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Document 62002CJ0284

Acórdão do Tribunal (Primeira Secção) de 18 de Novembro de 2004.
Land Brandenburg contra Ursula Sass.
Pedido de decisão prejudicial: Bundesarbeitsgericht - Alemanha.
Política social - Trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos - Artigo 141.º CE - Igualdade de remunerações - Directiva 76/207/CEE - Igualdade de tratamento - Licença de maternidade - Passagem a um escalão de remuneração superior - Não tomada em consideração da totalidade de uma licença de maternidade obtida nos termos da legislação da antiga República Democrática da Alemanha.
Processo C-284/02.

Colectânea de Jurisprudência 2004 I-11143

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2004:722

Arrêt de la Cour

Processo C‑284/02

Land Brandenburg

contra

Ursula Sass

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesarbeitsgericht)

«Política social – Trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos – Artigo 141.° CE – Igualdade de remunerações – Directiva 76/207/CEE – Igualdade de tratamento – Licença de maternidade – Passagem a um escalão de remuneração superior – Não tomada em consideração da totalidade de uma licença de maternidade obtida nos termos da legislação da antiga República Democrática Alemã»

Sumário do acórdão

Política social – Trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos – Acesso ao emprego e condições de trabalho – Igualdade de tratamento – Convenção colectiva que prevê a classificação numa categoria de remuneração superior após o cumprimento de um período de tempo exigido – Tomada em consideração dos períodos de licença de maternidade – Não tomada em consideração, devido à sua duração, da totalidade de uma licença de maternidade obtida nos termos da legislação da antiga República Democrática Alemã – Inadmissibilidade

(Directiva 76/207 do Conselho)

A Directiva 76/207, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho, opõe‑se a que uma convenção colectiva exclua da imputação no período exigido para se poder ser classificado num escalão de remuneração superior a parte do período durante a qual a trabalhadora beneficiou, em conformidade com a legislação da antiga República Democrática Alemã, de uma licença de maternidade que ultrapassa o período de protecção, previsto pela legislação da República Federal da Alemanha, referido pela referida convenção, quando os objectivos e a finalidade de cada uma dessas licenças correspondam aos objectivos de protecção da mulher no que diz respeito à gravidez e à maternidade, protecção consagrada pelo artigo 2.°, n.° 3, da referida directiva.

(cf. n.° 59, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
18 de Novembro de 2004(1)

«Política social – Trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos – Artigo 141.° CE – Igualdade de remunerações – Directiva 76/207/CEE – Igualdade de tratamento – Licença de maternidade – Passagem a um escalão de remuneração superior – Não tomada em consideração da totalidade de uma licença de maternidade obtida nos termos da legislação da antiga República Democrática Alemã»

No processo C‑284/02,que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, submetido pelo Bundesarbeitsgericht (Alemanha), por decisão de 21 de Março de 2002, entrado no Tribunal de Justiça em 2 de Agosto de 2002, no processo

Land Brandenburg

contra

Ursula Sass,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),,



composto por: P. Jann, presidente de secção, A. Rosas (relator), R. Silva de Lapuerta, K. Lenaerts e S. von Bahr, juízes,

advogado‑geral: L. A. Geelhoed,
secretário: F. Contet, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 11 de Março de 2004,vistas as observações apresentadas:

em representação do Land Brandenburg, por J. Borck, Rechtsanwalt,

em representação de U. Sass, por Th. Becker, Rechtsanwalt,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por B. Martenczuk e N. Yerrell, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 27 de Abril de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
O pedido prejudicial é relativo à interpretação do artigo 141.° CE e da Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70).

2
Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe U. Sass ao seu empregador, o Land Brandenburg, a respeito da não tomada em consideração por este último, aquando do cálculo do período exigido («Bewährungszeit», a seguir «período exigido») para poder ser classificada num escalão de remuneração superior, da totalidade de um período em que esteve de licença de maternidade por força da legislação da antiga República Democrática Alemã (a seguir «antiga RDA»).


Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

3
O artigo 141.° CE consagra o princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos, por trabalho igual ou de valor igual.

4
A Directiva 76/207 tem por objectivo a eliminação, tanto nas condições de trabalho como de acesso ao emprego ou postos de trabalho, a todos os níveis da hierarquia profissional, de qualquer discriminação em razão do sexo, precisando que não constitui obstáculo às disposições relativas à protecção da mulher, nomeadamente no que se refere à gravidez e à maternidade.

5
Por outro lado, a Directiva 92/85/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho (JO L 348, p. 1), prevê determinadas exigências mínimas de protecção dessas trabalhadoras.

6
No que diz respeito à licença de maternidade, a Directiva 92/85 garante, no artigo 8.°, o direito a uma licença de maternidade de, pelo menos, catorze semanas consecutivas, incluindo um período obrigatório de, pelo menos, duas semanas. Além disso, prevê, no artigo 11.°, que a manutenção da remuneração e/ou o benefício de uma prestação adequada bem como a garantia dos direitos decorrentes do contrato de trabalho devem ficar assegurados durante o período referido no artigo 8.°

7
Todavia, é necessário observar que a Directiva 92/85 só tinha de ser transposta pelos Estados‑Membros o mais tardar em 19 de Outubro de 1994, isto é, numa data posterior à dos factos do processo principal.

Regulamentação nacional

8
A situação da mulher puérpera regia‑se, na antiga RDA, pelo Arbeitsgesetzbuch der Deutschen Demokratischen Republik (Código do Trabalho da antiga RDA, a seguir «AGB‑DDR»), de 16 de Junho de 1977 (GBl. I, p. 85).

9
O § 244 do AGB‑DDR previa, para as mulheres, uma licença de maternidade de vinte semanas após o parto. Durante a referida licença, a segurança social pagava às mulheres um subsídio de maternidade correspondente ao montante da sua remuneração líquida média.

10
A situação da mulher puérpera rege‑se, na República Federal da Alemanha, pela Mutterschutzgesetz (a seguir «MuSchG»).

11
O § 6, n.° 1, primeiro período, da MuSchG proíbe o trabalho das mulheres nas oito semanas que se seguem ao parto. Durante esse período de licença de maternidade, a mulher recebe uma prestação do seu empregador que acresce ao subsídio de maternidade.

12
A Bundes‑Angestelltentarifvertrag‑Ost (convenção colectiva dos trabalhadores da função pública da Alemanha de Leste), de 10 de Dezembro de 1990 (a seguir «BAT‑O»), prevê, no § 23 A, relativo ao avanço de escalão no termo do período exigido, que:

«O trabalhador [...] é classificado no escalão superior desde que tenha cumprido o período exigido.

O período exigido rege‑se pelas seguintes regras:

1.       O requisito do período exigido considera‑se preenchido quando o trabalhador durante o prazo exigido se revelar à altura das exigências da função que lhe foi atribuída. Para este efeito, é determinante a actividade que corresponde ao escalão em que foi classificado o trabalhador. [...]

4.       O período exigido deve ser efectuado sem interrupção. As interrupções de uma duração máxima de seis meses não são consideradas; por outro lado, independentemente deste facto, são ainda irrelevantes as interrupções pelas seguintes razões:

[...]

c)       períodos de protecção previstos pela [MuSchG];

[...]

Todavia, os períodos de interrupção não são imputados no período exigido, com excepção:

[...]

e)       dos períodos de protecção previstos pela [MuSchG].»

13
A BAT‑O foi alterada, em 8 de Maio de 1991, pela primeira convenção colectiva de trabalho modificativa, que prevê, no seu § 2, a inserção da grelha de remunerações da convenção colectiva dos trabalhadores da função pública, segundo os seguintes critérios:

«1.     Quando entre os critérios de avaliação de uma actividade figurarem períodos exigidos, períodos de actividade, períodos de exercício de uma profissão, etc., há que ter em consideração os períodos cumpridos antes de 1 de Julho de 1991 e reconhecidos como períodos de actividade por força do § 19, primeiro e segundo parágrafos, da BAT‑O e das disposições transitórias, no caso de deverem ser tomados em consideração se a secção VI e a grelha de remunerações da BAT‑O estivessem já em vigor antes de 1 de Julho de 1991. [...]

Na medida em que as características de uma actividade permitam a imputação de períodos efectuados fora do âmbito de aplicação da BAT‑O, esses períodos são tidos em conta se o devessem ser ao abrigo do primeiro parágrafo caso integrassem o âmbito de aplicação da BAT‑O.»


Matéria de facto e o litígio no processo principal

14
U. Sass, cidadã alemã, trabalha desde 1 de Julho de 1982 como directora de produção na Hochschule für Film und Fernsehen (Escola Superior de Cinema e de Televisão) «Konrad Wolf» de Potsdam.

15
Resulta dos autos que a relação de trabalho de U. Sass se regia pelo AGB‑DDR no momento do nascimento do seu segundo filho, em Janeiro de 1987. Depois desse parto, e em conformidade com o § 244 desse diploma, U. Sass, obteve uma licença de maternidade de 27 de Janeiro a 16 de Julho de 1987, ou seja, vinte semanas.

16
Resulta igualmente dos autos que após a reunificação da Alemanha a relação de trabalho de U. Sass foi transferida para o Land Brandenburg. Essa relação passou então a reger‑se pela BAT‑O por força de uma estipulação das partes nesse sentido. O período de trabalho efectuado por U. Sass a partir da sua entrada em funções, isto é, 1 de Julho de 1982, foi tomado em consideração aquando dessa transferência.

17
Até 7 de Maio de 1998, a remuneração de U. Sass correspondia ao escalão II a) da BAT‑O. Em 8 de Maio de 1998, foi classificada num escalão superior, ou seja, no escalão I b), grupo 2. Ao calcular os quinze anos exigidos segundo os procedimentos de subida de escalão da BAT‑O, o Land Brandenburg imputou nesse período exigido as oito primeiras semanas da licença de maternidade que U. Sass gozou ao abrigo do § 244 do AGB‑DDR, mas não as doze semanas seguintes. Resulta dos autos que isso se ficou a dever ao facto de a disposição pertinente, ou seja, o § 23 A, n.° 4, terceiro período, da BAT‑O, só mencionar os períodos de protecção previstos pela MuSchG, isto é, oito semanas, e não o período da licença de maternidade previsto pelo AGB‑DDR.

18
U. Sass intentou uma acção no tribunal nacional de primeira instância, alegando que todo o período da licença de maternidade de vinte semanas deveria ser tomado em consideração. Em sua opinião, a interpretação do § 23 A da BAT‑O adoptada pelo Land Brandenburg contém uma discriminação ilegal em relação às mulheres. O Land deveria ser condenado a pagar‑lhe a diferença de remuneração em relação às doze semanas compreendidas entre 12 de Fevereiro de 1998, data em que teria direito ao aumento do salário se todo o período da licença de maternidade tivesse sido imputado no período exigido, e 7 de Maio de 1998, ou seja, 1 841,16 DEM brutos, bem como 4% de juros calculados sobre o montante líquido a partir de 16 de Março de 1999.

19
O Land Brandenburg pediu que a acção fosse julgada improcedente. Por força da BAT‑O, só os períodos de protecção previstos pela MuSchG deveriam ser imputados no período exigido e não a licença de maternidade mais longa prevista pelo § 244 do AGB‑DDR.

20
Os órgãos jurisdicionais nacionais de hierarquia inferior deram provimento ao recurso. O órgão jurisdicional de reenvio, embora considerando que a BAT‑O é compatível com o direito comunitário, admite que U. Sass é prejudicada comparativamente a um colega de sexo masculino dado que, ao estar de licença de maternidade que é apenas destinada às mulheres, só atingirá um escalão de remuneração superior doze semanas depois do referido colega.

21
Nessas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 119.° do Tratado CE (actual artigo 141.° CE) e a Directiva 76/207/CEE proíbem que uma convenção colectiva, nos termos da qual se exclui do cálculo do prazo exigido para a subida de escalão o período de suspensão da relação laboral, exclua igualmente desse cálculo o período em que a relação laboral esteve suspensa por a trabalhadora ter exercido o direito à licença de maternidade até ao final da vigésima semana pós‑parto, ao abrigo do § 244, n.° 1, do AGB‑DDR [...], após o decurso do período de protecção de oito semanas previsto no § 6 da MuSchG [...]?»


Apreciação do Tribunal de Justiça

22
Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se o artigo 141.° CE e/ou a Directiva 76/207 se opõem a que uma convenção colectiva, como a BAT‑O, exclua da imputação no período exigido a parte do período durante a qual o trabalhador feminino beneficiou, em conformidade com a legislação da antiga RDA, de uma licença de maternidade que ultrapassou o período de protecção de oito semanas, previsto pela legislação da República Federal da Alemanha, referido pela mesma convenção.

23
U. Sass pede que seja dada uma resposta afirmativa a esta questão. O Land Brandenburg e a Comissão das Comunidades Europeias sustentam a tese inversa. Esta última considera, em especial, que o direito comunitário não deve ser aplicado no caso em apreço.

24
A este respeito, é necessário observar, em primeiro lugar, que tendo o Tratado de 31 de Agosto de 1990 relativo ao estabelecimento da unidade alemã entrado em vigor em 3 de Outubro de 1990 (BGBl. 1990 II, p. 889), o direito comunitário aplicava‑se quando da adopção, em 10 de Dezembro de 1990, da BAT‑O. Assim, as disposições adoptadas após a reunificação alemã para regulamentar a situação dos trabalhadores que passaram a estar sujeitos à legislação da República Federal da Alemanha devem respeitar a regulamentação comunitária pertinente.

25
Em segundo lugar, há que recordar que o Tribunal de Justiça, no contexto do artigo 141.° CE, já declarou que, tendo carácter imperativo, a proibição de discriminação entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos impõe‑se não só em relação à actuação das autoridades públicas, mas também a todas as convenções destinadas a regulamentar de modo colectivo o trabalho assalariado (v., nomeadamente, acórdãos de 8 de Abril de 1976, Defrenne, 43/75, Colect., p. 193, n.° 39; de 7 de Fevereiro de 1991, Nimz, C‑184/89, Colect., p. I‑297, n.° 11, e de 21 de Outubro de 1999, Lewen, C‑333/97, Colect., p. I‑7243, n.° 26). Tendo a BAT‑O vocação para reger as relações dos trabalhadores da função pública com as colectividades públicas, o mesmo se passa no contexto da Directiva 76/207 (v., neste sentido, acórdão de 2 de Outubro de 1997, Gerster, C‑1/95, Colect., p. I‑5253, n.° 18).

26
Assim, os redactores da BAT‑O estiveram em condições de examinar a situação das mulheres que tiveram de sofrer a transição na sua relação de trabalho devido à reunificação alemã comparativamente com os trabalhadores masculinos que vieram, também, da antiga RDA.

27
Portanto, é justificadamente que U. Sass invoca o direito comunitário para fazer valer os seus direitos.

28
Quanto à questão colocada no presente processo e com o objectivo de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há que verificar, em primeiro lugar, se a não tomada em consideração, no momento do cálculo do período exigido previsto pela BAT‑O, da totalidade de uma licença de maternidade, gozada ao abrigo da legislação da antiga RDA, é abrangida pelo artigo 141.° CE ou se, em contrapartida, é abrangida pela Directiva 76/207.

29
A este respeito, resulta dos autos que o litígio no processo principal é relativo aos períodos exigidos a cumprir para se poder ser classificado num escalão de remuneração superior e relativo à natureza dos períodos de interrupção que podem ser imputados nesse período, apesar da regra geral de que este deve ser cumprido sem interrupções e que os períodos de interrupção permitidos não são, de qualquer das formas, imputados neste último.

30
É um facto que o resultado procurado por U. Sass é a sua passagem antecipada ao escalão de remuneração superior. Ora, para chegar a esse resultado, a questão determinante é a de saber se a totalidade da sua licença de maternidade pode ser imputada no período exigido a cumprir a fim de poder ser classificada num novo escalão, no caso concreto, o escalão de remuneração superior. Assim, há que referir que, no presente processo, o aumento de remuneração é apenas a consequência de uma tomada em consideração da referida licença de maternidade.

31
Assim, as disposições em causa no litígio no processo principal estabelecem regras relativas à passagem de um trabalhador a um escalão superior, no final de um período exigido. Conclui‑se que a questão submetida no caso em apreço tem por objectivo precisar as condições de acesso a um nível superior da hierarquia profissional e, portanto, é abrangida pelo âmbito de aplicação da Directiva 76/207.

32
Há que recordar que, em relação ao princípio da igualdade de tratamento, essa directiva reconhece a legitimidade, por um lado, da protecção da condição biológica da mulher no decurso da sua gravidez e na sequência desta e, por outro, da protecção das relações especiais entre a mulher e o seu filho durante o período que se segue à gravidez e ao parto (v., nomeadamente, acórdãos de 12 de Julho de 1984, Hofmann, 184/83, Recueil, p. 3047, n.° 25, e de 18 de Março de 2004, Merino Gómez, C‑342/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 32).

33
Para este efeito, o artigo 2.°, n.° 3, da referida directiva permite a existência de disposições nacionais que garantam às mulheres direitos específicos em razão da gravidez e da maternidade. O direito à licença de maternidade decorre deste artigo (v. acórdão de 30 de Abril de 1998, Thibault, C‑136/95, Colect., p. I‑2011, n.° 24).

34
Além disso, o exercício dos direitos conferidos a uma mulher em conformidade com o referido artigo não pode ser objecto de um tratamento desfavorável no que se refere às condições necessárias para que possa aceder a um nível superior da hierarquia profissional. Nesta perspectiva, a Directiva 76/207 tem por objectivo atingir uma igualdade substancial e não formal (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Merino Gómez, n.° 37, e Thibault, n.° 26).

35
Decorre das considerações anteriores que uma trabalhadora é protegida, na sua relação de trabalho, contra qualquer tratamento desfavorável motivado pelo facto de estar ou ter estado em licença de maternidade.

36
Com efeito, uma mulher que sofra um tratamento desfavorável devido a uma ausência por licença de maternidade é discriminada em razão da sua gravidez e dessa licença. Tal comportamento constitui uma discriminação directa em razão do sexo na acepção da Directiva 76/207 (v. acórdãos de 13 de Fevereiro de 1996, Gillespie e o., C‑342/93, Colect., p. I‑475, n.° 22; Thibault, já referido, n.os 29 e 32, e de 30 de Março de 2004, Alabaster, C‑147/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 47).

37
Neste contexto, há que referir que U. Sass é prejudicada relativamente a um colega do sexo masculino que tenha começado o seu trabalho na antiga RDA no mesmo dia que ela, dado que, ao entrar em licença de maternidade, só atingirá o escalão de remuneração superior doze semanas depois do referido colega.

38
No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio parte da premissa de que a desvantagem sofrida por U. Sass não é em razão do sexo, mas reside antes no facto de a sua relação de trabalho ter sido suspensa durante as doze semanas em questão.

39
A este respeito, há que referir que a trabalhadora continua a estar ligada ao seu empregador pelo contrato de trabalho durante a licença de maternidade (v. acórdãos, já referidos, Gillespie e o., n.° 22; Thibault, n.° 29, e Alabaster, n.° 47). O modo como a trabalhadora recebe a remuneração durante a referida licença não altera de modo algum esta conclusão.

40
Ao invés, a Comissão invoca a Directiva 92/85, para o caso de se tratar de uma questão de discriminação em razão do sexo, a fim de examinar os eventuais efeitos de uma licença de maternidade mais longa do que o período mínimo previsto pela referida directiva nos direitos ligados ao contrato de trabalho. A este respeito, faz alusão ao acórdão de 27 de Outubro de 1998, Boyle e o. (C‑411/96, Colect., p. I‑6401, n.° 79), é daí parece concluir que, sendo os direitos da trabalhadora susceptíveis de ser afectados por uma licença de maternidade que ultrapassa as imposições mínimas previstas pelo artigo 8.° da referida directiva, as vinte semanas de que U. Sass decidiu voluntariamente beneficiar, por força do § 244 do AGB‑DDR, constituem apenas uma vantagem que lhe é proposta.

41
Esse raciocínio não pode ser acolhido.

42
Em primeiro lugar, quanto à Directiva 92/85, há que recordar que esta só tinha de ser transposta pelos Estados‑Membros o mais tardar em 19 de Outubro de 1994, ou seja, numa data posterior à dos factos no processo principal.

43
De resto, mesmo pressupondo que se possa partir dessa directiva, há que observar que, segundo o seu artigo 11.°, ela prevê, para garantir a protecção das mulheres grávidas, puérperas ou lactantes, que os direitos ligados ao contrato de trabalho devem ser assegurados «no caso referido no artigo 8.°». Ora, o artigo 8.° prevê «uma licença de maternidade de, pelo menos, catorze semanas consecutivas».

44
Por conseguinte, o facto de uma legislação conceder às mulheres uma licença de maternidade superior a catorze semanas não impede que esta última possa, apesar disso, ser considerada a licença de maternidade prevista no artigo 8.° da Directiva 92/85 e, portanto, um período durante o qual os direitos ligados ao contrato de trabalho devem, segundo o artigo 11.° da mesma directiva, ser assegurados.

45
Além disso, a natureza obrigatória ou não dessa licença não pode ser decisiva para a questão suscitada no caso em apreço. A este respeito, há que observar que, segundo a Directiva 92/85, a proibição de trabalhar apenas é respeitante a um período de, pelo menos, duas semanas da referida licença de maternidade de, no mínimo, catorze semanas.

46
Assim, o facto de U. Sass ter escolhido beneficiar da totalidade das vinte semanas de licença previstas pelo AGB‑DDR, quando as oito semanas de licença previstas pela MuSchG implicam uma proibição de trabalhar, não impede que a sua licença possa ser totalmente considerada uma licença legal destinada à protecção da mulher puérpera.

47
Em seguida, quanto ao acórdão Boyle e o., já referido, há que referir que, contrariamente ao que parece concluir a Comissão, em nada prejudica a resposta à questão colocada no presente processo, na medida em que se tratava, no acórdão Boyle, não de uma licença legal, mas de uma licença complementar concedida pelo empregador.

48
De todas as considerações precedentes decorre que, embora a legislação nacional preveja uma licença de maternidade com o objectivo de proteger, durante o período que se segue à gravidez e ao parto, tanto a condição biológica da mulher como as relações especiais com o seu filho, o direito comunitário exige que a tomada em consideração dessa licença legal de protecção, por um lado, não interrompa nem a relação de trabalho da mulher em causa nem a aplicação dos respectivos direitos e, por outro, não dê origem a um tratamento desfavorável da mulher.

49
Ora, a BAT‑O tomou como único ponto de referência a este respeito a legislação nacional da República Federal da Alemanha, quando a licença em questão faz parte da legislação da antiga RDA.

50
Assim, por último, há que indagar a natureza da licença efectivamente gozada por U. Sass, a fim de verificar se essa licença pode ser equiparada a um período de protecção, como o previsto pela MuSchG, destinado a assegurar a protecção da mulher puérpera.

51
No caso de resposta afirmativa, essa licença deveria ter sido tomada em consideração, aquando do cálculo do período exigido, do mesmo modo que esse período de protecção, ou seja, na totalidade. Não se tendo verificado essa tomada em consideração, U. Sass sofreu um tratamento desfavorável devido à sua ausência por licença de maternidade e, portanto, uma discriminação fundada directamente no sexo, na acepção da Directiva 76/207, na medida em que atingirá o escalão de remuneração superior apenas doze semanas depois de um colega do sexo masculino que tenha começado o seu trabalho na antiga RDA no mesmo dia que ela.

52
A este respeito, é significativo que decorre da resposta do Governo alemão às questões escritas do Tribunal de Justiça que os objectivos, por um lado, da licença de maternidade de oito semanas, prevista pelo § 6 da MuSchG, e, por outro, da licença de maternidade de vinte semanas, prevista pelo § 244 do AGB‑DDR e gozada por U. Sass, se sobrepõem em larga medida. Segundo esse governo, cada um desses dois regimes de licença tinha por objectivo o restabelecimento físico da mãe depois do parto e permitir‑lhe ocupar‑se pessoalmente do seu filho.

53
Como o Tribunal de Justiça já várias vezes declarou, o objectivo da Directiva 76/207, especialmente o do seu artigo 2.°, n.° 3, é precisamente essa dupla protecção da mulher (v., designadamente, a jurisprudência recordada no n.° 34 do presente acórdão).

54
Assim, conclui‑se que a licença de maternidade de vinte semanas, prevista pelo § 244 do AGB‑DDR, prossegue os mesmos objectivos e a mesma finalidade que o período de protecção de oito semanas, previsto pelo § 6 da MuSchG, e, portanto, essa licença de vinte semanas deve ser considerada uma licença legal destinada à protecção da mulher puérpera e deve igualmente ser imputada no período exigido que dá acesso a um escalão de remuneração superior.

55
No entanto, há que recordar que não compete ao Tribunal de Justiça interpretar a legislação nacional, sendo o tribunal nacional o único competente para o fazer. Ora, em caso de violação da Directiva 76/207 por disposições legislativas que introduzem uma discriminação contrária à directiva, os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a impedir essa discriminação por todos os meios ao seu alcance, designadamente aplicando essas disposições em benefício do grupo desfavorecido (v. acórdãos de 20 de Março de 2003, Kutz‑Bauer, C‑187/00, Colect., p. I‑2741, n.° 75, e de 11 de Setembro de 2003, Steinicke, C‑77/02, Colect., p. I‑9027, n.° 72).

56
Nestas condições, compete ao tribunal nacional verificar, à luz dos factos do processo principal, se a licença gozada por U. Sass e o período de protecção referido pela BAT‑O são equiparáveis entre si, do ponto de vista dos seus objectivos e da sua finalidade, a fim de poder imputar no período exigido por esta última a totalidade da licença legal gozada ao abrigo da legislação da antiga RDA.

57
No entanto, há que precisar que, ao examinar os objectivos e a finalidade de cada um destes dois regimes, nem a natureza obrigatória da licença nem o modo como a trabalhadora recebe uma remuneração durante essa licença pode ser um critério determinante.

58
Assim, se o tribunal nacional chegar à conclusão de que a licença de maternidade prevista pelo § 244 do AGB‑DDR é uma licença legal desse tipo destinada à protecção da mulher puérpera, há que imputar a totalidade da referida licença no período exigido para se poder ser classificado num escalão de remuneração superior para evitar que uma mulher que tenha gozado a referida licença seja desfavorecida, em razão da sua gravidez e da sua licença de maternidade, em relação a um colega do sexo masculino que começou o seu trabalho na antiga RDA no mesmo dia que ela.

59
Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão colocada que a Directiva 76/207 opõe‑se a que uma convenção colectiva, como a BAT‑O, exclua da imputação no período exigido a parte do período durante a qual a trabalhadora beneficiou, em conformidade com a legislação da antiga RDA, de uma licença de maternidade que ultrapassa o período de protecção, previsto pela legislação da República Federal da Alemanha, referido pela referida convenção, quando os objectivos e a finalidade de cada uma dessas licenças correspondam aos objectivos de protecção da mulher no que diz respeito à gravidez e à maternidade, protecção consagrada pelo artigo 2.°, n.° 3, da referida directiva. Compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se essas condições estão preenchidas.


Quanto às despesas

60
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas para submeter observações ao Tribunal de Justiça, que não as das referidas partes, não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

A Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho, opõe‑se a que uma convenção colectiva, como a Bundes‑Angestelltentarifvertrag‑Ost (convenção colectiva dos trabalhadores da função pública da Alemanha de Leste), exclua da imputação no período exigido a parte do período durante a qual a trabalhadora beneficiou, em conformidade com a legislação da antiga República Democrática Alemã, de uma licença de maternidade que ultrapassa o período de protecção, previsto pela legislação da República Federal da Alemanha, referido pela referida convenção, quando os objectivos e a finalidade de cada uma dessas licenças correspondam aos objectivos de protecção da mulher no que diz respeito à gravidez e à maternidade, protecção consagrada pelo artigo 2.°, n.° 3, da referida directiva. Compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se essas condições estão preenchidas.

Assinaturas.


1
Língua do processo: alemão.

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