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Document 62022CJ0348

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 20 de abril de 2023.
Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato contra Comune di Ginosa.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale amministrativo regionale per la Puglia.
Reenvio prejudicial — Serviços no mercado interno — Diretiva 2006/123/CE — Apreciação de validade — Base jurídica — Artigos 47.o, 55.o e 94.o CE — Interpretação — Artigo 12.o, n.os 1 e 2, desta diretiva — Efeito direto — Caráter incondicional e suficientemente preciso da obrigação que incumbe aos Estados‑Membros de aplicarem um procedimento de seleção imparcial e transparente entre os candidatos potenciais, bem como da proibição de renovarem automaticamente uma autorização concedida para uma atividade determinada — Regulamentação nacional que prevê a prorrogação automática de concessões de ocupação do domínio público marítimo.
Processo C-348/22.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:301

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

20 de abril de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Serviços no mercado interno — Diretiva 2006/123/CE — Apreciação de validade — Base jurídica — Artigos 47.o, 55.o e 94.o CE — Interpretação — Artigo 12.o, n.os 1 e 2, desta diretiva — Efeito direto — Caráter incondicional e suficientemente preciso da obrigação que incumbe aos Estados‑Membros de aplicarem um procedimento de seleção imparcial e transparente entre os candidatos potenciais, bem como da proibição de renovarem automaticamente uma autorização concedida para uma atividade determinada — Regulamentação nacional que prevê a prorrogação automática de concessões de ocupação do domínio público marítimo»

No processo C‑348/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunale amministrativo regionale per la Puglia (Tribunal Administrativo Regional da Apúlia, Itália), por Decisão de 11 de maio de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de maio de 2022, no processo

Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato

contra

Comune di Ginosa,

sendo intervenientes:

L’Angolino Soc. coop.,

Lido Orsa Minore di AB,

La Capannina Srl,

Sud Platinum Srl,

Lido Zanzibar Srl,

Poseidone Srl,

Lg Srls,

Lido Franco di GH & C. Snc,

Lido Centrale Piccola Soc. Coop. arl,

Bagno Cesena Srls,

E.T. Edilizia e Turismo Srl,

Bluserena SpA,

Associazione Pro Loco «Luigi Strada»,

M2g Raw Materials SpA,

JF,

D.M.D. Snc di CD & C. Snc,

Ro.Mat., di MN & Co Snc,

Perla dello Jonio Srl,

Ditta Individuale EF,

Associazione Dopolavoro Ferroviario Sez. Marina di Ginosa,

Al Capricio Bis di RS,

LB,

Sib Sindacato Italiano Balneari,

Federazione Imprese Demaniali,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe, presidente de secção, M. Safjan, N. Piçarra, N. Jääskinen e M. Gavalec (relator), juízes,

advogado‑geral: T. Ćapeta,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato e do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Palmieri, avvocato dello Stato,

em representação da Comune di Ginosa, por G. Misserini, avvocato,

em representação da Sud Platinum Srl, Lido Zanzibar Srl, Poseidone Srl, Lg Srls e E.T. Edilizia e Turismo Srl, por I. Loiodice, N. Maellaro e F. Mazzella, avvocati,

em representação do Sib Sindacato Italiano Balneari, por A. Capacchione, S. Frandi e B. Ravenna, avvocati,

em representação do Governo neerlandês, por K. Bulterman e A. Hanje, na qualidade de agentes,

em representação do Governo finlandês, por A. Laine e H. Leppo, na qualidade de agentes,

em representação do Parlamento Europeu, por M. Menegatti e L. Stefani, na qualidade de agentes,

em representação do Conselho da União Europeia, por A.‑L. Meyer e S. Scarpa Ferraglio, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por L. Armati, V. Di Bucci, L. Malferrari e M. Mataija, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a validade da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36), bem como a interpretação do artigo 12.o desta diretiva e dos artigos 49.o a 115.o TFUE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato (Autoridade Garante da Concorrência e do Mercado, Itália) (a seguir «AGCM») à comune di Ginosa (município de Ginosa, Itália), a respeito da decisão desta última de prorrogar, no seu território, as concessões de ocupação do domínio público marítimo até 31 de dezembro de 2033.

Quadro jurídico

Direito da União

Direito primário

3

O artigo 47.o CE figurava no capítulo 2 do título III do Tratado CE, epigrafado «O direito de estabelecimento», e enunciava, no seu n.o 2:

«[A fim de facilitar o acesso às atividades não assalariadas e ao seu exercício], o Conselho [da União Europeia], adota, deliberando nos termos do artigo 251.o, diretivas que visem coordenar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros respeitantes ao acesso às atividades não assalariadas e ao seu exercício. O Conselho delibera por unanimidade em todo o processo previsto no artigo 251.o sobre as diretivas cuja execução implique, num Estado‑Membro pelo menos, uma alteração dos princípios legislativos existentes do regime das profissões, no que respeita à formação e às condições de acesso de pessoas singulares. Nos outros casos, o Conselho delibera por maioria qualificada.»

4

O artigo 55.o CE figurava no capítulo 3 do título III do Tratado CE, epigrafado «Os serviços», e tinha a seguinte redação:

«As disposições dos artigos 45.o a 48.o, inclusive, são aplicáveis à matéria regulada no presente capítulo.»

5

O artigo 94.o CE, ao qual corresponde, em substância, o artigo 115.o TFUE, dispunha:

«O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão [Europeia], e após consulta ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social, adota diretivas para a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros que tenham incidência direta no estabelecimento ou no funcionamento do mercado comum.»

Diretiva 2006/123

6

Os considerandos 1, 5, 12, 64 e 116 da Diretiva 2006/123 enunciam:

«(1)

[…] A eliminação dos entraves ao desenvolvimento das atividades de serviços entre Estados‑Membros é essencial para reforçar a integração entre os povos europeus e para promover o progresso económico e social equilibrado e duradouro. […]

[…]

(5)

Assim, é necessário eliminar os entraves à liberdade de estabelecimento dos prestadores nos Estados‑Membros e à livre circulação de serviços entre Estados‑Membros e garantir aos destinatários e aos prestadores a segurança jurídica necessária para o exercício efetivo destas duas liberdades fundamentais do Tratado [CE]. […]

[…]

(12)

A presente diretiva visa instaurar um quadro normativo que garanta a liberdade de estabelecimento e a livre circulação de serviços entre Estados‑Membros […]

[…]

(64)

Para criar um verdadeiro mercado interno dos serviços, é necessário suprimir as restrições à liberdade de estabelecimento e à livre circulação de serviços que ainda se encontram previstas pelas legislações de alguns Estados‑Membros e que são incompatíveis com os artigos 43.o e 49.o [CE]. […]

[…]

(116)

Atendendo a que os objetivos da presente diretiva, a saber, a eliminação de entraves à liberdade de estabelecimento de prestadores nos Estados‑Membros e à livre prestação de serviços entre os Estados‑Membros, não podem ser suficientemente realizados pelos Estados‑Membros e podem, pois, devido à dimensão da ação, ser melhor alcançados ao nível comunitário, a Comunidade pode tomar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.o [CE]. […]»

7

Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva:

«A presente diretiva estabelece disposições gerais que facilitam o exercício da liberdade de estabelecimento dos prestadores de serviços e a livre circulação dos serviços, mantendo simultaneamente um elevado nível de qualidade dos serviços.»

8

O artigo 12.o da referida diretiva, epigrafado «Seleção entre vários candidatos», tem a seguinte redação:

«1.   Quando o número de autorizações disponíveis para uma determinada atividade for limitado devido à escassez dos recursos naturais ou das capacidades técnicas utilizáveis, os Estados‑Membros devem aplicar um procedimento de seleção entre os potenciais candidatos que dê todas as garantias de imparcialidade e de transparência, nomeadamente, a publicidade adequada do início do procedimento, da sua condução e do seu encerramento.

2.   Nos casos referidos no n.o 1, a autorização é concedida por um período limitado adequado e não pode ser objeto de renovação automática, nem prever qualquer outra vantagem em benefício do prestador cuja autorização tenha caducado ou das pessoas que com ele tenham vínculos especiais.

3.   Sem prejuízo do n.o 1 e dos artigos 9.o e 10.o, os Estados‑Membros podem ter em conta, na definição das regras dos procedimentos de seleção, considerações de saúde pública, objetivos de política social, a saúde e segurança dos trabalhadores assalariados e não assalariados, a proteção do ambiente, a preservação do património cultural e outras razões imperiosas de interesse geral, em conformidade com o direito comunitário.»

9

O artigo 44.o da Diretiva 2006/123, epigrafado «Transposição», prevê, no seu n.o 1, primeiro parágrafo:

«Os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento ao disposto na presente diretiva antes de 28 de dezembro de 2009.»

Direito italiano

Código da Navegação

10

O artigo 37.o do Codice della Navigazione (Código da Navegação), aprovado pelo regio decreto n.o 327 (Decreto Real n.o 327), de 30 de março de 1942 (GURI n.o 93, de 18 de abril de 1942), previa um procedimento de avaliação comparativa dos candidatos apenas na eventualidade de vários pedidos de outorga de uma concessão terem sido apresentados relativamente ao mesmo bem do domínio público. No entanto, decorria deste artigo 37.o, segundo parágrafo, segundo período, que a preferência devia ser dada ao titular da concessão que, assim, beneficiava de um direito «de continuação» ou «de renovação».

Decreto‑Lei n.o 194/2009

11

O artigo 1.o, n.o 18, do decreto‑legge n.o 194 — Proroga di termini previsti da disposizioni legislative (Decreto‑Lei n.o 194, relativo à Prorrogação de Prazos Previstos por Disposições Legislativas), de 30 de dezembro de 2009 (GURI n.o 302, de 30 de dezembro de 2009), convertido em lei, com alterações, pela legge n.o 25 (Lei n.o 25), de 26 de fevereiro de 2010 (suplemento ordinário n.o 39 da GURI n.o 48, de 27 de fevereiro de 2010) (a seguir «Decreto‑Lei n.o 194/2009»), previa uma prorrogação da duração das concessões dos bens do domínio público marítimo para fins turístico‑recreativos existentes à data de entrada em vigor deste decreto‑lei até 31 de dezembro de 2015. Esta prorrogação foi posteriormente prolongada até 31 de dezembro de 2020 pelo artigo 34.o‑K do decreto‑legge n.o 179 — Ulteriori misure urgenti per la crescita del Paese (Decreto‑Lei n.o 179, relativo a Outras Medidas Urgentes para o Crescimento do País), de 18 de outubro de 2012 (suplemento ordinário n.o 194 da GURI n.o 245, de 19 de outubro de 2012), convertido em lei, com alterações, pela legge n.o 221 (Lei n.o 221), de 17 de dezembro de 2012 (suplemento ordinário n.o 208 da GURI n.o 294, de 18 de dezembro de 2012). Na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, o artigo 1.o, n.o 18, do Decreto‑Lei n.o 194/2009 prevê, nomeadamente:

«[…] no decurso do procedimento de revisão do quadro jurídico em matéria de outorga de concessões de bens do domínio público marítimos, lacustres e fluviais para fins turístico‑recreativos, […] bem como tendo em conta o abandono do regime do direito de preferência previsto no artigo 37.o, segundo parágrafo, segundo período, do Código da Navegação, a duração das concessões existentes à data de entrada em vigor do presente decreto […] e que caduquem, o mais tardar, em 31 de dezembro de 2018, é prorrogada até 31 de dezembro de 2020 […]».

Decreto Legislativo n.o 59, de 26 de março de 2010

12

O decreto legislativo n.o 59 — Attuazione della direttiva 2006/123/CE relativa ai servizi nel mercato interno (Decreto Legislativo n.o 59, que dá Execução à Diretiva 2006/123/CE, relativa aos serviços no mercado interno), de 26 de março de 2010 (suplemento ordinário n.o 75 da GURI n.o 94, de 23 de abril de 2010), que transpõe a Diretiva 2006/123 para a ordem jurídica italiana, dispõe, no seu artigo 16.o:

«1.   Quando o número de autorizações disponíveis para uma determinada atividade de serviços for limitado devido à escassez dos recursos naturais ou das capacidades técnicas disponíveis, as autoridades competentes devem aplicar um procedimento de seleção entre os potenciais candidatos e certificar‑se de que os critérios e as modalidades destinados a garantir a imparcialidade do procedimento, que as autoridades devem respeitar, serão estabelecidos previamente e objeto de publicação segundo os requisitos de forma impostos pela legislação que lhes é aplicável.

[…]

4.   Nos casos referidos no n.o 1, a autorização é concedida por um período limitado, não pode ser objeto de um procedimento de renovação automática e não pode ser conferida nenhuma vantagem ao prestador cessante nem a qualquer outra pessoa, mesmo que justificada pela existência de vínculos especiais com o referido prestador.

[…]»

Lei n.o 145/2018

13

O artigo 1.o, n.os 675 a 680, da legge n.o 145 — Bilancio di previsione dello Stato per l’anno finanziario 2019 e bilancio pluriennale per il triennio 2019‑2021 (Lei n.o 145, relativa ao Orçamento Provisório do Estado para o Ano Financeiro de 2019 e Orçamento Plurianual para o Triénio 2019‑2021), de 30 de dezembro de 2018 (suplemento ordinário n.o 62 da GURI n.o 302, de 31 de dezembro de 2018, a seguir «Lei n.o 145/2018»), impôs às administrações competentes o dever de realizarem, no prazo de dois anos, uma série de tarefas preliminares, necessárias para a elaboração da reforma das concessões de ocupação do domínio público marítimo, tais como a cartografia do litoral, o levantamento das concessões em curso e dos diferentes tipos de estruturas existentes no domínio público, bem como a identificação dos investimentos realizados, dos prazos de amortização, das taxas e da duração das concessões.

14

Este artigo 1.o, n.os 682 e 683, prevê:

«682.   As concessões […] que estão em curso à data da entrada em vigor da presente lei têm uma duração de quinze anos a contar da data da entrada em vigor da presente lei […]

683.   A fim de garantir a proteção e a conservação das costas italianas atribuídas em regime de concessão, enquanto recursos turísticos fundamentais do país, e proteger o emprego e o rendimento das empresas que atravessam uma crise devido aos prejuízos causados pelas alterações climáticas e pelas catástrofes extraordinárias daí resultantes, as concessões referidas no n.o 682, que estavam em curso à data da entrada em vigor do [Decreto‑Lei n.o 194/2009], bem como as concessões atribuídas após essa data […] têm uma duração de quinze anos a contar da data de entrada em vigor da presente lei […].»

Decreto‑Lei n.o 34, de 19 de maio de 2020

15

O artigo 182.o, n.o 2, do decreto‑legge n.o 34 — Misure urgenti in materia di salute, sostegno al lavoro e all’economia, nonche’ di politiche sociali connesse all’emergenza epidemiologica da COVID‑19 (Decreto‑Lei n.o 34, relativo a Medidas Urgentes em matéria de Saúde, de Apoio ao Trabalho e à Economia, assim como de Políticas Sociais na Sequência da Situação Epidemiológica ligada à COVID‑19), de 19 de maio de 2020 (suplemento ordinário n.o 21 da GURI n.o 128, de 19 de maio de 2020), convertido em lei, com alterações, pela legge n.o 77 (Lei n.o 77), de 17 de julho de 2020 (suplemento ordinário n.o 25 da GURI n.o 180, de 18 de julho de 2020), dispõe:

«Sem prejuízo do disposto no artigo 1.o, n.os 682 e seguintes, da [Lei n.o 145/2018] no que respeita aos concessionários, para efeitos de relançamento do setor turístico e a fim de limitar os danos, diretos e indiretos, causados pela emergência epidemiológica da COVID‑19, as administrações competentes não podem intentar nem continuar, contra os concessionários que pretendam prosseguir a sua atividade utilizando bens do domínio marítimo, lacustre e fluvial, os procedimentos administrativos para a devolução das construções não removíveis, referidos no artigo 49.o do Código da Navegação, para a concessão ou atribuição, através de concursos públicos, das zonas objeto de concessões à data de entrada em vigor da lei de conversão do presente decreto. […]»

Lei n.o 118/2022

16

A legge n.o 118 — Legge annuale per il mercato e la concorrenza (Lei n.o 118, Lei Anual Relativa ao Mercado e à Concorrência), de 5 de agosto de 2022 (GURI n.o 188, de 12 de agosto de 2022) (a seguir «Lei n.o 118/2022»), dispõe, no seu artigo 3.o:

«1.   Continuam a produzir os seus efeitos até 31 de dezembro de 2023 ou até ao prazo fixado no n.o 3, se este for posterior, caso existam à data de entrada em vigor da presente lei com base em prorrogações ou em renovações previstas igualmente na [Lei n.o 145/2018] e no decreto‑legge n.o 104 [(Decreto‑Lei n.o 104)], de 14 de agosto de 2020 [(suplemento ordinário n.o 30 da GURI n.o 203, de 14 de agosto de 2020)], convertido em lei, com alterações, pela legge n.o 126 [(Lei n.o 126)], de 13 de outubro de 2020 [(suplemento ordinário n.o 37 da GURI n.o 253, de 13 de outubro de 2020)]:

a)

as concessões de bens do domínio público marítimos, lacustres e fluviais para o exercício de atividades turístico‑recreativas e desportivas […]

[…]

3.   Se existirem razões objetivas que impeçam o encerramento do procedimento de seleção antes de 31 de dezembro de 2023, relacionadas, por exemplo, com a existência de um litígio pendente ou com dificuldades objetivas ligadas à tramitação do próprio procedimento, a autoridade competente pode, mediante ato fundamentado, diferir o prazo de expiração das concessões existentes durante o período estritamente necessário para o encerramento do procedimento e, em todo o caso, não para além de 31 de dezembro de 2024. Até esta data, a ocupação da zona de domínio público pelo concessionário cessante é, de qualquer modo, legítima, igualmente à luz do artigo 1161.o do Código da Navegação.

[…]

5.   A partir da data de entrada em vigor da presente lei, são revogados:

a)

os n.os 675, 676, 677, 678, 679, 680, 681, 682 e 683 do artigo 1.o da [Lei n.o 145/2018];

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17

O município de Ginosa, por Decisão de 24 de dezembro de 2020, retificada por Decisão posterior de 17 de fevereiro de 2021 (a seguir, em conjunto, «decisão controvertida»), adotou, nomeadamente, uma comunicação preliminar de caráter declarativo destinada a informar todos os titulares de concessões de ocupação do domínio público marítimo da competência deste município de que essas concessões seriam prorrogadas, em conformidade com nuas disposições do artigo 1.o, n.os 682 e 683, da Lei n.o 145/2018 e do artigo 182.o do Decreto‑Lei n.o 34/2020, de 19 de maio de 2020, convertido em lei, com alterações, pela Lei n.o 77, de 17 de julho de 2020 (a seguir, em conjunto, «disposições nacionais que prorrogam automaticamente as concessões»).

18

Por considerar que a decisão controvertida era contrária aos artigos 49.o e 56.o TFUE, bem como ao artigo 12.o da Diretiva 2006/123, a AGCM notificou ao referido município um parecer fundamentado, através do qual lhe recordou a exigência de um procedimento prévio de concurso público destinado a garantir o respeito dos princípios da concorrência e da liberdade de estabelecimento. Esta autoridade salientou, particularmente, que as disposições nacionais que prorroguem automaticamente as concessões eram contrárias à referida diretiva, pelo que todos os órgãos do Estado deviam afastar a sua aplicação.

19

Dado que o município de Ginosa se recusou a dar cumprimento a esse parecer, a AGCM interpôs no Tribunale amministrativo regionale per la Puglia (Tribunal Administrativo Regional da Apúlia, Itália), o órgão jurisdicional de reenvio, um recurso de anulação da decisão controvertida e de todas as declarações ou certificados de prorrogação emitidos subsequentemente.

20

O município de Ginosa e as outras partes no processo principal alegam que uma vez que a Diretiva 2006/123 não é «autoexecutória» há que aplicar a Lei n.o 145/2018 a fim de preservar o princípio da segurança jurídica. Alegam também que as condições essenciais de aplicação desta diretiva, relativas à escassez do recurso natural em causa e, por conseguinte, ao número limitado de autorizações disponíveis, não estão preenchidas no território costeiro deste município, visto que muitas outras zonas estão disponíveis para lá das já concedidas. A existência de um interesse transfronteiriço certo também não foi provada.

21

Por outro lado, a recusa generalizada de prorrogar as concessões de ocupação do domínio público marítimo que implica a simples não aplicação desta lei viola manifestamente o direito de propriedade do fundo de comércio e o princípio da proteção da confiança legítima, na falta de qualquer disposição em matéria de indemnização dos investimentos realizados e do fundo de comércio. Esta recusa também não permite avaliar caso a caso os períodos de amortização dos investimentos realizados ou ainda as situações específicas em que obras de alvenaria devidamente autorizadas foram construídas na propriedade do domínio público.

22

O órgão jurisdicional de reenvio refere, no que respeita a estes diversos aspetos, que, inicialmente, só na hipótese de vários pedidos de outorga de uma concessão terem por objeto o mesmo bem do domínio público é que o artigo 37.o do Código da Navegação impunha a organização de um procedimento de avaliação comparativa dos candidatos à outorga dessa concessão. No entanto, em tal hipótese, por força do segundo parágrafo, segundo período, deste artigo, o titular da referida concessão beneficiava de um direito de continuação ou de renovação. No ano de 1993, a renovação automática das concessões existentes em cada seis anos foi instituída e, no ano de 2006, a duração máxima de uma concessão do domínio público foi fixada em vinte anos.

23

Após a abertura, pela Comissão, do processo de infração n.o 2008/4908, a República italiana adotou o Decreto‑Lei n.o 194/2009, cujo artigo 1.o, n.o 18, revogava o artigo 37.o, segundo parágrafo, segundo período, do Código da Navegação e prorrogava as concessões existentes até 31 de dezembro de 2012. Este prazo foi posteriormente adiado para 31 de dezembro de 2015 por uma Lei de 26 de fevereiro de 2010.

24

Tendo em conta estas alterações e o compromisso assumido pelas autoridades italianas de respeitarem o direito da União, a Comissão decidiu, em 27 de fevereiro de 2012, arquivar esse processo de infração.

25

Apesar disso, no final do ano de 2012, as concessões de ocupação do domínio público marítimo foram prorrogadas por cinco anos, ou seja, até 31 de dezembro de 2020. Além disso, devido à aproximação do fim desse prazo e à não transposição da Diretiva 2006/123 para o direito italiano, o artigo 1.o, n.os 682 e 683, da Lei n.o 145/2018 prorrogou, uma vez mais, as concessões em vigor até 31 de dezembro de 2033.

26

Para o órgão jurisdicional de reenvio, esta última prorrogação das concessões de ocupação do domínio público marítimo constitui uma violação manifesta da Diretiva 2006/123 e, de qualquer modo, do artigo 49.o TFUE. Neste contexto, alguns municípios aplicaram a Lei n.o 145/2018 e concederam a prorrogação até 31 de dezembro de 2033, ao passo que outros recusaram fazê‑lo, sem, no entanto, aplicarem o direito da União. Outros ainda, após terem concedido essa prorrogação, ordenaram a anulação da mesma no âmbito do exercício do seu poder de autotutela. Por último, alguns municípios preferem não dar resposta aos pedidos de prorrogação de concessões que lhes são apresentados. Tal situação é fonte de insegurança jurídica e tem repercussões negativas na economia de todo o setor em causa.

27

O órgão jurisdicional de reenvio deduz do Acórdão de 14 de julho de 2016, Promoimpresa e o. (C‑458/14 e C‑67/15, EU:C:2016:558), que, não existindo nenhum procedimento de seleção entre os potenciais candidatos, as disposições nacionais que prorrogam automaticamente as concessões são incompatíveis tanto com o artigo 12.o, n.os 1 e 2, desta diretiva como com o artigo 49.o TFUE, sob reserva, neste último caso, de essas concessões apresentarem um interesse transfronteiriço certo. No entanto, o artigo 12.o da referida diretiva não pode produzir um efeito de exclusão de regras nacionais contrárias, uma vez que este artigo 12.o, n.o 3, confere expressamente aos Estados‑Membros a tarefa de definirem as regras dos procedimentos de seleção.

28

Quanto a este ponto, o órgão jurisdicional de reenvio discorda do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), que, com os seus dois Acórdãos n.os 17 e 18, de 9 de novembro de 2021, proferidos em sessão plenária, considerou que o Tribunal de Justiça tinha expressamente reconhecido, no Acórdão de 14 de julho de 2016, Promoimpresa e o. (C‑458/14 e C‑67/15, EU:C:2016:558), o caráter autoexecutório do referido artigo 12.o Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio entende que a limitação no tempo dos efeitos destes dois acórdãos, decidida pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), não é coerente com o reconhecimento de um efeito direto à Diretiva 2006/123. Embora esta solução vise provavelmente permitir ao legislador italiano adotar uma legislação nacional de execução concreta desta diretiva, tem como consequência uma nova prorrogação automática e generalizada da data de caducidade das concessões públicas existentes de 31 de dezembro de 2020 até 31 de dezembro de 2023.

29

Por último, o órgão jurisdicional de reenvio também não partilha da opção do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) de qualificar a Diretiva 2006/123 de diretiva de liberalização e não de harmonização e considera, portanto, que, em conformidade com o artigo 115.o TFUE, esta diretiva deveria ter sido adotada por unanimidade e não por maioria dos votos do Conselho.

30

Nestas condições, o Tribunale amministrativo regionale per la Puglia (Tribunal Administrativo Regional da Apúlia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A Diretiva 2006/123 é válida e vinculativa para os Estados‑Membros ou, pelo contrário, é inválida porque — por se tratar de uma diretiva de harmonização — foi adotada apenas por maioria e não por unanimidade, em violação do artigo 115.o [TFUE]?

2)

A Diretiva 2006/123 […] cumpre ou não, objetiva e abstratamente, os requisitos mínimos de precisão suficiente da legislação, com a consequente inexistência de margem de discricionariedade do legislador nacional, para poder ser considerada direta e imediatamente aplicável?

3)

Caso a Diretiva 2006/123 seja considerada “non self‑executing”, é compatível com os princípios da segurança jurídica o efeito de mera exclusão ou de não aplicação da lei nacional também no caso de não ser possível ao órgão jurisdicional nacional recorrer à interpretação conforme ou, pelo contrário, não pode ou não deve ser aplicada a lei nacional, nesse caso, sem prejuízo das sanções específicas previstas pelo direito [da União Europeia] para o incumprimento pelo Estado‑Membro das obrigações decorrentes da decisão da adesão ao Tratado [FUE] (artigo 49.o), ou resultantes da não transposição [dessa] diretiva (processo de infração)?

4)

O efeito direto do artigo 12.o, n.os 1, 2, 3 da Diretiva 2006/123 é equivalente ao reconhecimento da natureza “selfexecuting” ou da aplicabilidade imediata da referida diretiva ou, no âmbito de uma diretiva de harmonização como no caso em apreço (“deve considerar‑se que os artigos 9.o a 13.o da diretiva procedem a uma harmonização exaustiva […]” por força do Acórdão [de 14 de julho de 2016, Promoimpresa e o. (C‑458/14 e C‑67/15, EU:C:2016:558)]), o referido artigo deve ser entendido no sentido de que impõe ao Estado‑Membro a obrigação de adotar medidas de harmonização não genéricas, mas vinculativas quanto ao seu conteúdo?

5)

A qualificação de uma diretiva de diretamente aplicável ou não e, no primeiro caso, a não aplicação da lei nacional que lhe é contrária, pode ou deve considerar‑se da competência exclusiva do órgão jurisdicional nacional (ao qual são atribuídos instrumentos interpretativos específicos, de apoio à interpretação das normas como o recurso ao pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça ou a questão da constitucionalidade) ou também da competência dos funcionários ou dirigentes de um município?

6)

Caso, pelo contrário, a Diretiva 2006/123 seja considerada “self‑executing”, atendendo a que o artigo 49.o [TFUE] se opõe à prorrogação automática das concessões ou autorizações de domínio público marítimo para uso turístico recreativo apenas “na medida em que essas concessões tenham um interesse transfronteiriço certo”, a existência desse requisito constitui ou não um pressuposto necessário para que o artigo 12.o, n.os 1 e 2 [desta] [d]iretiva seja aplicável […]?

7)

É compatível com os objetivos prosseguidos pela Diretiva 2006/123 e pelo próprio artigo 49.o [TFUE] uma decisão do órgão jurisdicional nacional quanto à verificação, geral e abstrata, do requisito do interesse transfronteiriço certo respeitante a todo o território nacional ou, pelo contrário, dado que em Itália os municípios são competentes nesta matéria, devem ser estes a efetuar essa apreciação relativamente ao território costeiro do seu município?

8)

É compatível com os objetivos visados pela Diretiva 2006/123 e pelo próprio artigo 49.o [TFUE] uma decisão geral e abstrata do órgão jurisdicional de reenvio quanto à existência do requisito dos recursos limitados e das concessões disponíveis referente a todo o território nacional ou, pelo contrário, dado que em Itália os municípios são competentes nesta matéria, devem ser estes a efetuar essa apreciação relativamente ao território costeiro do seu município?

9)

Caso a Diretiva 2006/123 seja considerada “self executing” em abstrato, pode‑se considerar que existe essa aplicabilidade imediata também em concreto num quadro jurídico — como o italiano — no qual vigora o artigo 49.o do [Código Marítimo] (que prevê que aquando da cessação da concessão “todas as construções não removíveis ficam na esfera do Estado sem dar lugar a compensação ou reembolso”) e essa consequência da natureza “self‑executing” ou aplicabilidade imediata da diretiva em questão (em especial com referência às estruturas em alvenaria devidamente autorizadas ou em concessões de domínio público funcionalmente ligadas à atividade de alojamento turístico, como um hotel ou um complexo turístico) é compatível com a proteção dos direitos fundamentais, como o direito de propriedade, a que o direito da União Europeia e a Carta dos Direitos Fundamentais [da União Europeia] reconhecem uma proteção privilegiada?»

Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

31

A AGCM e o Governo italiano manifestaram as suas dúvidas quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial. Em seu entender, as questões submetidas ao Tribunal de Justiça tornaram‑se hipotéticas após a revogação, pela Lei n.o 118/2022, das disposições nacionais que prorrogam automaticamente as concessões.

32

A este respeito, mesmo que estas disposições, nomeadamente as da Lei n.o 145/2018, tenham sido efetivamente revogadas pela Lei n.o 118/2022, não deixa de ser verdade que, quando o município de Ginosa adotou a decisão controvertida, as referidas disposições estavam em vigor e que esta decisão foi tomada com base nas mesmas. Por outro lado, não resulta das informações de que o Tribunal de Justiça dispõe que a revogação das disposições nacionais que prorrogam automaticamente as concessões privou a referida decisão dos seus efeitos.

33

Daqui decorre que a revogação de disposições nacionais que prorrogam automaticamente as concessões não pode inverter a presunção de pertinência das questões prejudiciais que o órgão jurisdicional de reenvio submeteu ao Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de setembro de 1999, Beck e Bergdorf, C‑355/97, EU:C:1999:391, n.o 22, assim como de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny, C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 43). Com efeito, não se afigura manifestamente que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal ou que o problema é hipotético (v., por analogia, Acórdão de 22 de setembro de 2022, Admiral Gaming Network e o., C‑475/20 a C‑482/20, EU:C:2022:714, n.o 26).

34

Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial é admissível.

Quanto às questões prejudiciais

35

Há que apreciar, num primeiro momento, a sexta e sétima questões, bem como a primeira parte da oitava questão, na parte em que dizem respeito à aplicabilidade da Diretiva 2006/123 ao litígio no processo principal, em seguida, num segundo momento, a primeira questão, que põe em causa a validade desta diretiva, e, num terceiro momento, a segunda a quinta questões, a segunda parte da oitava questão, bem como a nona questão, através das quais o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 12.o da referida diretiva tem efeito direto.

Quanto à aplicabilidade da Diretiva 2006/123

Considerações preliminares

36

Como resulta de jurisprudência constante, qualquer medida nacional adotada num domínio que foi objeto de harmonização exaustiva ou completa à escala da União deve ser apreciada não à luz das disposições do direito primário, mas à luz das disposições dessa medida de harmonização (Acórdãos de 12 de outubro de 1993, Vanacker e Lesage, C‑37/92, EU:C:1993:836, n.o 9; de 11 de dezembro de 2003, Deutscher Apothekerverband, C‑322/01, EU:C:2003:664, n.o 64, e de 14 de julho de 2016, Promoimpresa e o., C‑458/14 e C‑67/15, EU:C:2016:558, n.o 59).

37

Ora, no caso em apreço, como resulta, nomeadamente, do n.o 61 do Acórdão de 14 de julho de 2016, Promoimpresa e o. (C‑458/14 e C‑67/15, EU:C:2016:558), os artigos 9.o a 13.o da Diretiva 2006/123 procedem a uma harmonização exaustiva relativamente aos serviços abrangidos pelo seu âmbito de aplicação.

38

Nestas condições, a sexta e sétima questões, bem como a primeira parte da oitava questão serão apreciadas exclusivamente à luz do artigo 12.o desta diretiva.

Quanto à sexta questão

39

Com a sua sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 12.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2006/123 deve ser interpretado no sentido de que se aplica unicamente às concessões de ocupação do domínio público marítimo que tenham um interesse transfronteiriço certo.

40

A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve ocasião declarar, por diversas vezes, segundo uma interpretação literal, histórica, contextual e teleológica da Diretiva 2006/123, que as disposições do capítulo III desta, relativo à liberdade de estabelecimento dos prestadores, as quais incluem o artigo 12.o desta diretiva, devem ser interpretadas no sentido de que são aplicáveis, nomeadamente, a uma situação em que todos elementos pertinentes estão confinados a um único Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de janeiro de 2018, X e Visser, C‑360/15 e C‑31/16, EU:C:2018:44, n.os 99 a 110, assim como de 22 de setembro de 2020, Cali Apartments, C‑724/18 e C‑727/18, EU:C:2020:743, n.o 56).

41

Daqui decorre que o artigo 12.o, n.os 1 e 2, da referida diretiva deve ser interpretado no sentido de que não se aplica unicamente às concessões de ocupação do domínio público marítimo que tenham um interesse transfronteiriço certo.

Quanto à sétima questão

42

Tendo em conta a resposta dada à sexta questão, não há que responder à sétima questão, que se baseia na premissa de que a aplicabilidade do artigo 12.o da Diretiva 2006/123 está subordinada à demonstração de que a concessão de ocupação do domínio público marítimo em causa tem um interesse transfronteiriço certo.

Quanto à primeira parte da oitava questão

43

Com a primeira parte da sua oitava questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a escassez dos recursos naturais e das concessões disponíveis seja apreciada mediante a conjugação de uma abordagem abstrata e geral, à escala nacional, com uma abordagem casuística, assente numa análise do território costeiro do município em questão, ou se tal apreciação deve ser efetuada exclusivamente com base numa ou noutra dessas abordagens.

44

É certo que, no n.o 43 do Acórdão de 14 de julho de 2016, Promoimpresa e o. (C‑458/14 e C‑67/15, EU:C:2016:558), o Tribunal de Justiça precisou que deve ser tida em consideração a circunstância de as concessões em causa serem atribuídas não a nível nacional mas a nível municipal, para determinar se as zonas de domínio público que podem ser objeto de exploração económica são em número limitado.

45

No entanto, esta precisão constituía uma simples indicação dada ao órgão jurisdicional de reenvio e explicava‑se pelo âmbito em que se inseria o processo que deu origem a esse acórdão.

46

Com efeito, tendo em conta a sua redação, o artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123 confere aos Estados‑Membros uma certa margem de apreciação quanto à escolha dos critérios que permitem apreciar a escassez dos recursos naturais. Essa margem de apreciação pode levá‑los a preferir uma apreciação abstrata e geral, válida para todo o território nacional, mas também, ao invés, a privilegiar uma abordagem casuística com ênfase na situação existente no território costeiro de um município ou da autoridade administrativa competente, ou mesmo a conjugar estas duas abordagens.

47

Particularmente, a conjugação de uma abordagem abstrata e geral, à escala nacional, com uma abordagem casuística, assente numa análise do território costeiro do município em questão, afigura‑se equilibrada e, portanto, suscetível de assegurar simultaneamente o respeito de objetivos de exploração económica dos litorais suscetíveis de serem definidos a nível nacional e a pertinência da prossecução concreta desses objetivos no território costeiro de um município.

48

De qualquer modo, importa que os critérios adotados por um Estado‑Membro para apreciar a escassez dos recursos naturais utilizáveis se baseiem em critérios objetivos, não discriminatórios, transparentes e proporcionados.

49

Tendo em consideração o exposto, há que responder à primeira parte da oitava questão que o artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que a escassez dos recursos naturais e das concessões disponíveis seja apreciada mediante a conjugação de uma abordagem abstrata e geral, à escala nacional, com uma abordagem casuística, assente numa análise do território costeiro do município em questão.

Quanto à primeira questão relativa à validade da Diretiva 2006/123

50

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Diretiva 2006/123 é válida à luz do artigo 94.o CE, uma vez que esta diretiva de harmonização não foi adotada pelo Conselho deliberando por unanimidade.

51

Esta questão sugere que a referida diretiva é inválida pelo facto de ter sido adotada com fundamento no artigo 94.o CE, que previa uma votação por unanimidade no Conselho, e não com fundamento no artigo 47.o, n.o 2, primeiro e terceiro períodos, CE e no artigo 55.o CE, que previam uma votação por maioria qualificada.

52

A este respeito, importa referir, em primeiro lugar, que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no quadro do sistema de competências da União, a escolha da base jurídica de um ato não pode depender apenas da convicção de uma instituição quanto ao fim prosseguido, mas deve assentar em elementos objetivos suscetíveis de fiscalização jurisdicional, como o fim e o conteúdo do ato. Se a apreciação de um ato da União demonstrar que este prossegue uma dupla finalidade ou que tem duas componentes e se uma destas for identificável como principal ou preponderante, enquanto a outra é apenas acessória, o ato deve assentar numa única base jurídica, ou seja, a exigida pela finalidade ou componente principal ou preponderante. A título excecional, se se provar que o ato prossegue simultaneamente vários objetivos, que se encontram ligados de forma indissociável, sem que um seja secundário e indireto em relação ao outro, esse ato deverá assentar nas diferentes bases jurídicas correspondentes. No entanto, a cumulação de duas bases jurídicas está excluída quando os procedimentos previstos para cada uma das bases jurídicas forem incompatíveis (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de março de 1987, Comissão/Conselho, 45/86, EU:C:1987:163, n.o 11, e de 29 de abril de 2004, Comissão/Conselho, C‑338/01, EU:C:2004:253, n.os 54 a 57).

53

No caso em apreço, uma vez que o artigo 94.o CE previa uma votação por unanimidade no Conselho, ao passo que, no âmbito do artigo 47.o, n.o 2, primeiro e terceiro períodos, CE e do artigo 55.o CE, o Conselho devia deliberar por maioria qualificada, a cumulação destas bases jurídicas afigurava‑se impossível.

54

Em segundo lugar, nos termos do seu artigo 1.o, n.o 1, a Diretiva 2006/123 pretende «estabelece[r] disposições gerais que facilitam o exercício da liberdade de estabelecimento dos prestadores de serviços e a livre circulação dos serviços, mantendo simultaneamente um elevado nível de qualidade dos serviços». Este objetivo que consiste em contribuir para assegurar a efetividade das liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços é reiteradamente confirmado pela exposição de motivos desta diretiva, particularmente nos seus considerandos 1, 5, 12, 64 ou ainda 116.

55

Assim, é manifesto que, em conformidade com o artigo 47.o, n.o 2, CE, a fim de facilitar o acesso às atividades não assalariadas e ao seu exercício, a Diretiva 2006/123 «vis[a] coordenar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros respeitantes ao acesso às atividades não assalariadas e ao seu exercício». A mesma conclusão se impõe no que respeita ao artigo 55.o CE, relativo aos serviços, que remete, designadamente, para este artigo 47.o, n.o 2.

56

Além disso, no processo de adoção desta diretiva, nenhum Estado‑Membro solicitou, com base no segundo período do referido artigo 47.o, n.o 2, uma votação por unanimidade no Conselho, pelo facto de a execução da referida diretiva ter implicado uma alteração dos princípios legislativos existentes do regime das profissões no que respeita à formação e às condições de acesso de pessoas singulares.

57

Em terceiro lugar, foi acertadamente que, em conformidade com o último período do mesmo artigo 47.o, n.o 2, para o qual, de resto, remete o artigo 55.o CE, o Conselho deliberou por maioria qualificada.

58

Com efeito, essas disposições conferiam ao legislador da União uma competência específica para adotar medidas destinadas a melhorar o funcionamento do mercado interno (v., por analogia, Acórdão de 5 de outubro de 2000, Alemanha/Parlamento e Conselho, C‑376/98, EU:C:2000:544, n.o 87). Ora, em conformidade com o adágio segundo o qual as regras especiais derrogam as regras gerais, uma vez que existia, no Tratado CE, uma disposição mais específica que podia constituir a base jurídica do ato em causa, este deve ser baseado nessa disposição (v., por analogia, Acórdão de 29 de abril de 2004, Comissão/Conselho, C‑338/01, EU:C:2004:253, n.o 60). Foi, por conseguinte, acertadamente que o legislador da União privilegiou o artigo 47.o, n.o 2, primeiro e terceiro períodos, CE, bem como o artigo 55.o em relação ao artigo 94.o CE.

59

Tendo em conta as considerações precedentes, há que concluir que o exame da primeira questão não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade da Diretiva 2006/123 à luz do artigo 94.o CE.

Quanto ao efeito direto do artigo 12.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2006/123

Quanto à segunda e quarta questões

60

A título preliminar, importa referir que as disposições nacionais em causa no litígio no processo principal tiveram por efeito prorrogar automaticamente as concessões de ocupação do domínio público marítimo em vigor, pelo que nenhum procedimento de seleção foi organizado no âmbito deste litígio. Por conseguinte, apenas são pertinentes, no caso em apreço, as disposições do artigo 12.o da Diretiva 2006/123 relativas, por um lado, à obrigação que incumbe aos Estados‑Membros de aplicarem um procedimento de seleção imparcial e transparente entre os potenciais candidatos e, por outro, à proibição de renovarem automaticamente uma autorização concedida para uma determinada atividade. Do mesmo modo, a segunda e quarta questões devem ser entendidas no sentido de que têm por objeto a interpretação do artigo 12.o, n.os 1 e 2, desta diretiva, com exclusão do n.o 3 deste artigo.

61

Nestas condições, há que considerar que, com a sua segunda e quarta questões, que importa apreciar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 12.o, n.os 1 e 2, da referida diretiva deve ser interpretado no sentido de que a obrigação que incumbe aos Estados‑Membros de aplicarem um procedimento de seleção imparcial e transparente entre os potenciais candidatos, bem como a proibição de renovarem automaticamente uma autorização concedida para uma determinada atividade estão enunciadas de modo incondicional e suficientemente preciso para se poder considerar que têm efeito direto.

62

Resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, sempre que as disposições de uma diretiva se afigurem, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas, os particulares têm o direito de as invocar nos órgãos jurisdicionais nacionais contra um Estado‑Membro, quer quando este não tenha transposto a diretiva para o direito nacional dentro do prazo quer quando tenha feito uma transposição incorreta [v., neste sentido, Acórdãos de 19 de janeiro de 1982, Becker, 8/81, EU:C:1982:7, n.o 25; de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o., C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.o 103; de 17 de setembro de 1996, Cooperativa Agricola Zootecnica S. Antonio e o., C‑246/94 a C‑249/94, EU:C:1996:329, n.os 18 e 19, e de 8 de março de 2022, Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld (Efeito direto), C‑205/20, EU:C:2022:168, n.o 17].

63

O Tribunal de Justiça precisou que uma disposição do direito da União é, por um lado, incondicional quando prevê uma obrigação que não está sujeita a nenhuma condição nem está subordinada, na sua execução ou nos seus efeitos, à adoção de um ato das instituições da União ou dos Estados‑Membros, além do ato que a transpõe para o direito nacional, e, por outro, é suficientemente precisa para ser invocada por um litigante e aplicada pelo juiz quando enuncia uma obrigação em termos inequívocos [v., neste sentido, Acórdãos de 3 de abril de 1968, Molkerei‑Zentrale Westfalen/Lippe, 28/67, EU:C:1968:17, p. 226; de 26 de fevereiro de 1986, Marshall, 152/84, EU:C:1986:84, n.o 52, e de 8 de março de 2022, Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld (Efeito direto), C‑205/20, EU:C:2022:168, n.o 18].

64

Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que, ainda que uma diretiva deixe aos Estados‑Membros uma certa margem de apreciação quando estes adotam as modalidades da sua execução, pode considerar‑se que uma disposição dessa diretiva tem caráter incondicional e preciso quando impõe aos Estados‑Membros, em termos inequívocos, uma obrigação de resultado precisa e que não está sujeita a nenhuma condição relativa à aplicação da regra nela enunciada [v., neste sentido, Acórdão de 8 de março de 2022, Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld (Efeito direto), C‑205/20, EU:C:2022:168, n.o 19].

65

Com efeito, mesmo que uma diretiva confira aos Estados‑Membros uma certa margem de apreciação quando estes adotam as modalidades da sua aplicação, esta circunstância não afeta o caráter preciso e incondicional das suas disposições, quando essa margem de apreciação não exclui que se possam determinar direitos mínimos e que é, portanto, possível determinar a proteção mínima que deve, de qualquer modo, ser garantida (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de julho de 1994, Faccini Dori, C‑91/92, EU:C:1994:292, n.o 17; de 3 de outubro de 2000, Simap, C‑303/98, EU:C:2000:528, n.o 68, assim como de 14 de janeiro de 2021, RTS infra e Aannemingsbedrijf Norré‑Behaegel, C‑387/19, EU:C:2021:13, n.o 49).

66

No caso em apreço, resulta da própria redação do artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123 que, quando o número de autorizações disponíveis para uma determinada atividade for limitado devido à escassez dos recursos naturais ou das capacidades técnicas utilizáveis, os Estados‑Membros devem aplicar um procedimento de seleção entre os potenciais candidatos que preveja todas as garantias de imparcialidade e de transparência, nomeadamente, a publicidade adequada do início do procedimento, do seu desenrolar e do seu encerramento.

67

É certo que os Estados‑Membros conservam uma certa margem de apreciação quando decidem adotar disposições destinadas a garantir concretamente a imparcialidade e a transparência de um procedimento de seleção. Não é menos verdade que, ao impor a organização de um procedimento de seleção imparcial e transparente, o artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123 prevê, de modo incondicional e suficientemente preciso, um conteúdo de proteção mínima a favor dos potenciais candidatos (v., por analogia, Acórdãos de 15 de abril de 2008, Impact, C‑268/06, EU:C:2008:223, n.o 74, assim como de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o., C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.o 105).

68

Quanto ao artigo 12.o, n.o 2, desta diretiva, este prevê, nomeadamente, que uma autorização, como uma concessão de ocupação do domínio público marítimo, é concedida por um período limitado adequado e não pode ser objeto de renovação automática.

69

Esta disposição tem efeito direto, uma vez que proíbe, em termos inequívocos, os Estados‑Membros, sem que estes disponham de qualquer margem de apreciação ou possam sujeitar essa proibição a qualquer condição e sem que uma intervenção de um ato da União ou dos Estados‑Membros seja necessária, de preverem prorrogações automáticas e generalizadas de tais concessões. Resulta, aliás, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma renovação automática destas é excluída pelos próprios termos do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2006/123 (v., neste, sentido, Acórdão de 14 de julho de 2016, Promoimpresa e o., C‑458/14 e C‑67/15, EU:C:2016:558, n.o 50).

70

O artigo 12.o, n.os 1 e 2, desta diretiva impõe, portanto, aos Estados‑Membros a obrigação de aplicarem um procedimento de seleção imparcial e transparente entre os potenciais candidatos e proíbe‑os de renovarem automaticamente uma autorização concedida para uma determinada atividade, em termos incondicionais e suficientemente precisos.

71

A circunstância de que essa obrigação e essa proibição referidas se aplicam apenas nos casos em que o número de autorizações disponíveis para uma certa atividade é limitado devido à escassez dos recursos naturais utilizáveis, que devem ser determinados por referência a uma situação de facto apreciada pela administração competente sob a fiscalização de um órgão jurisdicional nacional, não pode pôr em causa o efeito direto deste artigo 12.o, n.os 1 e 2.

72

Por outro lado, importa recordar que o efeito direto de que beneficiam as disposições incondicionais e suficientemente precisas de uma diretiva constitui uma garantia mínima, decorrente do caráter vinculativo da obrigação imposta aos Estados‑Membros pelo efeito das diretivas, por força do artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE, que não pode servir de justificação a um Estado‑Membro para não tomar, em tempo útil, medidas de execução adequadas ao objeto de cada diretiva (Acórdão de 6 de maio de 1980, Comissão/Bélgica, 102/79, EU:C:1980:120, n.o 12). Daqui resulta que, apesar do reconhecimento de um efeito direto à obrigação e à proibição referidas, previstas no artigo 12.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2006/123, as autoridades italianas continuam a estar obrigadas a assegurar a sua transposição para a sua ordem jurídica.

73

Por último, importa sublinhar que um acórdão prejudicial, como o Acórdão de 14 de julho de 2016, Promoimpresa e o. (C‑458/14 e C‑67/15, EU:C:2016:558), esclarece e precisa, quando tal seja necessário, o significado e o alcance da regra enunciada nesta disposição da Diretiva 2006/123, tal como esta deve ser ou deveria ter sido entendida e aplicada desde a data da sua entrada em vigor, ou seja, em conformidade com o artigo 44.o desta diretiva, desde 28 de dezembro de 2009, o mais tardar. Daqui resulta que a referida regra assim interpretada deve ser aplicada pelo órgão jurisdicional mesmo a relações jurídicas surgidas e constituídas anteriormente a esse acórdão [v., neste sentido, Acórdãos de 27 de março de 1980, Denkavit italiana, 61/79, EU:C:1980:100, n.o 16, e de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 77].

74

Tendo em consideração o exposto, há que responder à segunda e quarta questões que o artigo 12.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2006/123 deve ser interpretado no sentido de que a obrigação que incumbe aos Estados‑Membros de aplicarem um procedimento de seleção imparcial e transparente entre os candidatos potenciais, bem como a proibição de renovarem automaticamente uma autorização concedida para uma determinada atividade, estão enunciadas de modo incondicional e suficientemente preciso para se poder considerar que têm efeito direto.

Quanto à terceira questão

75

Tendo em conta a resposta dada à segunda e quarta questões, não há que responder à terceira questão.

Quanto à quinta questão e à segunda parte da oitava questão

76

Com a sua quinta questão e com a segunda parte da sua oitava questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que a apreciação do efeito direto da obrigação e da proibição previstas no artigo 12.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2006/123 e da obrigação de não aplicação de disposições nacionais contrárias incumbem exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais ou igualmente às autoridades administrativas, incluindo municipais.

77

Quanto a este ponto, basta recordar que resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, tal como o juiz nacional, uma administração, incluindo municipal, tem a obrigação de aplicar as disposições incondicionais e suficientemente precisas de uma diretiva, bem como de afastar a aplicação das disposições do direito nacional não conformes com aquelas disposições (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de junho de 1989, Costanzo, 103/88, EU:C:1989:256, n.os 29 a 33, e de 10 de outubro de 2017, Farrell, C‑413/15, EU:C:2017:745, n.o 33).

78

A este respeito, importa precisar que a indicação que figura no n.o 43 do Acórdão de 14 de julho de 2016, Promoimpresa e o. (C‑458/14 e C‑67/15, EU:C:2016:558), segundo a qual incumbia ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a condição relativa à escassez de recursos naturais, prevista no artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123, estava preenchida, não pode significar que só os órgãos jurisdicionais nacionais têm a obrigação de assegurar que essa condição está preenchida. Com efeito, uma vez que o número de autorizações disponíveis para uma determinada atividade é limitado devido à escassez dos recursos naturais utilizáveis, qualquer administração é obrigada a organizar, por força desta disposição, um procedimento de seleção entre os potenciais candidatos e a assegurar‑se de que todas as condições previstas na referida disposição estão preenchidas, deixando, se for caso disso, de aplicar as regras de direito nacional que com ela não sejam conformes.

79

Por conseguinte, tendo em consideração o exposto, há que responder à quinta questão e à segunda parte da sua oitava questão, que o artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que a apreciação do efeito direto da obrigação e da proibição previstas no artigo 12.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2006/123, bem como a obrigação de afastar a aplicação de disposições nacionais contrárias incumbem aos órgãos jurisdicionais nacionais e às autoridades administrativas, incluindo municipais.

Quanto à nona questão

80

Com a sua nona questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 12.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2006/123 deve ser interpretado no sentido de que o efeito direto de que beneficia esta disposição impõe que seja afastada a aplicação de uma regulamentação nacional por força da qual, aquando da cessação de uma concessão, todas as construções não removíveis realizadas por um concessionário no terreno que lhe foi concedido revertem para o concedente, sem nenhuma compensação ou reembolso e se a não aplicação dessa regulamentação é compatível com o artigo 17.o da Carta dos Direitos Fundamentais.

81

A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o espírito de colaboração que deve presidir ao funcionamento do reenvio prejudicial implica que o juiz nacional tenha em atenção a função confiada ao Tribunal de Justiça, que é contribuir para a administração da justiça nos Estados‑Membros e não emitir opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas (Acórdãos de 3 de fevereiro de 1983, Robards, 149/82, EU:C:1983:26, n.o 19; de 16 de julho de 1992, Meilicke, C‑83/91, EU:C:1992:332, n.o 25, e de 15 de dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, EU:C:1995:463, n.o 60).

82

Assim, o Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação ou a apreciação de validade solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, EU:C:1995:463, n.o 61, e de 15 de julho de 2021, The Department for Communities in Northern Ireland, C‑709/20, EU:C:2021:602, n.o 55).

83

No caso em apreço, o litígio no processo principal diz respeito à prorrogação das concessões e não à questão do direito de um concessionário obter, aquando da cessação da concessão, uma qualquer compensação pelas obras não removíveis que realizou no terreno que lhe foi concedido. Assim, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio não expôs os elementos factuais e jurídicos que caracterizam a situação em causa no processo principal, o Tribunal de Justiça não tem possibilidade de responder utilmente à nona questão.

84

Por conseguinte, há que declarar esta questão inadmissível.

Quanto às despesas

85

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

O artigo 12.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno,

deve ser interpretado no sentido de que:

não se aplica unicamente às concessões de ocupação do domínio público marítimo que tenham um interesse transfronteiriço certo.

 

2)

O artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe a que a escassez dos recursos naturais e das concessões disponíveis seja apreciada mediante a conjugação de uma abordagem abstrata e geral, à escala nacional, com uma abordagem casuística, assente numa análise do território costeiro do município em questão.

 

3)

O exame da primeira questão não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade da Diretiva 2006/123 à luz do artigo 94.o CE.

 

4)

O artigo 12.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2006/123

deve ser interpretado no sentido de que:

a obrigação que incumbe aos Estados‑Membros de aplicarem um procedimento de seleção imparcial e transparente entre os candidatos potenciais, bem como a proibição de renovarem automaticamente uma autorização concedida para uma atividade determinada, estão enunciadas de um modo incondicional e suficientemente preciso para se poder considerar que têm efeito direto.

 

5)

O artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE

deve ser interpretado no sentido de que:

a apreciação do efeito direto da obrigação e da proibição previstas no artigo 12.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2006/123, bem como a obrigação de afastar a aplicação de disposições nacionais contrárias incumbem aos órgãos jurisdicionais nacionais e às autoridades administrativas, incluindo municipais.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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