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Document 51999AC0947

Parecer do Comité Económico e Social sobre a «Proposta de directiva do Conselho relativa à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros»

JO C 368 de 20.12.1999, p. 47–50 (ES, DA, DE, EL, EN, FR, IT, NL, PT, FI, SV)

51999AC0947

Parecer do Comité Económico e Social sobre a «Proposta de directiva do Conselho relativa à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros»

Jornal Oficial nº C 368 de 20/12/1999 p. 0047 - 0050


Parecer do Comité Económico e Social sobre a "Proposta de directiva do Conselho relativa à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros"

(1999/C 368/16)

Em 12 de Julho de 1999, o Conselho decidiu, em conformidade com o disposto no artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social sobre a proposta supramencionada.

O Comité Económico e Social incumbiu a Secção de Mercado Único, Produção e Consumo da preparação dos correspondentes trabalhos e nomeou relator-geral B. Hernández Bataller.

Na 367.a reunião plenária (sessão de 21 de Outubro de 1999), o Comité Económico e Social adoptou, por 85 votos a favor, e 2 abstenções, o seguinte parecer.

1. Introdução

1.1. Num Estado de Direito, a legislação deve criar, mediante normas jurídicas gerais, um equilíbrio entre os direitos e as obrigações de cada um; quando os direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico assim criado são lesados através da violação dessas normas deverá ser instaurado um procedimento judicial destinado a satisfazer as pretensões dos particulares e, ao mesmo tempo, a restabelecer o equilíbrio de interesses pretendido pelo legislador. É por este motivo que o acesso à justiça é um dos direitos do homem.

1.2. Em conformidade com o artigo 2.o (Tratado da União Europeia), entre os objectivos da União encontram-se:

- a manutenção e o desenvolvimento da União enquanto espaço de liberdade, de segurança e de justiça em que seja assegurada a livre circulação de pessoas;

- a manutenção da integralidade do acervo comunitário e o seu desenvolvimento, a fim de analisar em que medida pode ser necessário rever as políticas e formas de cooperação instituídas pelo Tratado, com o objectivo de garantir a eficácia dos mecanismos e das instituições da Comunidade.

1.3. Entre estas medidas, o correcto funcionamento do mercado interno (especialmente tendo em conta o paulatino crescimento das novas formas de contratação, v.g., o comércio electrónico transfronteiriço) exige o incremento e a celeridade da transmissão relativa à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil ou comercial entre os Estados-Membros.

1.4. É importante que os particulares possam compreender e fazer valer os seus direitos, beneficiando de garantias iguais às de que dispõem perante os tribunais do seu país, mediante procedimentos que combinem de forma equilibrada a celeridade e a segurança jurídica.

1.5. A maior parte dos Estados-Membros são signatários da Convenção de Haia, de 15 de Novembro de 1965, relativa à citação e à notificação no estrangeiro dos actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial e, também, de outros instrumentos bilaterais ou regionais, o que gerou um sistema caracterizado pela sua complexidade, heterogeneidade e eficácia insuficiente.

1.5.1. Antes da entrada em vigor do Tratado de Amsterdão, os Estados-Membros celebraram, com base no n.o 2 do artigo K.3. do Tratado da União Europeia, uma Convenção relativa à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros da União Europeia, estabelecida pelo Acto do Conselho da União Europeia de 26 de Maio de 1997(1). Contudo, esta convenção ainda não foi ratificada pela maioria dos Estados-Membros.

2. A proposta da Comissão

2.1. A Convenção estabelecida pelo Acto do Conselho da União Europeia de 26 de Maio de 1997 não foi ratificada, pelo que as suas regras não se encontram em vigor. A sua transposição para um instrumento comunitário terá nomeadamente por efeito assegurar que a sua execução se fará numa data fixa, única e num prazo relativamente próximo.

2.1.1. A presente proposta de directiva visa incrementar e acelerar a transmissão entre os Estados-Membros de actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial para efeitos de citação e notificação.

2.1.2. A matéria abrangida pela convenção está agora no âmbito do artigo 65.o do Tratado e a base jurídica da proposta é a alínea c) do artigo 61.o do Tratado CE.

2.1.3. O novo Título IV do Tratado CE não é aplicável ao Reino Unido e à Irlanda, salvo se estes países exercerem um "opt in" nas condições definidas pelo Protocolo anexo aos Tratados. Contudo, estes países manifestaram a intenção de serem plenamente associados às actividades da Comunidade em matéria de cooperação judiciária civil. O Título IV também não é aplicável à Dinamarca por força do Protocolo respectivo.

2.2. Os objectivos da proposta consistem em incrementar e simplificar o sistema de citação e de notificação dos actos judiciais e extrajudiciais no mercado interno. Tal inscreve-se no objectivo da União Europeia de realizar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça a nível do qual se assegure a livre circulação de pessoas e os particulares possam fazer valer os seus direitos beneficiando de garantias equivalentes àquelas de que dispõem nos tribunais do seu país.

2.2.1. Devido ao impacto transfronteira, a realização dos objectivos da proposta justifica suficientemente uma intervenção a nível comunitário. Para além disto, e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, o acto proposto limita-se ao mínimo requerido para alcançar esses objectivos e não excede a medida necessária à prossecução dos mesmos.

2.2.2. A proposta inscreve-se na linha da Convenção de Haia de 1965, embora introduza as seguintes inovações:

- institui relações mais directas entre as pessoas ou as autoridades responsáveis pela transmissão dos actos e as que estão encarregadas de executar ou de fazer executar a sua citação ou notificação;

- prevê o recurso a meios práticos destinados a facilitar a tarefa dos profissionais, designadamente os meios modernos de transmissão, um formulário completo e de utilização simplificada, bem como listas das entidades requeridas designadas pelos Estados;

- a fim de preservar os direitos das partes, introduz, em especial, regras originais em matéria de tradução dos actos;

- institui um comité executivo incumbido de assistir a Comissão na execução das modalidades de aplicação;

- substitui o sistema de notificação dos actos, nas relações entre os Estados-Membros e as partes nestas convenções.

2.2.3. Não obstante ter a directiva, em grande parte, retomado o conteúdo da Convenção, registam-se as seguintes diferenças:

- competência do Tribunal de Justiça: contrariamente ao artigo 17.o da Convenção, a directiva não necessita de determinar a função do Tribunal de Justiça;

- execução das modalidades de aplicação: é atribuída à Comissão competência de execução para adoptar as modalidades de aplicação do texto;

- relação com outros acordos e convénios: permite aos Estados-Membros, individualmente ou em cooperação, acelerar a transmissão de actos. O exercício dessa faculdade está sujeito à vigilância da Comissão: o projecto destas disposições deve ser-lhe comunicado;

- reservas: a directiva não admite reservas, mas regimes transitórios ou específicos que devem ser comunicados à Comissão e publicados no Jornal Oficial das Comunidades Europeias;

- disposições formais: a partir da entrada em vigor da directiva, a Comissão assume a função de velar pela sua execução, de propor eventuais alterações e de informar os Estados-Membros e o público em geral das comunicações e notificações nela previstas.

3. Observações na generalidade

3.1. O Comité acolhe favoravelmente esta proposta de directiva da Comissão, porquanto é partidário do desenvolvimento de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça na União Europeia, o qual supõe, nomeadamente, a adopção de medidas no âmbito da cooperação judiciária em matéria civil necessárias ao bom funcionamento do mercado interno e a uma melhor administração da justiça.

3.1.1. O Comité considera que, na sequência da entrada em vigor do Tratado de Amsterdão, estas medidas terão um efeito impulsionador que permitirá aos cidadãos reforçar a sua tradição democrática.

3.1.2. O Comité está consciente das vantagens e dificuldades que podem surgir da união entre países cujas culturas, sistemas sociais, organização política e sistemas jurídicos, mesmo possuindo bases e princípios comuns, apresentam marcadas diferenças, mas deverão, contudo, fazer face às crescentes solicitações da sociedade civil de maior equidade, justiça e condições comparáveis de segurança e protecção judicial.

3.1.3. São estas as razões pelas quais o Comité entende:

- é necessário reforçar a confiança recíproca entre as instituições europeias e nacionais, bem como entre estas e os cidadãos europeus;

- após a criação do mercado interno, da moeda única e dos fundamentos da Europa social, a criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça converte-se num dos primeiros e mais proeminentes objectivos da União.

3.2. O Comité considera que a forma adoptada, uma directiva, não foi devidamente justificada e que, de futuro, este tipo de actos jurídicos deveriam revestir a forma de regulamento.

3.3. O Comité é favorável à supressão do período transitório, para o estabelecimento progressivo do "espaço de liberdade, segurança e justiça", previsto no Tratado de Amsterdão, atenta a não execução, ou a execução não uniforme, dos actos adoptados neste âmbito pelos representantes dos governos dos Estados-Membros antes da celebração do referido Tratado.

4. Observações na especialidade

4.1.1. Os objectivos da proposta têm como destinatários os "particulares", pessoas singulares ou colectivas, independentemente de serem ou não cidadãos da União. O direito a um processo equitativo e célere transcende o âmbito do estatuto da cidadania para constituir um direito fundamental da pessoa humana que não pode, em qualquer circunstância, ser condicionado pela nacionalidade. A fortiori, e contemplando a proposta do ponto de vista do seu impacto no funcionamento do mercado interno, os benefícios que a sua entrada em vigor implicará serão usufruídos tanto pelas pessoas singulares como pelas colectivas, incluindo as pertencentes a Estados terceiros.

4.1.2. O âmbito de aplicação territorial da proposta não está claramente definido e pode dar lugar a alguma confusão na aplicação. Deveriam ter-se em conta as especificidades de determinados territórios mencionados no artigo 299.o do TCE e as responsabilidades que alguns Estados-Membros assumiram sobre eles. Neste sentido, seria necessário precisar que, independentemente do exercício concreto da citação, transmissão ou notificação, a designação das entidades competentes para este efeito deverá ser realizada pela autoridade nacional que assume a responsabilidade externa do Estado, caucionando assim a legitimidade dos actos das referidas entidades. Os Estados-Membros deverão estabelecer as vias legais e administrativas necessárias para o efeito.

4.2. Quanto aos casos em que não seja conhecido o endereço do destinatário, a proposta deveria incluir expressamente a obrigação de "proceder com a maior diligência às necessárias averiguações para apurar o endereço do destinatário, através dos meios disponíveis".

4.3. O Comité considera que o bom funcionamento do mercado interno exige que se incremente e se torne mais rápida a transmissão relativa à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil ou comercial entre os Estados-Membros.

4.3.1. O Comité reitera a importância da existência de procedimentos de recurso de fácil acesso e rápida execução, pelo que convida a Comissão a aperfeiçoar a sua proposta neste sentido(2). A instituição de vias de recurso eficazes constitui uma verdadeira obrigação dos Estados-Membros, e é por este motivo que se tornam necessários procedimentos judiciais em matéria civil céleres e eficazes, através dos quais a transmissão dos actos judiciais e extrajudiciais seja feita com base no "princípio da transmissão directa" e por meios rápidos entre as entidades designadas pelos Estados-Membros.

4.3.2. O Comité considera que a supressão do requisito da legalização dos documentos e das fases intermédias entre a expedição de um acto no Estado-Membro de origem e a sua citação ou notificação no Estado-Membro requerido terá um efeito positivo no desenvolvimento do mercado interno.

4.4. Dado que os pedidos cíveis julgados em processos penais ou fiscais não foram excluídos do campo de aplicação da proposta de directiva, e que também é possível requerer documentos cuja qualificação jurídica pelo órgão jurisdicional competente nem sempre é pacífica, por forma a preservar os direitos das partes conviria acrescentar o seguinte:

"a entidade requerida qualificará da forma mais flexível possível os actos cuja natureza jurídica não possa ser claramente adscrita ao domínio civil ou comercial, ainda que apresentem pontos de conexão aos mesmos."

4.5. A celeridade da transmissão justifica a utilização de qualquer meio adequado, desde que sejam respeitadas determinadas condições de legibilidade e fidelidade do documento recebido. Deveria ser claramente estabelecida a responsabilidade do Estado que não efectue as diligências necessárias dentro de "prazos razoáveis".

4.5.1. O Comité deseja sublinhar que, em sua opinião, a proposta deveria ter em conta as inovações tecnológicas e os novos meios técnicos admitidos pelas entidades requeridas e pelas entidades de origem, por exemplo, o correio electrónico ou a Internet, sem prejuízo da manutenção do equilíbrio entre a celeridade e a segurança jurídica. Neste particular, o n.o 5 do artigo 4.o parece apenas contemplar a possibilidade de transmissão de actos por via postal, o que deveria ser alterado.

4.6. Manter o "princípio da gratuitidade" dos serviços prestados pela administração do Estado-Membro requerido em relação às custas da citação ou notificação dos actos judiciais constitui um reforço do princípio da igualdade de direitos perante a justiça, pois favorece o acesso à justiça e é uma condição de eficácia do ordenamento jurídico. O Comité considera que a assistência judiciária gratuita deverá ser sempre garantida, em todas as fases do processo, a quem não disponha de recursos suficientes.

4.6.1. Nos casos em que as custas devam ser suportadas pelo requerente, o Comité reitera(3) que o montante das mesmas deverá ser acessível e fixado em função dos custos efectivamente verificados.

4.7. O "manual" que será elaborado e actualizado pela Comissão deverá ser posto à disposição de todos os operadores económicos e dos particulares em geral, por exemplo, através da Internet, para conseguir a divulgação dos requisitos exigidos pelas entidades requeridas e pelas entidades de origem.

4.8. O conceito de "interessados num processo judicial" utilizado no n.o 1 do artigo 15.o afigura-se juridicamente indeterminado, sobretudo se tivermos em conta que o referido número concede um direito alternativo aos particulares: o de promoverem as citações e as notificações directamente através das instâncias oficiais, em nome de uma presumível maior rapidez na obtenção do documento.

4.8.1. Por este motivo, considera-se mais adequado equiparar o conceito de "interessados" ao de partes num processo judicial, na acepção do direito processual do Estado-Membro requerente, ou ao de qualquer pessoa que, não sendo parte num processo administrativo ou judicial tenha, à luz do direito aplicável ao processo em causa, um interesse legítimo para intervir ou deduzir oposição.

4.9. O n.o 2 do artigo 15.o e o n.o 2 do artigo 19.o contêm uma declaração singular, cujo valor em direito comunitário é praticamente nulo. O Comité considera que ambos os números deverão ser suprimidos de acordo com o objectivo de uniformização pretendido pela proposta de directiva e com a finalidade de proteger a segurança jurídica dos particulares e dos próprios operadores jurídicos envolvidos.

4.10. A afirmação contida no n.o 1 do artigo 20.o, segundo a qual a directiva prevalece sobre as disposições previstas nas convenções internacionais celebradas pelos Estados-Membros, afigura-se de todo incoerente com a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Na opinião do Comité esta redacção deveria ser rectificada, a fim de garantir o primado da directiva quanto às convenções vigentes na relações entre Estados-Membros, mas respeitando os acordos vigentes entre estes e países terceiros(4).

4.11. O Comité deseja o estabelecimento de um sistema judiciário coordenado e coerente em toda a União, pelo que pede à Comissão, ao Conselho e ao Parlamento Europeu que:

- tirem o melhor partido das novas competências oferecidas pelo artigo 65.o do Tratado CE para elaborar um corpus de normas de direito civil e para favorecer a compatibilidade das normas processuais civis;

- prevejam formas adequadas para garantir a participação dos actores institucionais a nível europeu e nacional, assim como dos representantes da sociedade civil, na definição e aplicação das medidas a adoptar;

- garantam a máxima informação e a sensibilização possível dos cidadãos europeus e o estabelecimento de serviços de assessoria e de assistência jurídica em todas as instituições da União, em particular a nível local e regional.

Bruxelas, 21 de Outubro de 1999.

A Presidente

do Comité Económico e Social

Beatrice RANGONI MACHIAVELLI

(1) JO C 261 de 27.8.1997.

(2) JO C 407 de 28.12.1998, p. 50.

(3) V. parecer do CES sobre o Livro Verde sobre a informação do sector público na sociedade da informação - JO C 169 de 16.6.1999, p. 30.

(4) Com efeito, trata-se do limite extremo do "presumível" princípio do primado da directiva, pois o artigo 307.o do Tratado CE inspirou-se no disposto no n.o 4, alínea b), do artigo 30.o da Convenção de Viena, alterada em 1986; v. também jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, acórdãos de 2 de Agosto de 1993 no processo C-158, Levy, Colectânea de Jurisprudência, tomo I - 4287 (considerandos 10 e segs., p. 4304 e segs.), confirmados pelo acórdão de 28 de Março de 1995 no processo C- 324/93, Evans Medical, Colectânea de Jurisprudência, tomo I - 563 (considerandos 25 e segs., p. 605 e segs.).

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