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Document 61989CC0152

Conclusões conjuntas do advogado-geral Jacobs apresentadas em 28 de Fevereiro de 1991.
Comissão das Comunidades Europeias contra Grão-Ducado do Luxemburgo.
Imposto específico sobre o consumo da cerveja - Reembolso na exportação - Compensação na importação.
Processo C-152/89.
Comissão das Comunidades Europeias contra Reino da Bélgica.
Imposto específico sobre o consumo da cerveja - Reembolso na exportação - Compensação na importação.
Processo C-153/89.

Colectânea de Jurisprudência 1991 I-03141

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:90

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

F. G. JACOBS

apresentadas em 28 de Fevereiro de 1991 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. 

Nestes processos, C-152/89 e C-153/89, a Comissão intentou duas acções, nos termos do artigo 169.° do Tratado CEE, para obter a declaração de que o Luxemburgo e a Bélgica, respectivamente, não cumpriram as obrigações que lhes incumbem por força dos artigos 95.° e 96.° do Tratado, devido a certas características do sistema por meio do qual são cobrados impostos sobre o consumo da cerveja nesses países. Vou descrever em breves traços o sistema impugnado.

2. 

Na Bélgica e no Luxemburgo, em conformidade com as normas da União Económica Belgo-Luxemburguesa, o imposto sobre o consumo da cerveja é cobrado nos termos de uma legislação adoptada pela Bélgica e incorporada pelo Luxemburgo na sua ordem jurídica interna, de tal modo que se aplica também ao território luxemburguês. O imposto é calculado com base não no produto acabado, mas num produto intermédio, isto é, o mosto quente. No decurso do processo de fabrico, por meio do qual o mosto é transformado em cerveja, uma certa quantidade de líquido é inevitavelmente perdida. As partes estão de acordo sobre este ponto: 100 litros de mosto quente, de uma certa densidade, produzirão menos de 100 litros de cerveja da mesma densidade. A quantidade perdida pode ser qualificada de taxa de quebra. A percentagem exacta é o ponto em litígio. A Comissão refere uma pequena percentagem, da ordem dos 2 %, enquanto que os Estados-membros demandados sustentam que a percentagem pode ser superior a 10 %.

3. 

Em tal sistema, o montante do imposto suportado por cada litro de cerveja depende da eficiência da fábrica de cerveja. Uma fábrica de cerveja que obtenha 98 litros de cerveja a partir de 100 litros de mosto quente pagará menos imposto por litro de cerveja que uma fábrica de cerveja que obtenha apenas 90 litros de cerveja a partir de 100 litros de mosto quente.

4. 

No contexto de um mercado puramente interno, tal sistema, que parece ter sido adoptado de variados modos em numerosos países e cujas origens são bastante antigas, pode ser perfeitamente satisfatório. Com efeito, pode-se mesmo afirmar que possui o mérito de encorajar a eficiente utilização dos recursos. Mas, no contexto de um mercado comum, um dos axiomas do qual é não poder o comércio ser distorcido por particularismos dos respectivos sistemas fiscais, tal método de cálculo do imposto suscita graves dificuldades.

5. 

Parte da cerveja produzida na Bélgica e no Luxemburgo é exportada para outros Estados-membros. Nesse caso, o exportador tem direito a pedir o reembolso do imposto específico cobrado sobre a cerveja em questão. O montante do imposto efectivamente pago sobre cada litro de cerveja exportada depende, claro está, da taxa de quebra. Dada a dificuldade em avaliar essa taxa, a legislação em vigor na Bélgica e no Luxemburgo recorre ao método de cálculo com base numa taxa fixa, nos termos do qual se presume serem necessários 100 litros de mosto quente para obter 90 litros de cerveja da mesma densidade. Por outras palavras, tem-se em conta uma taxa de quebra de 10 %. Sendo exportados 90 litros de cerveja, o montante do imposto reembolsado equivale à quantia que seria cobrada sobre 100 litros de mosto quente. Isso significa, claro está, que, no caso de uma fábrica de cerveja particularmente eficiente, com uma taxa de quebra inferior a 10 %, o montante do imposto reembolsado pode exceder o imposto cobrado. A Comissão considera que isso é contrário ao artigo 96.° do Tratado, que dispõe:

«Os produtos exportados para o território de um dos Estados-membros não podem beneficiar de qualquer reembolso de imposições internas, superior às imposições que sobre eles tenham incidido, directa ou indirectamente.»

6. 

Problemas similares ocorrem quando a cerveja é importada de outros Estados-membros para a Bélgica e o Luxemburgo. Para tributar a cerveja importada do mesmo modo que a produzida internamente, seria necessário determinar a quantidade de mosto quente a partir do qual foi produzida a cerveja importada. Dadas as dificuldades evidentes que isso origina, a legislação nacional aplicável utiliza de novo um método de cálculo com base numa taxa fixa. Mas, neste caso, em vez de se utilizar a percentagem de 10 %, tem-se em conta uma taxa de quebra diferente. Pressupõe-se que 100 litros de cerveja importada foram produzidos a partir de 105 litros de mosto quente, e o imposto é cobrado com base nesta presunção. Assim, o volume do produto final é aumentado de 5 %. Isso traduz-se numa taxa de quebra de 5/105, ou seja, 4,7619 %. Uma percentagem inferior é, claro está, mais favorável ao produto importado. Mas o resultado é o de que, a existirem fábricas de cerveja na Bélgica e no Luxemburgo com uma taxa de quebra inferior a 4,7619 %, o montante do imposto cobrado sobre cada litro de cerveja que tenham fabricado será inferior ao montante cobrado sobre cada litro de cerveja importada. A Comissão sustenta que tal é contrário ao primeiro parágrafo do artigo 95.° do Tratado, que dispõe:

«Nenhum Estado-membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-membros, imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares.»

7. 

Por conseguinte, os processos suscitam duas questões distintas referentes à compatibilidade da legislação belga e luxemburguesa com os artigos 95.° e 96.° respectivamente. Considero que há que analisar separadamente estas duas questões, dado que os problemas que suscitam não são idênticos, embora estejam manifestamente interligados. Tratá-los conjuntamente, como por vezes se fez ao longo destes processos, é fonte de confusões e torna mais difícil identificar as questões relevantes que se colocam e os apropriados critérios de aplicação dos artigos 95.° e 96.° Portanto, tratarei separadamente destes dois aspectos dos processos. Mas, antes de mais, devo debruçar-me sobre a questão da admissibilidade.

Admissibilidade

8.

O Luxemburgo sustenta que a acção é inadmissível devido a certas discrepâncias entre o parecer fundamentado e a petição. O parecer fundamentado acusava o Luxemburgo de ter violado o artigo 96.°, ao aplicar para o reembolso do imposto uma taxa de quebra superior à taxa de quebra média existente na indústria cervejeira luxemburguesa, e de violar o artigo 95.°, ao tributar a cerveja importada com base numa taxa de quebra superior à taxa de quebra média existente no Luxemburgo e nos países que exportam para o Luxemburgo. A petição pede a declaração de que o Luxemburgo violou os artigos 96.° e 95.°, ao tomar em consideração, para efeitos da cobrança do imposto sobre o consumo da cerveja na importação e do seu reembolso na exportação, uma taxa de quebra entre o mosto e o produto acabado superior ao de determinadas fábricas de cerveja luxemburguesas.

9.

A petição afasta-se, portanto, do teor do parecer fundamentado, em dois aspectos. Em primeiro lugar, abandona o ponto de vista de que a taxa de quebra no país exportador se possa revestir de importância face ao disposto no artigo 95.° Em segundo, atenua a ideia de que o sistema de cobrança com base numa taxa fixa deve apenas ter em conta as taxas de quebra médias e refere-se, a título subsidiário, às taxas de quebra de «determinadas» fábricas de cerveja luxemburguesas (é de supor que se trata das mais eficientes). Há que observar que o primeiro ponto apenas se refere ao artigo 95.° ; o segundo relaciona-se com ambos os artigos 95.° e 96.°

10.

O Luxemburgo tem razão em chamar a atenção do Tribunal para as referidas discrepâncias e não se pode negar que a Comissão provocou uma confusão considerável com a sua inconsistência no que se refere aos critérios relevantes. A questão de saber se isso torna a acção inadmissível deve, em meu entender, ser abordada do seguinte modo.

11.

No âmbito das acções intentadas nos termos do artigo 169.° do Tratado, o parecer fundamentado da Comissão serve para definir as questões a apresentar ao Tribunal de Justiça e a Comissão não pode invocar, no âmbito do processo no Tribunal de Justiça, qualquer alegada violação que não tenha invocado no parecer fundamentado. Contudo, não considero que a objecção do Luxemburgo quanto à admissibilidade da acção possa ser sustentada no que se refere à primeira discrepância anteriormente referida, designadamente, a referência na parte decisória do parecer fundamentado, mas não na petição, à taxa de quebra do país de origem da cerveja importada para o Luxemburgo. Observo que essa referência apenas surge no parecer fundamentado dirigido ao Luxemburgo e não no que foi dirigido à Bélgica. A explicação desta curiosa inconsistência parece ser a de que, na correspondência preliminar com a Comissão, o Luxemburgo, mas não a Bélgica, invocou a taxa de quebra verificada no país de origem como o critério apropriado. Analisarei a oportunidade deste critério aquando do exame de mérito da alegada violação. Mas, no que se refere à admissibilidade, é suficiente notar que, embora a parte decisória do parecer fundamentado apenas refira a taxa de quebra no país de origem, a fundamentação do parecer não remete para essa taxa. Com efeito, a Comissão refere expressamente que o nível das taxas de quebra sofridas pela cerveja exportada para o Luxemburgo não é tida em conta. A referência que a elas se faz na parte decisória é manifestamente um erro, que não deveria ter originado qualquer mal-entendido quanto a este ponto.

12.

A situação é menos clara no que se refere à segunda discrepância anteriormente referida, designadamente, a referência, na petição, à taxa de quebra de determinadas fábricas de cerveja luxemburguesas, que não constava do parecer fundamentado. Aqui, a Comissão parece ter introduzido na petição um critério mais estrito que o do parecer fundamentado, que apenas se refería à taxa de quebra média no Luxemburgo. Apesar de a Comissão afirmar o contrário, penso ser impossível ver no parecer fundamentado uma referência a algo diferente de taxas médias.

13.

A ser aceite o critério mais estrito, o Tribunal poderá vir a declarar que o imposto ignorou esse critério, embora se baseie numa taxa de quebra que não excede a taxa média das quebras no Luxemburgo. Poder--se-ia sustentar que, nesse caso, se poderá vir a declarar um incumprimento que não for referido no parecer fundamentado, contrariamente às exigências processuais do artigo 169.°, que impõe à Comissão indicar de modo preciso no parecer fundamentado o incumprimento cuja declaração se pede ao Tribunal.

14.

Há também que observar que esta segunda discrepância, contrariamente à primeira, também surge no âmbito do processo contra a Bélgica, de modo que, se a objecção suscitada pelo Luxemburgo vier a ser julgada procedente, o Tribunal de Justiça terá de decidir se deverá analisar o mesmo fundamento de inadmissibilidade, oficiosamente, no processo contra o Estado belga, embora essa questão não tenha sido suscitada pela Bélgica.

15.

Embora possa haver dúvidas, sou de opinião de que a questão da inadmissibilidade deve ser respondida negativamente. Afirmo-o por duas razões.

16.

Em primeiro lugar, o alegado incumprimento reside essencialmente no facto de o Luxemburgo ter em conta uma taxa de quebra demasiado elevada quando reembolsa o imposto sobre o consumo da cerveja exportada e quando cobra o imposto sobre a cerveja importada. Como mostram as observações das partes quanto ao mérito dos autos, pode discutir-se a questão de saber qual o critério que convém utilizar para determinar a taxa de quebra, mas isso não influi sobre a questão essencial, que é a de saber se a utilizada é demasiado elevada.

17.

Este ponto pode ser demonstrado pelo facto de que, caso o incumprimento venha a ser provado, bastará que o Tribunal de Justiça declare que o Luxemburgo não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 95.° e 96.°, respectivamente devido ao modo como determina o montante do imposto específico a cobrar e o montante do imposto a reembolsar, sem especificar como devem esses montantes ser determinados. Os fundamentos dessa declaração mostrarão certamente à evidência qual é o critério apropriado: poderá ser o das taxas de quebra médias na indústria nacional, ou o da taxa de quebra de determinadas fábricas de cerveja nacionais, ou ainda qualquer outro critério: essa questão deve ser decidida aquando da análise do mérito. Em meu entender, a opinião expressa no parecer fundamentado da Comissão não constitui uma solução prévia dessa questão, dado que o parecer contém efectivamente a alegação essencial, ou seja, a de que o referido sistema de tributação viola o disposto nos artigos 95.° e 96.°, na medida em que a taxa de quebra utilizada é demasiado elevada.

18.

Em segundo lugar, não penso que as garantias processuais do Luxemburgo não tenham sido respeitadas. No decurso do muito longo processo pré-contencioso — a primeira carta dirigida pela Comissão às autoridades luxemburguesas foi enviada a 9 de Fevereiro de 1982 —, as partes tiveram a ocasião de se pronunciar exaustivamente quanto a todas as questões. A referência à taxa média resulta do facto de ter sido com base nesta que o Luxemburgo defendeu a que utilizou — tal como o fez a Bélgica. Embora o debate se tenha centrado na taxa média, também se debateu a questão de saber qual poderia ser a taxa mais baixa. Assim, nas suas respostas, datadas de 23 de Janeiro de 1984, à carta da Comissão que formalmente os convidava a apresentar as suas observações, ambos os governos negaram que a taxa de quebra pudesse ser tão baixa como 2 %. Nos autos no Tribunal de Justiça, o Governo luxemburguês teve a possibilidade de apresentar a sua resposta quanto a ambas as questões suscitadas pela Comissão, designadamente sobre a taxa média e a mais baixa taxa de quebra possível e de apresentar prova quanto a ambas. Todavia, embora o Governo tenha avançado, de facto, certos argumentos de natureza geral, não apresentou qualquer tipo de prova, quer em relação à taxa média, quer em relação a qualquer outra taxa. A Bélgica, é verdade, fê-lo em relação à taxa média, mas tratarei na análise do mérito a questão de saber se as garantias processuais da Bélgica foram violadas, embora este Estado-membro não tenha levantado qualquer objecção quanto à admissibilidade da acção.

19.

De qualquer modo, considero, pelas razões que acabo de expor, que não deve ser acolhida a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pelo Luxemburgo. Portanto, passo à análise do mérito dos autos e, em primeiro lugar, à análise do artigo 95.°

Compatibilidade dos sistemas fiscais belga e luxemburguês com o artigo 95.°

20.

As disparidades entre os sistemas nacionais de cobrança dos impostos específicos sobre o consumo de cerveja e de outras bebidas alcoólicas preocupam, desde há muito, a Comissão. Já em 1972, esta apresentou uma proposta de directiva ao Conselho relativa à harmonização do imposto sobre o consumo da cerveja (JO 1972, C 43, p. 37). Nos termos desta directiva, o imposto específico deveria ser determinado com base no produto acabado. Refere-se, no quinto considerando do preâmbulo, que «a neutralidade da concorrência, quer no plano nacional, quer no plano comunitário, pode ser melhor assegurada por um sistema de tributação com base no produto acabado». Considerações similares são feitas na última proposta da Comissão a este respeito QO 1990, C 322, p. 11). De acordo com um memorando interno junto às petições nas duas acções em análise, a Comissão considera que a aceitação das suas propostas relativas à harmonização dos impostos específicos que incidem sobre as bebidas alcoólicas constituem a «primeira das prioridades no âmbito da eliminação das fronteiras fiscais em matéria de impostos sobre consumos específicos». Contudo, ao longo dos presentes autos, a Comissão afirmou não contestar o princípio da cobrança do imposto específico com base num produto intermédio; sustenta apenas que as taxas de quebra aplicadas pela Bélgica e pelo Luxemburgo são demasiado elevadas.

21.

É certo que o artigo 95.° deixa aos Es-tados-membros a liberdade de escolherem o sistema de tributação que considerem mais apropriado. Todavia, essa liberdade está sujeita a certos limites. Em especial, o sistema de tributação utilizado em cada um dos Es-tados-membros deve ser transparente, pelo menos na medida do necessário para permitir determinar objectivamente se a carga fiscal que incide sobre os produtos importados excede a que incide sobre os produtos nacionais similares. Além disso, o sistema deve poder ser aplicado de forma equitativa aos produtos do mercado interno e aos importados. Não é seguro que o sistema utilizado na Bélgica e no Luxemburgo satisfaça esses critérios.

22.

Embora não seja contestável no seu princípio, o elemento do sistema impugnado que levanta problemas, do ponto de vista do artigo 95.°, é o facto de a matéria colectável utilizada nos produtos importados ser diferente da utilizada para os produtos nacionais similares. A cerveja fabricada internamente é tributada com base na quantidade do mosto quente utilizado, sem se ter em conta a quantidade que é perdida na transformação do mosto quente em cerveja. Quanto maior for a quantidade de cerveja obtida a partir de determinada quantidade de mosto quente, menor será o montante do imposto sobre o consumo que incidirá sobre cada litro de cerveja. Por conseguinte, o produtor interno eficiente goza de uma vantagem fiscal. O produtor eficiente de outro Estado-membro não goza dessa vantagem, dado que — ao contrário do seu homólogo na Bélgica e no Luxemburgo — não é tributado com base no montante do mosto quente utilizado; pelo contrário, é tributado com base na quantidade final do produto acabado. É certo que essa quantidade é corrigida para ter em conta a quantidade de mosto quente que se presume ter sido utilizada na produção da cerveja. Mas a correcção é efectuada com base numa taxa fixa, que não tem em conta o rendimento efectivo da fábrica de cerveja estrangeira.

23.

Suscita-se então a questão de saber se a situação que acabo de descrever é compatível com a jurisprudência do Tribunal de Justiça referente ao artigo 95.° No processo Rewe/Hauptzollamt Landau (45/75, Recueil 1976, p. 181), o Tribunal declarou:

«... haverá violação do primeiro parágrafo do artigo 95.°, sempre que a imposição que é aplicada ao produto importado e a que atinge o produto nacional similar são calculadas de modo diferente e de acordo com modalidades diferentes, levando, ainda que só em alguns casos, a uma imposição superior do produto importado;

não poderá contra esta afirmação invocar-se que, se ao produto importado é aplicado um imposto fixo, enquanto que ao produto nacional é aplicado um imposto de acordo com escalões degressivos ou progressivos, isto acontece pela razão de, no primeiro caso, não ser possível proceder às necessárias verficações;

com efeito, se se verificasse que seria impossível estabelecer imposições igualmente degressivas ou progressivas para os produtos internos e importados, é possível, em todo o caso, para respeitar a proibição da discriminação estabelecida no artigo 95.°, aplicar aos dois produtos um mesmo imposto prefixado ou fixo.»

24.

No processo Bobie Getränke/Hauptzollamt Aachen-Nord (127/75, Recueil 1976, p. 1079), o Tribunal declarou:

«O facto de um Estado-membro fazer incidir sobre um produto importado de outro Estado-membro um imposto cobrado com base numa forma de cálculo ou em modalidades diferentes das utilizadas para a tributação de um produto interno similar, tal como uma taxa fixa num caso e uma taxa progressiva noutro, não é compatível com o primeiro parágrafo do artigo 95.° do Tratado CEE, quando este produto esteja sujeito, ainda que em apenas certos casos, devido à progressividade do imposto, a uma carga fiscal superior à que incide sobre o produto importado.»

25.

Ambos os processos citados se assemelham aos presentes autos, na medida em que os produtos de fabrico interno eram tributados de acordo com um sistema progressivo, enquanto que os produtos importados eram tributados com base num sistema de taxa fixa. O processo Bobie Getränke dizia respeito ao imposto sobre o consumo da cerveja. Em virtude da legislação em vigor à época na Alemanha, o sistema progressivo aplicava-se aos produtos de fabrico interno, aumentando a taxa do imposto em função da produção anual da fábrica de cerveja. Após ter observado que o artigo 95.° não restringe a liberdade de cada Estado-membro estabelecer o sistema de tributação que entenda mais apropriado, o Tribunal prosseguiu afirmando que:

«... o sistema de tributação escolhido por cada Estado-membro em relação a determinado produto nacional constitui o ponto de referência para determinar se a tributação aplicada aos produtos similares de outros Estados-membros cumpre ou não as exigências do primeiro parágrafo do artigo 95.° ;

portanto, quando um Estado-membro tenha decidido aplicar à cerveja nacional um imposto progressivo calculado com base na quantidade que cada fábrica de cerveja produz no decurso de um ano, o primeiro parágrafo do artigo 95.° apenas será plenamente respeitado se a cerveja estrangeira ficar sujeita a um imposto de taxa equivalente ou inferior, aplicado igualmente às quantidades de cerveja produzidas por cada fábrica de cerveja no decurso de um ano».

26.

Nos processos que acabo de citar foram estabelecidos os seguintes princípios. Em primeiro lugar, os Estados-membros são, como já referi, em princípio livres de escolher o sistema de tributação que entendam mais apropriado. Em segundo lugar, o sistema aplicado aos produtos internos constitui o ponto de referência para determinar se os produtos importados são tributados em montante superior aos produtos nacionais similares. Em terceiro lugar, há violação do artigo 95.° quando o produto importado seja tributado em montante mais elevado que o produto nacional, ainda que tal ocorra apenas em casos isolados; não adianta afirmar que a tributação mais elevada que incide sobre os produtos importados é em certos casos compensada pela tributação inferior que sobre eles incide noutros casos. Em quarto lugar, o direito comunitário não vê com bons olhos as legislações nacionais que tributam os produtos de fabrico interno segundo um sistema de taxas progressivas e os produtos importados segundo um sistema de taxas fixas; se, por razões políticas, um Estado-membro decide sujeitar a produção interna a um sistema de tributação progressiva (isto é, um sistema em que o montante do imposto por unidade varia em função de um factor relativo ao produtor em questão, tal como a sua produção total ou a sua taxa de quebra), existem apenas dois meios para não cair no âmbito de aplicação do artigo 95.° : ou o mesmo sistema progressivo é aplicado aos produtos importados ou a taxa aplicada às importações deve ser a mais baixa das praticadas no âmbito do sistema progressivo aplicável aos produtos de fabrico interno. Quando assim não for, será impossível ao Estado-membro em questão evitar fazer em certos casos incidir sobre os produtos importados um imposto de montante superior ao que incide sobre os produtos de fabrico nacional.

27.

A questão que seguidamente se suscita é a de saber como aplicar esses princípios ao presente caso. Segundo a Comissão, o critério a ter em conta é o da taxa de quebra atingida pelas fábricas de cerveja belgas e luxemburguesas. Se existirem nestes países fábricas de cerveja com uma taxa de quebra inferior a 4,7619 %, o montante do imposto específico cobrado por cada litro de cerveja produzido por essas fábricas será inferior ao montante cobrado sobre cada litro de cerveja importada, em relação à qual é presumida a taxa de quebra de 4,7619 %. A Comissão sustenta que existem na Bélgica e no Luxemburgo fábricas de cerveja cuja taxa de quebra é inferior a 4,7619 % e, portanto, que o artigo 95.° é violado.

28.

A Bélgica reconhece que o critério relevante é o da taxa de quebra verificada nas fábricas de cerveja do Estado-membro da importação, sem, contudo, admitir que a percentagem de 4,7619 % seja excessiva, tendo em consideração as características específicas da indústria cervejeira belga. O Luxemburgo, por seu lado, sustenta que o critério relevante é o da taxa de quebra verificada no país exportador. Sustenta que as legislações da Bélgica e do Luxemburgo repousam no mesmo pressuposto, na medida em que têm em conta uma taxa de quebra de 4,7619 % para a tributação da cerveja importada, contra a de 10 % que é aplicada para o reembolso do imposto que incide sobre o produto de fabrico interno exportado. Segundo o Luxemburgo, pretende-se com a diferença entre as duas taxas ter em conta a maior eficiência de certas fábricas de cerveja de outros Estados-membros. Como já sublinhei, embora a Comissão sustente agora que a taxa de quebra no Estado da exportação é irrelevante, deu na parte decisòria do parecer fundamentado que dirigiu ao Luxemburgo a impressão contrária (embora o mesmo não se tenha passado com o parecer fundamentado que dirigiu à Bélgica).

29.

A argumentação do Luxemburgo não deixa de ter uma certa lógica. É certo que um meio através do qual os Estados demandados, ainda que apenas teoricamente, podem actuar de acordo com o artigo 95.° é o de alargar à cerveja importada o sistema progressivo aplicável à produção de fabrico interno. Se for tecnicamente possível calcular o montante de mosto a partir do qual cada lote de cerveja importada foi produzido, a cerveja de fabrico interno e a cerveja importada podem ser tributadas exactamente do mesmo modo. A vantagem fiscal de que beneficiam os fabricantes nacionais eficientes e o agravamento fiscal de que são objecto os fabricantes nacionais não eficientes poderia, desse modo, ser estendida aos fabricantes estrangeiros. O facto de cada litro de cerveja produzido por uma fábrica de cerveja estrangeira com uma taxa de quebra de 7 % ser tributado em montante mais elevado do que cada litro de cerveja produzido por um produtor nacional com taxa de quebra de 3 % não seria contrário ao artigo 95.° A argumentação luxemburguesa é, de igual modo, corroborada pelo acórdão Bobie Getränke, anteriormente citado, no qual o Tribunal de Justiça declarou que o «ponto de referência» para determinar se há discriminação proibida pelo artigo 95.° é «o sistema de tributação escolhido por cada Estado-membro em relação a um determinado produto nacional».

30.

Seja qual for o atractivo da solução anteriormente descrita em termos teóricos, é manifestamente impossível aplicá-la na prática, dado não existir um meio fiável que permita estabelecer a taxa de quebra a ter em conta para cada lote de cerveja importado para a Bélgica e para o Luxemburgo. Acresce — e trata-se evidentemente da consideração decisiva — que o modo de tributação efectivamente utilizado não procura determinar a taxa de quebra efectiva referente à cerveja importada; pelo contrário, faz uso de uma percentagem fictícia, que é aplicada a todas as importações.

31.

Nestas condições, a abordagem proposta pela Comissão (e aceite pela Bélgica, com ressalva do debate quanto às percentagens exactas) está manifestamente correcta. Essa abordagem consiste em partir do produto importado, isto é, a cerveja, para determinar qual a carga fiscal que incide sobre esse produto e verificar se sobre o produto de fabrico interno incide uma carga fiscal inferior.

32.

Comparando, neste contexto, as cargas fiscais que respectivamente incidem sobre o produto importado e o produto interno, é necessário ter em consideração a taxa mais baixa que incide sobre qualquer parte da produção nacional: concretamente, sobre a cerveja com a taxa de quebra mais baixa. Nem a Bélgica nem o Luxemburgo admitem esta abordagem; continuam a basear-se na taxa média. Mas a abordagem que preconizo resulta, em meu entender, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que anteriormente expus. Refiro, de passagem, que as taxas médias foram expressamente autorizadas no artigo 97.° do Tratado em relação aos impostos sobre o volume de negócios, que eram largamente aplicados nos Estados-membros antes da entrada em vigor das disposições comunitárias referentes ao imposto sobre o valor acrescentado. Todavia, o artigo 97.°, ao autorizar a utilização de taxas médias por produtos ou grupo de produtos, tanto para as imposições internas sobre os produtos importados como para os reembolsos concedidos aos produtos exportados, exige expressamente que isso se faça sem prejuízo dos princípios enunciados nos artigos 95.° e 96.°

33.

Por conseguinte, a questão essencial que se suscita no âmbito do artigo 95.° consiste em saber se o montante da imposição que incide sobre o produto importado é superior ao montante da imposição que incide sobre qualquer parte da produção interna. Como se deverá proceder para o determinar?

34.

Em meu entender, não é necessário que a Comissão prove que o sistema tributário em vigor na Bélgica e no Luxemburgo tem efectivamente por consequência serem certas cervejas nacionais tributadas a taxa inferior à que é aplicada à cerveja importada de outros Estados-membros. Basta que a Comissão prove que o sistema é susceptível de produzir esse resultado. Caso a Comissão o consiga provar, incumbirá aos Estados-membros demandados demonstrar que, efectivamente, o sistema não produz em caso algum esse resultado. Esta inversão do ónus da prova é necessária, em meu entender, devido à falta de transparência do sistema de tributação utilizado na Bélgica e no Luxemburgo. Quando um Estado-membro utiliza um sistema de tributação que torna impossível a comparação entre a carga fiscal exacta que incide respectivamente sobre os produtos internos e os importados, incumbe a esse Estado-membro o ónus da prova de que o sistema não pode redundar em violação do artigo 95.° Este ponto de vista é corroborado pelo acórdão proferido no processo Comissão/Itália (45/64, Recueil 1965, p. 1057), no qual o Tribunal de Justiça declarou que, quando um Estado-membro faça uso de um regime baseado numa taxa fixa para determinar o montante das imposições internas que podem ser objecto de reembolso na exportação para outro Estado-membro, incumbe-lhe o ónus da prova de que tal regime não exorbita em caso algum dos limites imperativos do artigo 96.° do Tratado. Embora este processo se tenha referido ao artigo 96.°, o mesmo princípio é igualmente aplicável no contexto do artigo 95.°

35.

Defendem-se a Bélgica e o Luxemburgo invocando não se lhes poder exigir que façam prova de um facto negativo — uma prova qualificada de «preuve diabolique». Não creio que esta objecção seja fundada. Existem vários meios a que se poderia lançar mão para fazer a prova exigida. Um seria o de estabelecer as taxa de quebra de cada uma das suas fábricas de cerveja; esses dados poderiam demonstrar que em caso algum a cerveja importada é tributada em montante mais elevado do que o produto de fabrico interno. Outro seria o de estabelecer, com base em relatórios técnicos, a taxa mínima de quebra que poderia ser atingida pela fábrica de cerveja mais eficiente; tal serviria para demonstrar que nenhuma fábrica de cerveja poderá atingir uma taxa de quebra inferior à presumida na tributação da cerveja importada e que, portanto, nenhuma fábrica de cerveja nacional pode obter qualquer vantagem. Nenhum destes meios envolve realmente a prova de um facto negativo, dado que, embora o resultado final possa ser formulado em termos negativos, os elementos de prova utilizados permitem obter conclusões positivas. De resto, nenhum destes métodos impõe aos governos demandados um ónus intolerável.

36.

Passo, pois, à questão da prova. Trata-se de quatro relatórios de peritos — dois apresentados pela Comissão (elaborados pelos professores C. C. Dalgliesh e L. Narziss) e dois pela Bèlgica [elaborados pelo Centre technique et scientifique de la brasserie, de la malterie et des industries connexes (CBM) e pelo Dr. Wittmann, da Versuchs- und Lehranstalt für Brauereiweset de Berlim]. Foram ainda apresentados relatórios complementares pelo professor Narziss e pelo Dr. Wittmann. Todos estes relatórios tratam da questão da taxa de quebra normal, pelo que analisarei, antes do mais, os elementos de prova apresentados a este respeito. Estes relatórios talvez não estabeleçam claramente senão uma coisa — isto: que é extremamente difícil afirmar categoricamente o que poderá ser considerado como uma taxa normal de quebra. Existem demasiadas variáveis e uma informação pouco clara e insuficiente no domínio público. De facto, a Bélgica insistiu, por várias vezes, na audiência, sobre a dificuldade de estabelecer uma taxa média de quebra. Acresce que a determinação da quantidade de mosto quente utilizada, nem que apenas no que se refere a uma quantidade específica de cerveja, comporta dificuldades consideráveis. No que se refere à questão de saber qual é a taxa de quebra média, os elementos de prova indicam existirem variações consideráveis que dependem de factores tais como o tipo da cerveja em questão, a idade e o estado das instalações, a eficiência da exploração e da gestão, a dimensão da fábrica de cerveja e a gama das cervejas produzidas.

37.

Neste contexto, é mesmo possível levantar a questão de saber se o sistema de tributação em vigor na Bélgica e no Luxemburgo não é contrário ao artigo 95.° simplesmente por não se caracterizar por uma transparência suficiente que permita comparar as respectivas cargas fiscais que incidem sobre os produtos de fabrico interno e os produtos importados. Ao decidir tributar os produtos internos com base no mosto quente e os produtos importados com base no produto acabado, a Bélgica e o Luxemburgo tornaram a comparação das incidências da tributação tão difícil que nem mesmo uma pletora de relatórios de peritos foi capaz de resolver o problema. Este simples facto pode ser considerado como suficiente para haver violação do artigo 95.° Todavia, entendo que é preferível tentar tomar posição quanto à prova prestada no Tribunal e fazê-lo, pelas razões que referi, com base na taxa média mais baixa susceptível de ser atingida na Bélgica e no Luxemburgo.

38.

Penso que resulta claramente dos relatórios de peritagem que a taxa de 4,7619 %, que não será talvez desrazoável enquanto taxa média, se é que faz algum sentido falar-se de taxa média, não constitui o limite das possibilidades técnicas da indústria cervejeira e pode ser melhorada em certas fábricas de cerveja produzindo certos tipos de cerveja. Assim, o professor Dalgliesh afirma que, «se for necessário, por razões de comodidade administrativa, obter um valor único representativo de um bom método de fabrico numa fábrica de cerveja moderna razoavelmente bem equipada, a taxa de 5 % será generosa e a de 4 % não será demasiado baixa». O professor Narziss, num relatório mais detalhado que fornece taxas distintas para cada fase do processo de fabrico da cerveja, conclui ser possível que uma fábrica de cerveja média atinja uma percentagem de 5 % para uma cerveja comum. Afirma que os valores que indica «podem ainda ser ligeiramente reduzidos, embora isso pressuponha importantes aperfeiçoamentos técnicos». Resulta claramente destes dois relatórios que a percentagem de 4,7619 °/o será melhorada pelas fábricas de cerveja mais eficientes. É de pressupor, salvo prova em contrário, que pelo menos uma parte da cerveja produzida na Bélgica e no Luxemburgo provém de fábricas de cerveja desse tipo.

39.

Em meu entender, os dois relatórios de peritos apresentados pelo Governo belga não fazem prova do contrário. O relatório elaborado pelo Centre technique et scientifique de la brasserie, de la malterie et des industries connexes está centrado na industria cervejeira belga e dá ênfase às características específicas que tendem a conduzir a uma taxa de quebra mais elevada. Não é surpreendente que chegue à conclusão de que uma percentagem mínima de 10 % seria «mais do que razoável». Todavia, a objectividade desse relatório deve ser posta em causa, dado o interesse evidente dos autores em demonstrar que o reembolso de 10 % na exportação, que é concedido às fábricas de cerveja belgas, se justifica. Acresce que o relatório trata essencialmente da situação geral da indústria cervejeira belga: não trata da questão dos níveis mínimos das taxas de quebra que podem ser atingidas por uma fábrica de cerveja particularmente eficiente na Bélgica ou noutro país. Este último ponto vale igualmente para o relatório do Dr. Wittmann, que conclui que uma taxa de quebra de 10,25 % pode ser considerada como apropriada no que se refere à indústria cervejeira do Benelux. Este relatório funda-se em investigações pessoais do autor e em dados publicados num periódico alemão em 1977. O relatório complementar do Dr. Wittmann analisa o rendimento de quatro fábricas de cerveja belga que representam 70 % da produção belga. Pode, pois, ser útil para a determinação de uma taxa média de quebras, embora não se indique precisamente como foi feita a amostragem; nem, de resto, se conclua claramente se os dados de base foram colhidos de modo independente ou não. Não vejo como se possa considerar terem os relatórios apresentados pela Bélgica cabalmente estabelecido não poder qualquer cerveja nacional ser produzida com uma taxa de quebra inferior a 4,7619 o/o.

40.

Concluo, pois, com base num cálculo das probabilidades, que o montante da tributação que incide sobre a cerveja importada é susceptível de ser superior ao montante da tributação que incide sobre uma parte da produção interna e que, portanto, se deve considerar que o sistema de tributação em causa viola o artigo 95.°

41.

A análise dos elementos de prova leva igualmente a concluir que os governos demandados não sofreram qualquer prejuízo devido à ênfase que anteriormente a Comissão deu às taxas médias de quebra. Uma vez que a taxa média se aproxima da taxa fixa instituída e se admite existirem grandes diferenças consoante as fábricas e os tipos de cerveja, é claramente manifesto que os referidos governos não teriam podido provar que o montante do imposto sobre o consumo que incide sobre a cerveja importada não é superior ao montante que incide sobre uma parte da produção interna. O mesmo vale, mutatis mutandis, para o artigo 96.°

Compatibilidade do sistema fiscal da Bélgica e do Luxemburgo com o artigo 96.°

42.

O artigo 96.° dispõe que os produtos exportados para outro Estado-membro não podem beneficiar de qualquer reembolso de imposições internas que seja superior às imposições que sobre eles tenham incidido, directa ou indirectamente. Por conseguinte, é necessário comparar o montante da imposição interna que incide sobre a cerveja produzida na Bélgica e no Luxemburgo com o montante de imposto que é reembolsado na exportação. Quando este último for superior ao primeiro, verificar-se-á violação do artigo 96.° Assim é, mesmo que o reembolso seja superior à imposição apenas num número limitado de casos. Isso resulta claramente do acórdão proferido no processo 45/64, anteriormente citado, no qual o Tribunal declarou que ao Estado-membro que instaure um regime com base numa taxa fixa compete «demonstrar que, de qualquer modo, se mantém dentro dos limites impostos pelo artigo 96.°» (o sublinhado é nosso). Este princípio foi confirmado nos acórdãos Rewe e Bobie, já citados.

43.

Acresce que, em meu entender, basta uma vez mais que a Comissão demonstre que o sistema é susceptível de ter por resultado ser em certos casos o reembolso superior à imposição; não é necessário que a Comissão demonstre que o reembolso é efectivamente superior à imposição em determinado caso específico. Embora o ónus da prova incumba à Comissão, tudo o que deve provar é que o sistema em vigor é susceptível de redundar num reembolso fiscal excessivo. Caso a Comissão faça essa prova, demonstrando, por exemplo, que é tecnicamente possível atingir-se uma taxa de quebra inferior a 10 %, incumbe ao Estado-membro apresentar prova de que nenhuma fábrica de cerveja no seu território atinge efectivamente esse nível de rendimento e que, por conseguinte, o reembolso fiscal nunca é, de facto, superior ao montante do imposto cobrado. Uma vez mais, a justificação deste rigor reside na falta de transparência do sistema fiscal utilizado na Bélgica e no Luxemburgo; valem aqui as considerações expendidas a propósito do artigo 95.° (É possível que, num certo aspecto, os problemas que se colocam no âmbito do artigo 96.° sejam diferentes daqueles que se suscitam no âmbito do artigo 95.° : as taxas de quebra são, como já referi, diferentes consoante os tipos de cerveja e nem todos os tipos de cerveja são exportados. Assim, é possível que as taxas de quebra sejam mais elevadas no que se refere às cervejas exportadas. Mas, como os Estados-membros demandados não apresentaram prova disso, entendo que se pode abstrair dessa questão).

44.

Resulta claramente do que disse a propósito do artigo 95.° que a percentagem de 10 % é largamente superior à taxa de quebra mínima que uma fábrica de cerveja particularmente eficiente pode atingir. Nenhum dos Estados-membros demandados conseguiu fazer prova de que nenhuma fábrica de cerveja no seu território atinge uma taxa de quebra inferior a 10 %.

45.

Pelo contrário, resulta claramente dos relatórios dos peritos que, embora o valor de 10 °/o não seja desrazoável enquanto percentagem média para a indústria das fábricas de cerveja da Bélgica e do Luxemburgo tomadas no seu conjunto, devem existir nesses países fábricas de cervejas que atingem uma percentagem inferior no que se refere, pelo menos, a uma parte da produção.

46.

Assim, a taxa de 10,25 % indicada pelo Dr. Wittmann, que surge no relatório apresentado pela Bélgica e que se refere especificamente à indústria cervejeira dos países do Benelux, é manifestamente uma taxa média, indicativa do que pode ser atingido numa fábrica de cerveja típica do Benelux. Para cada fase do processo de fabrico da cerveja, o Dr. Wittmann fornece taxas mínimas e máximas e, seguidamente, uma taxa representativa que se situa algures entre esses dois extremos. As taxas representativas totalizam 10,25 %. Contudo, se adicionarmos as percentagens mínimas, obtém-se um valor de 6,5 %. Já sugeri ser possível que as taxas que constam desse relatório sejam demasiado elevadas, mas, ainda que tal não suceda, é manifesto, e isso resulta mesmo dos elementos de prova apresentados pela Bélgica, que uma fábrica de cerveja na Bélgica ou no Luxemburgo que maximize a sua eficiência obterá uma taxa de quebra inferior a 10 %. Os relatórios redigidos pelos professores Dalgliesh e Narziss confirmam, de modo ainda mais nítido, que uma fábrica de cerveja eficiente pode atingir uma taxa de quebra bem inferior a 10 %.

47.

Resulta do que acabo de verificar ser mais do que verosímil que uma parte da cerveja exportada a partir da Bélgica e do Luxemburgo é objecto de um reembolso do imposto superior ao montante cobrado. Por conseguinte, é em meu entender manifesto não terem a Bélgica e o Luxemburgo cumprido as obrigações que lhes incumbem por força do artigo 96.°

Conclusão

48.

Em conclusão, considero que o Tribunal deve:

1)

declarar que, ao tomar como matéria colectável para o imposto sobre o consumo específico da cerveja produzida localmente a quantidade de mosto quente e ao tomar como matéria colectável para esse imposto, quando aplicado à cerveja importada de outros Estados-membros, o volume do produto acabado, acrescido de uma taxa fixa de 5 %, para determinar a quantidade presumida de mosto quente que foi utilizada para produzir a cerveja importada, a Bélgica e o Luxembugo não cumpriram as obrigações que lhes incumbem por força do artigo 95.° do Tratado;

2)

declarar que, ao calcular o montante do imposto a reembolsar quando a cerveja produzida internamente é exportada para outros Estados-membros a partir da presunção de que se verifica uma taxa de quebra de 10 % na transformação do mosto quente em cerveja, a Bélgica e o Luxemburgo não cumpriram as obrigações que lhes incumbem por força do artigo 96.° do Tratado;

3)

condenar os demandados nas despesas.


( *1 ) Lingua original: inglês.

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