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Document 61995CJ0168

Acórdão do Tribunal (Quarta Secção) de 26 de Setembro de 1996.
Processo-crime contra Luciano Arcaro.
Pedido de decisão prejudicial: Pretura circondariale di Vicenza - Itália.
Descargas de cádmio - Interpretação das directivas 76/464/CEE e 83/513/CEE do Conselho - Efeito directo - Possibilidade de invocar uma directiva contra um particular.
Processo C-168/95.

Colectânea de Jurisprudência 1996 I-04705

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1996:363

61995J0168

Acórdão do Tribunal (Quarta Secção) de 26 de Setembro de 1996. - Processo-crime contra Luciano Arcaro. - Pedido de decisão prejudicial: Pretura circondariale di Vicenza - Itália. - Descargas de cádmio - Interpretação das directivas 76/464/CEE e 83/513/CEE do Conselho - Efeito directo - Possibilidade de invocar uma directiva contra um particular. - Processo C-168/95.

Colectânea da Jurisprudência 1996 página I-04705


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Questões prejudiciais ° Competência do Tribunal de Justiça ° Identificação do objecto da questão

(Tratado CE, artigo 177. )

2. Ambiente ° Poluição aquática ° Directivas 76/464 e 83/513 ° Descargas de cádmio ° Sujeição a autorização prévia ° Excepção em benefício dos estabelecimentos existentes ° Inexistência ° Não transposição das directivas ° Possibilidade de as invocar contra um particular ° Exclusão

(Tratado CE, artigo 189. , terceiro parágrafo; Directivas 76/464, artigo 3. , e 83/513 do Conselho)

3. Actos das instituições ° Directivas ° Execução pelos Estados-Membros ° Necessidade de assegurar a eficácia das directivas ° Obrigações dos órgãos jurisdicionais nacionais ° Limites

(Tratado CE, artigos 5. e 189. , terceiro parágrafo)

Sumário


1. No âmbito do processo previsto no artigo 177. do Tratado, compete ao Tribunal de Justiça, perante questões formuladas de maneira imprecisa, extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional e dos autos da causa principal os elementos de direito comunitário que necessitam de interpretação, tendo em conta o objecto do litígio.

2. O artigo 3. da Directiva 74/464, relativa à poluição causada por determinadas substâncias perigosas lançadas no meio aquático da Comunidade, deve ser interpretado no sentido de que faz depender toda e qualquer descarga de cádmio, independentemente da data de entrada em actividade do estabelecimento de onde ela provém, da concessão ou da autorização prévia.

Na falta de transposição completa, no prazo fixado, da directiva em causa e, portanto, do seu artigo 3. , e da Directiva 83/513, relativa aos valores-limite e aos objectivos de qualidade para as descargas de cádmio, por um Estado-Membro, uma autoridade pública deste Estado não pode invocar aquele artigo 3. contra um particular, uma vez que esta possibilidade apenas existe a favor dos particulares e relativamente aos "Estados-Membros destinatários".

3. Embora o direito comunitário não contenha um mecanismo que permita ao órgão jurisdicional nacional eliminar disposições internas contrárias a uma disposição duma directiva não transposta, quando esta disposição não pode ser invocada perante o órgão jurisdicional nacional, a obrigação dos Estados-Membros, decorrente de tal directiva, de alcançar um resultado por este previsto, bem como o seu dever, por força do artigo 5. do Tratado, de tomar todas as medidas gerais ou especiais aptas a assegurar a execução dessa obrigação, impõem-se a todas as autoridades dos Estados-Membros, incluindo, no âmbito das suas competências, os órgãos jurisdicionais. Daqui resulta que, ao aplicar o direito nacional, o órgão jurisdicional nacional chamado a interpretá-lo é obrigado a fazê-lo, em toda a medida do possível, à luz do texto e da finalidade da directiva, para atingir o resultado por ela pretendido e cumprir desta forma o artigo 189. , terceiro parágrafo, do Tratado.

No entanto, esta obrigação de o juiz nacional ter em conta o conteúdo da directiva ao interpretar as normas relevantes do direito nacional encontra os seus limites quando tal interpretação leve a impor a um particular uma obrigação prevista numa directiva não transposta ou, por maioria de razão, quando leve a determinar ou a agravar, com base na directiva e na falta de uma lei adoptada para sua aplicação, a responsabilidade penal daqueles que actuem em violação das suas disposições.

Partes


No processo C-168/95,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, pela Pretura circondariale di Vicenza (Itália), destinado a obter, no processo penal pendente neste órgão jurisdicional contra

Luciano Arcaro,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação das Directivas 76/464/CEE do Conselho, de 4 de Maio de 1976, relativa à poluição causada por determinadas substâncias perigosas lançadas no meio aquático da Comunidade (JO L 129, p. 23; EE 15 F1 p. 165), e 83/513/CEE do Conselho, de 26 de Setembro de 1983, relativa aos valores-limite e aos objectivos de qualidade para as descargas de cádmio (JO L 291, p. 1; EE 15 F4 p. 131),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. N. Kakouris (relator), presidente de secção, P. J. G. Kapteyn e H. Ragnemalm, juízes,

advogado-geral: M. B. Elmer,

secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

vistas as observações escritas apresentadas, em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Laura Pignataro e Dominique Maidani, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 14 de Março de 1996,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 22 de Abril de 1995, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de Março seguinte, a Pretura circondariale di Vicenza submeteu, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, três questões prejudiciais sobre a interpretação da Directiva 76/464/CEE do Conselho, de 4 de Maio de 1976, relativa à poluição causada por determinadas substâncias perigosas lançadas no meio aquático da Comunidade (JO L 129, p. 23; EE 15 F1 p. 165), e 83/513/CEE do Conselho, de 26 de Setembro de 1983, relativa aos valores-limite e aos objectivos de qualidade para as descargas de cádmio (JO L 291, p. 1; EE 15 F4 p. 131).

2 Estas questões foram suscitadas num processo penal instaurado contra Luciano Arcaro, por infracção aos artigos 5. , 7. e 18. do Decreto legislativo n. 133, de 27 de Janeiro de 1992, relativo às descargas industriais de substâncias perigosas no meio aquático (suplemento ordinário n. 34 do GURI n. 41 de 19.2.1992, e corrigenda publicada no GURI n. 124 de 28.5.1992, a seguir "decreto").

3 A Directiva 76/464 prevê no artigo 3. que qualquer descarga de substâncias enumeradas na lista I do seu anexo "será submetida a uma autorização prévia concedida pela autoridade competente do Estado-Membro em causa". Essa lista inclui substâncias particularmente perigosas para o meio aquático, entre as quais o cádmio.

4 Em relação a esta categoria de substâncias, as autorizações para descarga devem ser concedidas em conformidade com os artigos 3. e 5. da mesma directiva. Segundo estas disposições, as autorizações para descarga devem indicar nomeadamente as normas de emissão, a saber, a concentração máxima e a quantidade máxima admissíveis na descarga, as condições em que esta é autorizada assim como o prazo dentro do qual pode ser efectuada.

5 Resulta do artigo 6. n. 1, da Directiva 76/464 que as normas de emissão não devem ultrapassar os valores-limite que são fixados pelo Conselho.

6 No que se refere ao cádmio, as autoridades nacionais remetem para os valores-limite, prazos e procedimentos de fiscalização indicados nos anexos da Directiva 85/513.

7 Todavia, resulta do Anexo I (notas 1 e 7) desta directiva que, para os sectores não mencionados no anexo, os valores-limite das descargas de cádmio são fixados pelo Conselho numa fase ulterior. Entretanto, os Estados-Membros fixarão as normas de emissão de forma autónoma, nos termos da Directiva 74/464, não devendo estas normas ser menos rigorosas que o valor-limite mais comparável contido no anexo.

8 Em Itália, o decreto foi adoptado com vista a promover a aplicação de várias directivas comunitárias sobre as descargas contendo substâncias perigosas, entre elas as Directivas 76/464 e 83/513.

9 Aplica-se às descargas de substâncias perigosas incluídas nos grupos de substâncias mencionados nas listas I e II do seu Anexo A (artigo 1. ). O Anexo B inclui os "valores-limite das normas de emissão" para algumas das substâncias perigosas referidas na lista I do Anexo A.

10 O decreto define o regime das autorizações a conceder pelas autoridades locais para descarga de substâncias incluídas na lista I do Anexo A. Esse regime assenta numa distinção entre, por um lado, as descargas de estabelecimentos industriais novos e, por outro lado, as descargas de estabelecimentos industriais existentes em 6 de Março de 1992, ou que tenham entrado em actividade antes de 6 de Março de 1993.

11 Todos os estabelecimentos industriais, novos e existentes, devem, para poder proceder às operações de descarga, obter uma autorização (artigo 5. do decreto). Para as duas categorias, a autoridade local concede a autorização de descarga fixando normas de emissão conformes aos valores-limite estabelecidos no Anexo B. Todavia, se a descarga disser respeito a substâncias para as quais não foi ainda fixado qualquer valor-limite no anexo B, procede-se à seguinte diferenciação.

12 Quando se trate de estabelecimentos novos, a autorização prévia é obrigatória e é concedida em conformidade com os limites de tolerância estabelecidos pela Lei n. 319, de 10 de Maio de 1976 (GURI n. 141 de 29.5.1976), na sua redacção alterada (artigo 6. , n. 3, do decreto). Em contrapartida, quando se trate de estabelecimentos existentes, resulta do artigo 7. , n. 7, que o decreto e, portanto, a obrigação de obter uma autorização só será aplicável após a adopção dos decretos ministeriais previstos no artigo 2. , n. 3, alínea b).

13 Resulta dos autos que o Anexo B não indica os valores-limite para as descargas de cádmio que são objecto do processo principal. Em consequência, em relação a tais descargas, nos termos do decreto, a obrigação de obter uma autorização só se impõe se as descargas forem provenientes de estabelecimentos novos.

14 O artigo 18. do decreto estabelece o regime das sanções aplicáveis em caso de infracção às suas disposições.

15 Resulta dos autos da causa principal que L. Arcaro, representante legal de uma empresa cuja actividade principal consiste na transformação de metais preciosos, é acusado de infracção aos artigos 5. , 7. e 18. do decreto, por ter efectuado descargas de cádmio nas águas de superfície (rio Bacchiglione) sem ter introduzido um pedido de autorização para esse efeito.

16 Na Pretura circondariale di Vicenza, onde o Ministério Público deduziu a acusação, L. Arcaro alegou, por um lado, que a sua empresa é um estabelecimento existente, na acepção do decreto, e que, tendo em conta a produção da empresa, o sistema de autorização previsto no artigo 7. do decreto só lhe será aplicável quando os valores-limite de emissão, correspondentes a essa produção, tiverem sido fixados por decreto ministerial.

17 O Pretore parte da constatação de que as disposições do artigo 7. , n.os 1 e 7, do decreto excluem a maior parte dos estabelecimentos existentes do regime de autorização por este instituído.

18 No n. 8 do despacho de reenvio, o Pretore formula todavia dúvidas quanto à conformidade destas disposições com as directivas comunitárias cuja aplicação promovem e que, em sua opinião, exigem uma autorização para todas as descargas a elas sujeitas, sem distinção entre estabelecimentos novos e estabelecimentos existentes. Neste contexto, o Pretore faz referência, a título de exemplo, ao artigo 1. , n. 2, alínea d), e ao artigo 3. da Directiva 76/464, assim como ao artigo 3. da Directiva 83/513.

19 Tendo em conta o que antecede, o Pretore decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

"a) É correcta a interpretação das directivas comunitárias transpostas pelo decreto lei n. 133/1992 exposta no ponto 8 do despacho de reenvio?

b) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, de acordo com uma correcta interpretação do direito comunitário, é possível aplicar directamente as normas comunitárias, com o consequente afastamento das normas internas incompatíveis, apesar de isto poder agravar a posição do particular?

c) Em caso de resposta negativa à segunda questão, que outro mecanismo se pode utilizar, com base numa interpretação correcta do direito comunitário, para eliminar da ordem jurídica nacional as normas internas incompatíveis com as comunitárias, no caso de a aplicação directa das últimas agravar a posição do particular?"

Quanto à primeira questão

20 Importa antes de mais observar que a questão está formulada de maneira vaga, uma vez que incide sobre uma interpretação de todas as directivas comunitárias cuja aplicação o decreto visa promover e que as disposições das Directivas 76/464 e 83/513, mencionadas mais especificamente no n. 8 do despacho de reenvio, o são apenas a título de exemplo.

21 Todavia, deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, compete ao Tribunal de Justiça, perante questões formuladas de maneira imprecisa, extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional e dos autos da causa principal os elementos de direito comunitário que necessitam de interpretação, tendo em conta o objecto do litígio (acórdão de 13 de Dezembro de 1984, Haug-Adrion, 251/83, Recueil, p. 4277, n. 9).

22 No caso vertente, como já foi referido nos n.os 15 e 16 do presente acórdão, resulta dos autos da causa principal que esta diz respeito a descargas de cádmio efectuadas sem autorização e provenientes de um estabelecimento existente, na acepção do decreto.

23 Uma vez que, relativamente às descargas de cádmio, as disposições relevantes do direito comunitário estão contidas nas Directivas 76/464 e 83/513, a primeira questão prejudicial deve ser entendida como tendo em vista saber se as disposições pertinentes destas directivas devem ser interpretadas no sentido de que fazem depender toda e qualquer descarga de cádmio, independentemente da data de entrada em actividade do estabelecimento de onde ele provém, da concessão de uma autorização prévia.

24 A este propósito, importa observar que, segundo o artigo 3. da Directiva 76/464,

"Quanto às substâncias pertencentes às famílias e grupos de substâncias enumerados na lista I...

1. qualquer descarga nas águas... e susceptível de conter uma dessas substâncias será submetida a uma autorização prévia concedida pela autoridade competente do Estado-Membro em causa;

..."

A lista I, reproduzida em anexo à directiva, menciona no seu ponto 6 o cádmio.

25 Daqui resulta que toda e qualquer descarga de cádmio está dependente da concessão de uma autorização prévia, sem excepção para as descargas que provenham de estabelecimentos existentes antes de uma determinada data.

26 Esta interpretação não é contrariada pelo artigo 3. , n. 3, nem pelo artigo 6. , n. 4, da Directiva 76/464.

27 A primeira dessas disposições prevê:

"Quanto às substâncias pertencentes às famílias e grupos de substâncias enumerados na lista I...

3. No que se refere às descargas actuais dessas substâncias nas águas mencionadas no artigo 1. , os autores das descargas devem respeitar, no prazo fixado pela autorização, as condições nela previstas. Esse prazo não pode exceder os limites fixados nos termos do n. 4 do artigo 6. "

28 Quanto ao artigo 6. , n. 4, vem estabelecido:

"Para as substâncias incluídas nas famílias e grupos de substâncias referidos no n. 1, o Conselho fixará, de acordo com o artigo 12. , os limites dos prazos previstos no ponto 3 do artigo 3. , em função das características específicas dos sectores industriais em causa e, se for caso disso, dos tipos de produtos."

29 Em consequência, embora estas disposições digam respeito às "descargas actuais" das substâncias incluídas na lista I, não introduzem qualquer excepção, a favor de um estabelecimento existente antes de uma determinada data, à obrigação de obter uma autorização prévia; apenas referem os prazos que serão fixados na autorização para este tipo de descargas.

30 Além disso, esta interpretação não é desmentida pela Directiva 83/513, que, no artigo 2. , alíneas f) e g), define os conceitos de "estabelecimento existente" e de "novo estabelecimento". Assim, o artigo 2. dispõe:

"Na acepção da presente directiva, entende-se por:

...

f) 'estabelecimento existente' :

o estabelecimento industrial em actividade na data de notificação da presente directiva;

g) 'novo estabelecimento' :

° o estabelecimento industrial que iniciou a sua actividade após a data de notificação da presente directiva.

° o estabelecimento industrial existente cuja capacidade de tratamento do cádmio tenha sido consideravelmente aumentada, após a data de notificação da presente directiva."

Não obstante, esta distinção só tem relevância para o artigo 3. , n. 4, primeiro parágrafo, desta directiva, nos termos do qual "os Estados-Membros só podem conceder autorizações para os novos estabelecimentos se estes estabelecimentos aplicarem as normas que correspondam aos melhores meios técnicos disponíveis."

31 Daqui decorre que esta disposição não dispensa os estabelecimentos em causa da obrigação de obterem uma autorização, mas, pelo contrário, a reforça.

32 Assim deve responder-se à primeira questão que o artigo 3. da Directiva 76/464 deve ser interpretado no sentido de que faz depender toda e qualquer descarga de cádmio, independentemente da data de entrada em actividade do estabelecimento de onde ela provém, da concessão de uma autorização prévia.

Quanto à segunda questão

33 Através desta questão, o órgão jurisdicional nacional pretende essencialmente saber se, na falta de transposição completa, no prazo fixado, da Directiva 76/464 e, portanto, do seu artigo 3. , e da Directiva 83/513 por um Estado-Membro, uma autoridade pública deste Estado pode invocar aquele artigo 3. contra um particular, mesmo que isso possa agravar a situação deste último.

34 A Comissão observa que o sistema de autorização para descargas previsto nas Directivas 76/464 e 83/513 implica a designação de autoridades nacionais competentes para esse efeito que disponham de um efectivo poder de apreciação. Daí conclui que as disposições destas directivas não podem ser consideradas incondicionais, na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, e que portanto não têm efeito directo. Acrescenta que, em qualquer circunstância, uma directiva não pode por si própria criar obrigações para um particular nem ser invocada como tal contra um particular num órgão jurisdicional nacional.

35 Perante uma situação como a que é objecto do litígio na causa principal, não é necessário analisar se o artigo 3. da directiva é incondicional e suficientemente preciso.

36 Com efeito, o Tribunal de Justiça salientou que a possibilidade de invocar perante um tribunal nacional uma disposição incondicional e suficientemente precisa de uma directiva não transposta apenas existe a favor dos particulares e relativamente aos "Estados-Membros destinatários". Daqui resulta que uma directiva não pode, por si própria, criar obrigações para os particulares e que uma disposição de uma directiva não pode, portanto, ser invocada enquanto tal contra eles (acórdãos de 26 de Fevereiro de 1986, Marshall, 152/84, Colect., p. 723, n. 48, e de 8 de Outubro de 1987, Kolpinghuis Nijmegen, 80/86, Colect., p. 3969, n. 9). O Tribunal de Justiça precisou que esta jurisprudência tem por objectivo evitar que um Estado possa tirar proveito da sua inobservância do direito comunitário (acórdãos de 14 de Julho de 1994, Faccini Dori, C-91/92, Colect., p. I-3325, n. 22, e de 7 de Março de 1996, El Corte Inglés, C-192/94, Colect., p. I-1282, n. 16).

37 Na linha desta jurisprudência, o Tribunal de Justiça também declarou que uma directiva não pode ter como efeito, por si própria e independentemente de uma lei interna de um Estado-Membro adoptada para sua aplicação, determinar ou agravar a responsabilidade penal daqueles que infringem as suas disposições (acórdão de 11 de Junho de 1987, Pretore di Salò, 14/86, Colect., p. 2545).

38 Deve portanto responder-se à segunda questão que, na falta de transposição completa, no prazo fixado, da Directiva 76/464 e, portanto, do seu artigo 3. , e da Directiva 83/513 por um Estado-Membro, uma autoridade pública deste Estado não pode invocar aquele artigo 3. contra um particular.

Quanto à terceira questão

39 Através desta questão, o órgão jurisdicional nacional pretende essencialmente saber se, com base numa interpretação correcta do direito comunitário, existe um mecanismo que permita ao órgão jurisdicional nacional eliminar disposições internas contrárias a uma disposição de uma directiva não transposta, quando esta última disposição não possa ser invocada perante o órgão jurisdicional nacional.

40 Deve antes de mais salientar-se que o direito comunitário não comporta tal mecanismo.

41 Há que acrescentar que a obrigação dos Estados-Membros, decorrente de uma directiva, de alcançar um resultado por esta previsto, bem como o seu dever, por força do seu artigo 5. do Tratado, de tomar todas as medidas gerais ou especiais aptas a assegurar a execução dessa obrigação, se impõem a todas as autoridades dos Estados-Membros, incluindo, no âmbito das suas competências, os órgãos jurisdicionais. Daqui resulta que, ao aplicar o direito nacional, o órgão jurisdicional nacional chamado a interpretá-lo é obrigado a fazê-lo, em toda a medida do possível, à luz do texto e da finalidade da directiva, para atingir o resultado por ela pretendido e cumprir desta forma o artigo 189. , terceiro parágrafo, do Tratado (v. acórdãos de 13 de Novembro de 1990, Marleasing, C-106/89, Colect., p. I-4135, n. 8, e de 16 de Dezembro de 1993, Wagner Miret, C-334/92, Colect., p. I-6911, n. 20).

42 No entanto, esta obrigação de o juiz nacional ter em conta o conteúdo da directiva ao interpretar as normas relevantes do direito nacional encontra os seus limites quando tal interpretação leve a impor a um particular uma obrigação prevista numa directiva não transposta ou, por maioria de razão, quando leve a determinar ou a agravar, com base na directiva e na falta de uma lei adoptada para sua aplicação, a responsabilidade penal daqueles que actuem em violação das suas disposições (v. acórdão Kolpinghuis Nijmegen, já referido, n.os 13 e 14).

43 Assim, deve responder-se à terceira questão que o direito comunitário não contém um mecanismo que permita ao órgão jurisdicional nacional eliminar disposições internas contrárias a uma disposição de uma directiva não transposta, quando esta disposição não possa ser invocada perante o órgão jurisdicional nacional.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

44 As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pela Pretura circondariale di Vicenza, por despacho de 22 de Abril, declara:

1) O artigo 3. da Directiva 74/464/CEE do Conselho, de 4 de Maio de 1976, relativa à poluição causada por determinadas substâncias perigosas lançadas no meio aquático da Comunidade, deve ser interpretado no sentido de que faz depender toda e qualquer descarga de cádmio, independentemente da data de entrada em actividade do estabelecimento de onde ela provém, da concessão de uma autorização prévia.

2) Na falta de transposição completa, no prazo fixado, da Directiva 76/464 e, portanto, do seu artigo 3. , e da Directiva 83/513/CEE do Conselho, de 26 de Setembro de 1983, relativa aos valores-limite e aos objectivos de qualidade para as descargas de cádmio, por um Estado-Membro, uma autoridade pública deste Estado não pode invocar aquele artigo 3. contra um particular.

3) O direito comunitário não contém um mecanismo que permita ao órgão jurisdicional nacional eliminar disposições internas contrárias a uma disposição de uma directiva não transposta, quando esta disposição não possa ser invocada perante o órgão jurisdicional nacional.

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