentação e na publicidade deste produto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se essa proibição é compatível com a liberdade profissional e a liberdade de empresa, consagradas, respetivamente, nos artigos 15.°, n.o 1, e 16.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

II — Quadro jurídico

5.

Na parte relevante para efeitos do presente processo, o objeto e o âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1924/2006 são descritos no seu artigo 1.o do seguinte modo:

«1.   O presente regulamento harmoniza as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de alegações nutricionais e de saúde, a fim de garantir o funcionamento eficaz do mercado interno, assegurando ao mesmo tempo um elevado nível de proteção dos consumidores.

2.   O presente regulamento é aplicável às alegações nutricionais e de saúde feitas em comunicações comerciais, quer na rotulagem, quer na apresentação ou na publicidade dos alimentos a fornecer como tais ao consumidor final.

[…]»

6.

No artigo 2.o do Regulamento n.o 1924/2006, intitulado «Definições», o n.o 2 dispõe o seguinte:

«São igualmente aplicáveis as seguintes definições:

1)

‘Alegação’ qualquer mensagem ou representação, não obrigatória nos termos da legislação comunitária ou nacional, incluindo qualquer representação pictórica, gráfica ou simbólica, seja qual for a forma que assuma, que declare, sugira ou implique que um alimento possui características particulares;

[…]

5)

‘Alegação de saúde’, qualquer alegação que declare, sugira ou implique a existência de uma relação entre uma categoria de alimentos, um alimento ou um dos seus constituintes e a saúde;

6)

‘Alegação de redução de um risco de doença’, qualquer alegação de saúde que declare, sugira ou implique que o consumo de uma categoria de alimentos, de um alimento ou de um dos seus constituintes reduz significativamente um fator de risco de aparecimento de uma doença humana;

[…]»

7.

No artigo 4.o do Regulamento n.o 1924/2006, intitulado «Condições de utilização das alegações nutricionais e de saúde», o n.o 3 estabelece:

«As bebidas com um título alcoométrico superior a 1,2% não devem ostentar alegações de saúde.

[…]»

8.

O artigo 5.o do Regulamento n.o 1924/2006, intitulado «Condições gerais», dispõe, na parte relevante, o seguinte:

«1.   A utilização de alegações nutricionais e de saúde só é permitida se estiverem preenchidas as seguintes condições:

a)

Ter sido demonstrado que a presença, a ausência ou o teor reduzido, num alimento ou numa categoria de alimentos, de um nutriente ou de outra substância objeto de alegação, têm um efeito nutricional ou fisiológico benéfico, estabelecido por provas científicas geralmente aceites;

[…]»

9.

No artigo 6.o do Regulamento n.o 1924/2006, intitulado «Fundamento científico das alegações», o n.o 1 estabelece:

«As alegações nutricionais e de saúde devem ser baseadas e fundamentadas em provas científicas geralmente aceites.»

10.

As normas mais específicas que regem as alegações de saúde encontram-se no capítulo IV do Regulamento n.o 1924/2006. Nesse capítulo, o artigo 10.o, intitulado «Condições específicas», estipula:

«1.   São proibidas as alegações de saúde que não cumpram os requisitos gerais do capítulo II nem os requisitos específicos do presente capítulo e que não estejam autorizadas em conformidade com o presente regulamento nem incluídas nas listas das alegações permitidas previstas nos artigos 13.° e 14.°

[…]

3.   Só pode ser feita referência a efeitos benéficos gerais, não específicos do nutriente ou do alimento, para a boa saúde geral ou para o bem-estar ligado à saúde se essa referência for acompanhada de uma alegação de saúde específica incluída nas listas previstas nos artigos 13.° ou 14.°

[…]»

III — Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

11.

A Deutsches Weintor é uma cooperativa vinícola estabelecida em Ilbesheim, na Renânia-Palatinado. Comercializa vinhos das castas Dornfelder e Grauer/Weißer Burgunder com a descrição de «Edition Mild», seguida da indicação «acidez suave» (sanfte Säure).

12.

O rótulo contém, entre outras, as seguintes informações: «Sabor suave graças ao nosso processo especial LO3 de redução biológica da acidez.». O rótulo do gargalo da garrafa apresenta a inscrição: ‘Edition Mild bekömmlich’ (Edition Mild digestível). Na lista de preços, o vinho é designado por «Edition Mild — sanfte Säure/bekömmlich» (Edition Mild — acidez suave/digestível).

13.

As partes no processo principal estão em desacordo quanto à questão de saber se uma publicidade que contém a descrição de um vinho como «digestível» (bekömmlich), acompanhada da indicação de uma acidez suave, constitui uma alegação de saúde na aceção do artigo 2.o, n.o 2, ponto 5, do Regulamento n.o 1924/2006, a qual consequentemente, nos termos do artigo 4.o, n.o 3, do referido regulamento, não é permitida a respeito de bebidas alcoólicas.

14.

A autoridade encarregada da fiscalização do comércio de bebidas alcoólicas na Renânia-Palatinado contestou a utilização do descritor «digestível», com o fundamento de que constituía uma alegação de saúde para os efeitos do Regulamento n.o 1924/2006, após o que a Deutsches Weintor intentou uma ação declarativa no Verwaltungsgericht (tribunal administrativo), pedindo que fosse reconhecida a admissibilidade da rotulagem e publicidade descritas.

15.

A Deutsches Weintor argumentou, essencialmente, que o descritor não constitui uma alegação de saúde, mas uma referência ao bem-estar geral. Alegou ainda que regulamento não se destinava a reger as alegações dessa natureza e que, por conseguinte, o conceito de «alegação de saúde» devia ser entendido em sentido restrito.

16.

O Verwaltungsgericht julgou a ação improcedente por acórdão de 23 de abril de 2009.

17.

O Oberverwaltungsgericht Rheinland-Pfalz, órgão jurisdicional administrativo superior do Estado Federado da Renânia-Palatinado, declarou o recurso interposto improcedente por acórdão de 19 de agosto de 2009. Concluiu que o conceito de saúde abrange em qualquer caso os efeitos de um alimento sobre o organismo do consumidor e as respetivas funções. Porém, ao contrário dos medicamentos, não é essencial que a influência seja exercida especificamente sobre as funções do organismo.

18.

O Oberverwaltungsgericht entendeu que a descrição do vinho como «digestível» estabelece uma relação com processos do organismo e não alude apenas ao bem-estar geral. Embora o termo possa também ser entendido apenas em sentido lato, o seu significado é mais abrangente, sendo-lhe associados sinónimos como «saudável», «de digestão fácil» ou «bom para o estômago».

19.

O Oberverwaltungsgericht considerou que estes atributos são relevantes para o consumo de vinho, porque este é frequentemente associado a dores de cabeça e de estômago e que, em determinadas circunstâncias, o vinho pode mesmo exercer um efeito prejudicial sobre o organismo humano e induzir um comportamento de dependência. Na perspetiva do consumidor, a utilização do termo «digestível» em conjugação com a referência a um processo especial de redução da acidez e com uma indicação de acidez suave estabelecia uma relação entre o vinho e a ausência de alguns efeitos adversos para o processo digestivo que são associados ao seu consumo.

20.

No Bundesverwaltungsgericht, que foi chamado a pronunciar-se sobre o recurso de revista interposto pela Deutsches Weintor, esta última sustenta que o regulamento foi incorretamente aplicado.

21.

No que diz respeito, em primeiro lugar, à matéria de facto em apreço, o Bundesverwaltungsgericht refere, no seu despacho de reenvio, que o Oberverwaltungsgericht considerou que um consumidor médio, informado e avisado, estabelece uma associação entre o descritor utilizado pela Deutsches Weintor na apresentação e publicidade dos seus vinhos e a respetiva acidez. Na perspetiva do consumidor, quando se indica que esses vinhos são particularmente «digestíveis» devido à acidez suave obtida por um processo especial de redução da acidez, está a realçar-se uma especial tolerância para o estômago.

22.

O Bundesverwaltungsgericht observa que, enquanto órgão jurisdicional de recurso de revista, está vinculado à apreciação dos factos realizada pela primeira instância em relação ao descritor «digestível». Considera, além disso, que as alegações da Deutsches Weintor a este respeito não são convincentes.

23.

No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio nutre dúvidas quanto ao significado lato atribuído pelas instâncias inferiores à expressão «alegação de saúde» e, consequentemente, quanto à questão de saber se a consideração de que está em causa uma «alegação de saúde» é suportada pelos factos dados como provados.

24.

A este respeito, o Bundesverwaltungsgericht entende que, para a existência de uma alegação de saúde na aceção do Regulamento n.o 1924/2006 não basta afirmar que o alimento serve para manter as funções do organismo ou para exercer qualquer outro tipo de influência sobre as mesmas, de forma meramente temporária. Tudo indica, pelo contrário, que só se pode pressupor a existência de uma alegação de saúde quando se aluda a efeitos duradouros e mais prolongados na condição física ou no estado emocional e não a meros efeitos transitórios em processos metabólicos, que não afetam a constituição e, por conseguinte, o estado de saúde propriamente dito.

25.

Segundo o Bundesverwaltungsgericht, a referência à digestibilidade dos vinhos comercializados pela Deutsches Weintor devido à sua acidez suave apenas alude à tolerância dos produtos e esgota-se na afirmação de que o vinho ingerido não provoca dores de estômago ou que provoca menos dores de estômago do que seria habitualmente espectável num vinho deste tipo e qualidade. Querer ver nela uma alegação de saúde concreta ou mesmo uma referência não específica de que o consumo do vinho contribui genericamente para uma alimentação «saudável», afigura-se uma teoria rebuscada.

26.

Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, pois, ver esclarecido se os benefícios temporários de um alimento, limitados ao tempo decorrido entre o consumo e a digestão, também podem fundamentar uma alegação de saúde na aceção do Regulamento n.o 1924/2006.

27.

No que diz respeito à segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, na sua opinião, o regulamento pretende abranger apenas as alegações de saúde que atribuem um efeito benéfico ao alimento ou a um ingrediente e que, consequentemente, só devem ser consideradas as alegações que aconselham o consumidor a promover a sua saúde através do consumo de um determinado alimento.

28.

O órgão jurisdicional de reenvio duvida de que uma melhoria da saúde dessa natureza se possa inferir do simples facto de um alimento ser menos prejudicial para a saúde do que produtos comparáveis da mesma categoria e de, por outras palavras, proporcionar um benefício meramente relativo. Tratando-se de alimentos com substâncias que podem produzir efeitos geralmente considerados prejudiciais (neste caso: a acidez no vinho), parece pouco razoável, até pelo sentido corrente do termo, classificar o consumo de tal produto como saudável, apenas porque as consequências negativas são ligeiramente menores do que em produtos comparáveis.

29.

Por último, segundo o Bundesverwaltungsgericht, também é necessário considerar se a proibição é compatível com os direitos fundamentais e, em especial, com a liberdade profissional e a liberdade de empresa, consagradas, respetivamente, nos artigos 15.°, n.o 1, e 16.° da Carta. Se uma descrição tradicional de uma bebida como «digestível» devesse ser considerada uma alegação de saúde para os efeitos do Regulamento n.o 1924/2006 e, consequentemente, declarada inadmissível em relação ao vinho, isso iria contra o objetivo do regulamento, no entender do Bundesverwaltungsgericht, e poderia traduzir-se numa restrição desproporcionada destes direitos fundamentais.

30.

Nestas condições, o Bundesverwaltungsgericht decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

Deve uma alegação de saúde, na aceção do artigo 4.o, n.o 3, primeiro período, em conjugação com o artigo 2.o, n.o 2, ponto 5, ou na aceção do artigo 10.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1924/2006 […], com a última redação que lhe foi dada pelo Regulamento (UE) n.o 116/2010 da Comissão [a seguir ‘regulamento’], produzir obrigatoriamente um efeito nutricional ou fisiológico benéfico que vise uma melhoria sustentável da condição física, ou é suficiente que produza um efeito temporário, designadamente limitado ao período que decorre entre a ingestão e a digestão do alimento?

2.

No caso de uma afirmação de efeito benéfico temporário poder ser considerada uma alegação de saúde:

É suficiente para assumir que esse efeito é fundamentado pela ausência ou pelo teor reduzido de uma substância na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), e do décimo quinto considerando do regulamento, que essa alegação afirme apenas que um efeito, em regra causado por este tipo de alimentos e frequentemente percecionado como adverso, é diminuto no caso concreto?

3.

Em caso de resposta afirmativa à segunda questão:

É compatível com o artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Tratado da União Europeia, com a redação que lhe foi dada em 13 de dezembro de 2007 (JO C 115, de 9 de maio de 2008), em conjugação com o artigo 15.o, n.o 1 (Liberdade profissional) e com o artigo 16.o (Liberdade de empresa) da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com a redação que lhe foi dada em 12 de dezembro de 2007 (JO C 303, p. 1), que um produtor ou comercializador de vinhos seja proibido, sem exceção, de fazer publicidade com uma alegação de saúde do tipo em causa no presente processo, se essa alegação for verdadeira?»

IV — Apreciação jurídica

A — Primeira e segunda questões prejudiciais: o significado do conceito de «alegação de saúde» utilizado no Regulamento n.o 1924/2006

31.

Com a primeira e segunda questões, que é oportuno examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se o conceito de «alegação de saúde» definido no artigo 2.o, n.o 2, ponto 5, do Regulamento n.o 1924/2006 deve ser interpretado no sentido de também incluir uma alegação que implica um efeito benéfico meramente temporário na condição física, nomeadamente limitado ao tempo necessário para consumir e digerir o alimento, e que apenas implica que, devido ao teor reduzido de uma substância, as consequências negativas de um determinado alimento no bem-estar físico são inferiores ao que é habitual nos alimentos desse tipo.

1. Principais posições das partes

32.

Em relação ao presente pedido de decisão prejudicial, foram apresentadas observações escritas pela Deutsches Weintor, pelo Estado Federado da Renânia-Palatinado, pelos Governos checo, estónio, francês, húngaro e finlandês, pelo Parlamento Europeu e pela Comissão. Com exceção dos Governos estónio, francês, húngaro e finlandês, estas partes também estiveram representadas na audiência que teve lugar em 19 de janeiro de 2012.

33.

A Deutsches Weintor e o Governo checo sustentam que o conceito de «alegação de saúde» utilizado no Regulamento n.o 1924/2006 deve ser interpretado de forma restrita. Propõem, no essencial, que se responda à primeira e à segunda questão no sentido de que esse conceito pressupõe um efeito nutricional ou fisiológico benéfico destinado a alcançar uma melhoria sustentável da condição física, e não uma melhoria que seja meramente temporária. Além disso, segundo a Deutsches Weintor, não é suficiente a afirmação de que determinadas consequências negativas do alimento em questão são inferiores ao que é habitual nos alimentos desse tipo.

34.

Em contrapartida, todas as outras partes que apresentaram observações sobre a primeira questão — em especial, o Estado Federado da Renânia-Palatinado, os Governos francês, estónio, finlandês e húngaro e a Comissão — defendem uma interpretação mais ampla e sustentam que um efeito temporário na condição física, nomeadamente limitado ao tempo necessário para consumir e digerir o alimento, pode ser suficiente para que uma descrição como a que está em causa possa ser classificada como uma alegação de saúde para os efeitos do Regulamento n.o 1924/2006.

35.

Quanto à segunda questão, relativa à suficiência de uma alegação de que um alimento é menos prejudicial para a saúde do que outros produtos semelhantes, estas partes ou propõem respostas em sentido contrário ao proposto pela Deutsches Weintor ou sustentam que é desnecessária ou irrelevante uma resposta — separada — a essa pergunta.

2. Apreciação

36.

Há desde logo que salientar que, no contexto do presente pedido de decisão prejudicial, não compete ao Tribunal de Justiça determinar o que exatamente se deve entender pela descrição de um vinho como sendo «digestível», acompanhada da indicação de uma «acidez suave» — ou de outras informações presentes no rótulo relativas a um processo especial de redução da acidez — ou o que esta implica na perspetiva de um consumidor médio, conforme referido e definido no décimo sexto considerando do Regulamento n.o 1924/2006; nem é o Tribunal de Justiça chamado a decidir em última instância, com base nessa apreciação, a questão de saber se a descrição em causa constitui uma «alegação de saúde» para os efeitos do regulamento.

37.

Com efeito, compete ao órgão jurisdicional nacional proceder a essas apreciações à luz das normas aplicáveis do Regulamento n.o 1924/2006, conforme interpretadas pelo Tribunal de Justiça.

38.

A este respeito, importa observar que o órgão jurisdicional de reenvio já indicou no seu despacho que, de acordo com os factos dados como provados pelo Verwaltungsgericht — e com base nos quais, em princípio, se deve pronunciar — a descrição em causa não é (contrariamente à posição defendida pela Deutsches Weintor) percebida por um consumidor médio normalmente informado e avisado como uma mera referência ao bem-estar geral ou às características gerais do vinho descrito, como o seu sabor, mas sim como uma referência à sua acidez suave, que realça uma especial tolerância para o estômago destes vinhos e, portanto, a sua digestibilidade.

39.

É neste contexto que o Tribunal de Justiça deve abordar as questões de interpretação específicas que lhe foram submetidas, sendo a primeira, no essencial, a de saber se o conceito de «alegação de saúde», como definido no artigo 2.o, n.o 2, ponto 5, do Regulamento n.o 1924/2006, também abrange as descrições ou as alegações que impliquem ou sugiram um efeito benéfico meramente temporário na condição física, como um efeito no estômago que dura apenas o tempo necessário para o consumo e a digestão do vinho.

40.

A este respeito, importa observar, em primeiro lugar, que a definição de alegação de saúde contida no artigo 2.o, n.o 2, ponto 5, do Regulamento n.o 1924/2006 está formulada em termos bastante genéricos, no sentido de abranger qualquer alegação que declare, sugira ou implique a «existência de uma relação entre uma categoria de alimentos, um alimento ou um dos seus constituintes e a saúde».

41.

É verdade que, como observaram diversas partes, o regulamento é omisso quanto ao significado do conceito de «saúde»; porém, pode afirmar-se com segurança que o termo se refere geralmente às condições físicas e psíquicas de uma pessoa, tanto no sentido de um certo nível de funcionamento ou de bem-estar do organismo e da mente humanos (consequentemente, a pessoa pode estar «bem» ou «mal» de saúde) como — e, admito-o, com uma certa dose de ambiguidade — no sentido de um estado ideal de bem-estar físico e psíquico completo ( 4 ). Em especial, resulta do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1924/2006 que o conceito de saúde subjacente ao regulamento abrange não apenas as funções do organismo mas também as funções psicológicas ou comportamentais de uma pessoa.

42.

Em segundo lugar, no que diz respeito ao significado do conceito de «alegação de saúde», resulta de diversas disposições do Regulamento n.o 1924/2006 que uma alegação dessa natureza assenta na presunção de que o produto terá um efeito benéfico nas condições físicas (ou psíquicas, o que não é relevante neste caso) da pessoa.

43.

A este respeito, o sexto considerando do Regulamento n.o 1924/2006 refere expressamente, apenas em relação às alegações nutricionais, que as alegações de efeitos não benéficos não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do referido regulamento. Na minha opinião, resulta no entanto claramente, não só do objetivo geral de proteção do consumidor prosseguido pelo regulamento (v., em especial, o primeiro considerando), mas também de outras disposições — em especial, do décimo considerando, que refere uma «vantagem nutricional, fisiológica ou outra para a saúde», do décimo quarto considerando, que apenas diz respeito a substâncias em relação às quais é alegado um efeito benéfico, e do artigo 5.o, n.os 1, alínea a), e 2, que de igual modo se refere ao efeito benéfico alegado — que a «alegação de saúde» para os efeitos do regulamento pressupõe um efeito positivo, benéfico, nas funções do organismo.

44.

É importante observar, em terceiro lugar, que resulta da definição de «alegação» contida no artigo 2.o, n.o 2, ponto 1, do Regulamento n.o 1924/2006 que, para haver uma alegação de saúde na aceção do referido regulamento, a descrição deve implicar que o alimento em questão possui «características particulares», ou seja, tem um efeito benéfico específico para a saúde ou um efeito fisiológico benéfico. Consequentemente, conforme observou corretamente a Comissão, os efeitos fisiológicos ou metabólicos não específicos (como os referidos no despacho de reenvio), meramente associados à ingestão de alimentos em geral ou à ingestão do tipo de alimento em questão — tal como a nutrição do organismo humano, que é naturalmente vital para a manutenção das funções do organismo — estão a priori excluídos do âmbito de aplicação do conceito de «alegação de saúde».

45.

Dito isto, não encontro nenhuma indicação nas disposições do Regulamento n.o 1924/2006, nem qualquer outro motivo convincente, para considerar que, para além dos elementos do conceito acima mencionados, a duração ou sustentabilidade do efeito (benéfico) na condição física ou nas funções do organismo seja, ou deva ser, constitutiva do conceito de «alegação de saúde» para os efeitos do regulamento.

46.

Em primeiro lugar, parece-me artificial, no plano conceptual, excluir do conceito de «saúde» os efeitos temporários no bem-estar físico. O estado global de saúde, por um lado, e os estados mais temporários e circunstanciais de bem-estar — ou de mal-estar — de uma pessoa, por outro, estão, de facto, estreitamente interligados. Além disso, como observou corretamente a Comissão, muitos produtos farmacêuticos proporcionam apenas alívio temporário ou têm apenas efeitos de curta duração no organismo humano; apesar disso, é geralmente pacífico que esses medicamentos são produtos relacionados com a saúde.

47.

Em segundo lugar, conforme já referido anteriormente, o legislador optou obviamente por definir em termos amplos o conceito de «alegação de saúde», de uma forma coerente com o elevado nível de proteção dos consumidores que o Regulamento n.o 1924/2006 procura assegurar, conforme referido no seu primeiro considerando.

48.

Em especial, dada a imagem positiva que as alegações de saúde tendem a conferir aos alimentos em questão e, portanto, ao efeito encorajador que estas alegações podem ter para o consumidor, o regulamento procura proteger o consumidor de alegações que sejam enganosas e/ou não verdadeiras, sobretudo exigindo a sua fundamentação científica ( 5 ).

49.

No que diz respeito às bebidas alcoólicas com um título alcoométrico superior a 1,2%, o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1924/2006 proíbe, com caráter geral — ou seja, independentemente da questão de saber se o efeito benéfico sugerido é verdadeiro e suportado por provas científicas — a utilização de alegações de saúde, bem como (uma vez que pressupõem uma alegação de saúde específica) as referências a efeitos benéficos gerais, não específicos do nutriente ou do alimento, para a boa saúde geral ou para o bem-estar ligado à saúde, na aceção do artigo 10.o, n.o 3, do referido regulamento. Tendo em conta os perigos de dependência e de abuso ligados ao consumo de álcool, verifica-se que o objetivo de mais longo alcance é aqui o de evitar uma qualquer conotação positiva relacionada com os efeitos para a saúde que possa, em termos gerais, encorajar o consumo de bebidas alcoólicas.

50.

Na minha opinião, seria contrária a estes objetivos do Regulamento n.o 1924/2006 uma interpretação restritiva do conceito de «alegação de saúde» que permitisse excluir as alegações que implicam um efeito benéfico apenas temporário na condição física. Como realçado por algumas partes, uma tal interpretação poderia remover do âmbito protetor do regulamento um número considerável de produtos e de alegações correlativas, as quais, embora impliquem um efeito fisiológico positivo — mas apenas temporário — não deixam de ser suscetíveis de encorajar o consumo do alimento ou da substância a que se referem.

51.

Por último, também de um ponto de vista prático, a distinção sugerida pela primeira questão causaria problemas adicionais de delimitação — quanto à questão de saber em que momento o alegado efeito sobre as funções do organismo deixa de ser temporário e passa a ser duradouro ou sustentável — e, consequentemente, tornaria mais difícil a aplicação coerente e previsível do Regulamento n.o 1924/2006.

52.

Seguidamente, quanto à questão de saber se o conceito de «alegação de saúde» para os efeitos do Regulamento n.o 1924/2006 abrange uma alegação que apenas implica que, devido ao teor reduzido de uma substância, as consequências negativas de um determinado alimento no bem-estar físico são inferiores ao que é habitual nos alimentos deste tipo, importa observar, em primeiro lugar, que — como referiu corretamente o órgão jurisdicional de reenvio — resulta claramente do décimo quinto considerando e do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1924/2006, mais particularmente, que este conceito também abrange alegações que implicam um impacto na saúde atribuível à ausência ou ao teor reduzido de uma substância num alimento, tal como o teor reduzido de ácido nos vinhos em questão.

53.

Em segundo lugar, no que diz mais especificamente respeito à questão de saber se uma alegação pode consistir na sugestão ou implicação de que um alimento é simplesmente menos prejudicial do que produtos semelhantes da mesma categoria ou tipo — neste caso, vinhos —, já antes observei que este termo assenta na presunção de que haverá um particular impacto benéfico ou positivo na saúde ou nas funções do organismo. A especificidade do benefício alegado para a saúde implica, assim, um elemento de comparação ou um padrão de referência (benchmark), ou seja, um produto comparável.

54.

A meu ver, é, portanto, perfeitamente possível que o alegado impacto fisiológico benéfico resida numa vantagem para a saúde meramente relativa, inclusive numa vantagem atribuível ao facto de um determinado alimento ser meramente menos nocivo ou menos prejudicial para as funções do organismo do que é habitual nos alimentos desse tipo.

55.

É importante recordar neste contexto que, como já antes demonstrado, o conceito de «alegação de saúde» deve ser interpretado em termos amplos; porém, o facto de esse conceito exigir a implicação ou sugestão de um efeito benéfico ou positivo para a saúde não significa que seja necessário alegar uma melhoria efetiva do estado geral de saúde ou efeitos curativos efetivos semelhantes aos dos produtos farmacêuticos.

56.

Creio que esta interpretação é também coerente com o objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 1924/2006, que, como antes referido, consiste em assegurar um elevado nível de proteção dos consumidores.

57.

A este respeito, também é verdade que a alegação de uma vantagem para a saúde meramente relativa, consistente na promessa de um efeito menos prejudicial sobre certas funções do organismo, tal como a digestão, pode influenciar os hábitos do consumidor e encorajar o consumo do alimento em questão. Assim, considerando os vinhos em causa no presente processo, a sugestão de uma melhor digestibilidade pode, não só e indiscutivelmente, alterar as preferências do consumidor em detrimento de outras bebidas do mesmo tipo e em tudo o resto semelhantes, como também é concebível que uma alegação desse tipo possa, em termos absolutos, encorajar o consumo da bebida em questão e mesmo atrair novos consumidores, sobretudo os de estômago sensível.

58.

À luz das considerações expostas, proponho que se responda à primeira e segunda questões que o conceito de «alegação de saúde» previsto no artigo 2.o, n.o 2, ponto 5, do Regulamento n.o 1924/2006 deve ser interpretado no sentido de que também abrange alegações que implicam um efeito benéfico temporário na condição física, tal como um efeito limitado ao tempo necessário para consumir e digerir o alimento, inclusive alegações que implicam que, devido ao teor reduzido de uma substância, as consequências negativas de um determinado alimento no bem-estar físico são inferiores ao que é habitual nos alimentos desse tipo.

B — Terceira questão: compatibilidade com a Carta

59.

Para a hipótese de se responder pela afirmativa à primeira e à segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber se a proibição geral, prevista no artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1924/2006, de utilização de alegações de saúde, do género da aqui em causa, a respeito de bebidas alcoólicas como o vinho, é compatível com a Carta, em especial com a liberdade profissional e a liberdade de empresa, consagradas, respetivamente, no artigo 15.o, n.o 1, e no artigo 16.o da Carta.

1. Principais posições das partes

60.

Segundo a Deutsches Weintor, a terceira questão deve ser respondida pela negativa. Em seu entender, a proibição de utilização de uma alegação de saúde do género da aqui em causa constitui uma interferência desproporcionada na liberdade dos produtores e comercializadores de vinhos de escolherem uma profissão e de explorarem uma empresa.

61.

Em contrapartida, as outras partes que apresentaram observações sobre a terceira questão propõem uma resposta no sentido de a proibição geral de utilização de alegações de saúde a respeito de bebidas alcoólicas, imposta pelo artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1924/2006 — tendo particularmente em conta os perigos associados ao consumo de bebidas alcoólicas —, ser justificada e proporcionada e, consequentemente, conforme com as exigências da Carta. De igual modo, o Parlamento Europeu, que focalizou as suas alegações na terceira questão, conclui que o exame dessa questão não revela nenhum elemento que possa afetar a validade do Regulamento n.o 1924/2006.

2. Apreciação

62.

Importa recordar, em primeiro lugar, que, em conformidade com o primeiro parágrafo do artigo 6.o, n.o 1, TUE, a União Europeia deve reconhecer os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta, «que têm o mesmo valor jurídico que os Tratados».

63.

Há, pois, que apreciar se — na medida em que o artigo 4.o, n.o 3, do regulamento proíbe, com caráter geral, que as bebidas com um título alcoométrico superior a 1,2% ostentem «alegações de saúde» no sentido acima descrito — o Regulamento n.o 1924/2006 é coerente com os direitos fundamentais consagrados na Carta e, em especial, nos seus artigos 15.°, n.o 1, e 16.°

64.

Os artigos 15.°, n.o 1, e 16.° da Carta consagram a liberdade profissional e a liberdade de empresa, que o Tribunal de Justiça já reconheceu como princípios gerais do Direito da União ( 6 ). Segundo essa jurisprudência, a liberdade de empresa confunde-se, de facto, com a liberdade profissional ( 7 ).

65.

A este respeito, importa observar que, na medida em que a proibição das alegações de saúde em questão se refere à rotulagem, publicidade e informação respeitante a bebidas alcoólicas e, portanto, coloca certas restrições à atividade profissional dos produtores e comercializadores desses produtos, se deve considerar que a mesma é suscetível de afetar a liberdade de empresa e a liberdade de profissão ( 8 ).

66.

No entanto, como o Tribunal de Justiça tem repetidamente enunciado, os direitos fundamentais, como os antes referidos, não devem ser entendidos como prerrogativas absolutas, antes devendo ser tomados em consideração com referência à sua função na sociedade. Por conseguinte, podem ser introduzidas restrições ao exercício desses direitos, designadamente no âmbito de uma organização comum de mercado, desde que essas restrições tenham, efetivamente, por fundamento objetivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade e não constituam, face a esses objetivos, uma intervenção desproporcionada e intolerável suscetível de atentar contra a própria essência desses direitos ( 9 ).

67.

De igual modo, o artigo 52.o, n.o 1, da Carta admite que podem ser impostas restrições ao exercício dos direitos, como os consagrados nos artigos 15.° e 16.° da Carta, desde que tais restrições sejam previstas por lei e respeitem o conteúdo essencial desses direitos e liberdades e, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

68.

À luz dos referidos critérios, importa observar, no presente processo, que o Regulamento n.o 1924/2006 — de acordo com o primeiro considerando deste regulamento e conforme antes exposto — tem por objetivo assegurar um elevado nível de proteção dos consumidores; mais especificamente, no que diz respeito à proibição estabelecida no artigo 4.o, n.o 3, o regulamento visa — como também resulta do décimo e décimo oitavo considerandos — assegurar um elevado nível de proteção da saúde pública, na medida em que se destina a impedir, tendo em conta os potenciais efeitos prejudiciais e perigos de abuso ligados ao consumo do álcool, qualquer associação positiva entre a saúde e o consumo de bebidas alcoólicas, independentemente da questão de saber se as alegações de saúde em questão são ou não cientificamente corretas.

69.

A este respeito, o Tribunal de Justiça já reconheceu, por diversas ocasiões, que as medidas que limitam as possibilidades de publicidade a bebidas alcoólicas e procuram, assim, combater o alcoolismo respondem a preocupações de saúde pública e que a proteção da saúde pública constitui, conforme resulta também do artigo 9.o TFUE, um objetivo de interesse geral reconhecido pela União Europeia ( 10 ).

70.

Importa também referir que, embora estes direitos possam ser afetados pela proibição em questão, não se pode sustentar que a essência e a própria substância da liberdade de empresa ou da liberdade de profissão possam ser afetadas, pois a proibição de utilização de alegações de saúde, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, ponto 5, do Regulamento n.o 1924/2006, a respeito de bebidas alcoólicas como os vinhos apenas coloca restrições à atividade profissional dos produtores ou comercializadores dessas bebidas num domínio bem delimitado ( 11 ).

71.

Por último, a proibição prevista no artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1924/2006 é, a meu ver, adequada ao objetivo de proteção da saúde pública, conforme antes referido e, à luz dos perigos de dependência e de abuso e dos potenciais efeitos prejudiciais associados ao consumo de álcool, não excede o que é necessário para alcançar esse objetivo.

72.

A este respeito, há que recordar que o Tribunal de Justiça já decidiu que a gravidade dos objetivos prosseguidos no domínio da saúde pública pode justificar restrições que tenham consequências negativas, mesmo consideráveis, para alguns operadores ( 12 ).

73.

Além disso, há que realçar que a proibição em questão está, ao fim de contas, limitada à utilização de alegações de saúde na aceção do artigo 2.o, n.o 2, ponto 5, do Regulamento n.o 1924/2006, ou seja, de descrições ou informações que sugiram um determinado impacto positivo na saúde, conforme acima descrito. Em contrapartida, continua a ser possível exibir outras frases e informação de rotulagem que não tenham essa implicação específica — por exemplo, informação sobre as características objetivas do produto ou alegações nutricionais — mesmo a respeito de bebidas alcoólicas.

74.

Por conseguinte, embora o órgão jurisdicional de reenvio considere que a descrição dos vinhos em questão — ou seja, a conjugação do termo «digestível» com uma referência a uma «acidez suave» e a um processo de produção especial — seja suscetível de implicar, na perspetiva do consumidor médio, efeitos positivos sobre as funções do organismo que constituem uma «alegação de saúde» para os efeitos do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1924/2006, tal poderá já não se verificar se, por exemplo, o rótulo apenas contiver a menção de uma acidez reduzida.

75.

À luz das precedentes considerações, a terceira questão deve ser respondida no sentido de que a proibição geral de utilização de alegações de saúde do género da aqui em causa a respeito de bebidas alcoólicas como o vinho, imposta pelo artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1924/2006, é compatível com o artigo 6.o, n.o 1, TUE, em conjugação com a liberdade profissional e com a liberdade de empresa consagradas, respetivamente, nos artigos 15.°, n.o 1, e 16.° da Carta.

V — Conclusão

76.

Pelas razões expostas, proponho que se responda às questões prejudiciais submetidas pelo Bundesverwaltungsgericht, do seguinte modo:

O conceito de «alegação de saúde» previsto no artigo 2.o, n.o 2, ponto 5, do Regulamento (CE) n.o 1924/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativo às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos, conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 116/2010 da Comissão, de 9 de fevereiro de 2010, deve ser interpretado no sentido de que também abrange alegações que implicam um efeito benéfico temporário na condição física, tal como um efeito limitado ao tempo necessário para consumir e digerir o alimento, inclusive alegações que implicam que, devido ao teor reduzido de uma substância, as consequências negativas de um determinado alimento no bem-estar físico são inferiores ao que é habitual nos alimentos desse tipo;

A proibição geral de utilização de alegações de saúde do género da aqui em causa a respeito de bebidas alcoólicas como o vinho, imposta pelo artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1924/2006, é compatível com o artigo 6.o, n.o 1, TUE, em conjugação com a liberdade profissional e com a liberdade de empresa consagradas, respetivamente, nos artigos 15.°, n.o 1, e 16.° da Carta.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) JO L 404, p. 9.

( 3 ) JO L 37, p. 16.

( 4 ) A propósito deste último sentido, refira-se a definição ampla de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS) — que inclui também o bem-estar social: «um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a inexistência de doenças ou enfermidades».

( 5 ) V., nesse sentido, em especial, o décimo, décimo quarto, décimo sexto e décimo sétimo considerandos e os artigos 5.° e 6.° do Regulamento n.o 1924/2006.

( 6 ) V. acórdão de 9 de setembro de 2004, Espanha e Finlândia/Parlamento e Conselho (C-184/02 e C-223/02, Colet., p. I-7789, n.o 51); v., também, as explicações relativas aos artigos 15.° e 16.° da Carta.

( 7 ) V. acórdão Espanha e Finlândia/Parlamento e Conselho, já referido na nota 6, e acórdão de 21 de fevereiro de 1991, Zuckerfabrik Süderdithmarschen e Zuckerfabrik Soest (C-143/88 e C-92/89, Colet., p. I-415, n.os 72 a 77).

( 8 ) V., especificamente em relação à rotulagem de vinhos, acórdão de 8 de outubro de 1986, Keller (234/85, Colet., p. 2897, n.o 9).

( 9 ) V. acórdãos de 10 de julho de 2003, Booker Aquaculture e Hydro Seafood (C-20/00 e C-64/00, Colet., p. I-7411, n.o 68); de 15 de julho de 2004, Di Lenardo e Dilexport (C-37/02 e C-38/02, Colet., p. I-6911, n.o 82); e de 15 de abril de 1997, The Irish Farmers Association e o. (C-22/94, Colet., p. I-1809, n.o 27).

( 10 ) V., nesse sentido, acórdãos de 13 de julho de 2004, Bacardi France (C-429/02, Colet., p. I-6613, n.o 37); e de 8 de março de 2001, Gourmet International Products (C-405/98, Colet., p. I-1795, n.o 27).

( 11 ) V. acórdão Keller, já referido na nota 8, n.o 9.

( 12 ) V. acórdãos de 1 de junho de 2010, Pérez e Gómez (C-570/07 e C-571/07, Colet., p. I-4629, n.o 90); e de 17 de julho de 1997, Affish (C-183/95, Colet., p. I-4315, n.os 42 e 43).

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