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Document 62023CC0560

Conclusões do advogado-geral Richard de la Tour apresentadas em 8 de maio de 2025.


ECLI identifier: ECLI:EU:C:2025:329

Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JEAN RICHARD DE LA TOUR

apresentadas em 8 de maio de 2025 (1)

Processo C560/23 [Tang] (i)

H (ved DRC Dansk Flygtningehjælp)

contra

Udlændingestyrelsen

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados, Dinamarca)]

« Reenvio prejudicial — Regulamento (UE) n.° 604/2013 — Critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional — Artigo 29, n.° 1 — Prazo de transferência — Determinação do ponto para o início da contagem do prazo de seis meses a partir da decisão final sobre o recurso — Tomada de conhecimento de uma circunstância nova pela autoridade judicial perante a qual está pendente o recurso da decisão de transferência — Regulamentação nacional que permite à autoridade judicial remeter a decisão de transferência à autoridade administrativa competente para reapreciação »






I.      Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial concede novamente ao Tribunal de Justiça uma oportunidade para interpretar as disposições relativas ao cálculo dos prazos de transferência estabelecidos no artigo 29.°, n.° 1, do Regulamento (UE) n.° 604/2013 (2), que prevê que a transferência do requerente de proteção internacional do Estado‑Membro requerente para o Estado‑Membro responsável deve ser efetuada, o mais tardar, no prazo de seis meses a contar da decisão final sobre o recurso ou revisão da decisão de transferência nos casos em que exista efeito suspensivo (3).

2.        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre H, requerente de proteção internacional originário do Afeganistão, e o Udlændingestyrelsen (Serviço de Estrangeiros, Dinamarca) a propósito de uma decisão adotada por este Serviço no sentido de transferir H para a Roménia, dado que este Estado‑Membro aceitou retomá‑lo a cargo ao abrigo do Regulamento Dublim III. Enquanto a Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados, Dinamarca) apreciava o recurso de anulação interposto dessa decisão de transferência, teve conhecimento de que a Roménia estava a suspender as transferências de entrada em razão do afluxo crescente de refugiados que entravam no país. Consequentemente, a Comissão para os Refugiados remeteu o processo para reapreciação ao Serviço de Estrangeiros, que adotou uma nova decisão de transferência, cuja legalidade foi confirmada pela Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados) no âmbito de um novo recurso.

3.        O presente processo convida o Tribunal de Justiça a esclarecer em que momento uma decisão sobre o recurso se torna «final», na aceção do artigo 29.°, n.° 1, do Regulamento Dublim III, no quadro de um sistema processual nacional que, perante uma alteração significativa das circunstâncias ocorrida posteriormente à adoção de uma decisão de transferência, permite que a autoridade judicial que aprecia um recurso de decisão a anule sem se pronunciar sobre o respetivo mérito e a remeta para reapreciação à autoridade administrativa competente, à qual incumbe adotar uma nova decisão de transferência da qual é interposto novo recurso com efeito suspensivo.

4.        Nas presentes conclusões, explicarei as razões pelas quais considero que, no quadro desse sistema processual, o prazo de seis meses previsto no artigo 29.°, n.° 1, do Regulamento Dublim III, imposto ao Estado‑Membro requerente para proceder à transferência do requerente, deve começar a correr a partir da decisão pela qual a autoridade judicial, chamada a conhecer do recurso de anulação da decisão de transferência adotada no termo do procedimento de reapreciação, se pronuncia em definitivo sobre a legalidade da referida decisão e põe termo ao processo relativo à decisão de transferência, quer anulando‑a, quer permitindo a sua execução.

5.        Especifico, todavia, que cabe a esse Estado‑Membro adaptar o seu direito nacional de modo que, após a remessa do processo para reapreciação à autoridade administrativa competente, a nova decisão de transferência e a decisão final sobre o recurso interposto da mesma decisão sejam adotadas o mais rapidamente possível, a fim de garantir a celeridade no tratamento do pedido de proteção internacional.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

6.        Nos termos do seu artigo 1.°, o Regulamento Dublim III estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise dos pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida. Os considerandos 4, 5 e 19 do referido regulamento enunciam a este respeito:

«(4)      As conclusões [do Conselho Europeu, na sua reunião extraordinária] de Tampere [de 15 e 16 de outubro de 1999] precisaram […] que o [Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA)] deverá incluir, a curto prazo, um método claro e operacional para determinar o Estado‑Membro responsável pela análise dos pedidos de asilo.

(5)      Este método deverá basear‑se em critérios objetivos e equitativos, tanto para os Estados‑Membros como para as pessoas em causa. Deverá permitir, nomeadamente, uma determinação rápida do Estado‑Membro responsável, por forma a garantir um acesso efetivo aos procedimentos de concessão de proteção internacional e a não comprometer o objetivo de celeridade no tratamento dos pedidos de proteção internacional.

[...]

(19)      A fim de garantir a proteção efetiva dos direitos das pessoas em causa, deverão ser previstas garantias legais e o direito efetivo de recurso contra as decisões de transferência para o Estado‑Membro responsável, nos termos, nomeadamente, do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [ (4)]. A fim de garantir o respeito do direito internacional, o direito efetivo de recurso contra essas decisões deverá abranger a análise da aplicação do presente regulamento e da situação jurídica e factual no Estado‑Membro para o qual o requerente é transferido.»

7.        O artigo 27.°, n.os 3 e 4, do Regulamento Dublim III dispõe:

«3.      Para efeitos de recursos ou de pedidos de revisão de decisões de transferência, os Estados‑Membros devem prever na sua legislação nacional que:

a)      O recurso ou o pedido de revisão confira à pessoa em causa o direito de permanecer no Estado‑Membro em causa enquanto se aguarda o resultado do recurso ou da revisão; ou

b)      A transferência seja automaticamente suspensa e que essa suspensão termine após um período razoável, durante o qual um órgão jurisdicional, após exame minucioso e rigoroso, deve tomar uma decisão sobre o efeito suspensivo de um recurso ou de um pedido de revisão; ou

c)      A pessoa em causa tenha a possibilidade de dentro de um prazo razoável requerer junto do órgão jurisdicional a suspensão da execução da decisão de transferência enquanto […] aguarda o resultado do recurso ou do pedido de revisão. Os Estados‑Membros devem garantir a possibilidade de uma via de recurso, suspendendo o processo de transferência até que seja adotada a decisão sobre o primeiro pedido de suspensão. A decisão sobre a suspensão ou não da execução da decisão de transferência deve ser tomada num prazo razoável, mas que não ponha em causa o exame minucioso e rigoroso do pedido de suspensão. As decisões de não suspensão da execução da decisão de transferência devem ser fundamentadas.

4.      Os Estados‑Membros podem prever que as autoridades competentes possam decidir, a título oficioso, suspender a execução da decisão de transferência enquanto se aguarda o resultado do recurso ou da revisão.»

8.        O artigo 29.°, n.° 1, primeiro parágrafo, e n.° 2, deste regulamento tem a seguinte redação:

«1.      A transferência do requerente [...] do Estado‑Membro requerente para o Estado‑Membro responsável efetua‑se em conformidade com o direito nacional do Estado‑Membro requerente, após concertação entre os Estados‑Membros envolvidos, logo que seja materialmente possível e, o mais tardar, no prazo de seis meses a contar da aceitação do pedido de tomada ou retomada a cargo da pessoa em causa por outro Estado‑Membro ou da decisão final sobre o recurso ou revisão, nos casos em que exista efeito suspensivo nos termos do artigo 27.°, n.° 3.

[...]

2.      Se a transferência não for executada no prazo de seis meses, o Estado‑Membro responsável fica isento da sua obrigação de tomada ou retomada a cargo da pessoa em causa, e a responsabilidade é transferida para o Estado‑Membro requerente. Este prazo pode ser alargado para um ano, no máximo, se a transferência não tiver sido efetuada devido a retenção da pessoa em causa, ou para 18 meses, em caso de fuga.»

B.      Direito dinamarquês

1.      Estatuto especial do Reino da Dinamarca no que respeita à aplicação do SECA

9.        O Reino da Dinamarca goza, no que diz respeito à terceira parte do título V do Tratado FUE que inclui, nomeadamente, as políticas de controlo das fronteiras, asilo e imigração, de um estatuto especial por força do Protocolo (n.° 22) relativo à posição da Dinamarca, anexo ao Tratado UE e ao Tratado FUE, estatuto esse que o distingue dos outros Estados‑Membros. Assim, este Estado‑Membro não participa no SECA, uma vez que não está vinculado pelas Diretivas 2011/95/UE (5) e 2013/32/UE (6). Em contrapartida, aplica o Regulamento Dublim III, por força de um acordo internacional assinado em 13 de março de 2005 com a União Europeia (7).

2.      Lei relativa aos Estrangeiros

10.      Os artigos 53.° a 56.° da Udlændingeloven (Lei relativa aos Estrangeiros) (8) contêm disposições que regulam a Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados).

11.      Em conformidade com o artigo 53.°‑A desta lei, a Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados) exerce, a título permanente, a função de instância de recurso administrativo das decisões administrativas em matéria de asilo proferidas em primeira instância pelo Serviço de Estrangeiros.

12.      Nos termos do artigo 56.°, n.° 8, da referida lei, as decisões da Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados) são finais e, por conseguinte, não podem ser impugnadas perante outra autoridade administrativa.

13.      Resulta claramente da exposição do quadro jurídico que consta da decisão de reenvio que, nos termos do direito administrativo dinamarquês, a instância de recurso pode remeter o processo à autoridade administrativa competente para reapreciação em três casos: 1) se o processo não estiver suficientemente esclarecido antes da decisão proferida em primeira instância; 2) se tiverem sido cometidos erros importantes na tramitação processual em primeira instância, ou 3) se forem fornecidas novas informações significativas para a decisão inicial.

14.      Nos termos do direito administrativo dinamarquês, um pedido de reapreciação implica, deste modo, que o processo continua pendente perante as autoridades e a nova decisão adotada em primeira instância pode ser impugnada perante a instância de recurso.

III. Factos do litígio no processo principal e questão prejudicial

15.      H, nacional afegão, entrou na Dinamarca em 25 de abril de 2021, onde, no mesmo dia, apresentou um pedido de proteção internacional. Segundo as indicações que constam do sistema Eurodac, H já tinha sido registado como requerente de proteção internacional na Roménia em 5 de março de 2021.

16.      Por conseguinte, em 24 de junho de 2021, o Serviço de Estrangeiros solicitou às autoridades romenas que o retomassem a cargo, nos termos do artigo 18.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento Dublim III, o que estas aceitaram, dentro do prazo, em 7 de julho de 2021.

17.      Em 19 de julho de 2021, o Serviço de Estrangeiros decidiu transferir H para a Roménia nos termos daquela disposição (a seguir «primeira decisão de transferência»). Por declaração com a mesma data, H apresentou recurso desta decisão para a Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados). Este recurso teve efeito suspensivo, por força do artigo 27.°, n.° 3, alínea a), do Regulamento Dublim III.

18.      Enquanto o referido recurso estava pendente, a Roménia informou todos os Estados‑Membros, em 28 de fevereiro de 2022, que, a partir de 1 de março de 2022, suspendia todas as transferências de entrada decididas ao abrigo do Regulamento Dublim III, em razão do conflito na Ucrânia e do afluxo crescente de refugiados na Roménia.

19.      Consequentemente, em 15 de março de 2022, a Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados) decidiu devolver o processo ao Serviço de Estrangeiros para este se pronunciar sobre a incidência dessa notificação na decisão concreta de transferir H para a Roménia. Resulta da decisão de reenvio que essa remessa para reapreciação implicou a anulação da Decisão de 19 de julho de 2021.

20.      Em 8 de abril de 2022, o Serviço de Estrangeiros tomou novamente a decisão de transferir H para a Roménia nos termos do artigo 18.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento Dublim III (a seguir «segunda decisão de transferência»). Por declaração apresentada no mesmo dia, H interpôs recurso dessa decisão para a Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados). Este recurso teve efeito suspensivo por força do artigo 27.°, n.° 3, alínea a), deste regulamento.

21.      Em 24 de maio de 2022, a Roménia informou todos os Estados‑Membros do levantamento da suspensão das transferências de entrada decididas ao abrigo do Regulamento Dublim III.

22.      Por Decisão final de 2 de dezembro de 2022, a Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados) confirmou a segunda decisão de transferência.

23.      Em 2 de fevereiro de 2023, H requereu a reabertura do processo com o fundamento de que o prazo de seis meses a contar da aceitação do pedido de retoma a cargo, previsto no artigo 29.°, n.° 1, do Regulamento Dublim III, tinha expirado na data da adoção da segunda decisão de transferência, tendo como consequência que o Reino da Dinamarca tinha passado a ser responsável pela apreciação do seu pedido de proteção internacional, nos termos do artigo 29.°, n.° 2, deste regulamento.

24.      Após reabertura do processo, a Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados), confirmou, por Decisão de 19 de abril de 2023, a segunda decisão de transferência. Resulta da referida decisão, cujo conteúdo é em parte reproduzido na decisão de reenvio, que aquela considerou que o prazo de transferência previsto no artigo 29.°, n.° 1, do Regulamento Dublim III só tinha começado a correr a partir da sua Decisão final de 2 de dezembro de 2022, por dois motivos. Por um lado, a decisão de remessa para reapreciação tinha tido como consequência que o processo ainda estava a ser tratado no Serviço de Estrangeiros, o que impossibilitava a transferência da pessoa para a Roménia. Por outro lado, a execução da segunda decisão de transferência tinha sido suspensa durante o processo de recurso interposto para o Serviço de Estrangeiros, até adoção da sua decisão final em 2 de dezembro de 2022.

25.      Em 4 de maio de 2023, na sequência de um pedido do DRC Dansk Flygtningehjælp (Conselho Dinamarquês para os Refugiados, Dinamarca), organização não governamental que representa H, a Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados) decidiu reabrir, uma vez mais, o processo a fim de reapreciar a interpretação das regras relativas aos prazos de transferência enunciadas no artigo 29.°, n.os 1 e 2, do Regulamento Dublim III, lido em conjugação com o artigo 27.° deste regulamento. No seu pedido de reabertura do processo, o Conselho Dinamarquês para os Refugiados fez, em especial, referência ao Acórdão Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Suspensão do prazo de transferência em sede de recurso) e alegou que, ao abrigo do Regulamento Dublim III, a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional de H tinha sido transferida para a Dinamarca na data da segunda decisão de transferência.

26.      Nestas circunstâncias, a Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados, Dinamarca) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem as regras relativas aos prazos enunciadas no artigo 29.°, n.os 1 e 2, do Regulamento [Dublim III] ser interpretadas no sentido de que o prazo de seis meses previsto no artigo 29.°, n.o 1, segunda alternativa, [deste] regulamento, começa a correr a partir da data da decisão [final] quanto ao mérito, numa situação em que uma instância de recurso do Estado‑Membro requerente, conforme prevista no artigo 27.o do [referido] regulamento, remeteu o processo de transferência à autoridade competente em primeira instância, a qual adotou em seguida uma nova decisão de transferência mais de seis meses após a receção da aceitação da retomada a cargo pelo Estado‑Membro responsável — nomeadamente quando a remessa tem por fundamento o facto de o Estado‑Membro responsável, que inicialmente aceitou a transferência, ter posteriormente adotado uma decisão de suspensão geral das transferências efetuadas em aplicação do Regulamento de Dublim —, e em que foi atribuído efeito suspensivo à medida de afastamento do estrangeiro em causa?»

27.      A Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados) solicitou que o presente processo fosse submetido a tramitação prejudicial acelerada prevista no artigo 105.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Este pedido foi indeferido por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 15 de dezembro de 2023 (9).

28.      Em 27 de novembro de 2023, o Tribunal de Justiça enviou ao órgão jurisdicional de reenvio um pedido de informações sobre o seu estatuto de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.° TFUE, à qual este respondeu.

29.      H, os Governos Dinamarquês, Francês, Austríaco e Suíço, bem como a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas. Na audiência de 6 de fevereiro de 2025, H, os Governos Dinamarquês e Francês, bem como a Comissão, foram ouvidos e, nomeadamente, convidados a responder às perguntas para resposta oral formuladas pelo Tribunal de Justiça.

IV.    Análise

30.      Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se, no quadro do sistema processual de um Estado‑Membro, que, perante uma alteração importante das circunstâncias ocorrida posteriormente à adoção de uma decisão de transferência, permite que a autoridade judicial chamada a conhecer do recurso de anulação interposto contra essa decisão a anule sem decidir sobre o respetivo mérito e a remeta para reapreciação à autoridade administrativa competente, à qual incumbe adotar uma nova decisão de transferência, da qual foi interposto novo recurso com efeito suspensivo, o artigo 29.°, n.os 1 e 2, do Regulamento Dublim III deve ser interpretado no sentido de que o prazo de transferência de seis meses começa a correr a partir da decisão pela qual a autoridade judicial decide em definitivo sobre a legalidade desta última decisão.

31.      A fim de responder a esta questão, há que, antes de mais, recordar que o artigo 29.° do Regulamento Dublim III define as modalidades e os prazos nos quais o Estado‑Membro requerente deve, para efeitos de tomada a cargo ou de retomada a cargo de um requerente de proteção internacional, proceder à transferência deste último para o Estado‑Membro responsável.

32.      O artigo 29.°, n.° 1, primeiro parágrafo, deste regulamento dispõe que a transferência se efetua em conformidade com o direito nacional do Estado‑Membro requerente, após concertação entre os Estados‑Membros envolvidos, logo que seja materialmente possível e, o mais tardar, quer no prazo de seis meses a contar da aceitação pelo Estado‑Membro responsável do pedido de tomada ou retomada a cargo da pessoa em causa, quer a contar da decisão final sobre o recurso ou revisão, nos casos em que exista efeito suspensivo nos termos do artigo 27.°, n.° 3, do referido regulamento.

33.      Remetendo para o n.° 29 do Acórdão Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Suspensão do prazo de transferência em sede de recurso), H alegou que, na sequência da Decisão de 15 de março de 2022, pela qual a Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados) anulou a primeira decisão de transferência e remeteu o processo ao Serviço de Estrangeiros para reapreciação, já não existia decisão de transferência cuja execução pudesse ser adiada e que o prazo de transferência começava a correr, retroativamente, a partir de 7 de julho de 2021, data em que a Roménia aceitou o pedido da sua retoma a cargo (10).

34.      Todavia, saliento, primeiro, que tal abordagem é contrária à redação e à lógica do artigo 29.°, n.° 1, do Regulamento Dublim III, do qual decorre que os dois momentos a partir dos quais o prazo de transferência pode começar a correr devem ser entendidos como mutuamente exclusivos.

35.      Assim, no primeiro caso, não é interposto recurso da decisão de transferência ou, se for interposto, não tem efeito suspensivo. Por conseguinte, o prazo de transferência começa a correr a partir do momento em que o Estado‑Membro responsável aceita o pedido de tomada a cargo ou de retomada a cargo da pessoa em causa. No segundo caso, é interposto um recurso com efeito suspensivo contra a decisão de transferência. Por conseguinte, o prazo começa a correr a partir do momento em que a decisão que conhece do recurso de uma decisão de transferência se torna final, após esgotadas as vias de recurso previstas na ordem jurídica do Estado‑Membro em causa (11).

36.      Uma posição diferente seria contrária ao objetivo de uma proteção jurisdicional efetiva, tal como consagrado no artigo 47.° da Carta. Efetivamente, as duas situações previstas no artigo 29.°, n.° 1, do Regulamento Dublim III permitem dar pleno efeito à suspensão da execução da decisão de transferência prevista no artigo 27.°, n.° 3, do referido regulamento. Se, em sede de recurso de uma decisão de transferência, a execução desta decisão fosse suspensa mas o prazo de transferência continuasse a correr, não seria possível assegurar a igualdade de armas e a efetividade dos processos de recurso, garantindo que esse prazo não termina quando a execução da decisão de transferência tenha sido impossibilitada pela interposição de um recurso dessa decisão (12).

37.      Segundo, saliento que as circunstâncias factuais em que se inscreve o presente processo diferem das do processo que deu origem ao Acórdão Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Suspensão do prazo de transferência em sede de recurso). Nesse processo, o Tribunal de Justiça foi interrogado sobre a questão de saber se o efeito suspensivo de um recurso interposto contra uma sentença de anulação de uma decisão de transferência tinha efeitos sobre o prazo de transferência. O Tribunal de Justiça declarou, por um lado, que o artigo 27.°, n.° 3, do Regulamento Dublim III não se destina a regular as medidas provisórias que podem eventualmente ser adotadas no âmbito de um recurso interposto pelas autoridades competentes contra uma decisão que anula uma decisão de transferência, e, por outro lado, que uma medida provisória que tem por efeito suspender o prazo de transferência enquanto se aguarda o resultado de um recurso de segunda instância só pode ser adotada quando a execução da decisão de transferência tiver sido suspensa enquanto se aguarda o resultado do recurso de primeira instância (13).

38.      Ora, no presente processo, a execução da primeira decisão de transferência adotada em relação a H pelo Serviço de Estrangeiros foi suspensa em primeira instância, em conformidade com o artigo 27.°, n.° 3, do Regulamento Dublim III. Além disso, embora essa primeira decisão tenha sido efetivamente anulada pela Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados), o presente processo foi remetido àquele serviço para reapreciação da questão da sua transferência, e uma segunda decisão de transferência foi efetivamente adotada por esta autoridade, sendo essa decisão objeto de recurso, com efeito suspensivo, interposto pelo interessado.

39.      Daqui resulta que existe de facto uma decisão de transferência (a segunda decisão de transferência), cuja execução foi suspensa no âmbito de um recurso interposto contra ela. Por conseguinte, o prazo de transferência começou a correr a partir da decisão final sobre esse recurso, em conformidade com o artigo 29.°, n.° 1, do Regulamento Dublim III.

40.      Este artigo 29.° não enuncia nenhuma regra específica para a contagem dos prazos quando, perante uma alteração significativa das circunstâncias ocorrida posteriormente à adoção de uma decisão de transferência, a autoridade judicial anula a decisão sem apreciar o respetivo mérito e a remete para reapreciação à autoridade administrativa competente, que é responsável pela adoção de uma nova decisão de transferência, contra a qual é interposto novo recurso.

41.      Tal como revelaram os debates na audiência, o momento em que uma decisão sobre o recurso se torna «final» na aceção do artigo 29.°, n.° 1, do Regulamento Dublim III suscita uma dificuldade particular. Com efeito, uma decisão final é quer a decisão através da qual a autoridade judicial chamada a conhecer do recurso de anulação da primeira decisão de transferência anula esta última sem apreciar o respetivo mérito, quer a decisão através da qual essa autoridade, chamada a conhecer de um novo recurso de anulação da segunda decisão de transferência, se pronuncia sobre a legalidade desta última decisão (14).

42.      Penso que, no quadro de um regime processual como o descrito pelo Governo Dinamarquês nas suas observações, o prazo de transferência de seis meses previsto no artigo 29.°, n.° 1, do Regulamento Dublim III deve ser contado a partir da decisão final sobre o recurso da segunda decisão de transferência, contra a qual já não podem ser exercidas quaisquer vias de recurso ordinárias.

43.      Em primeiro lugar, esta solução procura ter em conta as especificidades do sistema processual dinamarquês, que prevê o tratamento dos processos «a dois níveis», instituindo, no quadro do processo judicial, um procedimento de remessa à autoridade administrativa competente para reapreciação sempre que surjam «novas informações significativas» (15) para a execução de uma decisão, como uma decisão de transferência.

44.      É certo que existem duas decisões de transferência que foram objeto de dois recursos distintos. No entanto, essas decisões têm o mesmo objeto (a transferência do requerente), foram adotadas em relação ao mesmo requerente, na sequência do mesmo facto (a aceitação da tomada a cargo pelo Estado‑Membro responsável), e pela mesma autoridade administrativa, pelo que esses processos devem ser entendidos como um processo único. Assim, a decisão pela qual a autoridade judicial anulou a primeira decisão de transferência, sem sequer se pronunciar sobre o respetivo mérito, e a remeteu à autoridade administrativa para reapreciação constitui uma decisão provisória que permite à autoridade administrativa competente avaliar as implicações decorrentes da existência de factos novos e significativos quanto ao processo de transferência do interessado, e, se for caso disso, adotar uma apreciação diferente quanto a este.

45.      Ora, recordo que, no que se refere à interpretação do Regulamento (CE) n.° 343/2003 (16), que foi revogado pelo Regulamento Dublim III, o Tribunal de Justiça considerou que o prazo de transferência não deve ser contado assim que é proferida a decisão judicial provisória que suspende a execução do procedimento de transferência, mas apenas quando é proferida a decisão judicial que se pronuncia sobre o mérito do procedimento e que já não é suscetível de impedir a respetiva execução (17). Por conseguinte, é determinante que a decisão final sobre o recurso se pronuncie sobre a legalidade da decisão de transferência. Ao prever que o prazo de transferência começa a correr a partir da decisão final sobre o recurso interposto da decisão de transferência, o legislador da União tem em vista uma decisão final sobre o mérito que ponha termo ao processo relativo à decisão de transferência, quer anulando‑a, quer permitindo a sua execução.

46.      Em segundo lugar, a referida solução permite ter em conta os princípios e as exigências decorrentes da necessidade de garantir a existência de uma fiscalização jurisdicional efetiva, na aceção do artigo 27.°, do Regulamento Dublim III e do artigo 47.° da Carta. Com efeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça recorda de modo constante que, embora o legislador da União tenha pretendido favorecer uma execução rápida das decisões de transferência, não é menos verdade que não quis descurar a proteção jurisdicional dos requerentes de proteção internacional em prol da exigência de celeridade no tratamento do seu pedido (18).

47.      O artigo 27.°, n.° 3, do Regulamento Dublim III prevê, assim, que a pessoa objeto de uma decisão de transferência tem direito a uma via de recurso efetiva, sob a forma de um recurso dessa decisão ou de uma revisão, de facto e de direito, da referida decisão para um órgão jurisdicional (19). Ora, o âmbito desse recurso é definido no considerando 19 deste regulamento. Este considerando estabelece que, a fim de garantir o respeito do direito internacional, o direito efetivo de recurso contra decisões de transferência deverá abranger, por um lado, a análise da aplicação do mesmo regulamento e, por outro, a análise da situação jurídica e factual no Estado‑Membro para o qual o requerente é transferido (20).

48.      No Acórdão État belge (Elementos posteriores à decisão de transferência), o Tribunal de Justiça concluiu que um recurso de anulação interposto contra uma decisão de transferência, no âmbito do qual o órgão jurisdicional chamado a decidir não pode ter em conta circunstâncias posteriores à adoção dessa decisão que sejam determinantes para a correta aplicação do Regulamento Dublin III, não permite garantir uma via de recurso efetivo e assegurar uma proteção jurisdicional adequada, à luz dos direitos enunciados no artigo 27.° deste regulamento e no artigo 47.° da Carta (21).

49.      Contudo, o Tribunal de Justiça reconheceu que o legislador da União apenas harmonizou algumas das modalidades processuais do recurso interposto contra a decisão de transferência de que deve dispor a pessoa em causa e que os Estados‑Membros não devem, em aplicação do artigo 27.° do Regulamento Dublim III, organizar o seu sistema de recurso de modo que a exigência de tomada em consideração de circunstâncias determinantes posteriores à adoção da decisão de transferência seja garantida no âmbito do exame do recurso que permita pôr em causa a legalidade da decisão de transferência (22). Segundo o Tribunal de Justiça, quando uma circunstância posterior à decisão de transferência é suscetível de pôr em causa a transferência do interessado para o Estado‑Membro responsável, esta disposição deixa, por conseguinte, aos Estados‑Membros a possibilidade de determinarem em que medida a autoridade judicial pode ter em conta essa circunstância a fim de apreciar a legalidade da decisão de transferência através de uma fiscalização integral e ex nunc, ou se é conveniente assegurar essa proteção jurisdicional sob outras formas, estabelecendo, por exemplo, uma via de recurso específica ou outra modalidade processual (23).

50.      Ora, entendo que é neste contexto que se inscreve o sistema processual dinamarquês e, por conseguinte, não se pode criticar este Estado‑Membro por integrar no processo de recurso de anulação interposto contra uma decisão de transferência a remessa para reapreciação destinada a ter em conta uma alteração significativa das circunstâncias ocorrida no Estados‑Membros responsável após adoção da referida decisão. Considerar que, devido a essa remessa para reapreciação, a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional é transferida para esse Estado‑Membro teria por efeito, nesse sistema, dissuadi‑lo de ter em conta essas novas circunstâncias, porém, determinantes para apreciar a legalidade e a viabilidade do procedimento de transferência.

51.      Dito isto, acrescento que, segundo jurisprudência constante, na falta de regras da União na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as modalidades processuais dos recursos judiciais destinados a assegurar a salvaguarda dos direitos dos particulares, por força do princípio da autonomia processual, desde que, no entanto, não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes submetidas ao direito interno (princípio da equivalência) e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (princípio da efetividade) (24).

52.      No que diz respeito, em primeiro lugar, ao princípio da equivalência, este exige que a totalidade das regras aplicáveis às ações e recursos se aplique indistintamente às ações e recursos fundados na violação do direito da União e às ações e recursos, semelhantes, fundados na violação do direito interno (25).

53.      No que se refere, em segundo lugar, ao princípio da efetividade, este impõe que, no âmbito de um processo como o que está em causa, a autoridade judicial competente se pronuncie em definitivo sobre a legalidade da decisão de transferência tal como reapreciada pela autoridade administrativa competente, sem atrasos injustificados, de forma a garantir um acesso efetivo aos procedimentos de concessão de proteção internacional e a assegurar o tratamento rápido dos pedidos de proteção internacional, em conformidade com o quinto considerando do Regulamento Dublim III (26). Isso implica que a duração deste procedimento, no seu conjunto, não exceda o período estritamente necessário tendo em conta as finalidades para os quais a reapreciação foi levada a cabo.

54.      Numa situação como a que está em causa, cada Estado‑Membro deve, consequentemente, adaptar o seu direito nacional de modo que, após a anulação da decisão inicial e em caso de remessa do processo à autoridade administrativa competente em resultado de novas circunstâncias determinantes para efeitos do processo de transferência, essa autoridade adote uma nova decisão, e, se for caso disso, a autoridade judicial se pronuncie, o mais rapidamente possível (27).

55.      Um sistema desta natureza não deve, por conseguinte, conduzir a uma situação em que o Estado‑Membro requerente possa eximir‑se à sua responsabilidade, evitando tornar‑se o Estado‑Membro responsável remetendo indefinidamente o processo à autoridade administrativa competente para reapreciação, sem que seja tomada uma decisão sobre o procedimento de concessão de proteção internacional. Com efeito, tal sistema poderia conduzir a uma situação contrária à finalidade do Regulamento Dublim III, tal como expressa no seu considerando 5, uma vez que teria por consequência adiar ao máximo o momento a partir do qual o prazo de transferência poderia começar a correr e, em consequência, o momento a partir do qual o pedido de proteção internacional poderia ser apreciado, privando assim o requerente do benefício dos direitos associados ao reconhecimento dessa proteção. Como o Tribunal de Justiça recordou no Acórdão de 13 de novembro de 2018, X e X (28), importa então que esse pedido seja, sendo caso disso, apreciado por um Estado‑Membro diferente do designado como responsável nos termos dos critérios enunciados no capítulo III deste regulamento (29).

56.      No caso vertente, nenhuma autoridade se pronunciou ainda sobre o pedido de proteção internacional apresentado por H em 25 de abril de 2021. Desde 7 de julho de 2021, data em que a Roménia aceitou retomá‑lo a cargo para efeitos de apreciação do seu pedido, não houve nem transferência nem decisão sobre o mérito do seu pedido. No que diz respeito ao processo principal (que não inclui os dois pedidos de reabertura do processo apresentados por H e, em seguida, pela Comissão para os Refugiados), constato que decorreram quase 17 meses entre o momento em que a Roménia aceitou retomar H a cargo e a decisão final pela qual a Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados) validou a segunda decisão de transferência. Ora, recordo que o artigo 29.°, n.° 2, do Regulamento Dublim III prevê apenas dois casos em que o prazo de transferência pode ser prorrogado, até ao máximo de um ano, se a transferência não tiver sido efetuada devido a retenção da pessoa em causa, ou para 18 meses, em caso de fuga (30). No caso em apreço, embora seja evidente que a decisão da Roménia de suspender todas as transferências de entrada decididas ao abrigo do Regulamento Dublim III teve necessariamente um impacto na duração deste procedimento, desencadeando a remessa para reapreciação, foram necessários quase oito meses para que a Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados) se pronunciasse sobre a legalidade da segunda decisão de transferência, apesar de, como já foi referido, esta decisão ter o mesmo objeto que a primeira e ter sido adotada em relação ao mesmo requerente, na sequência do mesmo facto e pela mesma autoridade administrativa. Esta duração parece‑me dificilmente conciliável com a necessidade de assegurar a celeridade no tratamento dos pedidos de proteção internacional.

57.      Atendendo a todos estes elementos, considero que, no quadro do sistema processual de um Estado‑Membro que, perante uma alteração significativa das circunstâncias ocorrida posteriormente à adoção de uma decisão de transferência, permite que a autoridade judicial chamada a conhecer do recurso de anulação interposto contra essa decisão a anule sem se pronunciar sobre o respetivo mérito e a remeta à autoridade administrativa competente para reapreciação, o artigo 29.°, n.° 1, do Regulamento Dublim III, lido em conjugação com o seu artigo 27.°, deve ser interpretado no sentido de que o prazo de transferência de seis meses começa a correr a partir da decisão pela qual esta autoridade judicial se pronuncia em definitivo sobre o mérito, pondo termo ao processo relativo à decisão de transferência, quer anulando‑a, quer permitindo a sua execução.

58.      No presente processo, trata‑se da Decisão de 2 de dezembro de 2022, pela qual a Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados) se pronunciou em definitivo sobre o mérito da segunda decisão de transferência. Dado que o segundo recurso interposto por H tinha efeito suspensivo nos termos do artigo 27.°, n.° 3, do Regulamento Dublim III, o prazo de transferência começou a correr a partir dessa data.

V.      Conclusão

59.      À luz de todas as considerações anteriores, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial submetida pela Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados, Dinamarca) do seguinte modo:

O artigo 29.°, n.° 1, do Regulamento (UE) n.° 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, lido em conjugação com o artigo 27.° deste regulamento

deve ser interpretado no sentido de que:

–        no quadro do sistema processual de um Estado‑Membro que, perante uma alteração significativa das circunstâncias ocorrida posteriormente à adoção de uma decisão de transferência, permite que a autoridade judicial chamada a conhecer do recurso de anulação interposto contra essa decisão a anule sem se pronunciar sobre o respetivo mérito e a remeta à autoridade administrativa competente para reapreciação, à qual compete adotar uma nova decisão de transferência contra a qual é interposto novo recurso suspensivo, o prazo de seis meses começa a contar a partir da decisão pela qual esta autoridade judicial se pronuncia em definitivo sobre o mérito, pondo termo ao processo relativo à decisão de transferência, quer anulando‑a, quer permitindo a sua execução;

–        cabe a esse Estado‑Membro adaptar o seu direito nacional de modo que, após remessa do processo à autoridade administrativa competente, a nova decisão de transferência e a decisão final sobre o recurso interposto contra a mesma decisão sejam adotadas o mais rapidamente possível, a fim de garantir a celeridade no tratamento do pedido de proteção internacional.


1      Língua original: francês.


i      O nome do presente processo é fictício. Não corresponde ao nome real de nenhuma das partes no processo.


2      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31) (a seguir «Regulamento Dublim III»).


3      V., nomeadamente, Acórdão de 30 de março de 2023, Staatssecretaris van Justitie en Veilighei (Suspensão do prazo de transferência em sede de recurso) [C‑556/21; a seguir «AcórdãoStaatssecretaris van Justitie en Veilighei (Suspensão do prazo de transferência em sede de recurso)», EU:C:2023:272]. V., igualmente, Acórdão de 12 de 2023, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Prazo de transferência — Pluralidade de pedidos) (C‑323/21 a C‑325/21, EU:C:2023:4), e de 30 de março de 2023, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Prazo de transferência — Tráfico de seres humanos) (C‑338/21, EU:C:2023:269).


4      A seguir «Carta».


5      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9).


6      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60).


7      Acordo entre a [União] Europeia e o Reino da Dinamarca relativo aos critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado na Dinamarca ou em qualquer outro Estado‑Membro da União Europeia e ao sistema «Eurodac» de comparação de impressões digitais para efeitos da aplicação efetiva da Convenção de Dublim (JO 2006, L 66, p. 38).


8      Lei conforme consolidada pela Lovbekendtgørelse n.° 1079 (Decreto de codificação n.° 1079), de 10 de agosto de 2023.


9      V. Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 15 de dezembro de 2023, Tang (C‑560/23, EU:C:2023:1035).


10      No entanto, na audiência, parece que o representante de H se demarcou deste argumento, explicando que o prazo de transferência deveria começar a correr na data em que a Flygtningenævnet (Comissão para os Refugiados) decidiu anular a primeira decisão de transferência e remeter o processo ao Serviço de Estrangeiros para reapreciação, ou seja, 15 de março de 2022.


11      V. Acórdão Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Suspensão do prazo de transferência em sede de recurso) (n.° 24).


12      V. Acórdão Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Suspensão do prazo de transferência em sede de recurso) (n.° 35).


13      V. Acórdão Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Suspensão do prazo de transferência em sede de recurso) (n.os 27 e 34).


14      O sistema dinamarquês não pode ser equiparado a um duplo grau de jurisdição, no âmbito de um processo de recurso, o qual prevê um recurso, para um órgão jurisdicional superior, de uma decisão sobre a legalidade de um ato administrativo proferida em primeira instância, uma vez que este processo faz parte de um processo único destinado a anular ou a confirmar uma mesma decisão de transferência.


15      V. n.° 13 das presentes conclusões.


16      Regulamento do Conselho, de 18 de fevereiro de 2003, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise e um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro (JO 2003, L 50, p. 1).


17      V. Acórdão de 29 de janeiro de 2009, Petrosian (C‑19/08, EU:C:2009:41, n.° 46).


18      V. Acórdãos de 30 de março de 2023, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Prazo de transferência — Tráfico de seres humanos) (C‑338/21, EU:C:2023:269, n.° 52 e jurisprudência referida), e Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Suspensão do prazo de transferência em sede de recurso) (n.° 19 e jurisprudência referida).


19      V. Acórdão de 15 de abril de 2021, État belge (Elementos posteriores à decisão de transferência) [C‑194/19, a seguir «Acórdão État belge (Elementos posteriores à decisão de transferência)», EU:C:2021:270, n.° 32].


20      V. Acórdão État belge (Elementos posteriores à decisão de transferência) (n.° 33 e jurisprudência referida).


21      V. Acórdão État belge (Elementos posteriores à decisão de transferência) (n.° 49).


22      V. Acórdão État belge (Elementos posteriores à decisão de transferência) (n.os 37 e 38).


23      V. Acórdão État belge (Elementos posteriores à decisão de transferência) (n.os 46 a 48).


24      V. Acórdãos État belge (Elementos posteriores à decisão de transferência) (n.° 42 e jurisprudência referida), e de 30 de novembro de 2023, Ministero dell’Interno e o. (Panfleto comum — Repulsão indireta) (C‑228/21, C‑254/21, C‑297/21, C‑315/21 e C‑328/21, EU:C:2023:934, n.° 113 e jurisprudência referida).


25      V. Acórdão État belge (Elementos posteriores à decisão de transferência) (n.° 44 e jurisprudência referida), e Despacho de 4 de outubro de 2024, Komise pro rozhodování ve věcech pobytu cizinců (C‑761/23, EU:C:2024:879, n.° 30 e jurisprudência referida).


26      V., a este respeito, Acórdãos de 13 de novembro de 2018, X e X (C‑47/17 e C‑48/17, EU:C:2018:900, n.° 69 e jurisprudência referida), e Acórdão État belge (Elementos posteriores à decisão de transferência) (n.os 35 e 36 e jurisprudência referida).


27      V., por analogia, Acórdão de 25 de julho de 2018, Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:584, n.° 148).


28      C‑47/17 e C‑48/17, EU:C:2018:900.


29      V. Acórdão de 13 de novembro de 2018, X e X (C‑47/17 e C‑48/17, EU:C:2018:900, n.° 70).


30      O conceito de «retenção» foi definido no Acórdão de 31 de março de 2022, Bundesamt für Fremdenwesen und Asyl e o. (Internamento de um requerente de asilo num hospital psiquiátrico) (C‑231/21, EU:C:2022:237, n.os 55 e 58), e o de «fuga», no Acórdão de 19 de março de 2019, Jawo (C‑163/17, EU:C:2019:218, n.os 56 e 57). Por uma questão de exaustividade, recordo que o próprio Tribunal de Justiça confirmou que outras circunstâncias que tornaram materialmente impossível a execução da decisão de transferência, como a pandemia de COVID‑19, não permitiram interromper o prazo de transferência previsto no artigo 29.°, n.° 1, do Regulamento Dublim III [Acórdão de 22 de setembro de 2022, Bundesrepublik Deutschland (Suspensão administrativa da decisão de transferência) (C‑245/21 e C‑248/21, EU:C:2022:709)].

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