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Document 61989CJ0203

Acórdão do Tribunal de 20 de Setembro de 1990.
Luc Van Landschoot contra NV Mera.
Pedido de decisão prejudicial: Vredegerecht van het kanton Brasschaat - Bélgica.
Agricultura - Taxa de co-responsabilidade no sector dos cereais.
Processo C-203/89.

Colectânea de Jurisprudência 1990 I-03509

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:323

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-203/89 ( *1 )

I — Regulamentação comunitária aplicável

1.

O Regulamento (CEE) n.° 1579/86 do Conselho, de 23 de Maio de 1986, que altera o Regulamento (CEE) n.° 2727/75 que estabelece a organização comum de mercado no sector dos cereais (JO L 139, p. 29), instituiu uma taxa de co-responsabilidade aplicável aos cereais produzidos na Comunidade e utilizados em determinadas operações, com vista a melhorar a situação do mercado dos cereais na Comunidade, caracterizada por excedentes estruturais resultantes de um desequilíbrio entre a oferta e a procura.

Nos termos do n.° 5 do artigo 4.° do Regulamento n.° 2727/75, na redacção do Regulamento n.° 1579/86, «estão sujeitos à taxa de co-responsabilidade os cereais objecto de uma das operações seguintes:

a primeira transformação,

a compra à intervenção,

a exportação sob forma de sementes».

O n.° 6 do mesmo artigo dispõe que «a taxa deve ser repercutida no produtor».

As regras de execução da taxa foram estabelecidas no Regulamento (CEE) n.° -2040/86 da Comissão, de 30 de Junho de 1986, que estabelece as regras de execução da taxa de co-responsabilidade no sector dos cereais (JO L 173, p. 65), alterado pelo Regulamento (CEE) n.° 2572/86 da Comissão, de 12 de Agosto de 1986 (JO L 229, p. 25).

Nos termos do n.° 2 do artigo l.° do Regulamento n.° 2040/86, na nova redacção, «por “primeira transformação” entende-se, na acepção do presente regulamento, qualquer tratamento do grão que não permita que o produto obtido possa ser classificado no capítulo 10 da pauta aduaneira comum. A transformação de cereais entregues ou colocados à disposição de uma empresa por um produtor, com vista a uma utilização ulterior na sua exploração, é considerada como uma primeira transformação.

Estão isentas da taxa de co-responsabilidade as primeiras transformações operadas por um produtor na sua exploração agrícola desde que o produto obtido da transformação seja utilizado para a alimentação dos animais nessa mesma exploração e desde que:

a instalação de transformação faça parte do equipamento agrícola permanente ou temporário da exploração

e

no caso de a exploração agrícola estar dividida em várias unidades de produção, que haja uma única direcção e que a mesma mão-de-obra e os mesmos utensílios sejam utilizados para o conjunto das unidades de produção que constituem a exploração ...»

2.

Tendo em conta as dificuldades surgidas na aplicação do regime da taxa de co-responsabilidade assim instituído, o artigo 4.° do Regulamento n.° 2727/75 foi de novo alterado pelo artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 1097/88 do Conselho, de 25 de Abril de 1988, que altera o Regulamento (CEE) n.° 2727/75, que estabelece a organização comum de mercado no sector dos cereais (TO L 110, p. 7). A nova redacção do referido artigo 4.° prevê, nomeadamente, que, sem prejuízo de determinadas isenções, a taxa de co-responsabilidade é devida pelos produtores relativamente aós cereais produzidos na Comunidade e colocados no mercado ou vendidos a um organismo de intervenção.

A noção de «colocação no mercado» foi definida no artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 1432/88 da Comissão, de 26 de Maio de 1988, que estabelece normas de execução da taxa de co-responsabilidade no sector dos cereais (JO L 131, p. 37). Nos termos destas normas, «... entende-se por “colocação no mercado” as vendas (incluindo as operações de troca directa) dos produtores às empresas de recolha, comerciais e de transformação, a outros produtores e ao organismo de intervenção.

São equiparadas a uma colocação no mercado:

a transformação de cereais entregues ou colocados à disposição de uma empresa por um produtor (trabalho por encomenda), com vista quer à utilização posterior na sua exploração quer à venda...,

...»

Por força do artigo 4.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1432/88, «as taxas... são cobradas pelos compradores e pelas empresas de transformação referidas no n.° 2 do artigo 1.° Todavia, no caso de expedição de cereais de um produtor para outro Éstado-membro, de exportação de cereais por um produtor para um país terceiro ou de entrega por um produtor aos entrepostos reconhecidos no âmbito do mercado a termo, as taxas são devidas por este».

O Regulamento n.° 1432/88 revogou, no seu artigo 10.°, o Regulamento n.° 2040/86, de 30 de Junho de 1986.

3.

No acórdão de 29 de Junho de 1988, Van Landschoot (300/86, Colect., p. 3443), proferido sobre o pedido de decisão prejudicial do Vredegerecht van het kanton Brasschaat, o Tribunal declarou: «O segundo parágrafo do n.° 2 do artigo 1.° do Regulamento n.° 2040/86 da Comissão, de 30 de Junho de 1986, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n.° 2572/86 da Comissão, de 12 de Agosto de 1986, é invàlido na medida em que isenta da taxa de co-responsabilidade as primeiras transformações de cereais operadas na exploração do produtor, por meio de instalações nela integradas, desde que o produto da transformação nela seja utilizado, mas não prevê tal isenção para as primeiras transformações operadas fora da exploração do produtor ou por meio de instalações que não fazem parte do seu equipamento agrícola, quando o produto da transformação seja nesta utilizado.»

O Tribunal acrescentou que incumbia ao legislador comunitário extrair as consequências do acórdão, adoptando as medidas adequadas ao estabelecimento da igualdade entre os operadores no que toca ao regime de isenção em litígio, e que, enquanto tal não se verificasse, as autoridades competentes deviam continuar a aplicar a isenção prevista pela disposição em causa, alargando o benefício dessa isenção aos operadores objecto da discriminação verificada.

4.

A Comissão deduziu as consequências deste acórdão em duas séries de normas.

Por um lado, considerou que o Regulamento n.° 1432/88 enfermava da mesma ilegalidade declarada pelo Tribunal relativamente ao Regulamento n.° 2040/86. Por conseguinte, alterou o Regulamento n.° 1432/88, adoptando o Regulamento (CEE) n.° 2324/88, de 26 de Julho de 1988 (JO L 202, p. 39), que entrou em vigor na data da sua publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, ou seja, em 27 de Julho de 1988.

Nos termos do artigo 1.°, n.° 2, na nova redacção, «... entende-se por “colocação no mercado”, as vendas (incluindo as operações de troca) pelos produtores dos produtos..., quer em natureza quer sob a forma de produtos transformados..., às empresas de recolha, de comércio e de transformação, a outros produtores, bem como aoorganismo de intervenção...» Foi suprimida a equiparação das transformações de cereais sob forma de trabalho por encomenda a uma «colocação no mercado».

Além disso, por força do artigo 4.°, n.° 1, primeiro parágrafo, na nova redacção, «as taxas... são cobradas pelos compradores. Todavia, as taxas são devidas pelos produtores em caso de venda de produtos transformados referidos no n.° 2 do artigo 1.°, em caso de expedição dos cereais por um produtor para um outro Estado-membro, de exportação dos cereais por um produtor para um país terceiro ou de entrega por um produtor aos entrepostos reconhecidos no âmbito do mercado a prazo».

Por outro lado, a Comissão decidiu reembolsar as taxas pagas pelos operadores vítimas da discriminação declarada pelo Tribunal, tanto ao abrigo do Regulamento n.° 2040/86 como do Regulamento n.° 1432/88, antes da sua alteração pelo Regulamento n.° 2324/88. Foi este o objecto

do Regulamento (CEE) n.° 3779/88 da Comissão, de 2 de Dezembro de 1988, relativo ao reembolso da taxa de co-responsabilidade no sector dos cereais, prevista nos regulamentos (CEE) n.° 2040/86 e (CEE) n.° 1432/88, em relação às primeiras transformações operadas por conta de um produtor (JO L 332, p. 17). No artigo l.°, n.° 1, prevê-se que: «Os organismos competentes designados pelos Estados-membros reembolsarão, antes de 30 de Junho de 1989, aos produtores, a pedido destes últimos, os montantes das taxas de co-responsabilidade retidos:

em relação às operações de transformação, realizadas por conta do produtor, referidas no n.° 2, segunda frase, do artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 2040/86, cujo produto obtido tenha sido utilizado na exploração do produtor para alimentação de animais,

em relação às operações de transformação de cereais entregues ou colocados à disposição de uma empresa por um produtor (trabalho por encomenda), com vista a uma utilização posterior na sua exploração, efectuadas até 26 de Julho de 1988, nos termos do n.° 2 do artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 1432/88.»

II — Matéria de facto e tramitação processual

1.

Luc Van Landschoot, autor no processo principal, vendeu, em 16 de Setembro de 1986, 4925 kg de trigo à ré no processo principal, a sociedade NV Mera, cuja actividade consiste na produção de alimentos compostos para animais. Aquando do pagamento do preço, a sociedade NV Mera deduziu a quantia de 1242 BFR (4925 X 0,2522), a título de taxa de co-responsabilidade.

L. Van Landschoot intentou uma acção no Vredegerecht van het kanton Brasschaat pedindo o reembolso daquela quantia pela sociedade NV Mera, arguindo que a taxa de co-responsabilidade era contrária, nomeadamente, ao princípio geral da igualdade e ao artigo 40.°, n.° 3, do Tratado CEE.

O Vredegerecht submeteu ao Tribunal, a título prejudicial, a questão de saber se era válida «a taxa de co-responsabilidade cujas regras de execução são estabelecidas pelo Regulamento (CEE) n.° 2040/86, de 30 de Junho de 1986».

Em resposta a essa questão prejudicial, o Tribunal proferiu o acórdão de 29 de Junho de 1988, cuja parte decisória foi acima recordada.

2.

Tendo em conta esse acórdão, o Vredegerecht pronunciou-se uma vez mais sobre o litígio que opõe L. Van Landschoot à sociedade NV Mera.

O autor no processo principal alega que, se vendeu 4925 kg de trigo a essa sociedade, também lhe comprou 13072 kg de alimentos compostos para galinhas poedeiras, sendo estes alimentos constituídos por 35 %, ou seja, 4575 kg, de trigo, destinando-se à alimentação das galinhas da exploração de L. Van Landschoot. Assim, a taxa de co-responsabilidade indevidamente deduzida pela sociedade NV Mera do preço a pagar ao autor devia ser reduzida a 1154 BFR (4575 x 0,2522).

De acordo com L. Van Landschoot, essa taxa não lhe pode ser imposta, pois, por força do acórdão do Tribunal de 29 de Junho de 1988, os cereais vendidos por um produtor a um transformador para poste-. riormente voltarem a ser comprados sob a forma de alimentos pelo mesmo produtor, e utilizados sob essa forma na sua exploração agrícola, devem ser isentos da taxa de co-responsabilidade.

No despacho de reenvio, o Vredegerecht refere as alegações que lhe foram apresentadas, segundo as quais o critério de isenção definido pelo Tribunal é o da utilização, na exploração agrícola do produtor, do produto da transformação dos cereais por ele fornecidos, sendo irrelevante saber se os cereais foram fornecidos para serem transformados por encomenda ou vendidos a um transformador para posteriormente voltarem a ser comprados sob a forma de alimentos.

Contudo, o Vredegerecht observa que o Regulamento n.° 3779/88 da Comissão, de 2 de Dezembro de 1988, adoptado após o acórdão do Tribunal, limita a possibilidade de obter o reembolso da taxa relativamente aos cereais entregues ou colocados à disposição de uma empresa por um produtor (trabalho por encomenda) e não vendidos, com vista a uma utilização posterior na sua exploração agrícola. Assim, o regulamento parece restringir o alcance da isenção que teria sido fixada pelo Tribunal.

3.

Nestas condições, por despacho de 21 de Junho de 1989, o Vredegerecht van het kanton Brasschaat decidiu suspender a instância a fim de submeter ao Tribunal a seguinte questão prejudicial:

«O Regulamento (CEE) n.° 3779/88 da Comissão, de 2 de Dezembro de 1988, é válido na medida em que limita o reembolso da taxa de co-responsabilidade às primeiras transformações de cereais entregues ou colocados à disposição de uma empresa por um produtor (trabalho por encomenda), com exclusão dos cereais que são vendidos a essa empresa, mesmo se posteriormente voltarem a ser comprados pelo produtor sob a forma de alimentos, com vista a uma posterior utilização na sua exploração agrícola?»

O despacho do Vredegerecht van het kanton Brasschaat deu entrada na Secretaria do Tribunal em 30 de Junho de 1989.

4.

Nos termos do artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, foram apresentadas observações escritas pela sociedade NV Mera e pelos intervenientes que a apoiam, representados por Ivo Van Bael e Jean-François Bellis, advogados no foro de Bruxelas; pelo Governo italiano, representado por Ivo M. Braguglia, avvocato dello Stato, na qualidade de agente; e pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por Robert Caspar Fischer, consultor jurídico, na qualidade de agente.

5.

Com base no relatório preliminar do juiz relator e ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução prévia.

III — Resumo das observações escritas apresentadas ao Tribunal

1.

A sociedade NV Mera e os intervenientes que a apoiam (a seguir «Mera») sustentam que a questão essencial é a de saber se, ao adoptar o Regulamento n.° 3779/88, em litígio, a Comissão extraiu correctamente as consequências do acórdão do Tribunal de 29 de Junho de 1988 ( 1 ).

Ora, de acordo com a Mera, este regulamento tem por efeito manter a discriminação proibida no artigo 40.°, n.° 3, do Tratado.

Nada existe no acórdão de 29 de Junho de 1988 que autorize a limitar o âmbito da isenção apenas ao trabalho por encomenda ou a cobrar a taxa sobre todas as vendas de cereais sem que se faça qualquer distinção entre, por um lado, os cereais vendidos por um produtor que posteriormente voltam a ser comprados por este, com vista à utilização do produto transformado na sua exploração, e, por outro, os cereais vendidos por um produtor sem que posteriormente voltem a ser comprados por este, sob qualquer forma que seja.

De acordo com a Mera, à semelhança do Regulamento n.° 2040/86, o Regulamento n.° 3779/88 viola o próprio objectivo do regime da taxa de co-responsabilidade, a saber, a limitação dos excedentes estruturais de cereais no mercado. Ignora também a fundamentação do acórdão de 29 de Junho de 1988 do Tribunal, confirmada no acórdão de 11 de Julho de 1989, Schrãder (265/87, Colect., p. 2237). Com efeito, o único critério utilizado pelo Tribunal para determinar a não cobrança da taxa é o da utilização dos produtos transformados na exploração do produtor, independentemente de terem sido transformados nas suas instalações ou por um transformador industrial. Pouco importa que os cereais tenham sido fornecidos a este para transformação por encomenda ou vendidos para posteriormente voltarem a ser comprados a esse transformador sob a forma de alimentos. De resto, um produtor que venda cereais a um transformador e, posteriormente, lhe compre alimentos compostos que têm um teor de cereais idêntico ao volume vendido não contribui mais para a constituição ou para a manutenção de excedentes estruturais de cereais no mercado do que um produtor que forneça cereais a um transformador para a sua transformação por encomenda.

A Mera acrescenta que fazer distinção entre o trabalho por encomenda e a venda seguida de resgate significa atribuir à forma jurídica uma importância preponderante em relação à realidade econômica, o que é inconciliável com a jurisprudência do Tribunal, segundo a qual, na aplicação das regras jurídicas à finalidade económica, a realidade económica prevalece sobre o formalismo jurídico (acórdãos de 12 de Julho de 1984, Hydrotherm Gerätebau, 170/83, Recueil, p. 2999; e de 25 de Abril de 1985, Comissão/Reino Unido, 207/83, Recueil, p. 1201).

É certo que, reconhece a Mera, na hipótese em que os cereais são vendidos e posteriormente voltam a ser comprados ao transformador industrial, os grãos de cereal de novo comprados sob a forma de alimentos compostos pelo produtor podem não ser os mesmos que este anteriormente vendeu ao transformador. Contudo, esta circunstância não deve ser tomada em conta: por um lado, é irrelevante, tendo em conta o acórdão do Tribunal de 29 de Junho de 1988, por outro, numa declaração que fez ao Comité de Gestão dos Cereais, a Comissão reconheceu que, tendo em conta a natureza fungível dos cereais, a taxa de co-responsabilidade não seria aplicada, no âmbito do trabalho por encomenda, ainda que os cereais transformados fossem provenientes não do lote produzido pelo produtor mas sim de um outro do mesmo cereal e da mesma qualidade.

Por conseguinte, a Mera propõe que se responda à questão prejudicial que o Regulamento n.° 3779/88 da Comissão, de 2 de Dezembro de 1988, é inválido «na medida em que limita o reembolso da taxa de co-responsabilidade às primeiras transformações de cereais entregues ou colocados à disposição de uma empresa por um produtor (trabalho por encomenda), com exclusão dos cereais vendidos a essa empresa e posteriormente de novo comprados, após transformação, sob a forma de alimentos pelo produtor, a fim de serem utilizados na sua exploração».

2.

A República Italiana salienta que, tendo em conta o n.° 11 do acórdão do Tribunal de 29 de Junho de 1988, o objectivo da taxa de co-responsabilidade justifica que apenas estejam sujeitas à referida taxa as transformações de cereais colocados no mercado.

De um ponto de vista teórico, pode sustentar-se que no momento em que os cereais são vendidos pelo produtor à empresa de transformação são colocados no mercado, que não se deve tomar em conta o posterior resgate destes cereais sob a forma de alimentos pelo produtor e que, assim, não é possível considerar inválido o artigo 1.° do regulamento em litígio.

Contudo, é preciso ultrapassar este ponto de vista teórico e tomar em consideração, pelo contrário, a verdadeira substância da relação entre produtor e consumidor e as suas consequências para o mercado. Só assim, de acordo com o Governo italiano, surge à luz do dia o facto — decisivo — do resgate dos cereais vendidos pelo produtor e da sua utilização na sua exploração sob a forma de alimentos, o que implica não terem sido colocados no mercado e, por conseguinte, não estarem sujeitos à taxa de co-responsabilidade.

Baseando-se mais na realidade do mercado do que nos aspectos teóricos das relações entre operadores, o Governo italiano conclui que o Regulamento n.° 3779/88 da Comissão, de 2 de Dezembro de 1988, é inválido «na medida em que não prevê o reembolso da taxa de co-responsabilidade num caso como o que é objecto do processo principal».

O Governo italiano acrescenta que esta solução pode ser aplicada sem necessidade de exigir a identidade entre os cereais vendidos pelo produtor e aqueles que compõem os alimentos para animais comprados e utilizados pelo referido produtor, pois essa identidade não é exigida nos casos de «trabalho por encomenda». Em contrapartida, é indispensável estabelecer coeficientes técnicos de rendimento que permitam determinar, a partir dos alimentos adquiridos pelo produtor, a percentagem de cereais aí contida.

3.

A Comissão das Comunidades Europeias apresenta, a título liminar, a regulamentação comunitária aplicável. Além disso, observa que, na falta de certos elementos de facto no despacho de reenvio, se deve partir da hipótese de, no processo principal, a venda de cereais e a compra de alimentos compostos serem jurídica e cronologicamente transacções independentes uma da outra e de não terem necessariamente por objecto os mesmos cereais.

A Comissão salienta que o artigo 1.°, n.° 1, primeiro travessão, do seu Regulamento n.° 3779/88 prevê o reembolso dos montantes retidos ao abrigo do Regulamento n.° 2040/86 «em relação às operações de transformação, realizadas por conta do produtor... cujo produto obtido tenha sido utilizado na exploração do produtor para alimentação de animais». Na questão prejudicial, o juiz nacional não referia «operações de transformação realizadas por conta do produtor» mas sim «cereais entregues ou colocados à disposição de uma empresa por um produtor (trabalho por encomenda)». Esta terminologia reporta-se ao disposto no artigo 1.°, n.° 1, segundo travessão, do Regulamento n.° 3779/88, o qual diz respeito ao reembolso das taxas devidas ao abrigo do Regulamento n.° 1432/88. Embora a taxa de co-responsabilidade objecto do processo principal fosse devida ao abrigo do anterior Regulamento n.° 2040/86, a questão refere-se ao regime de tributação previsto no novo Regulamento n.° 1432/88. Na realidade, interrogando-se o juiz nacional sobre a validade da totalidade do Regulamento n.° 3779/88, deve considerar-se que a questão diz respeito aos dois mecanismos do regime de reembolso instituído neste regulamento.

Na opinião da Comissão, a concepção segundo a qual a isenção também deve aplicar-se aos cereais vendidos a um transformador pelo produtor e que posteriormente voltam a ser comprados por este, após transformação, é factualmente incorrecta e vai contra a razão de ser da isenção e da finalidade da taxa de co-responsabilidade.

A Comissão alega que, quando o produtor vende cereais a um transformador, coloca-os no mercado, contribuindo para o aumento da oferta e para a formação dos preços. Esse efeito não pode ser suprimido pela circunstância de o transformador dos cereais vender uma quantidade equivalente, sob forma transformada, ao mesmo produtor, o qual utiliza o produto para a alimentação de animais, transacção que, de resto, também passa pelo mercado e, por conseguinte, influencia a oferta e a formação dos preços no mercado de produtos transformados. Deste modo, as duas transacções passam pelo mercado, pelo que a transformação e o consumo dos cereais não ocorrem em circuito fechado.

Fazendo uma exegese do acórdão de 29 de Junho de 1988, a Comissão salienta que, na parte decisòria, o Tribunal censurou a discriminação na medida em que a isenção da taxa não foi prevista «para as primeiras transformações operadas fora da exploração do produtor ou por meio de instalações que não fazem parte do seu equipamento agrícola, ...» Foi com base numa interpretação razoável desta expressão que a Comissão estendeu a isenção às primeiras transformações efectuadas «por conta do produtor» ou «por encomenda». A validade desta interpretação é confirmada nos n.os 17 e 18 do acórdão de 29 de Junho de 1988, nos quais o Tribunal considerou que não é discriminatório não estender a isenção no caso em que os produtores comprem cereais a outros produtores para os transformar nas suas explorações, utilizando-os para alimentação de animais, e em que, consequentemente, a transformação e utilização para alimentação de animais são asseguradas pelo mesmo produtor, ou seja, em circuito fechado.

Por fim, a Comissão salienta os inconvenientes que apresenta a solução preconizada pelas partes no processo principal. Em primeiro lugar, esta solução aumenta a vantagem em termos de concorrência que o regime de taxa já representa para as explorações de criação de animais que têm simultaneamente uma importante produção cerealífera, já que estas, em vez de optar antecipadamente pela autotransformação e autoconsumo, podem primeiro vender os seus cereais a um transformador industrial e depois decidir quais os alimentos para animais que precisam de comprar. Além disso, esta solução acarreta graves problemas de controlo. Por fim, na hipótese de os cereais vendidos e os cereais transformados e posteriormente de novo comprados serem objecto de uma compensação a posteriori, pode levar a que importantes quantidades de cereais, efectivamente colocados no mercado e, por conseguinte, influenciando a oferta e a formação dos preços, sejam finalmente isentos da taxa: deste modo, seria subtraída à taxa uma grande parte da produção de alimentos para animais com base em cereais, o que comprometeria gravemente a eficácia da taxa de co-responsabilidade.

F. Grévisse

Juiz relator


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

( 1 ) A Mera salienta que, embora a questão prejudicial apenas tenha por objecto o Regulamento n.° 3779/88, a validade deste c a do Regulamento n.° 2324/88 estão estreitamente ligadas. Com efeito, foi em funçao da noção de «colocação no mercado», definida neste último regulamento, após o acórdão do Tribunal, com vista a restabelecer a igualdade de tratamento dos operadores, que o Regulamento n.° 3779/88 definiu as condições de reembolso da taxa aos operadores.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

20 de Setembro de 1990 ( *1 )

No processo C-203/89,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Vredegerecht van het kanton Brasschaat, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Luc Van Landschoot, de Veurne,

e

NV Mera, de Veurne,

apoiada por

Fédération européenne des fabricants d'aliments composés (FEFAC), de Bruxelas,

Beroepsvereniging van de Mengvoederfabrikanten (Bemefa), de Bruxelas,

Fachverband der Futtermittelindustrie c. V., de Bona,

Danske Korn- og Foderstof Im- og Eksportørers Fællesorganisation (Dakofo), de Copenhaga,

Syndicat national des industriels de l'alimentation animale (SNIA), de Paris,

Irish Corn and Feed Association, de Dublim,

Associazione nazionale tra i produtori di alimenti zootecnici (Assalzoo), de Roma,

Koninklijke Vereniging Het Comité van graanhandelaren, de Roterdão,

Vereniging van Nederlandse Mengvoederfabrikanten, da Haia,

Confederación Española de Fabricantes de Piensos Compuestos, de Madrid,

Federation of Agricultural Co-ops, de Londres,

United Kingdom Agricultural Supply Trades Association (Ukasta), de Londres,

Nationaal syndicaat van de Handel in Graangewassen en Peulvruchten (Synagra), de Bruxelas,

intervenientes no processo principal,

uma decisão a título prejudicial sobre a validade do Regulamento (CEE) n.° 3779/88 da Comissão, de 2 de Dezembro de 1988, relativo ao reembolso da taxa de co-responsabilidade no sector dos cereais, prevista nos regulamentos (CEE) n.° 2040/86 e (CEE) n.° 1432/88, em relação às primeiras transformações operadas por conta de um produtor (JO L 332, p. 17),

O TRIBUNAL,

constituídos pelos Srs. O. Due, presidente, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris e M. Zuleeg, presidentes de secção, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias, F. Grévisse, M. Diez de Velasco e P. J. G. Kapteyn, juízes,

advogado-geral: G. Tesauro

secretario: D. Louterman, administradora principal

considerando as observações escritas apresentadas:

em representação da sociedade NV Mera e dos intervenientes no processo principal, por Ivo Van Bael e Jean-François Bellis, advogados no foro de Bruxelas, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por Ivo M. Braguglia, avvocato dello Stato, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Robert Caspar Fischer, consultor jurídico, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da sociedade NV Mera e dos intervenientes no processo principal, representados por P. Everaert, advogado no foro de Bruxelas, na qualidade de agente, e da Comissão das Comunidades Europeias, na audiência de 21 de Junho de 1990,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 21 de Junho de 1990,

profere o presente

Acórdão

1

Por despacho de 21 de Junho de 1989, que deu entrada no Tribunal em 30 de Junho seguinte, o Vredegerecht van het kanton Brasschaat submeteu, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, uma questão prejudicial relativa à validade do Regulamento (CEE) n.° 3779/88 da Comissão, de 2 de Dezembro de 1988, relativo ao reembolso da taxa de co-responsabilidade no sector dos cereais, prevista nos regulamentos (CEE) n.° 2040/86 e (CEE) n.° 1432/88, em relação às primeiras transformações operadas por conta de um produtor (JO L 332, p. 17).

2

Esta questão foi suscitada no âmbito de um recurso que opõe Luc Van Landschoot, agricultor, à sociedade NV Mera, que produz alimentos compostos para animais. Esta última comprou a L. Van Landschoot 4925 kg de trigo pelo preço de 44252 BFR; deduziu deste preço a quantia de 0,2522 X 4925, ou seja, 1242 BFR, a título de taxa de co-responsabilidade no sector dos cereais.

3

L. Vàn Landschoot intentou uma acção no Vredegerecht van het kanton Brasschaat, destinada a obter que a sociedade NV Mera seja condenada a pagar-lhe a quantia de 1242 BFR, com base na invalidade de determinadas normas da regulamentação comunitária em matéria de taxa de co-responsabilidade.

4

A taxa de co-responsabilidade foi instituída pelo Regulamento (CEE) n.° 1579/86 do Conselho, de 23 de Maio de 1986, que altera o Regulamento (CEE) n.° 2727/75, que estabelece a organização comum de mercado no sector dos cereais (JO L 139, p. 29). As suas regras de execução foram fixadas no Regulamento n.° 2040/86 da Comissão, de 30 de Junho de 1986 (JO L 173, p. 65), alterado pelo Regulamento (CEE) n.° 2572/86 da Comissão, de 12 de Agosto de 1986 (JO L 229, p. 25).

5

Perante o órgão jurisdicional nacional, L. Van Landschoot alegou que o Regulamento n.° 2040/86, na nova redacção, é inválido por ter sido adoptado em violação do princípio geral da igualdade do artigo 40.°, n.° 3, do Tratado CEE e da regulamentação do Conselho na matéria.

6

Tendo-lhe sido submetida esta questão a título prejudicial, o Tribunal declarou, no acórdão de 29 de Junho de 1988, Van Landschoot (300/86, Colect., p. 3443), que «o segundo parágrafo do n.° 2 do artigo 1.° do Regulamento n.° 2040/86 da Comissão, de 30 de Junho de 1986, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n.° 2572/86 da Comissão, de 12 de Agosto de 1986, é invàlido na medida em que isenta da taxa de co-responsabilidade as primeiras transformações de cereais operadas na exploração do produtor, por meio de instalações nela integradas, desde que o produto da transformação nela seja utilizado, mas não prevê tal isenção para as primeiras transformações operadas fora da exploração do produtor ou por meio de instalações que não fazem parte do seu equipamento agrícola, quando o produto da transformação seja nesta utilizado».

7

No mesmo acórdão, o Tribunal declarou que, enquanto o legislador comunitário não adoptasse as medidas adequadas ao estabelecimento da igualdade entre os operadores, «as autoridades competentes devem continuar a aplicar a isenção prevista pela disposição em causa, alargando o benefício dessa isenção aos operadores objecto da discriminação verificada».

8

Enquanto isso, o regime da taxa de co-responsabilidade foi alterado pelo Regulamento (CEE) n.° 1097/88 do Conselho, de 25 de Abril de 1988, que altera o Regulamento n.° 2727/75, que estabelece a organização comum de mercado no sector dos cereais (JO L 110, p. 7). As novas regras de execução da taxa de co-responsabilidade foram fixadas no Regulamento n.° 1432/88 da Comissão, de 26 de Maio de 1988 (JO L 131, p. 37), que revogou o Regulamento n.° 2040/86.

9

Tendo em conta o acórdão do Tribunal de 29 de Junho de 1988, a Comissão considerou que o Regulamento n.° 1432/88 aplicava a mesma diferença de tratamento que o Regulamento n.° 2040/86, a que dizia respeito o acórdão.

10

Por conseguinte, alterou o Regulamento n.° 1432/88 através do Regulamento (CEE) n.° 2324/88 da Comissão, de 26 de Julho de 1988 (JO L 202, p. 39), cujo objectivo era, de acordo com um dos seus considerandos, «restabelecer a igualdade de tratamento entre os operadores, não submetendo à taxa de co-responsabilidade os produtores que encarregam um terceiro de realizar as primeiras transformações com vista a uma utilização posterior do produto transformado na sua exploração». Este regulamento entrou em vigor em 27 de Julho de 1988.

11

Além disso, a Comissão entendeu que devia reembolsar aos produtores vítimas da desigualdade de tratamento declarada pelo Tribunal as taxas de co-responsabilidade que tinham pago com fundamento no Regulamento n.° 2040/86 e, até 26 de Julho de 1988, com fundamento no Regulamento n.° 1432/88.

12

Para esse efeito, foi adoptado o Regulamento n.° 3779/88 da Comissão, de 2 de Dezembro de 1988, já referido. O artigo 1.° deste regulamento tem a seguinte redacção :

«1.

Os organismos competentes designados pelos Estados-membros reembolsarão, antes de 30 de Junho de 1989, aos produtores, a pedido destes últimos, os montantes das taxas de co-responsabilidade retidos:

em relação às operações de transformação, realizadas por conta do produtor, referidas no n.° 2, segunda frase, do artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 2040/86, cujo produto previsto tenha sido utilizado na exploração do produtor para alimentação de animais,

em relação às operações de transformação de cereais entregues ou colocados à disposição de uma empresa por um produtor (trabalho por encomenda), com vista a uma utilização posterior na sua exploração, efectuadas até 26 de Julho de 1988, nos termos do n.° 2 do artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 1432/88.

...»

13

Foi à luz destes textos que, após o acórdão do Tribunal de 29 de, Junho de 1988, foi de novo submetido ao Vredegerecht van het kanton Brasschaat o litígio que opõe L. Van Landschoot à sociedade NV Mera.

14

Perante o juiz nacional, L. Van Landschoot afirmou que, após ter vendido 4925 kg de trigo à sociedade NV Mera, comprou-lhe 13072 kg de alimentos compostos para galinhas poedeiras constituídos por trigo à razão de 35 °/o, ou seja, 4575 kg, destinados à alimentação dos animais da sua exploração. Alegou que os cereais assim transformados não podem estar sujeitos a uma taxa de co-responsabilidade no montante de 0,2522 x 4575, ou seja, 1154 BFR.

15

Com efeito, de acordo com o autor no processo principal, o acórdão do Tribunal deve ser interpretado no sentido de que devem estar isentos de taxa os cereais entregues por um produtor a um transformador e depois por aquele utilizados, após transformação, na sua exploração, sem que se deva distinguir consoante os cereais tenham sido vendidos e posteriormente comprados, sob a forma de alimentos, pelo produtor ao transformador ou tenham sido fornecidos a fim de serem transformados por encomenda.

16

No entanto, o juiz nacional tem como assente que, no Regulamento n.° 3779/88, a Comissão adoptou uma interpretação mais restritiva do acórdão, limitando as possibilidades de reembolso da taxa aos casos em que os cereais tenham sido entregues pelo produtor para serem transformados por encomenda.

17

Por esta razão, o Vredegerecht van het kanton Brasschaat decidiu uma vez mais suspender a instancia até que o Tribunal se pronuncie a título prejudicial sobre a seguinte questão:

«O Regulamento (CEE) n.° 3779/88 da Comissão, de 2 de Dezembro de 1988, é válido na medida em que limita o reembolso da taxa de co-responsabilidade às primeiras transformações de cereais entregues ou colocados à disposição de uma empresa por um produtor (trabalho por encomenda), com exclusão dos cereais que são vendidos a essa empresa, mesmo se posteriormente voltarem a ser comprados pelo produtor sob a forma de alimentos, com vista a uma posterior utilização na sua exploração agrícola?»

18

Para mais ampla exposição dos factos do processo principal, da tramitação processual, bem como das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

19

A título liminar, deve observar-se que, tendo em conta as expressões utilizadas na questão prejudicial, o juiz nacional se reporta implicitamente ao segundo travessão do artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 3779/88 em litígio. Este diz respeito ao reembolso das taxas de co-responsabilidade liquidadas nos termos do Regulamento n.° 1432/88, enquanto o reembolso das taxas que, como a objecto da causa principal, foram pagas sob o império do Regulamento n.° 2040/86 é objecto do primeiro travessão.

20

Por conseguinte, deve entender-se que a questão prejudicial tem por objecto a validade da totalidade do artigo 1.°, n.° 1, já referido, do Regulamento n.° 3779/88.

21

Para responder a esta questão, deve recordar-se que o Regulamento n.° 2040/86, na nova redacção, sobre cuja validade o Tribunal proferiu o acórdão de 29 de Junho de 1988, sujeitava à taxa de co-responsabilidade as «primeiras transformações» de cereais, entre as quais figuravam as transformações de cereais entregues ou colocados à disposição de uma empresa por um produtor, com vista a uma posterior utilização na sua exploração. Contudo, por força do artigo 1.°, n.° 2, segundo parágrafo, do regulamento, estavam isentas da taxa as primeiras transformações realizadas por produtores que transformassem os cereais na sua exploração, recorrendo a instalações desta exploração, e que nela utilizassem o produto.

22

Conforme o Tribunal salientou no acórdão de 29 de Junho de 1988, o objectivo da regulamentação comunitária em matéria de taxa de co-responsabilidade é a limitação dos excedentes estruturais de cereais no mercado, justificando este objectivo que apenas estejam sujeitas à taxa as transformações de cereais colocados nos circuitos comerciais, já que as quantidades de cereais absorvidas em circuito fechado não contribuem para a constituição de excedentes.

23

Por esta razão, o Tribunal considerou no acórdão já referido que se justifica um tratamento diferente dos transformadores consoante os produtos transformados sejam colocados nos circuitos comerciais ou utilizados na exploração do transformador, e que, por conseguinte, é, em princípio, aceitável que se trate de forma diferente os transformadores industriais e os que procedem à transformação na sua exploração agrícola, procedendo os primeiros, regra geral, à transformação para venda no mercado.

24

Daqui decorre que é a existência ou não de colocação de produtos no mercado que, tendo em conta o objectivo prosseguido pela taxa de co-responsabilidade, constimi o criterio que permite diferenciar os operadores com vista a decidir se devem ou não estar sujeitos à taxa.

25

A este respeito, deve declarar-se que ocorre uma colocação no mercado sempre que um produtor cede cereais por si produzidos, vendendo-os a um qualquer transformador, ainda que, posteriormente, volte a comprá-los a esse transformador sob a forma de produtos transformados.

26

Foi com base neste critério que, no acórdão de 29 de Junho de 1988, o Tribunal entendeu que, por um lado, o beneficio da isenção da taxa de co-responsabilidade não podia ser atribuido às primeiras transformações operadas na exploração agrícola, é certo, mas relativas a cereais comprados a terceiros e que, desse modo, tinham entrado no circuito econòmico, e que, por outro, em contrapartida, as primeiras transformações de cereais operadas por um transformador industrial deviam, tal como as primeiras transformações na exploração agrícola, estar isentas da taxa sempre que os produtos transformados não fossem colocados no mercado na acepção que se acaba de expor.

27

Tendo em conta o mesmo critério, também se deve considerar que os produtores se encontram em situações diferentes, podendo, desse modo, ser objecto de um tratamento diferente, consoante vendam cereais a um transformador, mesmo com vista a comprar-lhe, para as necessidades da sua exploração, alimentos compostos a partir desses cereais, ou consoante se limitem a fazer transformar os cereais, por sua conta, por um transformador. Com efeito, no primeiro caso, os produtos são colocados no mercado, o que não sucede no segundo.

28

Nestas condições, ao decidir proceder ao reembolso da taxa de co-responsabilidade liquidada pelos produtores vítimas da discriminação declarada no acórdão de 29 de Junho de 1988, a Comissão pode legalmente limitar o benefício desse reembolso aos produtores que tenham utilizado na sua exploração os cereais por si produzidos e transformados por sua conta, não o estendendo aos produtores que, tendo vendido os cereais por si produzidos a um transformador, posteriormente os compraram, após transformação, com vista à sua utilização na exploração.

29

Deste modo, deve o Tribunal declarar não existirem elementos de natureza a pôr em causa a validade do primeiro travessão do artigo 1.°, n.° 1, do regulamento em litígio.

30

Impõe-se a mesma conclusão a propósito da validade do segundo travessão. A este respeito, basta observar que, conforme a própria Comissão salientou, o Regulamento n.° 1432/88, de 26 de Maio de 1988, enfermava, antes da sua alteração pelo Regulamento n.° 2324/88, de 26 de Julho de 1988, da mesma ilegalidade que o Regulamento n.° 2040/86 e, por conseguinte, incorna nas mesmas críticas que o Tribunal, no acórdão de 29 de Junho de 1988, formulou contra o regulamento citado em último lugar.

31

Do que precede resulta que, pelas razões acabadas de expor, o reembolso das taxas de co-responsabilidade cobradas sob o império do Regulamento n.° 1432/88, na redacção inicial, pode ser limitado aos produtores que tenham entregue ou colocado à disposição de uma empresa, para transformação por encomenda, cereais por si produzidos e destinados a serem utilizados, após transformação, na sua exploração.

32

Resulta das considerações que precedem que deva responder-se ao órgão jurisdicional nacional que o exame da questão suscitada não revelou elementos de natureza a pôr em causa a validade do artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 3779/88 da Comissão, de 2 de Dezembro de 1988, relativo ao reembolso da taxa de co-responsabilidade no sector dos cereais prevista nos regulamentos n.os 2040/86 e 1432/88 em relação às primeiras transformações operadas por conta de um produtor.

Quanto às despesas

33

As despesas efectuadas pelo Governo italiano e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não podem ser reembolsadas. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL,

pronunciando-se sobre a questão que lhe foi submetida pelo Vredegerecht van het kanton Brasschaat, por despacho de 21 de Junho de 1989, declara:

 

O exame da questão suscitada não revelou elementos de natureza a pôr em causa a validade do artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 3779/88 da Comissão, de 2 de Dezembro de 1988, relativo ao reembolso da taxa de co-responsabilidade no sector dos cereais prevista nos regulamentos (CEE) n.° 2040/86 e (CEE) n.° 1432/88 em relação às primeiras transformações operadas por conta de um produtor.

 

Due

Slynn

Kakouris

Zuleeg

Moitinho de Almeida

Rodríguez Iglesias

Grévisse

Diez de Velasco

Kapteyn

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 20 de Setembro de 1990.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente

O. Due


( *1 ) Lingua do processo: neerlandés.

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