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Document 61986CC0082

Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 4 de Junho de 1987.
Giancarlo Laborero e Francesca Sabato contra Office de sécurité sociale d'outre-mer (OSSOM).
Pedidos de decisão prejudicial: Tribunal du travail de Bruxelles e Cour du travail de Mons - Bélgica.
Segurança Social - Regulamento n.º 1408/71 - Noção de 'legislação'.
Processos apensos 82 e 103/86.

Colectânea de Jurisprudência 1987 -03401

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1987:257

61986C0082

Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 4 de Junho de 1987. - GIANCARLO LABORERO E FRANCESCA SABATO CONTRA OFFICE DE SECURITE SOCIALE D'OUTRE-MER (OSSOM). - PEDIDOS DE DECISAO PREJUDICIAL APRESENTADOS PELO TRIBUNAL DU TRAVAIL DE BRUXELAS E PELA COUR DU TRAVAIL DE MONS. - SEGURANCA SOCIAL - REGULAMENTO NO. 1408/71 - NOCAO DE LEGISLACAO'. - PROCESSOS APENSOS 82 E 103/86.

Colectânea da Jurisprudência 1987 página 03401


Conclusões do Advogado-Geral


++++

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. As questões prejudiciais sobre as quais me devo pronunciar hoje foram suscitadas no âmbito dos litígios que opõem, perante o tribunal du travail de Bruxelas, Giancarlo Laborero, e, perante a cour du travail de Mons, Francesca Sabato, viúva de Mezzorecchia, ambos de nacionalidade italiana e residentes na Bélgica, ao Office de sécurité sociale d' outre-mer (OSSOM) que, com base no artigo 51.° da lei belga de 17 de Julho de 1963, relativa à segurança social no ultramar, recusou a indexação, respectivamente, da renda e da pensão de sobrevivência que lhes concede nos termos daquela lei.

2. O artigo 51.° da citada lei, que consta do capítulo VI intitulado "da adaptação das prestações ao custo de vida", dispõe o seguinte:

"As disposições do presente capítulo não são aplicáveis aos beneficiários de nacionalidade estrangeira, excepto no caso de serem sobreviventes de um beneficiário de nacionalidade belga, residente na Bélgica, ou forem nacionais de um país com o qual tenha sido celebrado acordo de reciprocidade que lhes atribua esse benefício."

3. Os dois órgãos jurisdicionais nacionais visam essencialmente saber, através das suas questões, se a lei belga em causa entra no âmbito do Regulamento (CEE) n.° 1408/71, do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (1).

4. Acessoriamente, interrogam o Tribunal sobre a conformidade do artigo 51.° daquela lei com o princípio de não discriminação em função da nacionalidade, tal como se encontra formulado nos artigos 7.° e 48.° a 51.° do Tratado CEE, e n.° 1 do artigo 3.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71. No que se refere às observações do OSSOM, demandado no processo principal, e do Governo belga relativas à inadequação da referência ao artigo 51.° do Tratado CEE, queria desde já esclarecer que, embora seja verdade que é o n.° 2 do artigo 48.° que prevê a abolição de qualquer discriminação baseada na nacionalidade, para assegurar a livre circulação dos trabalhadores, o artigo 51.° participa desse mesmo objectivo ao contribuir, no âmbito da segurança social, para uma realização tão completa quanto possível dessa liberdade fundamental. Também o Tribunal declarou, no acórdão de 28 de Junho de 1978, processo 1/78 (Kenny/Insurance Officer, Recueil, p. 1489), que à norma do artigo 7.° foi dada execução, no que se refere aos trabalhadores assalariados, pelos artigos 48.° a 51.° (ponto 9). No mesmo sentido, o acórdão de 8 de Abril de 1976, processo 112/75 (Sécurité sociale Nancy/Hirardin, Recueil, p. 553), refere a "proibição de qualquer discriminação entre trabalhadores dos Estados-membros baseada na nacionalidade, formulada pelos artigos 48.° a 51.° do Tratado" (tradução provisória) (ponto 9).

5. Na verdade, o próprio princípio de incompatibilidade de uma condição de nacionalidade ou reciprocidade (2), como a contida no citado artigo 51.°, com o direito comunitário e, designadamente, com o n.° 1 do artigo 3.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71, não é directamente contestado por nenhuma das partes nos presentes processos. Pelo contrário, o OSSOM e o Governo belga consideram que nem Giancarlo Laborero nem Francesca Sabato se integravam na noção de "trabalhador", na acepção da subalínea IV da alínea a) do artigo 1.° desse regulamento, em virtude de, por um lado, já não exerceram actividade assalariada ou não assalariada no momento em que formularam os seus pedidos de, respectivamente, pensão e revisão de pensão, e, por outro lado, por o regime em causa não poder ser considerado, em virtude das suas características específicas, ligado ao regime geral de segurança social belga. Finalmente, em sua opinião, a lei de 1963 não se encontraria abrangida pelo âmbito de aplicação territorial do referido regulamento em virtude de se referir exclusivamente a períodos de inscrição na segurança social cumpridos fora da Comunidade.

6. Conclui-se, pois, que o problema principal com que se encontram confrontados os dois órgãos jurisdicionais nacionais é o da delimitação do âmbito de aplicação pessoal do Regulamento (CEE) n.° 1408/71.

7. Com efeito, o âmbito de aplicação pessoal deste diploma é definido, nos termos do n.° 1 do seu artigo 2.°, da seguinte forma:

"O presente regulamento aplica-se aos trabalhadores assalariados ou não assalariados que estão ou estiveram sujeitos a legislação de um ou mais Estados-membros e que sejam nacionais de um dos Estados-membros..., bem como aos membros da sua família e sobreviventes."

8. Trata-se, concretamente, de saber se os demandantes no processo principal podem ser considerados "trabalhadores assalariados ou não assalariados" (ou, respectivamente, sobrevivente de um "trabalhador" desse tipo) e se a lei belga em causa constitui uma "legislação de um Estado-membro", apesar de dizer exclusivamente respeito a actividades profissionais desempenhadas fora do território dos Estados-membros da Comunidade.

9. As noções de "trabalhador" (assalariado e não assalariado) e de "legislação" encontram-se definidas nas alíneas, respectivamente, a) e j) do artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71.

A - Quanto à noção de "trabalhador"

10. A alínea a) do artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 define a noção de "trabalhador" pelo recurso, principalmente, ao critério da ligação das pessoas em causa a diversos tipos de regimes de segurança social, por forma a englobar, como o Tribunal decidiu no acórdão Unger de 19 de Março de 1964 (3), relativo ao Regulamento n.° 3 do Conselho, "todos aqueles que, como tais, e seja sob que designação for, se encontrem cobertos pelos diversos sistemas nacionais de segurança social" (tradução provisória).

11. Refiramos, antes de mais, que o segundo travessão da sub-alínea ii) da alínea a), também referido na questão colocada pelo tribunal du travail de Bruxelas, não é aplicável ao caso presente pois não se trata de um regime aplicável a todos os residentes ou ao conjunto da população activa, e o anexo I, para o qual reenvia, contém, relativamente à Bélgica, a menção "sem objecto". É a subalínea IV da alínea a) que releva no caso presente, pois nos encontramo na presença de um regime de seguro voluntário. Nos termos desta disposição, é trabalhador, na acepção do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 "qualquer pessoa... que estiver abrangida por um seguro voluntário contra uma ou mais eventualidades correspondentes aos ramos a que se aplica o presente regulamento, no âmbito de um regime de segurança social de um Estado-membro organizado em benefício dos trabalhadores assalariados ou não assalariados ou de todos os residentes ou de determinadas categorias de residentes:

- se a pessoa em causa exercer uma actividade assalariada ou não assalariada,

ou

- se a referida pessoa tiver sido abrangida anteriormente por um seguro obrigatório contra a mesma eventualidade, no âmbito de um regime organizado em benefício dos trabalhadores assalariados ou não assalariados do mesmo Estado-membro".

12. Em segundo lugar, não foi contestado, nem é contestável, que as rendas, pensões de sobrevivência e outras prestações de que beneficiam Giancarlo Laborero e Francesca Sabato se integram plenamente num dos "ramos a que se aplica o presente regulamento", cuja enumeração é feita no n.° 1 do artigo 4.°, quais sejam, as prestações de velhice e de sobrevivência.

13. Por fim, contrariamente ao que o OSSOM e o Governo belga procuram fazer crer, não pode haver dúvidas de que tanto Giancarlo Laborero como Francesca Sabato, na qualidade de sobrevivente de Mezzorecchia, preenchem a condição do primeiro travessão da subalínea IV da alínea a) do artigo 1.° ("qualquer pessoa... que estiver abrangida por um seguro..."). Nenhum argumento pode, com efeito, ser retirado do facto de, no momento presente, nem um nem o outro exercerem já uma actividade assalariada ou não assalariada. Por definição, qualquer prestação de velhice ou de sobrevivência só é concedida a partir do momento em que o trabalhador que esteve submetido a um regime de segurança social deixa de exercer a sua actividade. Aliás, o citado n.° 1 do artigo 2.° refere-se aos trabalhadores que estão ou estiveram sujeitos à legislação de segurança social bem como aos seus sobreviventes. O emprego do presente no primeiro travessão da subalínea IV da alínea a) do artigo 1.° reporta-se, obviamente, ao tempo em que o trabalhador esteve abrangido pelo âmbito do regime de segurança social. Ora, tanto Giancarlo Laborero como a viúva de Mezzorecchia desempenharam efectivamente uma actividade assalariada no momento da sua filiação voluntária no regime da lei de 1963 e desempenhavam-na ainda no momento da ocorrência do risco protegido.

14. Aliás, Giancarlo Laborero preenche também a condição do segundo travessão da subalínea IV da alínea a) do artigo 1.° Com efeito, esteve "anteriormente abrangido por um seguro obrigatório contra a mesma eventualidade", por força da lei belga de 16 de Junho de 1960, "que colocou sob controlo e garantia do Estado belga os organismos que geriam a segurança social dos empregados no antigo Congo Belga e do Ruanda-Urundi, pela qual o Estado belga garantia, em favor destes empregados, as prestações sociais seguras", que visava assegurar a continuidade do regime colonial da segurança social baseado em decretos coloniais posteriormente revogados pelos novos Estados independentes. Ora, reconhecendo a natureza de "legislação", na acepção do Regulamento (CEE) n.° 1408/71, ao conjunto destas disposições, o Tribunal, nos acórdãos de 31 de Março de 1977, processo 86/76 (Bozzone/OSSOM, Recueil, p. 687) e de 11 de Julho de 1980, processo 1150/79 (Comissão/Bélgica, Recueil, p. 2621), concluiu ser este regulamento aplicável aos trabalhadores que estiveram sujeitos ao referido regime de segurança social.

15. No n.° 25 das observações escritas apresentadas no processo 82/86, o OSSOM argumenta que Giancarlo Laborero não preenchia esta condição em virtude de não ter sido abrangido pelo regime da lei de 1963, "não por ter estado anteriormente seguro no âmbito do regime colonial, mas porque optou por pagar quotizações para o novo regime". Este argumento não pode ser aceite. Com efeito, por um lado, qualquer seguro voluntário implica, por definição, uma escolha positiva por parte do filiado. Por outro, mesmo que a subalínea IV da alínea a) do artigo 1.° tenha sido - historicamente - inspirada pelo citado acórdão Unger, que alargara a noção de "trabalhador assalariado ou equiparado" às pessoas "que são admitidas a beneficiar de um seguro voluntário de direito interno regido por princípios análogos ao do seguro obrigatório" (Recueil 1964, p. 366) (tradução provisória), não se pode porém deixar de constatar não conter este artigo qualquer alusão a uma tal semelhança de princípios.

16. Por fim, considero, de acordo, ao que parece, com o Governo belga, que a simples continuação, a título facultativo, da filiação de um trabalhador no mesmo regime a que se encontrava anteriormente sujeito a título obrigatório, se encontra abrangida pela noção de "seguro facultativo continuado", a que se referem as subalíneas i) e ii).

17. Finalmente, tanto Giancarlo Laborero como a viúva Mezzorecchia estiveram abrangidos por um seguro "no âmbito de um regime de segurança social de um Estado-membro organizado em benefício dos trabalhadores assalariados ou não assalariados".

18. No contexto da alínea a) do artigo 1.°, ou seja, da definição da noção de "trabalhador", esta referência vem apenas sublinhar, como já disse, que "é a sujeição a um regime de segurança social e não a qualificação, em direito interno, da actividade desempenhada que coloca o nacional comunitário ao abrigo do Regulamento n.° 1408/71 (4) ".

19. Aliás, o n.° 2 do artigo 4.° estabelece, precisamente, que "o presente regulamento se aplica aos regimes de segurança social, gerais e especiais, contributivos e não contributivos ...".

20. Assim sendo, não se pode deixar de interpretar a subalínea IV da alínea a) do artigo 1.° como exigindo que qualquer pessoa, para ter a qualidade de "trabalhador", deve estar abrangida no âmbito de um regime geral de um Estado-membro ou, se o estiver em termos de regime especial, que este se encontre ligado, ou integrado, no regime geral de um Estado-membro.

21. Por outro lado, o facto de o artigo 13.° da lei de 1963 prever que "a legislação relativa à segurança social dos trabalhadores" (ou seja, o regime geral belga de segurança social) não é aplicável aos filiados no regime de segurança social ultramarino, não é suficiente para retirar ao sistema instaurado por esta lei a natureza de "regime de segurança social".

22. Pelo contrário, esta disposição mais não faz do que confirmar que as regras que estabelece, ainda que independentes e distintas do regime geral belga de segurança social dos trabalhadores, são completas, por forma a constituírem um verdadeiro regime "à parte", que se basta a si próprio.

23. Pode, aliás, verificar-se que entre as legislações e regimes mencionados pelo Governo belga nas declarações feitas, nos termos do artigo 5.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71, figuram certos regimes especiais. O facto de o regime de segurança social ultramarino não ser aí referido não significa, em si mesmo, que não se integre no âmbito de aplicação do regulamento (5). Parece-me pois que, mesmo para o Governo belga, um regime especial pode, em princípio, ser abrangido pelo Regulamento n.° 1408/71.

24. Conclui-se do que precede que Giancarlo Laborero e Francesca Sabato têm a qualidade de, respectivamente, "trabalhador" e sobrevivente de "trabalhador", na acepção do Regulamento (CEE) n.° 1408/71.

25. Falta, pois, examinar se a lei belga de 1963 constitui uma "legislação" de um Estado-membro na acepção do referido regulamento.

B - Quanto à noção de "legislação"

26. Nos termos da alínea j) do artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71, o termo "legislação" "designa, em relação a cada Estado-membro, as leis, regulamentos, disposições estatutárias e quaisquer outras medidas de execução, existentes ou futuras, respeitantes ao ramos e regimes de segurança social previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 4.°".

27. No já citado acórdão Bozzone, o Tribunal considerou que "esta definição se caracteriza pelo seu conteúdo amplo, englobando todos os tipos de medidas legislativas, regulamentares e administrativas adoptadas pelos Estados-membros e deve ser entendida como referindo-se à totalidade das medidas nacionais aplicáveis nesta matéria" (ponto 10, Recueil 1977, p. 696) (tradução provisória). No caso presente, o facto de que a citada lei belga de 1963 se não limitava a garantir apenas as prestações adquiridas sob o regime colonial, mas antes que, por modificações posteriores, o completara, prevendo a concessão de prestações complementares, e o adaptara, designadamente, ao custo de vida, nos termos das regras em vigor na Bélgica, bastou para que o Tribunal reconhecesse ao conjunto destas disposições a natureza de "legislação".

28. Ora, a lei belga de 1963, com as sucessivas alterações a que foi sujeita, conjuntamente com os diversos decretos reais adoptados em sua execução, reveste, seguramente, a natureza de uma "legislação" assim definida. No seu capítulo I, institui o Office de sécurité sociale d' outre-mer, cujas funções define, bem como as respectivas normas de gestão. O capítulo II da lei estabelece o seu âmbito de aplicação, bem como o montante das quotizações a pagar. Os capítulos seguintes contêm as normas especiais relativas aos diversos tipos de protecções sociais que regulamenta: velhice e sobrevivência, doença e invalidez, cuidados médicos. O capítulo VI trata da adaptação das prestações ao custo de vida e o capítulo VII das protecções sociais complementares. Termina com dois capítulos consagrados a disposições especiais, respectivamente, transitórias e finais.

29. Todas estas disposições constituem um conjunto "legislativo" de medidas nacionais que estabelecem um regime voluntário de segurança social aplicável a pessoas que desempenham a sua actividade profissional em países diversos dos Estados membros da Comunidade.

30. O facto de esta legislação respeitar, de forma exclusiva, a actividades profissionais desempenhadas fora da Comunidade será suficiente para a afastar do âmbito do Regulamento (CEE) n.° 1408/71?

31. A luz de julgamento do Tribunal em processo relativamente recente, a resposta a esta questão não pode prestar-se a quaisquer dúvidas.

32. No acórdão de 23 de Outubro de 1986, processo 300/84, Van Roosmalen/Bestuur van de Bedrijfsverenigin voor de Gezondheit, Recueil, p. 3116), o Tribunal decidiu, com efeito, que "uma regulamentação nacional em matéria de segurança social que alarga os seus efeitos às pessoas que desempenham ou desempenharam actividades parcial ou exclusivamente fora da Comunidade deve ser considerada "legislação", na acepção do artigo 2.° do Regulamento n.° 1408/71".

33. O Tribunal chegou a esta conclusão com base na consideração de que "não se deve atribuir, para determinar o alcance deste termo, importância essencial ao critério do local em que a actividade profissional foi desempenhada, antes ao constituído pela relação estabelecida entre o trabalhador, seja qual for o local em que desempenhou ou desempenha a sua actividade profissional, e um regime de segurança social de um Estado-membro, no âmbito do qual cumpriu os períodos de seguro" (ponto 29) (tradução provisória).

34. Esta conclusão enquadra-se na linha directa da jurisprudência anterior que estabelecia como critério determinante para a aplicabilidade do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 a ligação de um segurado a um regime de segurança social de um Estado-membro.

35. Já no citado acórdão Comissão/Bélgica, já citado, de 11 de Julho de 1980, que dizia respeito à lei de 16 de Julho de 1960, o Tribunal destacara bem o aspecto institucional deste factor de vinculação, ao sublinhar tratar-se de um regime "criado por uma lei belga, gerido, sob o controlo do Estado Belga, por um instituto público belga, cujos efeitos actuais não se produzem, regra geral, nas antigas colónias belgas, antes, principalmente, no território metropolitano belga" (tradução provisória) (Recueil 1980, p. 2629). Todos estes elementos existem, igualmente, nos presentes processos.

36. Embora dizendo respeito a um regime aplicável a actividades desempenhadas em países com os quais a Bélgica tinha, na altura, relações especiais, o acórdão em causa foi formulado em termos suficientemente genéricos para poder igualmente ser aplicado a um regime relativo a actividades desempenhadas exclusivamente "num país totalmente independente" (ver o articulado da questão colocada pela cour du travail de Mons). O Tribunal esclarecera, com efeito, que "o simples facto de qualquer prestações ter a sua origem nos períodos de seguro cumpridos antes de 1 de Julho de 1960, fora do território comunitário, não pode implicar a não aplicação da regulamentação comunitária sobre segurança social" (mesmo acórdão, Recueil 1980, p. 2630) (tradução provisória).

37. Os acórdão de 16 de Novembro de 1972, processo 16/72, (6) e de 10 de Março de 1977, processo 75/76 (7), citados pelo OSSOM e pelo Governo belga, de forma alguma contraditam este raciocínio. Pelo contrário, o motivo pelo qual, nesses processos, os períodos de filiação cumpridos num Estado terceiro não foram tomados em consideração, para efeitos do Regulamento n.° 3 do Conselho, residia precisamente no facto de as prestações adquiridas o não terem sido nos termos da legislação de um Estado-membro, antes com base, respectivamente, numa convenção celebrada entre um Estado-membro e um Estado terceiro e na legislação de um Estado não membro.

38. Aliás, o Tribunal referiu-se nesses acórdãos aos "períodos de filiação cumpridos", nos termos de uma legislação, e às "prestações de segurança social adquiridas", nos termos dessa mesma legislação, e não, como o interpretam o OSSOM e, em certa medida, o Governo belga, aos "períodos de trabalho" ou "prestações efectuadas" no território de um Estado terceiro. O Tribunal teve o cuidado de não alargar o benefício da regulamentação comunitária a períodos de seguro cumpridos no âmbito do regime de segurança social de um Estado terceiro, ao passo que, no caso vertente, se trata de garantir aos nacionais comunitários o benefício dessa regulamentação em virtude de terem estado ou se encontram sujeitos a um regime de segurança social de um Estado-membro, independentemente do local em que foram cumpridos os períodos de seguro abrangidos por esse regime.

39. Não se trata, pois, de impor a um Estado-membro que tome em consideração os períodos de trabalho cumpridos exclusivamente fora da Comunidade e por conta de empresas estabelecidas fora dela (ver p. 34 das observações do OSSOM no processo 82/86), mas de assegurar que um Estado-membro, caso disponha de um regime de segurança social relativo a essas actividades e o torne acessível aos nacionais dos outros Estados-membros, o aplique a estes últimos nas condições estabelecidas para os seus próprios nacionais.

40. Noutros acórdãos, citados pelo Governo belga e pelo OSSOM, que respeitam de uma forma mais genérica ao princípio da livre circulação dos trabalhadores, o Tribunal recusou também transformar o local do exercício da actividade no único critério de aplicação do direito comunitário.

41. No acórdão de 12 de Julho de 1984, processo 237/83 (Prodest/Caisse primaire d' assurance maladie de Paris, Recueil, p. 3153), o Tribunal declarou que "as disposições comunitárias relativas à livre circulação dos trabalhadores no interior da Comunidade... devem ser interpretadas no sentido de que o princípio da não discriminação se aplica no caso de um nacional de um Estado-membro contratado como assalariado por uma empresa de outro Estado-membro, mesmo durante o período em que desempenhe temporariamente a sua actividade fora do território da Comunidade por conta dessa empresa comunitária, e de que, na aplicação das disposições nacionais do Estado-membro em que se encontre estabelecida essa empresa e relativas à manutenção da filiação no regime geral de segurança social desse Estado durante o período de destacamento temporário desse trabalhador num país terceiro, deve ser afastada qualquer disposição discriminatória dos nacionais dos outros Estados-membros".

42. Decidindo assim, o Tribunal transpôs para as circunstâncias do caso concreto que lhe era colocado o princípio que definira no acórdão de 12 de Dezembro de 1974, processo 36/74 (Walrave/Union cycliste internationale Recueil, p. 1405), em que a questão discutida era a de saber se era relevante o facto de as actividades em causa terem lugar no território da Comunidade ou fora dele, ou seja, que, "pelo facto de ser imperativo, o princípio da não discriminação impõe-se na apreciação de todas as relações jurídicas, na medida em que essas relações possam ser localizadas no território da Comunidade, quer em função do local em que são criadas quer do local em que produzem os seus efeitos" (tradução provisória) (ponto 28).

43. Parece-me igualmente errado ver no acórdão Prodest uma aplicação mais restritiva da jurisprudência Walrave, como pretende fazer crer o OSSOM no n.° 21 das suas observações escritas, apresentadas no processo 82/86. O texto dos n.os 6 (segunda frase) e 7 do acórdão Prodest revela com clareza que o Tribunal mais não fez do que aplicar a jurisprudência Walrave a "um caso como o presente". Do mesmo modo, nada permite afirmar que o Tribunal consideraria insuficiente o vínculo da relação jurídica em causa com o território da Comunidade no caso de, mantidos os restantes elementos do referido vínculo (contratação por empresa de um Estado-membro e filiação em regime de segurança social de um Estado-membro), a actividade ter sido desempenhada exclusiva e não temporariamente fora desse território. Também nada permite afirmar que, em matéria de segurança social, o Tribunal teria dado maior importância à relação de trabalho do que ao facto de a pessoa em causa se encontrar abrangida por um regime de segurança social de um Estado-membro.

44. O que era válido, nos acórdãos Walrave e Prodest, relativamente aos artigos 7.°, 48.° e 59.° do Tratado CEE e ao Regulamento (CEE) n.° 1612/68, do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77 , deverá igualmente ser válido relativamente ao Regulamento (CEE) n.° 1408/71, e, designadamente, ao n.° 1 do artigo 3.°, que dá execução ao princípio fundamental da não discriminação no sector da segurança social dos trabalhadores migrantes (8).

45. A resposta às questões colocadas pelos dois órgãos jurisdicionais belgas não pode, portanto, deixar de ser afirmativa, ou seja, que a lei belga de 17 de Julho de 1963, relativa à segurança social ultramarina, se integra no âmbito de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 1408/71, que proíbe, nos termos do n.° 1 do artigo 3.°, qualquer discriminação baseada na nacionalidade.

46. Gostaria ainda, a este respeito, de esclarecer que o facto de o n.° 1 do artigo 3.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 bem como os artigos 48.° a 51.° do Tratado CEE mais não serem que a aplicação específica do princípio contido no artigo 7.° do Tratado CEE ao sector da livre circulação dos trabalhadores e, designadamente, da segurança social dos trabalhadores migrantes, torna totalmente supérflua e artificial a problemática suscitada pelo OSSOM nos n.os 12 a 15 das observações escritas que apresentou no processo 82/86.

47. Assim sendo, não pode efectivamente ser atribuída relevância a qualquer argumento baseado no facto de o artigo 7.° apenas se aplicar "sem prejuízo das disposições especiais que ele (o Tratado CEE) prevê". Em especial, tendo o Tribunal reconhecido ser precisamente o artigo 7.°, na execução que lhe foi dada pelo artigo 48.° do Tratado CEE e pelo n.° 1 do artigo 3.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71, directamente aplicável no âmbito deste regulamento (9), é esse mesmo artigo que proíbe a aplicação na ordem jurídica de cada Estado-membro de qualquer disposição nacional, abrangida pelo citado regulamento, que preveja, tal como o artigo 51.° da lei belga de 1963, disparidades de tratamento baseadas na nacionalidade do beneficiário das prestações de segurança social.

48. Em função do que precede, proponho que o Tribunal responda da forma seguinte às questões colocadas pelo tribunal du travail de Bruxelas e pela cour du travail de Mons:

"1) O Regulamento (CEE) n.° 1408/71, particularmente o n.° 1 do seu artigo 2.°, deve ser interpretado no sentido de que é aplicável aos nacionais comunitários que, tendo exercido ou exercendo uma actividade assalariada ou não assalariada, estiveram ou estão filiados no regime de seguro voluntário instaurado pela lei belga de 17 de Julho de 1963, relativa à segurança social ultramarina.

2) O artigo 7.° do Tratado CEE, na execução que lhe foi dada pelos artigos 48.° a 51.° do Tratado CEE e pelo n.° 1 do artigo 3.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71, proíbe que os Estados-membros, invocando condições de nacionalidade ou de reciprocidade, excluam do benefício da indexação das prestações de segurança social que lhes são devidas os nacionais de outros Estados membros da Comunidade abrangidos pelo citado regulamento."

(*) Tradução do francês.

(1) - Para uma versão codificada, ver o Regulamento (CEE) n.° 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983, (JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53).

(2) - Ver, a este respeito, o acórdão de 22 de Junho de 1972, processo 1/72, Frilli/Estado belga, Recueil, p. 457, e o acórdão de 25 de Outubro de 1979, processo 159/78, Comissão/Itália, Recueil, p. 3247.

(3) - Processo 75/63, Recueil 1964, p. 347, 363.

(4) - Ver conclusões de 23 de Abril de 1986 do advogado-geral Darmon no processo 300/84, Van Roosmalen/Bestuur van de Bedrijfsvereniging voor de Gezondheit, Recueil, p. 3107.

(5) - Ver acórdão de 29 de Novembro de 1977, processo 35/77, Beerens/ Rijksdienst voor Arbeidsvoorziening, Recueil, p. 2249. Ver também acórdão de 27 de Janeiro de 1981, processo 70/80, Vigier/Bundesversicherungsanstalt fuer Angestellte, Recueil, p. 229.

(6) - Processo 16/72, Ortskrankenkasse Hamburg/Landesversicherungsanstalt Schleswig-Holstein, Recueil 1972, p. 1141.

(7) - Processo 75/76, Kaucic/Institut national d' assurances maladies-invalidité, Recueil 1977, p. 495.

(8) - Ver acórdão de 28 de Junho de 1978, processo 1/78, Kenny/Insurance Officer, Recueil, p. 1489, pontos 9 a 11.

(9) - Ver acórdão de 28 de Junho de 1978, processo 1/78, Kenny/Insurance Officer, Recueil, p. 1489, ponto 12.

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