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Document 61989CJ0238

Acórdão do Tribunal de 13 de Dezembro de 1990.
Pall Corp. contra P. J. Dahlhausen & Co.
Pedido de decisão prejudicial: Landgericht München I - Alemanha.
Livre circulação de mercadorias - Direito das marcas - Publicidade enganosa.
Processo C-238/89.

Colectânea de Jurisprudência 1990 I-04827

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:473

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-238/89 ( *1 )

I — Factos e tramitação processual

1.

A sociedade P. J. Dahlhausen & Co., demandada no processo principal, comercializa na República Federal da Alemanha filtros para sangue que importa da Itália. O fabricante italiano faz inserir nos próprios filtros e nas embalagens a denominação «Miropore», seguida da letra (R) dentro de um círculo. Além da marca com a indicação em causa e das outras indicações relativas à utilização prevista, ao fabricante, às dimensões e datas de fabrico e de validade, que figuram em todas as embalagens, o fabricante faz inserir o nome da demandada (enquanto distribuidor) na embalagem dos filtros vendidos a esta última.

A sociedade Pall Corp., demandante no processo principal, moveu um processo contra a demandada com vista, entre outros objectivos, à cessação do uso na República Federal da Alemanha da letra (R) após a denominação «Miropore» para os filtros para sangue, em virtude de a marca assim especificada não estar protegida na Alemanha. Nestas condições, a utilização da letra (R) constituiria uma publicidade enganosa proibida nos termos do artigo 3. da lei alemã sobre a concorrência desleal (UWG). Esse artigo está redigido como segue:

«Qualquer pessoa que, nas trocas comerciais, e com o objectivo de concorrência, fornecer indicações enganosas sobre a situação comercial, particularmente sobre a qualidade, a origem, o modo de fabrico, os preços de cada uma das mercadorias ou serviços industriais ou comerciais, ou a totalidade das mercadorias ou serviços oferecidos, as listas de preços, o modo de aquisição das mercadorias e a origem de onde provêm, a obtenção de prémios, a causa ou o objectivo da venda ou a importância das quantidades de mercadorias disponíveis, pode ser processada com vista à cessação do uso dessas indicações.»

O órgão jurisdicional nacional considera que a proibição pedida pode ser decretada de acordo com a legislação alemã, mas exprime dúvidas quanto a saber se a mesma poderá equivaler a uma restrição quantitativa na acepção do artigo 30.° do Tratado.

Em consequência, por despacho de 29 de Junho de 1989, o Landgericht München I decidiu, nos termos do artigo 177.° do Tratado, suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se pronuncie a título prejudicial sobre as questões seguintes:

«1)

A proibição, justificada nos termos do artigo 3.° da UWG (lei alemã sobre a concorrência desleal) pela jurisprudência dos órgãos jurisdicionais da República Federal da Alemanha, de pôr em circulação na República Federal da Alemanha mercadorias cuja denominação seja seguida de um (R) quando não existe na República Federal da Alemanha qualquer protecção da marca, constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação, proibida pelo artigo 30.° do Tratado CEE, na medida em que essa proibição também se aplica quando existe protecção da marca num outro Estado-membro?

2)

Nas condições particulares do presente processo, o artigo 3.° da UWG é aplicável a fim de proteger os bens jurídicos referidos no artigo 36.° do Tratado CEE?»

2.

O despacho do Landgericht München I foi registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 31 de Julho de 1989.

Em conformidade com o artigo 20.° do Protocolo Relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, foram apresentadas observações escritas:

pela Pall Corp., demandante no processo principal, patrocinada pelo advogado Pagenberg, do foro de Munique,

pela P. J. Dahlhausen & Co., demandada no processo principal, representada pelo advogado Donle, do foro de Munique,

pelo Governo da República Federal da Alemanha, representado por Ernst Roder, Regierungsdirektor no Ministério dos Assuntos Económicos, e Horst Teske, Ministerialrat no Ministerio da Justiça,

pelo Governo da República Italiana, representado por Oscar Fiumara, avvocato dello Stato,

pelo Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por S. J. Hay, do Treasury Solicitor's Department,

pela Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico Jörn Sack, assistido por Renate Kubicki, funcionária do Ministério da Justiça da República Federal da Alemanha, destacada para o Serviço Jurídico da Comissão.

Com base no relatório preliminar do juiz relator e ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

II — Resumo das observações escritas apresentadas ao Tribunal

3.

A sociedade Dahlhausen, o Governo italiano e a Comissão propõem uma resposta no sentido de que uma proibição como a que está em causa constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação na acepção do artigo 30.° do Tratado, que não se justifica nem por exigências imperativas, nem com base no artigo 36.° do Tratado.

A Dahlhausen considera que a aplicação neste caso concreto do artigo 3.° da UWG é contrária ao artigo 30.° do Tratado, visto que cria um obstáculo à importação na medida em que os produtos em causa podem ser postos à venda na Itália com a sua actual apresentação e que uma alteração dessa apresentação apenas para o mercado alemão não seria rentável, de forma que a mercadoria deixaria de ser importada para a Alemanha.

Exigências imperativas como a lealdade das transacções comerciais e a protecção do consumidor não podem justificar a criação deste obstáculo, visto que, para proteger esses interesses, não é indispensável proibir a aposição de uma marca acompanhada de um sinal indicando a protecção desta, se esta protecção existe efectivamente no Estado-membro de origem. Com efeito, segundo o direito alemão, a indicação acessória (R) não significa que a marca em causa tenha sido registada na Alemanha.

As limitações territoriais dos direitos de marca na Comunidade não justificam imperativamente que, a pretexto da lealdade das trocas comerciais, a indicação de uma protecção da marca só seja autorizada no país no qual esta protecção foi concedida. A Dahlhausen invoca a esse respeito o acórdão de 13 de Março de 1984, Prantl, n.° 27 (16/83, «Bocksbeutel», Recueil, p. 1299), segundo o qual a defesa dos consumidores e a lealdade das transacções comerciais devem ser asseguradas no respeito mútuo dos usos leal e tradicionalmente observados nos diferentes Estados-membros. Segundo a Dahlhausen, o facto de as condições de protecção da marca nos diferentes Estados-membros não serem as mesmas não altera nada, pelo menos quando é possível identificar o país de origem em que a marca está protegida.

No que respeita à protecção do consumidor, a Dahlhausen acrescenta que o objectivo de uma marca é indicar que uma mercadoria provém de uma determinada empresa e não fornecer indicações quanto à administração perante a qual essa marca foi registada.

Mesmo que um pequeno número dos consumidores alemães pudesse imaginar que o (R) indica uma protecção formal na Alemanha, a defesa desta interpretação errada e pouco divulgada não se mostra um imperativo obrigatório, tendo em conta a importância da livre circulação de mercadorias para o mercado comum.

Além disso, a Dahlhausen considera que deve ser transposta para o presente processo a fundamentação seguida no acórdão de 6 de Novembro de 1984, Kohl/Ringelhan & Rennett, n.° 15 (177/83, Recueil, p. 3651), segundo a qual a proibição de utilizar um sinal distintivo apenas em virtude de o público poder ser induzido em erro no que respeita a proveniência nacional ou estrangeira das mercadorias constitui uma discriminação contra as mercadorias importadas.

A Dahlhausen propõe que se responda às questões colocadas da forma seguinte:

«A aplicação do artigo 3.° da UWG que proíbe à demandada comercializar na República Federal da Alemanha filtros para sangue contendo a marca “Miropore” seguida da letra (R) rodeada de um círculo que indica que a marca em causa foi registada em Itália é, no caso dos autos, contrária ao artigo 30.° do Tratado CEE.»

O Governo italiano é de opinião que uma proibição como a do caso dos autos constitui uma medida de efeito equivalente proibida pelo artigo 30.° do Tratado. Com efeito, o acréscimo do (R) à marca não altera em nada a substância desta, e a origem e a qualidade do produto podem ser claramente deduzidas das inscrições constantes da embalagem. Por conseguinte, a protecção dos consumidores e a lealdade das transações comerciais não ficam comprometidas.

O Governo italiano propõe, por isso, que se responda à primeira questão de forma afirmativa e à segunda questão de forma negativa.

A Comissão afasta, antes de mais, a aplicabilidade no caso dos autos da Directiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros em matéria de publicidade enganosa (JO L 250, p. 17; EE 15 F5 p. 55). Com efeito, o (R) tem como única função indicar aos concorrentes a existência de uma marca protegida, mas não dá uma indicação sobre a própria marca, e não permite, designadamente, tirar conclusões quanto ao Estado em que foi efectuado o registo, nem quanto à qualidade do produto em questão. O (R) não pode, por isso, ser considerado como uma forma de publicidade na acepção do artigo 2° da referida directiva.

No caso dos autos, segundo a Comissão, a proibição constitui uma medida de efeito equivalente na acepção do artigo 30.° do Tratado, que não se pode justificar nem com base no artigo 36.°, nem com base em exigências imperativas. Com efeito, estas só podem ser tomadas em consideração relativamente a medidas que se apliquem indistintamente aos produtos nacionais e aos produtos importados. Ora, pronunciando-se sobre a proibição do símbolo, o órgão jurisdicional nacional entende justamente fazer uma distinção segundo exista uma protecção em direito alemão ou apenas no direito de outro Estado-membro (ver o acórdão atrás citado, de 6 de Novembro de 1984). Essa distinção segundo a origem da mercadoria pode tanto menos entrar em linha de conta quanto, na sequência da harmonização do direito das marcas, é necessário partir do princípio da equivalência das marcas.

A Comissão propõe, por conseguinte, que se responda às questões da forma seguinte:

«Devem interpretar-se os artigos 30.° e 36.° do Tratado CEE no sentido de que a proibição, estabelecida por uma ordem jurídica nacional, de colocar em venda e em circulação mercadorias fabricadas noutro Estado-membro relativamente às quais existe uma protecção da marca nesse Estado-membro e utilizando o sinal internacional (R) deve ser considerada como uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa e, portanto, proibida.»

4.

Segundo a sociedade Pali e o Governo do Reino Unido, a proibição em questão não constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação e, por conseguinte, não é contrária ao artigo 30.° do Tratado.

A Pall argumenta que o (R) indica a existência de uma marca registada no país em que é utilizada. Isso resulta do caracter territorial dos direitos de marca e bem assim dos processos nacionais diferentes e das condições divergentes para o registo das marcas nos diferentes Estados-membros. Afirmar que a marca está registada pode, por conseguinte, induzir em erro nos casos em que a marca não foi, na realidade, registada no país em questão. Além disso, uma tal afirmação deve ser considerada como um acto de concorrência desleal face aos outros concorrentes. Se o registo de uma marca num qualquer Estado da Comunidade fosse suficiente para justificar a utilização do (R), os registos de marcas passariam a ser efectuados apenas nos países que impõem um simples registo, sendo evitados os países que prevêem um exame prévio e um processo de oposição.

Segundo a Pall, o presente processo, contrariamente ao processo «Bocksbeutel» (acórdão atrás citado de 13 de Março de 1984), não se refere a uma questão de livre circulação de mercadorias, mas à questão da pretensão não fundamentada à posse de um direito de marca, que deve ser proibida por razões imperativas ligadas à protecção do consumidor.

Essa proibição aplica-se sem distinção aos produtos nacionais e importados.

Acresce que a mesma não pode ser considerada como um entrave sensível à livre circulação de mercadorias. Com efeito, seria muito simples utilizar uma única embalagem para todos os países, indicando o Estado no qual a marca foi registada. A exigência dessa referência expressa não constituiria qualquer discriminação, porque o fabricante não é obrigado a utilizar o (R).

A Pall propõe, em consequência, a resposta seguinte :

«O artigo 30.° do Tratado CEE não se aplica à proibição de se fazer referência a uma marca protegida, quando essa protecção foi conferida noutro Estado da Comunidade, mas não no Estado em questão.»

O Governo britânico considera que a utilização do (R), indicando que uma marca foi registada, induz em erro os clientes e os concorrentes se a marca não estiver registada no país onde as mercadorias são vendidas. Essa situação só será alterada quando for criada uma marca comunitária; o proprietário desta marca terá o direito de utilizar uma indicação do registo tal como o (R) em qualquer lugar da Comunidade.

No estado actual do direito comunitário, caracterizado por diferenças importantes no que respeita às condições de registo das marcas, admitir que o registo num Estado-membro justifica o facto de um fabricante fazer crer que essa marca está protegida em todos os Estados-membros equivaleria a uma discriminação em favor dos fabricantes dos Estados-membros onde o registo é mais fácil de obter. Além do mais, isso podia conduzir a um forum shopping no que respeita à escolha dos países onde as marcas são registadas.

Segundo o Governo britânico, o processo «Bocksbeutel» (acórdão atrás citado de 13 de Março de 1984) distingue-se do presente processo quanto aos factos e não constitui, por isso, um precedente. Com efeito, no processo «Bocksbeutel», embora a forma da garrafa fosse de natureza a induzir em erro o consumidor, a etiqueta aposta sobre esta indicava claramente a situação real respeitante à natureza e origem do vinho. Em contrapartida, no presente processo, a situação real não resulta evidente face à embalagem.

No caso dos autos, a utilização de certas indicações ao lado do (R), tal como «marca registada em Itália», poderia fornecer um meio de etiquetagem claro, susceptível de ser utilizado em todos os países sem induzir em erro. Este acréscimo implicaria apenas custos muito reduzidos e não pode ser considerado como discriminatório, tanto mais que o facto de utilizar ou não o símbolo (R) depende inteiramente do fabricante. Este podia, por isso, evitar facilmente a proibição em causa no processo dos autos e que não é contrária ao artigo 30.° do Tratado, ou abstendo-se de utilizar o (R), ou acrescentando uma indicação que clarifique a situação real.

5.

O Governo alemão, ao mesmo tempo que propõe também, em princípio, uma resposta negativa à primeira questão, considera contudo que, no caso de a jurisdição nacional concluir pela existência de determinados elementos de facto, a proibição pode ser contrária ao artigo 30.° do Tratado.

Segundo o Governo alemão, a resposta à questão colocada é determinada pela Directiva 84/450 relativa à publicidade enganosa, atrás citada. Medidas nacionais conformes com essa directiva não constituem um entrave às trocas na acepção do artigo 30.° do Tratado. Na Alemanha, o artigo 3.° da UWG garante plenamente a aplicação da directiva e deve ser interpretado à luz da mesma.

Resulta designadamente do artigo 2.°, n.° 2, («apresentação»), e do artigo 3.°, alínea c), da directiva (reivindicação de um direito de propriedade intelectual) que a utilização do (R) ao lado da marca constimi uma publicidade na acepção da referida directiva.

Para saber se se trata de publicidade enganosa, é necessário determinar se uma parte apreciável das categorias de pessoas atingidas, designadamente os compradores, entende o simples emprego do (R) no sentido de ele indicar necessariamente uma marca protegida no país onde a mercadoria é vendida. O Governo alemão é de opinião de que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar este ponto através de diligências de intrução, por exemplo, através de uma sondagem de opinião.

Se dos elementos de prova resultar essa conclusão, o que o Governo alemão põe em dúvida, deve o órgão jurisdicional nacional verificar se a confusão suscitada no grupo de pessoas afectadas é susceptível de atentar contra as condições da concorrência.

Segundo o Governo alemão, o significado jurídico de uma confusão suscitada no seio de uma minoria não depende apenas de um limiar numérico mínimo, mas é também determinado pela ponderação dos interesses em presença realizada caso a caso pelo órgão jurisdicional nacional, que — para o fazer — recorrerá a considerações de interesse superior. Entre estas considerações estão os princípios jurídicos consagrados no direito comunitário, entre os quais, designadamente, o princípio da livre circulação das mercadorias.

A proibição decidida por via judicial de utilizar, relativamente a um produto fabricado noutro Estado-membro da Comunidade, a respectiva denominação seguida do símbolo (R) quando existe nesse outro Estado-membro uma protecção da marca para essa denominação, tem como potencial efeito restringir a livre circulação de mercadorias. Por conseguinte, só será conforme com a directiva em matéria de publicidade enganosa se se verificar no processo principal, quer através das verificações factuais quer através da necessária ponderação dos interesses em presença, que de facto, uma parte juridicamente importante das categorias de pessoas abrangidas conclui, apenas em virtude da utilização do (R), pela existência de uma protecção nacional da marca e que isso tem um efeito significativo sobre as condições da concorrência.

Mesmo que estas condições não se verifiquem, uma proibição decidida nos termos do direito nacional é, em princípio, possível nos termos do artigo 7° da directiva, que permite uma protecção mais extensa. Mas, nessa hipótese, essa medida deve ser apreciada em relação aos princípios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça na ausência de uma legislação comunitária. Essa medida só é, por conseguinte, justificada se for necessária para fazer jus a exigências imperativas ligadas à protecção da lealdade das transacções comerciais ou à defesa dos consumidores. Na opinião do Governo alemão, essa exigência imperativa não existe quando a denominação utilizada é objectivamente exacta, isto é, quando a protecção conferida por uma marca existe verdadeiramente noutro Estado-membro e que, embora mal entendida no país por uma pequena minoria das pessoas visadas, que poderão acreditar que a marca beneficia nesse país de uma protecção enquanto marca, a indicação em litígio não suscita qualquer ideia falsa na grande maioria das categorias de pessoas às quais se dirige.

Por conseguinte, o Governo alemão propõe que se responda às questões da forma seguinte :

«1.

a)

Quando o facto de se colocarem no comércio mercadorias que ostentam um (R) acrescentado à sua denominação, quando não existe no país de destino qualquer protecção da marca, constitui uma publicidade enganosa na acepção da directiva do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros em matéria de publicidade enganosa (84/450/CEE, JO L 250, p. 71; EE 15 F5 p. 55), uma proibição baseada nesta não é uma medida que tenha efeitos equivalentes a uma restrição quantitativa ilícita à importação, na acepção do artigo 30.° do Tratado CEE, mesmo quando essa interdição é aplicada em casos em que existe uma protecção da marca noutro Estado-membro da Comunidade Europeia.

b)

Só existe publicidade enganosa, na acepção da directiva, quando ficar evidente no processo principal, quer com base nas verificações factuais quer com base na necessária ponderação dos interesses em presença — interesses que terão em conta o princípio da livre circulação das mercadorias —, que uma parte juridicamente importante das categorias de pessoas abrangidas conclui, efectivamente, apenas a partir da utilização do (R), pela existência de uma protecção nacional da marca e isso afecte as condições da concorrência. Compete ao órgão jurisdicional perante o qual decorre o processo principal proceder às verificações factuais necessárias.

c)

No presente processo, a proibição de utilizar a indicação da protecção legal da marca (R), proibição que se baseia no artigo 3.° da UWG, sendo exorbitante em relação ao âmbito de aplicação da directiva comunitária que rege a publicidade enganosa, não é conforme com as disposições relativas à livre circulação das mercadorias no interior da Comunidade.

2.

Em princípio, as medidas nacionais contra a publicidade enganosa devem ser apreciadas em comparação com a directiva do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros em matéria de publicidade enganosa (84/450/CEE, JO L 250, p. 17; EE 15 F5 p. 55); na medida em que a directiva admita medidas de protecção nacionais mais extensas, estas devem ser justificadas por exigências imperativas ligadas à protecção da lealdade das transacções comerciais e à defesa dos consumidores (artigos 30.° e 36.° do Tratado CEE).»

G. C. Rodríguez Iglesias

Juiz relator


( *1 ) Língua do processo: alemSo.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

13 de Dezembro de 1990 ( *1 )

No processo C-238/89,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Landgericht München I, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Pall Corp.

e

P. J. Dahlhausen Sc 0 Co.,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 30.° e 36.° do Tratado CEE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

constituído pelos Srs. G. F. Mancini, presidente de secção, f. f. de presidente, T. F. O'Higgins, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias e M. Diez de Velasco, presidentes de secção, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris, F. A. Schockweiler, F. Grévisse, M. Zuleeg e P. J. G. Kapteyn, juízes,

advogado-geral : G. Tesauro

secretário: J. A. Pompe, secretário adjunto

considerando as observações escritas apresentadas:

pela Pall Corp., representada pelo advogado Pagenberg, do foro de Munique,

pela P. J. Dahlhausen & Co., representada pelo advogado Donle, do foro de Munique,

pelo Governo da República Federal da Alemanha, representado por Ernst Roder, Regierungsdirektor no Ministério dos Assuntos Económicos, e Horst Teske, Ministerialrat no Ministerio da Justiça, na qualidade de agentes,

pelo Governo da República Italiana, representado por Oscar Fiumara, avvocato dello Stato, na qualidade de agente,

pelo Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por S. J. Hay, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente,

pela Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico Jörn Sack, assistido por Renate Kubicki, funcionária do Ministério da Justiça da República Federal da Alemanha, destacada para o Serviço Jurídico da Comissão, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as observações orais de P. J. Dahlhausen & Co., do Governo alemão, representado por von Mühlendahl, do Governo italiano e da Comissão, na audiência de 3 de Julho de 1990,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 9 de Outubro de 1990,

profere o presente

Acórdão

1

Por despacho de 29 de Junho de 1989, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 31 de Julho seguinte, o Landgericht München I apresentou ao Tribunal, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, duas questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 30.° e 36.° do mesmo Tratado.

2

Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a sociedade Pall Corp. (a seguir «Pall»), demandante no processo principal, à sociedade P. J. Dahlhausen & Co. (a seguir «Dahlhausen»). Esta comercializa na República Federal da Alemanha filtros para sangue que importa da Itália. O fabricante italiano apõe sobre os próprios filtros e nas embalagens a marca «Miropore», seguida da letra (R) rodeada de um círculo.

3

A Pall moveu um processo à Dahlhausen com o objectivo, entre outros, de a mesma cessar o uso na República Federal da Alemanha da letra (R) a seguir à marca «Miropore» para os filtros de sangue, em virtude de essa marca não estar registada na Alemanha. Na opinião da Pall, a utilização da letra (R) nessas condições constitui publicidade enganosa proibida nos termos do artigo 3.° da UWG (lei alemã relativa à concorrência desleal). Essa disposição prevê uma proibição das «indicações enganosas quanto... à origem... das mercadorias (oferecidas)... ou à sua proveniência...».

4

O Landgericht München I, no qual foi intentada a acção, considera que a proibição de comercialização pedida pela Pall, de acordo com a legislação alemã, deveria ser deferida, mas interroga-se sobre a questão de saber se essa proibição não equivalerá a uma restrição quantitativa na acepção do artigo 30.° do Tratado CEE.

5

Foi neste contexto que o órgão jurisdicional nacional decidiu suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se pronuncie a título prejudicial sobre as questões seguintes :

«1)

A proibição, justificada nos termos do artigo 3.° da UWG (lei alemã sobre a concorrência desleal) pela jurisprudência dos órgãos jurisdicionais da República Federal da Alemanha, de pôr em circulação na República Federal da Alemanha mercadorias cuja denominação seja seguida de um (R) quando não existe na República Federal da Alemanha qualquer protecção da marca, constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação, proibida pelo artigo 30.° do Tratado CEE, na medida em que essa proibição também se aplica quando existe protecção da marca num outro Estado--membro?

2)

Nas condições particulares do presente processo, o artigo 3.° da UWG é aplicável a fim de proteger os bens jurídicos referidos no artigo 36.° do Tratado CEE?»

6

Para mais ampla exposição dos factos do processo principal, da tramitação processual e das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

7

A título liminar, deve observar-se que, embora, no âmbito do artigo 177.° do Tratado, o Tribunal não tenha competência para se pronunciar sobre a compatibilidade de uma disposição nacional com o Tratado, o mesmo é competente, em contrapartida, para fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação que relevem do direito comunitário que possam permitir-lhe apreciar essa compatibilidade de modo a poder decidir o litígio que lhe foi submetido.

8

As questões prejudiciais devem, pois, ser entendidas como referindo-se à questão de saber se os artigos 30.° e 36.° do Tratado CEE devem.ser interpretados no sentido de que são contrários à aplicação de uma disposição nacional sobre a concorrência desleal, que permite a um operador económico obter a proibição, no território de um Estado-membro, da comercialização de um produto que exibe a letra (R) rodeada de um círculo ao lado da marca quando esta não está registada nesse Estado, mas está registada noutro Estado-membro.

9

A utilização do sinal (R) — derivado da palavra inglesa registered — ao lado da marca para indicar que se trata de uma marca registada e que, por conseguinte, goza de protecção legal, constitui uma prática que tem a sua origem nos Estados Unidos, onde foi objecto de regulamentação legal. Esta prática está amplamente divulgada em vários Estados-membros da Comunidade.

10

Conforme resulta do processo, a legislação alemã em matéria de marcas não contém normas relativas à utilização do sinal (R). Nestas condições, o problema suscitado, que diz respeito à compatibilidade de uma disposição nacional em matéria de concorrência desleal com as regras comunitárias sobre a livre circulação de mercadorias, deve ser apreciado apenas com referência ao artigo 30.°

11

Deve recordar-se a jurisprudência constante, estabelecida no acórdão de 11 de Julho de 1974, Dassonville, n.° 5 (8/74, Recueil, p. 837), segundo a qual a proibição de medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas prevista no artigo 30.° do Tratado visa qualquer regulamentação comercial dos Estados-membros susceptível de entravar directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário.

12

Constitui também jurisprudência constante que os obstáculos ao comércio intracomunitário que resultam da disparidade de disposições nacionais devem ser aceites na medida em que essas disposições, indistintamente aplicáveis aos produtos nacionais e aos produtos importados, possam ser justificadas como necessárias para satisfazer exigências imperativas ligadas, designadamente, à protecção dos consumidores ou à lealdade das transacções comerciais. Mas, para que possam ser admitidas, é necessário que essas disposições sejam proporcionadas ao objectivo prosseguido e que esse objectivo não possa ser atingido por medidas que restrinjam em menor grau as trocas comunitárias (ver, designadamente, o acórdão de 20 de Fevereiro de 1979, Rewe, 120/78, Recueil, p. 649).

13

Há que declarar antes de mais que uma proibição como a que está em causa no presente processo é de natureza a entravar o comércio intracomunitário, porque pode obrigar o titular de uma marca registada num só Estado-membro a organizar de forma diferente a apresentação dos seus produtos em função do local de comercialização previsto e a organizar canais de distribuição separados entre si de forma a assegurar que os produtos que exibem o sinal (R) não circulem no território dos Estados que instituíram a proibição em causa.

14

Há que pôr em relevo, seguidamente, que essa proibição é indistintamente aplicável aos produtos nacionais e aos produtos importados. Com efeito, a mesma visa evitar riscos de erro quanto ao local onde a marca do produto está registada e protegida, sem que o facto de o produto ser de origem nacional ou estrangeira revista a esse respeito qualquer importância.

15

Deve, pois, examinar-se se essa proibição pode ser justificada pelas exigências imperativas acima referidas.

16

A esse respeito, sustentou-se que essa proibição é justificada porque a utilização do sinal (R), indicando que uma marca está registada, induz em erro os consumidores se a marca não estiver registada no país onde as mercadorias são comercializadas.

17

Esta argumentação não pode ser acolhida.

18

Por um lado, não está provado que, na prática, o sinal (R) seja geralmente utilizado e entendido como indicando que a marca está registada no país de comercialização do produto.

19

Por outro lado, mesmo supondo que os consumidores ou uma parte deles possam ser induzidos em erro acerca deste ponto, esse risco não pode justificar um entrave tão grave à livre circulação de mercadorias, porque os consumidores estão mais interessados nas qualidades do produto do que no local de registo da marca.

20

Sustentou-se ainda que a utilização do sinal (R) no Estado no qual a marca não está registada deveria ser considerada como um acto de concorrência desleal face aos outros concorrentes e que, se o registo de uma marca num Estado qualquer da Comunidade fosse suficiente para justificar a utilização do sinal em causa, os fabricantes podiam escolher proceder ao registo da sua marca nos Estados menos exigentes.

21

Esta argumentação deve ser afastada. Por um lado, os operadores económicos cautelosos, que têm interesse em saber se a marca está ou não registada, têm a possibilidade dé verificar junto do registo público qual é a situação jurídica da marca em causa. Por outro lado, a pessoa que regista uma marca num Estado determinado procura principalmente fazê-la beneficiar nesse Estado de uma protecção legal. O sinal (R), como os outros sinais que indicam que a marca está registada, tem um carácter acessório e complementar em relação a essa protecção legal, que constitui o objecto do registo.

22

Finalmente, tendo em conta os argumentos expostos pelo Governo alemão com base na Directiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros em matéria de publicidade enganosa (JO L 250, p. 17), convém acrescentar que, quando se verifique que a proibição em causa não se justifica por exigências imperativas ligadas à protecção dos consumidores ou à lealdade das transacções comerciais, a mesma já não pode encontrar justificação na directiva atrás citada. Essa directiva limita-se a uma harmonização parcial das legislações nacionais em matéria de publicidade enganosa fixando, por um lado, critérios mínimos e objectivos com base nos quais é possível determinar que uma publicidade é enganosa e, por outro lado, exigências mínimas no que respeita às modalidades de protecção contra essa publicidade.

23

Há, pois, que responder às questões prejudiciais que o artigo 30.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação de uma disposição nacional relativa à concorrência desleal permitindo a um operador económico obter a proibição, no território de um Estado-membro, da comercialização de um produto que contém a letra (R), rodeada de um círculo, ao lado da marca, quando esta não foi registada nesse Estado-membro, mas foi registada noutro Estado-membro.

Quanto às despesas

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As despesas suportadas pelos governos da República Federal da Alemanha, da República Italiana e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo quanto às partes no processo principal o carácter de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

decidindo sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Landgericht München I, por despacho de 29 de Junho de 1989, declara:

 

O artigo 30.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação de uma disposição nacional relativa à concorrência desleal permitindo a um operador económico obter a proibição, no território de um Estado-membro, da comercialização de um produto que contém a letra (R), rodeada de um círculo, ao lado da marca, quando esta não está registada nesse Estado, mas está registada noutro Estado-membro.

 

Mancini

O'Higgins

Moitinho de Almeida

Rodríguez Iglesias

Diez de Velasco

Slynn

Kakouris

Schockweiler

Grévisse

Zuleeg

Kapteyn

Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, em 13 de Dezembro de 1990.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente f. f.

G. F. Mancini

presidente de secção


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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