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Document 61990CC0061

Conclusões do advogado-geral Gulmann apresentadas em 12 de Fevereiro de 1992.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Helénica.
Mercado dos cereais - Regulamento (CEE) n.º 2727/75 - Artigos 93.º, n.º 3, e 5.º do Tratado CEE.
Processo C-61/90.

Colectânea de Jurisprudência 1992 I-02407

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1992:64

61990C0061

Conclusões do advogado-geral Gulmann apresentadas em 12 de Fevereiro de 1992. - COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS CONTRA REPUBLICA HELENICA. - MERCADO DOS CEREAIS - REGULAMENTO (CEE) N. 2727/75 - ARTIGOS 93., N. 3 E 5. DO TRATADO CEE. - PROCESSO C-61/90.

Colectânea da Jurisprudência 1992 página I-02407


Conclusões do Advogado-Geral


++++

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

Através de vários processos que teve de decidir, o Tribunal de Justiça está bem informado sobre os problemas que se levantaram no mercado grego dos cereais, após a adesão da Grécia à Comunidade em 1 de Janeiro de 1981. Nos seus acórdãos, o Tribunal de Justiça decidiu sobre a licitude face ao direito comunitário de uma série de meios utilizados pelas autoridades gregas para resolver estes problemas (1).

O presente processo diz respeito à legalidade de certas medidas de intervenção no mercado dos cereais durante as campanhas de 1982/1986.

A Comissão pede que seja declarado que a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário e, mais especificamente, do Regulamento (CEE) n. 2727/75, que estabelece a organização comum de mercado no sector dos cereais (2), dos respectivos regulamentos de aplicação, assim como dos artigos 93. e 5. do Tratado CEE:

- ao incentivar as exportações de cereais e de produtos transformados à base de cereais por intermédio do Serviço Central de Gestão dos Produtos Nacionais (a seguir "KYDEP") e ao cobrir os prejuízos sofridos nessa altura pelo referido organismo, por meio de auxílios directos ou indirectos que, designadamente, tomaram a forma de fixação dos preços dos cereais destinados às moagens e às indústrias transformadoras, em parte abaixo dos preços de intervenção fixados pela Comunidade (contratos-programa);

- ao recomendar ao KYDEP a apresentação à intervenção comunitária, em 1982, de 340 000 toneladas de trigo e ao cobrir os prejuízos sofridos pelo KYDEP resultantes desta apresentação;

- ao omitir a notificação destes auxílios e das outras medidas adoptadas de 1982 a 1986 à Comissão, e

- ao não colaborar com a Comissão.

A República Helénica conclui pedindo que a acção seja julgada improcedente.

Admissibilidade

O Governo helénico pede que a acção seja julgada inadmissível, na medida em que os pedidos da Comissão implicam uma tomada de posição sobre a questão de saber se a República Helénica concedeu um auxílio estatal ilícito. O Governo helénico alega que tais questões não poderão ser decididas no âmbito de uma acção intentada nos termos do artigo 169. do Tratado, mas sim âmbito de uma acção proposta nos termos do artigo 93. , n. 2, do Tratado. O mesmo argumento foi invocado pelo Governo helénico no processo C-35/88 (3), respeitante à intervenção das autoridades públicas no mercado grego dos cereais forrageiros, que, quanto a este ponto, é paralelo ao presente processo.

No seu acórdão de 12 de Julho de 1990, o Tribunal de Justiça julgou improcedente a excepção de inadmissibilidade, baseando-se nas considerações seguintes:

"... em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal, o processo aplicável para declarar o incumprimento das regras de uma organização comum de mercado é o processo por incumprimento previsto no artigo 169. do Tratado. De acordo com esta jurisprudência, embora o Tratado tenha instituído no seu artigo 93. , n. 2, um processo especialmente adaptado aos problemas específicos que os auxílios estatais suscitam para a concorrência no mercado comum, a existência desse processo não levanta qualquer obstáculo a que a compatibilidade de um regime de auxílio com outras regras comunitárias, que não as contidas no artigo 92. , seja apreciada de acordo com o processo previsto no artigo 169.

...

Nestas condições, a circunstância invocada pela República Helénica, de que, a ser provada, a intervenção estatal impugnada comportava um auxílio não impede a Comissão de contestar, nos termos do processo previsto no artigo 169. do Tratado, a compatibilidade dessa intervenção com as regras da organização comum do mercado dos cereais". (n.os 11 e 12 dos fundamentos).

Portanto, deve ser julgada improcedente a excepção de inadmissibilidade deduzida pelo Governo helénico.

Contudo, coloca-se outro problema relativo à admissibilidade da acção, sobre o qual o Tribunal de Justiça deve tomar posição. Este problema tem a sua origem no facto de as duas acusações que a Comissão formulou na petição não serem mencionadas no parecer fundamentado. Em contrapartida ambas estas acusações vêm enunciadas na notificação de incumprimento. O Governo helénico não suscitou esta questão no decurso da instância e, portanto, não a utilizou como fundamento de uma excepção de inadmissibilidade.

O Tribunal de Justiça já por diversas vezes teve ocasião de se pronunciar sobre a importância do processo administrativo pré-contencioso e sobre as exigências a ele inerentes, no que se refere a acções propostas nos termos do artigo 169. do Tratado

Recentemente, no seu acórdão de 28 de Novembro de 1991 no processo C-198/90 (4), o Tribunal de Justiça declarou o seguinte:

"Há que observar que essa acusação não resulta nem da notificação do incumprimento nem do parecer fundamentado, que se limitam a invocar a violação dos artigos 73. e 75. do Regulamento n. 1408/71 sem fazerem alusão, directa ou indirectamente, à violação do princípio da igualdade de tratamento.

Ora, resulta de jurisprudência constante do Tribunal ... que o objecto de uma acção nos termos do artigo 169. do Tratado é circunscrito pelo processo administrativo pré-contencioso previsto nessa disposição, bem como pelos pedidos da acção e que o parecer fundamentado da Comissão e a acção devem ser baseados nos mesmos argumentos e fundamentos." (n.os 14 e 15 dos fundamentos).

Resulta da jurisprudência que o Tribunal de Justiça atribui importância à observância das exigências relativas ao processo administrativo pré-contencioso e que a inobservância das condições a ele inerentes implica inadmissiblidade.

Pode concluir-se desta jurisprudência que não basta que uma circunstância tenha sido mencionada na notificação de incumprimento, uma vez que o Tribunal de Justiça coloca como condição expressa que o parecer fundamentado e a acção sejam baseados nos mesmos fundamentos e argumentos.

O Tribunal de Justiça também decidiu que lhe compete oficiosamente zelar por que a Comissão respeite as exigências que o Tratado coloca relativamente ao processo administrativo.

Assim, o Tribunal de Justiça, precisamente no processo acabado de citar, recusou-se a tomar posição sobre o argumento de que a norma controvertida traduzia uma discriminação indirecta, fundada na nacionalidade, por esta acusação não ter sido invocada no parecer fundamentado, e isto apesar de o Governo da Irlanda não ter deduzido a excepção de inadmissibilidade e não obstante o advogado-geral Walter Van Gerven ter proposto ao Tribunal de Justiça que julgasse a questão de mérito, designadamente pelo facto de o Governo irlandês não ter deduzido aquela excepção (5).

Em minha opinião, deve ser considerada a questão de saber se está certo que o Tribunal de Justiça deva zelar oficiosamente pela observância das exigências estabelecidas relativamente ao processo administrativo, tais como se podem deduzir do artigo 169. do Tratado. Desde que o Estado-membro em questão compareça ele próprio no Tribunal de Justiça para defender a sua causa, na minha opinião é não só supérfluo como também inadequado que o Tribunal de Justiça se encarregue oficiosamente de verificar se a Comissão concebeu de forma correcta a sua notificação de incumprimento e o seu parecer fundamentado relativamente ao conteúdo da petição.

Resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça na matéria que as exigências estabelecidas relativamente ao processo administrativo pré-contencioso são inspiradas pela preocupação de protecção do Estado-membro. Assim, o Tribunal de Justiça declarou por diversas vezes:

- que a fase pré-contenciosa tem como finalidade circunscrever o objecto do litígio e indicar ao Estado-membro os elementos necessários para a preparação da sua defesa, e

- que a possibilidade de o Estado-membro em questão apresentar as suas observações sobre os pontos de vista expressos nas cartas enviadas pela Comissão no decurso do processo administrativo constitui uma garantia essencial pretendida pelo Tratado, sendo o respeito dessa garantia uma condição de regularidade do processo por incumprimento de Estado (6).

Todavia, na minha opinião, estes interesses estão suficientemente salvaguardados pela possibilidade que o Estado tem de deduzir a excepção de inadmissibilidade, em razão dos vícios de que enferme o processo administrativo.

O próprio Estado-membro está melhor colocado para decidir se uma falta cometida pela Comissão na fase preparatória do processo se revestiu de importância suficiente para que o Estado-membro pretenda que a questão de mérito não seja apreciada, nomeadamente pelo facto de não ter possibilidades suficientes de preparar a sua defesa. Também pode suceder que, em certos casos, a Comissão e o Estado-membro tenham um interesse convergente e positivo em ver o Tribunal de Justiça resolver uma questão controvertida no âmbito de uma acção por incumprimento, mesmo na hipótese de a Comissão não ter respeitado as exigências estabelecidas relativamente ao processo administrativo pré-contencioso. Parece-me difícil considerar que possa existir um interesse processual autónomo que milite no sentido de obrigar o Tribunal de Justiça a empreender por sua própria iniciativa a tarefa por vezes bastante delicada de percorrer a notificação de incumprimento, o parecer fundamentado e a petição para analisar se a petição deve ser considerada como um alargamento do objecto do litígio, tal como este foi circunscrito no processo administrativo. Os elementos de facto e de direito sobre os quais o Tribunal de Justiça se deve pronunciar são, em qualquer circunstância, os que foram avançados no decurso da instância perante o Tribunal de Justiça (7).

Uma vez que o Governo helénico não alegou que uma ou mais acusações da Comissão deviam ser subtraídas à apreciação de mérito pelo facto de não terem sido referidas no parecer fundamentado, proponho que o Tribunal de Justiça aprecie a questão de mérito tal como vem delimitada na petição.

Se o Tribunal de Justiça, não obstante este ponto de vista, optar por se pronunciar oficiosamente sobre a admissibilidade das duas acusações em causa, proponho que o Tribunal de Justiça decida com base nas considerações seguintes.

As conclusões da Comissão abrangem, designadamente, as duas acusações seguintes:

- o Governo helénico recomendou ao KYDEP que apresentasse 340 000 toneladas de trigo à intervenção comunitária e cobriu os défices do KYDEP resultantes desta apresentação;

- em violação do artigo 5. do Tratado, o Governo helénico não colaborou com a Comissão.

A primeira acusação não figura na conclusão do parecer fundamentado da Comissão e, de resto, também não vem expressamente alegada neste parecer. Em contrapartida, o parecer contém, no seu n. 4, uma remessa para o n. 1.8 da notificação de incumprimento que refere precisamente este facto.

A segunda das acusações acima referidas não vem expressamente citada no parecer fundamentado e não lhe são feitas referências concretas.

Não obstante, deve-se referir que o parecer fundamentado contém a passagem seguinte:

"A resposta grega não é, todavia, susceptível de alterar o parecer que a Comissão emitiu, na sua carta de 2.9.1987 (a notificação de incumprimento) sobre os factos e antecedentes, os efeitos das medidas gregas e o direito comunitário aplicável e que a Comissão mantém integralmente" (o sublinhado é meu).

Em minha opinião, ao remeter assim de forma mais ou menos geral para a notificação de incumprimento, a Comissão não satisfaz as exigências previstas relativamente ao processo administrativo tal como decorrem do artigo 169. do Tratado. A finalidade que está subjacente ao parecer fundamentado deve ser a de obrigar a Comissão a aprofundar e precisar as acusações que pretende fazer. Considerar suficientes remissões para a notificação de incumprimento corre o risco de reduzir o parecer fundamentado a um documento sem significado autónomo.

No caso de o Tribunal de Justiça optar por se pronunciar oficiosamente sobre esta questão, as duas acusações devem, em minha opinião, ser rejeitadas por inadmissíveis.

Quanto ao mérito

As intervenções das autoridades gregas no mercado dos cereais

No caso em apreço, a Comissão pretende que a República Helénica interveio, através do KYDEP, no mercado dos cereais, o que é contrário à organização comum de mercado no sector dos cereais.

O KYDEP, isto é, o Serviço Central de Gestão dos Produtos Nacionais, é um agrupamento nacional de cooperativas regionais de cereais, de legumes e de alimentos para animais. Tem como função, principalmente, comprar, armazenar e vender os produtos dos seus membros, assim como servir de organismo de intervenção comunitário relativamente a determinados sectores agrícolas.

Como é descrito pela Comissão e o confirmam diversos documentos apresentados no decurso da instância, alguns dos quais emanam do KYDEP, o presente processo tem a sua origem nas dificuldades muito sérias encontradas pelo KYDEP, a partir de 1982, no escoamento do trigo comprado e armazenado.

Resulta dos autos que o KYDEP tinha, durante o período a que se refere o litígio, uma necessidade premente de aumentar as vendas dos cereais, designadamente para diminuir os custos de armazenagem e outros custos, assim como para arranjar lugar para a armazenagem da nova colheita.

Segundo a Comissão, o Governo helénico procurou resolver estes problemas, por um lado, dando ordem, directa ou indirectamente, ao KYDEP para adoptar diversas medidas e, por outro lado, cobrindo, total ou parcialmente, os défices do KYDEP daí resultantes.

As diversas medidas que tinham como finalidade escoar os cereais no mercado exportador foram adoptadas, segundo a Comissão, no âmbito de "contratos-programa" que continham as directrizes que deviam regular as condições de escoamento de determinadas quantidades de trigo.

Segundo as informações fornecidas pela Comissão, existiam dois tipos de contratos-programa.

O primeiro tipo era constituído pelos contratos celebrados entre as autoridades gregas, o KYDEP e compradores privados.

Alguns desses contratos tinham como conteúdo essencial que:

- o KYDEP devia vender as suas existências de trigo às fábricas de moagem e às empresas de transformação em condições vantajosas (preços inferiores ao preço de mercado e crédito gratuito durante oito meses);

- os operadores privados deviam obrigar-se a transformar e exportar o trigo em prazos determinados, e

- as autoridades gregas se obrigavam a cobrir o défice apresentado pelo KYDEP e a garantir o financiamento do regime junto dos bancos agrícolas gregos, através do Banco Nacional da Grécia.

Enquanto os contratos-programa acabados de descrever eram caracterizados pelo facto de os operadores beneficiarem de crédito do KYDEP, obtendo este o seu refinanciamento pelos bancos agrícolas gregos, outros contratos previam, em termos de financiamento, que os bancos comerciais concedessem empréstimos aos operadores. Esta modalidade estava dependente do acordo do Banco Nacional da Grécia, o qual tinha, ele próprio, obtido o acordo do Ministério da Economia (8).

O segundo tipo de contratos-programa tinha como objecto definir um enquadramento para as operações de transformação e exportação efectuadas pelo próprio KYDEP, prevendo para este fim um determinado auxílio estatal por quilo de farinha exportado.

A Comissão alega, além disso, que o Governo helénico deu ordens ao KYDEP para, em violação do direito comunitário, apresentar 340 000 toneladas de trigo à intervenção comunitária em 1982, tomando o Governo a seu cargo os défices do KYDEP resultantes desta apresentação à intervenção.

Como já acima foi referido, o Tribunal de Justiça proferiu uma série de acórdãos em processos similares. Os acórdãos revestem-se no caso em apreço de uma importância essencial, tendo em consideração que:

- contêm em larga medida uma tomada de posição sobre os problemas jurídicos que se colocam no presente processo;

- constituem uma base sólida para apreciar as relações entre as autoridades gregas e o KYDEP;

- contêm uma apreciação em termos probatórios de algumas das circunstâncias de facto que constituem objecto do presente processo.

A apreciação jurídica deste caso é simples, uma vez que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que há violação de direito comunitário quando os Estados-membros intervêm da forma como foi descrita na petição da Comissão.

Recentemente, no seu acórdão de 30 de Maio de 1991, no processo C-110/89, Comissão/Grécia (9), que dizia respeito a determinados entraves à exportação de trigo, o Tribunal de Justiça declarou que:

"... as organizações comuns de mercado se baseiam no princípio do mercado aberto, ao qual todos os produtores têm livre acesso em condições de concorrência efectiva e cujo funcionamento é regulado apenas pelos instrumentos previstos por essas organizações. Em particular, nos domínios abrangidos por uma organização comum de mercado, e por maioria de razão quando essa organização, como no caso em litígio, se baseia no regime comum de preços, os Estados-membros deixam de poder intervir através de medidas unilaterais que afectem o regime das trocas comerciais e o mecanismo de formação de preços como resultam da organização comum..." (n. 21).

Com base nesta determinação da natureza das organizações comuns de mercado, o Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 19 de Março de 1991 no processo C-32/89 (n.os 17-18 e 20-22) (10), pronunciou-se sobre a questão de saber se a Comissão tinha o direito de se recusar a tomar a cargo do FEOGA determinadas despesas. A Comissão alegava que tal se justificava em virtude de terem sido celebrados contratos-programa no mercado grego dos cereais, através dos quais as autoridades gregas controlavam as actividades do KYDEP e cobriam os défices deste último e pelo facto de as autoridades gregas terem dado ordens ao KYDEP para apresentar um lote de trigo à intervenção comunitária.

Tratava-se das mesmas intervenções ou de intervenções análogas às que estão presentemente em causa e o Tribunal de Justiça deu ganho de causa à Comissão, decidindo que as mesmas eram contrárias à organização comum de mercado no sector dos cereais.

É evidente que a apreciação jurídica deve chegar a conclusões concordantes, quer esta seja efectuada no âmbito de um processo relativo aos custos a suportar pelo FEOGA, quer numa acção por incumprimento.

As intervenções descritas são contrárias à organização comum de mercado no sector dos cereais, pelo simples facto de ocorrerem em domínios regulados de forma exaustiva pela organização de mercado. Tais intervenções implicam na prática perturbações graves e ilegais dos mecanismos de formação dos preços, do regime de intervenção específico e da regulação das trocas comerciais, previstos na organização comum de mercado.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça mostra que, num caso como o presente, não é necessário demonstrar que as intervenções nacionais em causa constituem infracções a certas e determinadas regras da organização de mercado em questão. Basta demonstrar que estas intervenções constituem infracções aos princípios fundamentais da organização de mercado.

No que se refere às relações entre a República Helénica e o KYDEP, os processos anteriormente julgados dão do KYDEP a imagem de um organismo por intermédio do qual o Estado procedeu, durante o período a que se refere o litígio e de diversas maneiras, a intervenções no mercado dos cereais e dos produtos cerealíferos, que eram controladas e parcialmente financiadas pelo Estado. No seu acórdão de 19 de Março de 1991 no processo C-32/89, o Tribunal de Justiça declarou:

"À luz do que precede, deve admitir-se que, durante o período visado no presente recurso, as autoridades helénicas controlaram as operações efectuadas pelo KYDEP e cobriram os seus défices." (n. 17).

O período visado neste acórdão corresponde ao período pertinente no presente caso. A República Helénica, no caso em apreço, não avançou considerações que possam levar o Tribunal de Justiça a alterar a sua apreciação quanto às relações entre o Estado e o KYDEP. O Governo helénico limita-se manter que o KYDEP é uma pessoa jurídica de direito privado, em relação à qual o Estado não pode exercer qualquer autoridade; argumento que, por diversas vezes, foi rejeitado pelo Tribunal de Justiça.

Finalmente, no que se refere à apreciação do carácter probatório dos elementos de facto, verifica-se que quatro dos contratos-programa invocados no presente processo já foram objecto do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo C-32/89, a saber:

1) um contrato-programa celebrado em 1982, entre as autoridades gregas, o KYDEP e a federação dos moageiros, respeitante à moagem e à exportação de 500 000 toneladas de trigo mole, executado entre Janeiro e Maio de 1983;

2) um contrato-programa celebrado em Fevereiro de 1984 entre as autoridades gregas e o KYDEP, pelo qual o KYDEP se obrigou a moer e exportar 400 000 toneladas de trigo mole, mediante o recebimento de uma determinada subvenção por quilo de farinha exportada;

3) um contrato-programa celebrado em 1984/1985 entre as autoridades gregas, o KYDEP e os fabricantes de massas respeitante à exportação de 8 900 toneladas de massas correspondentes a 15 000 toneladas de trigo duro;

4) um contrato-programa celebrado em 1985 entre as autoridades gregas e o KIDEP respeitante à exportação de 40 000 toneladas de sêmola, correspondentes a 78 000 toneladas de trigo duro.

A República Helénica, tanto no processo C-32/89 como no decurso da audiência no presente processo, admitiu a existência dos três primeiros contratos-programa acima referidos.

Além disso, o Tribunal de Justiça considerou no seu acórdão no processo C-32/89 que tinha sido feita prova suficiente da existência do quarto contrato-programa.

O Tribunal de Justiça declarou o seguinte:

"Tendo presente esta nota, cuja autenticidade não é contestada pelo Governo helénico, e tendo em conta o facto de este último se limitar a negar a existência de um contrato-programa relativo à sêmola de trigo duro, sem, no entanto, aduzir argumentos ou elementos em apoio dessa alegação, há que reconhecer que a Comissão não cometeu erro ao concluir pela existência de um quarto contrato-programa relativo à sêmola de trigo duro" (n. 12) (11).

A República Helénica continua a negar a existência de um quarto contrato-programa sem no entanto, parece, ter trazido novos elementos de prova a este respeito. Portanto, pode-se igualmente considerar como provada no caso em apreço a celebração de um quarto contrato.

No processo C-32/89, além disso, o Tribunal de Justiça considerou provado que a República Helénica tinha coberto os défices do KYDEP resultantes da celebração destes quatro contratos-programa (n.os 14 a 17). No presente processo, os autos não revelam qualquer elemento de informação susceptível de servir de base a uma conclusão diferente.

Contudo, a Comissão, nos seus articulados, alega que as autoridades gregas tinham celebrado mais alguns contratos-programa e tinham intervindo, em mais algumas ocasiões, no mercado dos cereais durante o período de 1982 a 1986.

Assim, há que apreciar se a Comissão fez prova suficiente destas outras intervenções.

Celebração de contratos-programa no período de 1982 a 1986

Recorde-se que a noção de contratos programa é utilizada pela Comissão, tanto em referência aos acordos que devem ter sido celebrados entre as autoridades gregas, o KYDEP e os operadores privados, na perspectiva da exportação, por estes últimos, do trigo após transformação, como em referência aos acordos em virtude dos quais o próprio KYDEP se devia obrigar a transformar e a exportar o trigo.

Na sua petição, a Comissão alega que foram celebrados vários contratos-programa do primeiro tipo, durante o período de 1982 a 1986. Estes acordos diziam respeito, em parte, ao trigo mole transformado em farinha pelas moagens e em parte ao trigo duro transformado em massas ou em sêmola. No que diz respeito aos contratos relativos à transformação e à exportação do trigo pelo próprio KYDEP, os mesmos foram, segundo a Comissão, executados em relação às colheitas de 1984, 1985 e 1986.

Não foi possível à Comissão apresentar os contratos-programa cuja celebração alega. Em contrapartida, a Comissão apresentou uma série de documentos que permitem, em sua opinião, deduzir que estes contratos existiram realmente. Além disso, o Governo helénico, a pedido do Tribunal, apresentou na audiência documentos que se revestem igualmente de importância para efeitos de apreciação das provas.

Não é possível, a partir dos anexos juntos aos autos no presente processo, obter uma imagem particularmente clara ou detalhada das intervenções das autoridades gregas durante o período considerado. A este propósito, os elementos de prova da Comissão são demasiado restritos e, como adiante será referido, o Governo helénico não contribuiu de forma leal para um esclarecimento satisfatório dos factos da causa.

Em certo número de casos, a Comissão procurou cumprir o ónus da prova que lhe incumbe provando que o KYDEP é titular de créditos sobre a República Helénica, que resultam das contas do KYDEP e dizem respeito ao período considerado. Sou da opinião, contudo, que a existência de créditos do KYDEP sobre a República Helénica não constitui em si uma base suficiente para fazer presumir a celebração de contratos-programa. A existência de créditos do KYDEP sobre o Estado grego só pode ser utilizada como meio de prova no caso de se provarem circunstâncias de facto que levem a pensar que o crédito tem a sua origem num contrato-programa.

Dito isto, deve igualmente dizer-se que os outros elementos de prova disponíveis neste processo demonstraram com suficiente clareza que a Comissão teve razão para considerar que as autoridades gregas, em todo o caso durante o período de 1982 a 1985, procederam em grande escala a intervenções contrárias ao direito comunitário no mercado dos cereais.

Irei seguidamente analisar, passando em revista os elementos de prova mais importantes, em que medida se pode considerar como provado que foram efectivamente celebrados contratos-programa. Esta análise incidirá, antes de mais, sobre os contratos-programa celebrados entre as autoridades gregas, o KYDEP e os operadores privados e, seguidamente, sobre os contratos-programa pelos quais o próprio KYDEP se obrigou a exportar.

Como se disse, a República Helénica reconheceu ter celebrado um contrato-programa com a federação dos moageiros em 1982. Este contrato-programa diz respeito à moagem e à exportação de 500 000 toneladas de trigo mole e foi executado em 1983 (12). Pode deduzir-se do relatório analítico das contas do balanço do KYDEP do exercício de 1988, redigidas pelo próprio KYDEP (13), que foram celebrados mais alguns contratos-programa em 1982/1983. Na página 40 do relatório vêm citados dois créditos sobre o Estado em ligação com contratos-programa celebrados com o Ministério da Economia, respeitantes ao trigo das colheitas de 1982 e 1983, nos montantes, respectivamente, de 4 208 976 152 DR e 139 575 642 DR. Estes créditos excedem sensivelmente o montante que o contrato-programa reconhecido pelo Governo helénico tinha custado ao Estado, segundo o relatório da trigésima sexta assembleia geral do KYDEP (14).

Pode deduzir-se de dois documentos que, em 1984, também foram celebrados contratos-programa respeitantes ao trigo mole com a federação dos moageiros. Assim, em carta da federação dos moageiros de 6 de Setembro de 1984 enviada ao Ministério da Economia (15) é feita referência ao "último contrato-programa", o qual - segundo a carta - dizia respeito a trigo mole que devia ser exportado, o mais tardar, até 30 de Setembro de 1984. Resulta de outros documentos que o contrato-programa respeitante ao trigo mole e cuja celebração o Governo helénico reconheceu (v. acima) punha como condição que a exportação fosse efectuada, o mais tardar, até 30 de Setembro de 1983 (16). Além disso, numa nota interna redigida pelo KYDEP e datada de 16 de Abril de 1984 (17), vem indicado que durante o período de 10 de Abril de 1984 a 30 de Junho de 1984 deviam ser retiradas 55 000 toneladas de trigo mole dos entrepostos do KYDEP, em ligação com os contratos celebrados com as moagens com vista à execução de um contrato-programa. Resulta da mesma nota que competia ao Ministério da Economia encontrar um meio de cobrir o défice apresentado pelo KYDEP quando da venda do trigo mole no âmbito do contrato-programa relativo aos auxílios à exportação de farinha (18).

Diferentes documentos dizem respeito à celebração de contratos-programa com os fabricantes de massas. A República Helénica reconheceu ter celebrado um contrato-programa relativo a 8 900 toneladas de massas, correspondentes a 15 000 toneladas de trigo duro. De uma nota interna datada de 6 de Junho de 1985, redigida pela direcção do KYDEP e respeitante à colheita de 1984/1985 (19), pode deduzir-se, ao que parece, que este contrato-programa deve ter sido celebrado durante o período compreendido entre 1 de Junho de 1984 e 31 de Maio de 1985. De um ofício de 30 de Dezembro de 1983, do Ministério da Economia ao Banco Nacional da Grécia, apresentado pelo Governo helénico, e de um documento elaborado em 31 de Janeiro de 1984 pelo director do Banco Nacional da Grécia (20) verifica-se que o Banco Nacional da Grécia, após acordo do Ministério da Economia, autorizou os bancos comerciais a fazerem empréstimos à indústria das massas em ligação com a compra de 30 000 toneladas de trigo duro com uma opção de 10 000 toneladas suplementares. Este trigo devia ser retirado dos armazéns do KYDEP, o mais tardar, até 31 de Março de 1984 e a exportação devia ser efectuada, o mais tardar, em 31 de Dezembro de 1984. Da nota interna de 16 de Abril de 1984, já referida, resulta que deviam ser retiradas dos armazéns do KYDEP, antes de 30 de Junho de 1984, 25 000 toneladas de trigo duro, em ligação com os contratos-programa celebrados com os fabricantes de massas. Da mesma nota resulta que competia ao Ministério da Economia encontrar um meio para cobrir o défice do KYDEP ocasionado pelo fornecimento de trigo duro aos fabricantes de massas. Além disso, pode deduzir-se, segundo parece, das páginas 3 e 4 da nota de 6 de Junho de 1985, já referida, que os prejuízos globais sofridos pelo KYDEP em consequência das suas actividades no mercado do trigo duro foram cobertos pelo Ministério da Economia. Assim, deve-se poder concluir, à luz dos documentos acabados de referir, que em 1984 foi celebrado com os fabricantes de massas um número de contratos-programa muito maior do que o Governo helénico reconheceu ter celebrado, que os fabricantes de massas obtiveram, mediante intercessão do Governo helénico, um financiamento nos bancos comerciais em ligação com estas operações e que o prejuízo sofrido pelo KYDEP em resultado destes contratos foi aparentemente coberto pela República Helénica.

No que se refere ao ano de 1985, resulta de uma decisão tomada em 2 de Dezembro de 1987 pela comissão dos preços e dos rendimentos (21) que o KYDEP celebrou contratos com as fábricas de moagem respeitantes à colheita de trigo mole de 1985 (executados verosimilmente em 1986) e que o défice apresentado pelo KYDEP no quadro destas operações foi, a posteriori por força desta decisão, coberto pelo Estado. O termo "contrato-programa" não aparece expressamente neste contexto, mas vem referido que o KYDEP "actuou neste caso como agente de execução de medidas de política".

Resulta, além disso, da nota interna de 6 de Junho de 1985 que o contrato respeitante a 40 000 toneladas de sêmola correspondentes a 78 000 toneladas de trigo duro, cuja existência foi admitida pelo Governo helénico, deve ter sido celebrado antes de 6 de Junho de 1985, mas só foi executado após esta data.

Finalmente, no que se refere a 1986, não parece que se possa deduzir dos documentos juntos aos autos que tenham sido celebrados contratos-programa nesse ano. Não obstante, resulta da leitura do relatório analítico das contas do balanço do KYDEP do exercício de 1988 - v. páginas 66 e 90 - que o défice global do KYDEP resultante da gestão da colheita de trigo de 1986 foi coberto pelo Estado.

No que se refere ao segundo tipo de contratos-programa, pelos quais o KYDEP se encarregou ele próprio de transformar e exportar o trigo, o Governo helénico admitiu ter celebrado um desses contratos em 1984 com vista à exportação de 400 000 toneladas de trigo mole (22). No relatório da trigésima sexta assembleia geral do KYDEP, vem referida uma subvenção relativa a este contrato-programa de 2,45 DR/kg. No relatório analítico das contas do KYDEP de 1988 - v. página 71 - vem referido que o KYDEP se encarregou ele próprio de moer e exportar a farinha mediante uma subvenção de 3,5 DR/kg. Além disso, este mesmo relatório refere, na página 79, que o KYDEP tinha conseguido num ano moer e exportar 435 000 toneladas de trigo. Perante estas últimas informações, poder-se-á concluir pela existência de outros contratos-programa para além dos admitidos pelo Governo helénico. O contexto em que se integram estas informações parece, não obstante, indicar que se trata de facto do mesmo contrato, ainda que alguns dos dados quantificados estejam indubitavelmente errados.

Não parece que seja possível, a partir dos documentos juntos aos autos, fazer a prova de que foram celebrados contratos-programa deste tipo também em 1985 e 1986. No que se refere a 1986, remete-se, contudo, igualmente neste contexto, para as informações contidas no relatório analítico das contas do balanço do KYDEP do exercício de 1988, relativas à cobertura do défice pelo Estado.

Pode concluir-se, portanto, que a Comissão reuniu elementos de prova suficientes de que as autoridades gregas, em todo o caso nos anos de 1982 a 1985, celebraram contratos-programa com o KYDEP e com os operadores privados, com vista à transformação e à exportação do trigo por estes últimos, e que o Governo helénico, em todo o caso em 1984, celebrou um contrato-programa com o KYDEP com vista à transformação e à exportação de trigo por conta do KYDEP. Além disso, a Comissão conseguiu provar que a República Helénica, durante o período de 1982 a 1986, cobriu o défice do KYDEP resultante das actividades deste último no mercado do trigo duro e do trigo mole.

A República Helénica não negou a autenticidade dos documentos apresentados pela Comissão e também não avançou explicações mais detalhadas respeitantes a estas informações. Na sua defesa, a República Helénica afirmou simplesmente o seguinte.

Em primeiro lugar, a Comissão não se libertou do ónus da prova que lhe incumbe, relativamente à existência dos contratos-programa, uma vez que não apresentou cópias de tais contratos.

A este propósito, basta observar que a questão da apresentação dos contratos-programa sob a forma escrita não pode ser decisiva, desde que se possa considerar suficientemente feita a prova da sua existência por outros meios.

Em segundo lugar, a Comissão não indicou o montante preciso do défice do KYDEP pretensamente coberto pelo Estado grego.

Perante o facto de os documentos internos do KYDEP revelarem um certo número de dados divergentes e tendo em conta que o Estado grego se mostrou reticente em prestar assistência à Comissão para efeitos de esclarecer as circunstâncias da causa, não se pode culpar a Comissão pelo facto de não lhe ter sido possível determinar o montante preciso das subvenções do Estado grego ao KYDEP. Todavia, esta situação não impede que se constate que foram pagas subvenções em violação das normas comunitárias.

Em terceiro lugar, a República Helénica alega que o próprio facto de resultar das contas do KYDEP que este é titular de um crédito sobre o Estado faz presumir demonstrado que os contratos-programa celebrados nunca foram "concretizados" e que não foram transferidos fundos públicos para o KYDEP na sequência de tais contratos. Este argumento é dificilmente compreensível. Deve poder-se rejeitá-lo, quanto mais não seja porque o KYDEP, evidentemente, só incluiria nas suas contas créditos sobre o Estado baseados em transacções efectuadas, dando origem, em direito positivo grego, e na opinião do KYDEP, a um crédito sobre o Estado.

Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, numa situação como a do caso em apreço, na qual a Comissão forneceu elementos suficientes que revelam uma série de circunstâncias factuais, o Estado não pode contentar-se em negar pura e simplesmente a sua existência (23). Como o Governo helénico não refutou de forma substancial e detalhada os factos invocados pela Comissão, estes devem ser considerados provados.

Apresentação de cereais à intervenção comunitária

Como prova de que o KYDEP apresentou 340 000 toneladas de trigo mole à intervenção comunitária, a Comissão referiu o relatório da trigésima sexta assembleia geral do KYDEP. Na página 12 deste relatório, encontra-se, na parte consagrada às actividades de 1982, o seguinte:

"Por ordem do Governo, o KYDEP apresenta 346 000 toneladas (de trigo mole) à intervenção comunitária, sendo a diferença entre o preço de custo e o preço CEE coberta pelo Tesouro grego" (24).

A República Helénica nada alegou com vista a desmentir estas informações (25).

Portanto, deve-se considerar provado que o KYDEP, em 1982, apresentou 340 000 toneladas de trigo mole à intervenção comunitária por ordem do Estado grego e que o défice do KYDEP daí resultante foi coberto pela República Helénica.

A omissão da República Helénica de notificar à Comissão os auxílios por si concedidos no mercado dos cereais

Como acima foi referido, é de considerar provado que:

- o défice do KYDEP resultante das actividades anteriormente descritas foi permanentemente coberto, por um lado, através de auxílios directos do Estado, por outro lado, através de condições de financiamento preferenciais permitidas pelo Banco Agrícola da Grécia, o qual obteve refinanciamento no Banco Nacional da Grécia, agindo este último, por seu turno, após acordo do Ministério da Economia grego,

- as fábricas de moagem gregas puderam, devido à interferência do Estado nas actividades do KYDEP, obter cereais a preços inferiores aos preços da intervenção e beneficiar de um crédito gratuito de oito meses no KYDEP, e

- os fabricantes de massas gregos, mediante intercessão do Banco Nacional da Grécia e, por esse facto, do Estado grego, puderam obter condições de financiamentos preferenciais para a compra de cereais ao KYDEP.

Estes auxílios estão abrangidos pelo regime de auxílios previsto no Tratado CEE e a Comissão, portanto, deveria ter sido informada a este respeito, em conformidade com o artigo 93. , n. 3, do Tratado. Tal não sucedeu e, portanto, também sobre este ponto, se deve dar razão à Comissão quando esta afirma que a República Helénica não cumpriu as suas obrigações face ao direito comunitário.

Tal violação do Tratado pode ser objecto de uma declaração de incumprimento no âmbito de uma acção proposta nos termos do artigo 169. do Tratado (v., como mais recente, o acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1980, no processo 35/88 (26)).

A falta de cooperação da República Helénica com a Comissão

A Comissão alega que o Governo helénico não cumpriu as obrigações que lhe incubem por força do artigo 5. do Tratado, por:

- persistir na sua recusa de transmitir à Comissão todas as informações pedidas e de responder às acusações da Comissão;

- entravar a realização de uma averiguação local respeitante ao KYDEP;

- recusar comunicar os regulamentos ministeriais e as decisões relativas às condições de intervenção do KYDEP no mercado dos cereais.

Em minha opinião, existe fundamento no presente caso para criticar a atitude da República Helénica neste aspecto.

Por carta de 23 de Dezembro de 1985, a Comissão pediu ao Governo helénico que lhe fornecesse uma série de informações relacionadas com um contrato-programa respeitante a 40 000 toneladas de sêmola e um contrato-programa respeitante a 15 000 toneladas de massas.

Na sua carta de resposta de 14 de Março de 1986, o Governo helénico sustentou que não tinha sido celebrado nem, por maioria de razão, executado qualquer contrato-programa e que não tinha sido tomada qualquer decisão para cobrir o défice do KYDEP.

A existência dos dois contratos-programa acima referidos foi admitida, posteriormente, pelo Governo helénico.

Na sua resposta à notificação de incumprimento pela Comissão, datada de 13 de Janeiro de 1988, o Governo helénico descreveu o estatuto jurídico do KYDEP e sustentou, a este propósito, que nenhum diploma legal habilita o Estado a dar instruções ao KYDEP. Além disso, o Governo helénico sustentava que os contratos-programa a que a Comissão se referia na sua notificação de incumprimento eram contratos informais, celebrados entre o KYDEP e as fábricas de moagem, sem qualquer intervenção do sector público e sem transferência de fundos do Estado para o KYDEP, nem subvenções de qualquer natureza para os produtos em questão.

Que o KYDEP é um organismo que, em quaisquer circunstâncias, durante o período objecto do litígio, era controlado e parcialmente financiado pelo Estado, é um facto que, como já acima se referiu, foi constatado pelo Tribunal de Justiça no processo anterior e, além disso, também está documentado no presente processo. Que as autoridades gregas foram partes em contratos-programa também é evidente e, além disso, foi parcialmente reconhecido pelo Governo helénico.

Noutros termos, o que está em causa é o facto de o Governo helénico não ter prestado à Comissão as informações pretendidas e ter, em várias ocasiões, respondido às diligências da Comissão fornecendo informações muito simplesmente inexactas.

Por cartas de 14 de Março de 1985, 7 e 28 de Abril de 1986, enviadas ao Ministério da Agricultura helénico, assim como por carta de 1 de Julho de 1985, enviada ao KYDEP, a Comissão tentou efectuar uma averiguação no local respeitante às actividades do KYDEP e às suas relações com o Estado grego. Ao mesmo tempo, colocou um certo número de questões precisas a este respeito.

A averiguação nunca foi efectuada e não parece que as questões tenham sido objecto de resposta. Segundo todas as aparências, esta circunstância deve ser imputada ao Governo helénico, uma vez que este, ao que se sabe, não deu resposta às diligências da Comissão ou fê-lo de forma incompleta. Na carta de 8 de Abril de 1985, o ministro da Agricultura helénico refere que não tem a possibilidade de intervir, uma vez que compete unicamente ao KYDEP autorizar o acesso às informações respeitantes às suas actividades, etc.

A afirmação de que, no período em questão, o Governo helénico não teve a possibilidade de dar instruções ao KYDEP contraria o que acima foi constatado relativamente às relações entre o Governo helénico e o KYDEP, de forma que esta carta deve ser considerada como exprimindo falta de colaboração da parte do Governo.

Esta falta de colaboração não se torna menos grave se se considerar que, em certa medida, ela se manifestou igualmente no decurso do processo no Tribunal de Justiça, quando o Governo não respondeu às perguntas escritas do Tribunal de Justiça e quando apresentou os documentos solicitados com um atraso dificilmente desculpável.

Perante estas considerações, proponho que o Tribunal de Justiça julgue procedente o pedido da Comissão no sentido de declarar que a República Helénica não cumpriu a obrigação de cooperação que lhe incumbe por força do artigo 5. do Tratado.

A Comissão referiu que a República Helénica, além disso, violou o artigo 24. do Regulamento n. 2727/75, que obriga os Estados-membros a comunicarem todas as informações respeitantes ao funcionamento do mercado dos cereais. Os elementos de facto que a Comissão cita a este propósito coincidem, todavia, com os elementos constitutivos de incumprimento da obrigação de cooperação, que parecem ter sido suficientemente esclarecidos nesta perspectiva (27).

Quanto às despesas

Dado que, em minha opinião, o pedido da Comissão deve ser julgado procedente no essencial, entendo que, em conformidade com o requerido pela Comissão, a República Helénica deve ser condenada nas despesas.

Conclusões

Assim, proponho que o Tribunal de Justiça declare que,

- ao intervir, nos anos de 1982 a 1985, no mercado dos cereais através de contratos-programa celebrados com o KYDEP e com operadores privados e ao convidar o KYDEP, em 1982, a apresentar 340 000 toneladas de trigo mole à intervenção comunitária, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições relativas à organização comum de mercado no sector dos cereais;

- ao não notificar à Comissão os auxílios concedidos tanto ao KYDEP como a operadores privados, a República Helénica agiu em violação do artigo 93. , n. 3 do Tratado;

- ao não informar a Comissão ou ao não prestar assistência a esta última para obter as informações pretendidas, a República Helénica não cumpriu a obrigação de cooperação que lhe incumbe por força do artigo 5. do Tratado, e

- condene a República Helénica nas despesas.

(*) Língua original: dinamarquês.

(1) V. nomeadamente:

- acórdão de 29 de Novembro de 1989, Comissão/Grécia (C-281/87, Colect., p. 4015), respeitante a uma ordem que a Grécia tinha dado ao KIDEP para comprar trigo duro degradado da colheita de 1982;

- acórdão de 12 de Julho de 1990, Comissão/Grécia (C-35/88, Colect., p. I-3125), respeitante à influência exercida pelo Governo helénico nas actividades do KYDEP no mercado dos cereais forrageiros;

- acórdão de 19 de Março de 1991, Grécia/Comissão (C-32/89, Colect., p. I-1321), respeitante à celebração pelo Governo grego de contratos-programa com o KYDEP relativamente à exportação de trigo duro e trigo mole, assim como à proposta à intervenção, pelo KYDEP e por ordem do Governo helénico, de trigo duro, e

- acórdão de 30 de Maio de 1991, Comissão/Grécia, (C-110/89, Colect., p. I-2659), respeitante às medidas que têm por efeito impedir a exportação de milho por operadores que não o KYDEP.

(2) JO L 281, p. 1; EE 03 F9 p. 13.

(3) V. nota 1.

(4) Comissão/Países Baixos (C-198/90, Colect., p. I-5799)

(5) O advogado-geral Walter Van Gerven exprimiu a opinião seguinte: "... A afirmação segundo a qual a cláusula de residência é uma discriminação disfarçada parece-me ser um desenvolvimento desse argumento que, além disso, pode ser considerado como tendo sido invocado implicitamente no parecer fundamentado, e isto tanto mais que o Governo irlandês não invocou violação de direitos de defesa quanto a este aspecto. Considero, assim, que o argumento da discriminação disfarçada é admissível."

(6) Acórdão de 17 de Fevereiro de 1970, Comissão/Itália (31/69, Recueil, p. 25). V., além disso, o acórdão de 11 de Julho de 1984, Comissão/Itália, n.os 4 e 5 (51/83, Recueil, p. 2793), e o acórdão de 28 de Março de 1985, Comissão/Itália, n.os 19 e 20 (274/83, Recueil, p. 1077);

(7) Também será legítimo perguntar por que razão a missão de fiscalização confiada ao Tribunal de Justiça deverá ser mais importante no âmbito da apreciação das acções por incumprimento do que no dos recursos de anulação interpostos de decisões proferidas pela Comissão nos processos de concorrência. Resulta do artigo 19. do Regulamento n. 17 (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), completado pelo artigo 4. do Regulamento n. 99/63/CEE da Comissão, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 9. do Regulamento n. 17 do Conselho (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62) que, nas suas decisões, a Comissão só pode formular contra as empresas as acusações sobre as quais estas últimas tiveram oportunidade de fazer conhecer o seu ponto de vista durante o processo administrativo pré-contencioso. Em conformidade com estas disposições, o Tribunal de Justiça, na sua jurisprudência, acentuou a necessidade de a Comissão fundamentar a sua decisão unicamente em acusações contidas na comunicação prévia das acusações da Comissão. Ao que parece, esta questão nunca foi, todavia, apreciada oficiosamente pelo Tribunal de Justiça. Uma anulação da decisão da Comissão com fundamento em falta de concordância entre a comunicação das acusações da Comissão e a decisão subsequente parece que só terá resultado do pedido formulado nesse sentido pela empresa em questão. Em minha opinião, as duas situações contêm tantos elementos comuns que parece difícil justificar por que razão não deverão ser objecto de um tratamento uniforme.

(8) Além disso, resulta de documentos juntos aos autos que foi constituída uma Comissão composta por representantes do organismo de fomento das exportações, do Ministério da Economia, do Ministério da Agricultura e do KYDEP, cuja missão era negociar com os operadores a celebração de contratos com o KYDEP, que incidiam sobre a compra de trigo nas condições habituais, em contrapartida de subvenções directamente concedidas pelo Ministério da Economia. Todavia, não é seguro que tenham sido efectivamente celebrados contratos deste tipo. Remete-se para o despacho do Ministério de Economia, de 26 de Novembro de 1982, apresentado pelo Governo helénico, assim como para o relatório analítico das contas do balanço do KYDEP de 1988, p. 71, junto como anexo XII da petição.

(9) V. nota 1.

(10) V. nota 1.

(11) O Tribunal de Justiça remete nesta citação para uma nota interna de 6 de Junho de 1985 da direcção do KYDEP, igualmente junta como anexo no primeiro processo. V. anexo IV da petição.

(12) Para efeitos da execução deste contrato-programa, foram celebrados contratos entre o KYDEP e operadores privados. No anexo II da petição, a Comissão apresentou dois desses contratos, celebrados em Janeiro e Fevereiro de 1983. Deles resulta que os operadores eram obrigados a moer e a exportar a farinha, o mais tardar até 30 de Setembro de 1983, que os operadores estavam sujeitos ao pagamento de multas ao Estado grego no caso de as divisas não serem repatriadas e que o KYDEP concedia aos operadores um crédito gratuito por oito meses. Além disso, a Comissão refere que os preços indicados nos contratos se situavam acima do preço de intervenção aplicável na altura. Isto não foi contestado pelo Governo grego. Resulta de uma carta de 23 de Dezembro de 1982, enviada pelo Ministério da Economia ao Banco Nacional da Grécia (documento junto pelo Governo helénico), e de uma carta de 24 de Dezembro de 1982 do director do Banco Nacional da Grécia a todos os bancos (junto como anexo XVI à petição) que os créditos concedidos pelo KYDEP foram aprovados pelo Ministério da Economia e financiados pelo Banco Agrícola da Grécia, o qual obteve um refinanciamento no Banco Nacional da Grécia.

(13) Foram juntos extractos desse relatório como anexo XII da petição.

(14) O relatório da trigésima sexta assembleia do KYDEP está junto como anexo X da petição. Na página 12 desta relatório revela-se que este primeiro contrato-programa (reconhecido pela demandada) tinha custado ao Estado 1 500 000 000 DR. A República Helénica alegou nos seus articulados que a versão deste relatório, junta pela Comissão, não está em conformidade com a versão oficial do referido relatório. É exacto que a versão junta pelo Governo helénico ao presente processo não contém as passagens respeitantes às interferências do Governo helénico nas actividades do KYDEP. A versão junta pela Comissão deve ser considerada como uma versão anterior do relatório. Esta versão foi, segundo a Comissão, enviada a um grande número de sociedades cooperativas membros do KYDEP, o que, aliás, o Governo helénico não contesta. Em minha opinião, não há qualquer razão para duvidar da exactidão das informações contidas na versão junta pela Comissão.

(15) Anexo XVII b da petição.

(16) V. neste sentido a carta de 10 de Agosto de 1983 da federação dos moageiros, junta como anexo XVII à petição, assim como os dois contratos celebrados entre o KYDEP e empresas privadas em Janeiro e Fevereiro de 1983, respeitantes à venda de trigo mole da colheita de 1982 (v. nota 12).

(17) Anexo XI da petição.

(18) Pode notar-se, finalmente, que o relatório analítico das contas do balanço do exercício de 1988 refere "um segundo contrato... assinado com as fábricas de moagem em Agosto de 1984..." Todavia, não se vê muito bem se se trata de um contrato-programa propriamente dito ou de um contrato celebrado pelo KYDEP com as moagens, no âmbito de um contrato-programa nos termos do qual o KYDEP se encarregava ele próprio de transformar e exportar 400 000 toneladas de trigo mole; quanto a este ponto, v. adiante.

(19) Anexo IV da petição.

(20) Anexo XIII da petição.

(21) Decisão apresentada pelo Governo helénico. A mesma diz respeito principalmente aos cereais da colheita de 1987, mas contém, além disso, na página 3, uma secção com a epígrafe: "Cobertura do défice do KYDEP ocasionado pela venda de trigo mole da colheita de 1985".

(22) Na nota interna de 16 de Abril de 1984, anexo XI da petição, vem indicado que, relativamente ao período de 10 de Abril de 1984 a 30 de Junho de 1984, deviam ser retiradas 132 000 toneladas de trigo mole dos armazéns do KYDEP, em ligação com a moagem pelo KYDEP "em virtude do contrato-programa".

(23) V. acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Setembro de 1988, Comissão/Grécia, n. 21 (272/86, Colect., p. 4875).

(24) Como resulta desta situação, o relatório - v. anexo X da petição - indica que foram apresentadas à intervenção comunitária 346 000 toneladas de trigo (e não 340 000 toneladas, como indicado nas conclusões da Comissão). Na petição, a Comissão cita correctamente o relatório de actividade, de forma que a limitação do pedido a 340 000 toneladas parece dever ser imputável a um erro de escrita. A despeito desta circunstância, o Tribunal de Justiça deve, em minha opinião, limitar a sua decisão à quantidade indicada no pedido.

(25) V. a este propósito a nota 14.

(26) V. nota 1.

(27) V., a este propósito, o acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1990 no processo C-35/88, no qual o Tribunal de Justiça declarou o seguinte: "A Comissão invocou, igualmente, nas respostas às questões do Tribunal, violação do disposto no artigo 24. do Regulamento n. 2727/75... Os factos assim imputados à República Helénica relacionam-se, tal como aliás o sustentou a Comissão aquando da fase pré-contenciosa e nos articulados que apresentou perante o Tribunal, com a existência de uma eventual violação do dever de colaboração imposto pelo artigo 5. , primeiro parágrafo, do Tratado. Esses fundamentos serão, por conseguinte, examinados no âmbito dessa outra acusação" (n. 32).

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