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Document 62022CJ0119

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 19 de dezembro de 2024.
Teva BV e Teva Finland Oy contra Merck Sharp & Dohme LLC e Merck Sharp & Dohme LLC contra Clonmel Healthcare Limited.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Markkinaoikeus e pela Supreme Court (Irlanda).
Reenvio prejudicial — Medicamentos para uso humano — Certificado complementar de proteção (CCP) — Regulamento (CE) n.° 469/2009 — Condições de obtenção de um CCP para os medicamentos — Artigo 3.°, alínea a) — Conceito de “produto protegido por uma patente de base em vigor” — Artigo 3.°, alínea c) — Conceito de “produto objeto de um CCP” — Critérios de apreciação.
Processos apensos C-119/22 e C-149/22.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:1039

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

19 de dezembro de 2024 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Medicamentos para uso humano — Certificado complementar de proteção (CCP) — Regulamento (CE) n.o 469/2009 — Condições de obtenção de um CCP para os medicamentos — Artigo 3.o, alínea a) — Conceito de “produto protegido por uma patente de base em vigor” — Artigo 3.o, alínea c) — Conceito de “produto objeto de um CCP” — Critérios de apreciação»

Nos processos apensos C‑119/22 e C‑149/22,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, respetivamente, pelo markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos, Finlândia), por Decisão de 17 de fevereiro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de fevereiro de 2022, e pela Supreme Court (Supremo Tribunal, Irlanda), por Decisão de 21 de fevereiro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de março de 2022, nos processos

Teva BV,

Teva Finland Oy

contra

Merck Sharp & Dohme LLC, anteriormente Merck Sharp & Dohme Corp. (C‑119/22),

e

Merck Sharp & Dohme LLC, anteriormente Merck Sharp & Dohme Corp.,

contra

Clonmel Healthcare Limited (C‑149/22),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe (relatora), presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, N. Jääskinen e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: N. Emiliou,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 8 de março de 2023,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Teva BV e da Teva Finland Oy, por O. Jüngst, Rechtsanwalt, W. Kivilä e B. Rapinoja, asianajajat, e J. van Dieck, Patentanwalt,

em representação da Merck Sharp & Dohme LLC, por R. Hilli, asianajaja, e E. Liikanen, oikeustieteen maisteri, E. Ledford, solicitor, J. Newman, SC, e K. Smith, SC,

em representação da Clonmel Healthcare Limited, por P. Coughlan, BL, M. Howard, SC, e L. Scott, solicitor,

em representação da Irlanda, por M. Browne, M. A. Joyce e M. Lane, na qualidade de agentes, assistidas por P. Mair, BL, e D. O’Reilly, solicitor,

em representação do Governo Francês, por A. Daniel, A.‑L. Desjonquères e B. Fodda, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Letão, por J. Davidoviča e K. Pommere, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Húngaro, por M. Z. Fehér e R. Kissné Berta, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Neerlandês, por M. K. Bulterman, J. M. Hoogveld e J. Langer, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por P. Němečková, J. Samnadda e T. Sevón, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de junho de 2024,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 3.o, alíneas a) e c), do Regulamento (CE) n.o 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos (JO 2009, L 152, p. 1).

2

Estes pedidos foram apresentados, no que respeita ao processo C‑119/22, no âmbito de um litígio que opõe a Teva BV e a Teva Finland Oy (a seguir «sociedades Teva») à Merck Sharp & Dohme LLC, anteriormente Merck Sharp & Dohme Corp. (a seguir «Merck»), relativo à validade de um certificado complementar de proteção (CCP) concedido a esta última para um produto farmacêutico destinado ao tratamento da diabetes e, no que respeita ao processo C‑149/22, no âmbito de um litígio que opõe a Merck à Clonmel Healthcare Limited (a seguir «Clonmel»), relativo à validade de um CCP obtido pela Merck para um medicamento destinado ao tratamento do colesterol.

Quadro jurídico

CPE

3

A Convenção sobre a Concessão de Patentes Europeias, assinada em Munique em 5 de outubro de 1973, que entrou em vigor em 7 de outubro de 1977, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «CPE»), estipula, no seu artigo 69.o, sob a epígrafe «Âmbito da proteção»:

«(1)   O âmbito da proteção conferida pela patente europeia ou pelo pedido de patente europeia é determinado pelas reivindicações. Não obstante, a descrição e os desenhos servem para interpretar as reivindicações.

(2)   Durante o período até à concessão da patente europeia, o âmbito da proteção conferida pelo pedido de patente europeia é determinado pelas reivindicações contidas no pedido tal como publicado. Contudo, a patente europeia, tal como concedida ou modificada no decurso do procedimento de oposição, de limitação ou de revogação, determina retroativamente a proteção conferida pelo pedido, desde que esta proteção não seja alargada.»

4

O artigo 1.o do Protocolo Interpretativo deste artigo 69.o, que é parte integrante da CPE nos termos do artigo 164.o, n.o 1, da mesma, tem a seguinte redação:

«O artigo 69.o não deve ser interpretado como significando que a extensão da proteção conferida por uma patente europeia é determinada no sentido estrito e literal do texto das reivindicações e que a descrição e os desenhos servem unicamente para dissipar as ambiguidades que poderiam ocorrer nas reivindicações. Nem deve ser considerado como significando que as reivindicações servem unicamente como orientação e que a proteção se estende também ao que, da consideração da descrição e desenhos por um especialista na matéria, o titular da patente entendeu proteger. Pelo contrário, o artigo 69.o deve ser interpretado como definindo uma posição, entre estes extremos, que assegura simultaneamente uma proteção justa ao titular da patente e um grau razoável de segurança jurídica para terceiros.»

5

O artigo 82.o da CPE, sob a epígrafe «Unidade de invenção», prevê:

«O pedido de patente europeia apenas pode dizer respeito a uma invenção ou a uma pluralidade de invenções ligadas entre si de tal modo que formem um só conceito inventivo geral.»

6

Nos termos do artigo 84.o da CPE, sob a epígrafe «Reivindicações»:

«As reivindicações definem o objeto da proteção pedida. Devem ser claras e concisas e apoiar‑se na descrição.»

7

O artigo 123.o da CPE, sob a epígrafe «Modificações», esclarece:

«(1)   O pedido de patente europeia ou a patente europeia pode ser modificado perante o Instituto Europeu de Patentes [(a seguir “IEP”)] de acordo com o Regulamento de Execução da [Convenção sobre a Concessão de Patentes Europeias de 5 de outubro de 1973, conforme adotado pela Decisão do Conselho de Administração do IEP de 7 de dezembro de 2006 e com a última alteração que lhe foi dada pela Decisão do Conselho de Administração do IEP de 14 de dezembro de 2023]. Em qualquer caso, o requerente pode, por sua própria iniciativa, modificar pelo menos uma vez o pedido.

(2)   O pedido de patente europeia ou a patente europeia não pode ser modificad[o] de forma [a] que o seu objeto se estenda para além do conteúdo do pedido tal como foi apresentado.

(3)   A patente europeia não pode ser modificada de forma a alargar a proteção que confere.»

Direito da União

8

Os considerandos 3 a 5, 7, 9 e 10 do Regulamento n.o 469/2009 enunciam:

«(3)

Os medicamentos, nomeadamente os resultantes de uma investigação longa e onerosa, só continuarão a ser desenvolvidos na Comunidade [Europeia] e na Europa se beneficiarem de uma regulamentação favorável que preveja uma proteção suficiente para incentivar tal investigação.

(4)

Atualmente, o período que decorre entre o depósito de um pedido de patente para um novo medicamento e a autorização de introdução no mercado do referido medicamento reduz a proteção efetiva conferida pela patente a um período insuficiente para amortizar os investimentos efetuados na investigação.

(5)

Destas circunstâncias resulta uma proteção insuficiente que penaliza a investigação farmacêutica.

[…]

(7)

É conveniente prever uma solução uniforme a nível comunitário, evitando assim uma evolução divergente das legislações nacionais que origine novas disparidades suscetíveis de entravar a livre circulação dos medicamentos na Comunidade e de, por isso, afetar diretamente o funcionamento do mercado interno.

[…]

(9)

A duração da proteção conferida pelo [CCP] deverá ser determinada de forma a permitir uma proteção efetiva suficiente. Para este efeito, o titular de uma patente e de um [CCP] deve poder beneficiar no total de um período máximo de quinze anos de exclusividade a partir da primeira autorização de introdução no mercado da Comunidade do medicamento em causa.

(10)

No entanto, todos os interesses em causa num setor tão complexo e sensível como o farmacêutico, incluindo os relativos à saúde pública, deverão ser tomados em consideração. Para este efeito, o [CCP] não poderá ser concedido por um período superior a cinco anos. Além disso, a proteção que o [CCP] confere deverá ser estritamente limitada ao produto abrangido pela autorização da sua introdução no mercado como medicamento.»

9

O artigo 1.o deste regulamento dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento entende‑se por:

a)

“Medicamento”: qualquer substância ou associação de substâncias com propriedades curativas ou preventivas em relação a doenças humanas ou animais, bem como qualquer substância ou associação de substâncias que possa ser administrad[a] ao homem ou a animais com vista a estabelecer um diagnóstico médico ou a restaurar, corrigir ou alterar funções orgânicas no homem ou nos animais;

b)

“Produto”: o princípio ativo ou associação de princípios ativos contidos num medicamento;

c)

“Patente de base”: a patente que protege um produto como tal, um processo de obtenção de um produto ou uma aplicação de um produto e que tenha sido designado pelo seu titular para efeitos do processo de obtenção de um [CCP];

[…]»

10

O artigo 3.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Condições de obtenção do [CCP]», prevê:

«O [CCP] é concedido se no Estado‑Membro onde for apresentado o pedido previsto no artigo 7.o e à data de tal pedido:

a)

O produto estiver protegido por uma patente de base em vigor;

b)

O produto tiver obtido, enquanto medicamento, uma autorização válida de introdução no mercado […];

c)

O produto não tiver sido já objeto de um [CCP];

d)

A autorização referida na alínea b) for a primeira autorização de introdução do produto no mercado, como medicamento.»

11

O artigo 4.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Objeto da proteção», dispõe:

«Dentro dos limites da proteção assegurada pela patente de base, a proteção conferida pelo [CCP] abrange apenas o produto coberto pela autorização de introdução no mercado do medicamento correspondente para qualquer utilização do produto, como medicamento, que tenha sido autorizada antes do termo da validade do [CCP].»

12

O artigo 5.o do Regulamento n.o 469/2009, sob a epígrafe «Efeitos do [CCP]», prevê:

«Sob reserva do artigo 4.o, o [CCP] confere os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base e está sujeito às mesmas limitações e obrigações.»

13

O artigo 13.o deste regulamento, sob a epígrafe «Período de validade do [CCP]», prevê, no seu n.o 1:

«O [CCP] produz efeitos no termo legal da validade da patente de base, durante um período que corresponde ao período decorrido entre a data da apresentação do pedido da patente de base e a data da primeira autorização de introdução no mercado na Comunidade, reduzido [de] um período de cinco anos.»

Direito finlandês

14

Nos termos do § 39 da patenttilaki (Lei das Patentes), as reivindicações da patente determinam o âmbito da proteção ao abrigo da mesma. A descrição pode ser utilizada para ajudar a compreender as reivindicações.

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

Processo C‑119/22

15

A Merck, uma empresa farmacêutica, é titular da patente europeia EP 1412357 que designa, nomeadamente, a Finlândia, e que beneficia de uma data de prioridade de 5 de julho de 2002 (a seguir «patente de base em causa no processo C‑119/22»). Esta patente abrange, de modo geral, compostos inibidores da dipeptidilpeptidase‑IV (a seguir «DP‑IV»), que são úteis no tratamento ou na prevenção de doenças em que está envolvida a DP‑IV, como a diabetes e, mais particularmente, a diabetes de tipo 2. Um destes compostos inibidores tornou‑se posteriormente conhecido pelo nome de sitagliptina. A referida patente expirou em 5 de julho de 2022.

16

A patente de base em causa no processo C‑119/22 prevê que os referidos compostos inibidores da DP‑IV podem, se for o caso, ser associados com outros princípios ativos para a prevenção ou o tratamento das doenças em que a DP‑IV está envolvida. Em particular, a reivindicação 30 desta patente tem por objeto uma composição farmacêutica que contém um dos mesmos compostos inibidores, ou um sal [farmaceuticamente] aceitável do mesmo, associado à metformina. Resulta da decisão de reenvio que a metformina era, à data de prioridade da referida patente, um princípio ativo conhecido e utilizado há décadas no tratamento da diabetes.

17

A Merck obteve um primeiro CCP na Finlândia, o CCP n.o 343, com base na autorização de introdução no mercado (a seguir «AIM») EU/1/07/383/001‑018 concedida ao medicamento Januvia e na patente de base em causa no processo C‑119/22. Este CCP tinha como objeto único a sitagliptina como princípio ativo e expirou em 23 de setembro de 2022.

18

A Merck obteve igualmente um segundo CCP na Finlândia, o CCP n.o 342, com base na AIM EU/1/08/455/001‑014, concedida ao medicamento Janumet, e na patente de base em causa no processo C‑119/22. O produto objeto deste CCP é uma associação de sitagliptina e metformina. A validade do referido CCP terminou em 8 de abril de 2023.

19

As sociedades Teva intentaram no markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos, Finlândia), que é o órgão jurisdicional de reenvio, uma ação em cujo âmbito pedem a anulação do CCP n.o 342 com fundamento no artigo 3.o, alíneas a), c) e d), do Regulamento n.o 469/2009. Estas sociedades alegam que este CCP não cumpre as condições previstas neste artigo. Primeiro, o produto, na aceção do artigo 1.o, alínea b), deste regulamento, que é objeto do referido CCP, é uma associação de dois princípios ativos que não está protegida, enquanto tal, pela patente de base em causa no processo C‑119/22. Segundo, este produto já é objeto do CCP n.o 343, pelo que o CCP n.o 342 foi concedido em violação do artigo 3.o, alínea c), do referido regulamento. Terceiro, a AIM em que se baseou o pedido que deu origem ao CCP n.o 342 não é a primeira AIM para o referido produto como medicamento, o que viola o artigo 3.o, alínea d), do mesmo regulamento.

20

A Merck pede que a ação de anulação intentada pelas sociedades Teva seja julgada improcedente. No que respeita, mais especificamente, à condição prevista no artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o 469/2009, alega que esta disposição não obsta à concessão de um CCP para a associação dos princípios ativos referidos no CCP n.o 342. O CCP n.o 343, emitido antes do CCP n.o 342, abrange um produto diferente, isto é, apenas a sitagliptina.

21

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, embora o Tribunal de Justiça tenha clarificado recentemente a sua jurisprudência relativa ao artigo 3.o, alíneas a) e d), deste regulamento, não clarificou a sua jurisprudência relativa à condição prevista no artigo 3.o, alínea c), do referido regulamento. Com efeito, o referido órgão jurisdicional observa que, no Acórdão de 12 de março de 2015, Actavis Group PTC e Actavis UK (C‑577/13, a seguir «Acórdão Actavis II, EU:C:2015:165), o Tribunal de Justiça interpretou conjuntamente a alínea a) e a alínea c) do artigo 3.o do mesmo regulamento. Nestas circunstâncias, tem dúvidas sobre se os acórdãos recentes relativos à interpretação do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009 são relevantes para interpretar o artigo 3.o, alínea c), deste regulamento.

22

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, no Acórdão de 12 de dezembro de 2013, Actavis Group PTC e Actavis UK (C‑443/12, EU:C:2013:833), o Tribunal de Justiça empregou os conceitos de «atividade inventiva central» da patente de base e de «cerne da atividade inventiva». No Acórdão Actavis II, o Tribunal de Justiça fez referência ao «objeto da invenção» da patente de base. Contudo, no Acórdão de 30 de abril de 2020, Royalty Pharma Collection Trust (C‑650/17, a seguir «Acórdão Royalty Pharma, EU:C:2020:327) excluiu expressamente a relevância do conceito de «cerne da atividade inventiva» para interpretar o artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009.

23

Consequentemente, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a relevância destes conceitos para interpretar o artigo 3.o, alínea c), deste regulamento, cuja interpretação o Tribunal de Justiça associou à do artigo 3.o, alínea a), do referido regulamento. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se igualmente sobre a questão de saber se estes conceitos devem, se for o caso, ser entendidos de forma diferente consoante esteja em causa um produto constituído apenas por um princípio ativo ou por vários.

24

Nestas circunstâncias, o markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Que critérios devem ser aplicados para decidir se um produto foi já objeto de um [CPP] na aceção do artigo 3.o, alínea c), do Regulamento [n.o 469/2009]?

2)

Deve considerar‑se que o requisito previsto no artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o [469/2009] é apreciado de modo diferente do requisito previsto no artigo 3.o, alínea a), do mesmo regulamento e, na afirmativa, em que medida?

3)

Devem as considerações relativas à interpretação do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o [469/2009], tecidas nos Acórdãos [de 25 de julho de 2018, Teva UK e o., C‑121/17, EU:C:2018:585] e [Royalty Pharma] ser consideradas pertinentes para efeitos da apreciação do requisito previsto no artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o [469/2009] e, na afirmativa, em que medida? A este respeito, salienta‑se, em particular, o que é declarado nos referidos acórdãos em relação ao artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o [469/2009], quanto:

à importância essencial das reivindicações e

à apreciação do caso do ponto de vista do especialista na matéria e à luz da evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da patente de base.

4)

São os conceitos de “cerne da atividade inventiva”, “atividade inventiva central” e/ou “objeto da invenção” da patente de base pertinentes para efeitos da interpretação do artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o [469/2009] e, se for esse o caso para alguns ou para todos esses conceitos, em que sentido devem estes conceitos ser entendidos no contexto da interpretação do artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o [469/2009]? Verifica‑se alguma diferença na aplicação dos referidos conceitos entre a hipótese de um produto composto por um único princípio ativo (denominado “monoproduto”) e a hipótese de um produto composto por uma combinação de princípios ativos (denominado “produto combinado”) e, em caso afirmativo, em que medida? Como deve responder‑se a esta última questão num caso em que a patente de base contém, por um lado, uma reivindicação de patente para um monoproduto e, por outro, uma reivindicação de patente para um produto combinado, correspondendo esta última reivindicação a uma combinação de princípios ativos composta pelo princípio ativo do monoproduto e, adicionalmente, por um ou mais princípios ativos em conformidade com a evolução da técnica conhecida?»

Processo C‑149/22

25

O litígio no processo principal no processo C‑149/22 que opõe a Merck à Clonmel diz respeito à validade de um CCP (a seguir «CCP em causa no processo C‑149/22») obtido pela Merck na Irlanda para o medicamento comercializado sob o nome Inegy, destinado a reduzir os valores de colesterol LDL (lipoproteína de baixa densidade) presente no sangue, com vista a diminuir o risco de aterosclerose, uma patologia que afeta as artérias.

26

O CCP em causa no processo C‑149/22 foi obtido com base na patente europeia EP 0 720599 que designa, nomeadamente, a Irlanda, e que tem como data de prioridade 21 de setembro de 1993 (a seguir «patente de base em causa no processo C‑149/22»). A patente revela que a ezetimiba inibe a absorção sanguínea de colesterol ao nível da bordadura em escova do intestino delgado. As reivindicações 1 a 8 da referida patente referiam‑se apenas à ezetimiba, ao passo que as reivindicações 9, 12, 15 e 16 desta patente diziam respeito a utilizações da ezetimiba em associação com outros princípios ativos, nomeadamente as estatinas. A combinação de ezetimiba e sinvastatina é mencionada expressamente nas reivindicações da patente de base em causa no processo C‑149/22, em particular na reivindicação 17.

27

É facto assente que a sinvastatina era do domínio público na data de prioridade da patente de base em causa no processo C‑149/22. Além disso, atendendo aos elementos apresentados pelo órgão jurisdicional de reenvio, esta patente não parece revelar uma interação deste princípio ativo com a ezetimiba diferente da soma dos efeitos de cada um destes princípios ativos considerados separadamente.

28

Em 2003, a Merck obteve uma AIM e um primeiro CCP para o medicamento Ezetrol, que continha ezetimiba como único princípio ativo. Em 2004 e 2005, a Merck obteve outra AIM com base na qual lhe foi concedido o CCP em causa no processo C‑149/22 para um produto composto por ezetimiba e sinvastatina.

29

Quando a Clonmel lançou um produto concorrente durante o período de validade deste CCP, a Merck intentou uma ação por violação na High Court (Tribunal Superior, Irlanda). Este tribunal declarou nulo o referido CPP por não preencher as condições de obtenção previstas nas alíneas a) e c) do artigo 3.o do Regulamento n.o 469/2009, que exigem, respetivamente, que o produto esteja protegido por uma patente de base em vigor e que não tenha sido já objeto de um CCP.

30

Aquela sentença foi confirmada em sede de recurso pela Court of Appeal (Tribunal de Recurso, Irlanda) que se baseou no Acórdão de 25 de julho de 2018, Teva UK e o. (C‑121/17, a seguir «Acórdão Teva, EU:C:2018:585), nos termos do qual um produto composto por vários princípios ativos só está protegido por uma patente de base em vigor se a associação destes princípios ativos estiver necessariamente abrangida pela invenção coberta pela patente. Segundo a Court of Appeal (Tribunal de Recurso), para verificar se um produto está efetivamente abrangido pela «invenção coberta pela patente de base», na aceção desta jurisprudência, é necessário apreciar a âmbito da invenção coberta pela patente. Concluiu, a este respeito, que a associação de ezetimiba e sinvastatina não está abrangida por esta invenção.

31

A Merck interpôs recurso do acórdão proferido em segunda instância para a Supreme Court (Supremo Tribunal, Irlanda), que é o órgão jurisdicional de reenvio. Considera que resulta dos Acórdãos Teva e Royalty Pharma que para determinar se um produto está protegido por uma «patente de base em vigor», na aceção do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009, quando o mesmo é expressamente mencionado nas reivindicações da patente, é relevante apenas o texto das reivindicações da patente de base em causa no processo C‑149/22. Consequentemente, esta jurisprudência deve ser entendida no sentido de que só na falta dessa menção explícita é que as reivindicações devem referir‑se obrigatória e especificamente ao produto. Só neste último caso é que se deve, por um lado, demonstrar que a associação de princípios ativos em causa está abrangida necessariamente, à luz da descrição e dos desenhos da patente, pela invenção coberta pela mesma e, por outro, que cada um destes princípios ativos é especificamente identificável à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente.

32

Pelo contrário, a Clonmel, por sua vez, adere, em substância, à interpretação adotada pela Court of Appeal (Tribunal de Recurso) e alega que o critério estabelecido no Acórdão Teva é de aplicação geral. Considera, a este respeito, que, quando um CCP tenha sido já concedido com base numa patente, o juiz nacional deve identificar, no âmbito do exame da validade de um CCP posterior obtido com base nessa patente, o «objeto da invenção» e que só pode concluir pela validade desse CCP posterior se concluir que o produto para o qual a proteção complementar é pedida está abrangido por essa invenção.

33

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à interpretação do conceito de «produto protegido por uma patente de base em vigor», na aceção do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009, conforme interpretado, nomeadamente, no Acórdão Teva, quando o produto em causa contém uma associação de princípios ativos especificamente mencionada nas reivindicações da patente de base.

34

Segundo aquele órgão jurisdicional, se o Tribunal de Justiça interpretar o requisito estabelecido no Acórdão Teva, segundo o qual a associação de princípios ativos em causa deve estar necessariamente abrangida pela invenção coberta pela patente de base, no sentido de que implica uma apreciação da invenção ou da atividade inventiva da patente, a associação de ezetimiba e de sinvastatina não está abrangida por essa invenção e o CCP obtido para o medicamento Inegy deve ser anulado.

35

Por outro lado, o referido órgão jurisdicional tem dúvidas, à luz dos Acórdãos de 12 de dezembro de 2013, Actavis Group PTC e Actavis UK (C‑443/12, EU:C:2013:833), e Actavis II, sobre a questão de saber se a interpretação a dar ao artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o 469/2009 depende da interpretação do artigo 3.o, alínea a), deste regulamento. A este respeito, pretende saber, nomeadamente, se, para efeitos da aplicação do artigo 3.o, alínea c), deste regulamento, ao abrigo do qual não pode ser concedido um CCP quando o produto para o qual é pedido tenha sido já objeto de um CCP, basta demonstrar que a associação de princípios ativos em causa não foi objeto de um CCP anterior ou se a obtenção de um CCP para um dos princípios ativos que a compõe impede a obtenção de um segundo CCP que cubra essa associação.

36

Por último, o mesmo órgão jurisdicional justifica o pedido de decisão prejudicial com base nas decisões divergentes de vários tribunais nacionais relativas a processos análogos ao processo principal e que envolvem nomeadamente a Merck.

37

Nestas circunstâncias, a Supreme Court (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

a)

É suficiente, para a concessão de um [CCP] e para a sua validade jurídica, nos termos do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento [n.o 469/2009], que o produto para o qual o CCP é concedido esteja expressamente identificado nas reivindicações da patente e por esta protegido, ou é necessário, para a concessão de um CCP, que o titular da patente, ao qual foi concedida uma [AIM], demonstre também inovação ou inventividade ou que o produto se enquadra num conceito mais restrito, descrito como a invenção protegida pela patente?

b)

Neste último caso, isto é, no caso da invenção protegida pela patente, o que deve ser comprovado pelo titular da patente e titular da [AIM] para obter um CCP válido?

2)

Quando, como no presente processo, a patente tem por objeto um medicamento específico, a ezetimiba, e as reivindicações da patente enunciam que a aplicação em medicina humana pode consistir no uso do medicamento, isolado ou em associação com outro medicamento, neste caso, a sinvastatina, que é um medicamento do domínio público, pode ser concedido um CCP ao abrigo do artigo 3.o, alínea a), do regulamento apenas para um produto que compreende a ezetimiba, enquanto monoterapia, ou pode ser concedido um CCP também para qualquer uma ou para todas as associações medicamentosas identificadas nas reivindicações da patente?

3)

Quando é concedido um CCP a uma monoterapia, o medicamento A, neste caso, a ezetimiba, ou quando é concedido previamente um CCP para os medicamentos A e B enquanto associação terapêutica, os quais fazem parte das reivindicações da patente, embora apenas o medicamento A seja novo e, por conseguinte, patenteado, ao passo que os outros medicamentos já são conhecidos ou são do domínio público, está a concessão de um CCP limitada à primeira introdução no mercado da referida monoterapia do medicamento A ou da primeira associação terapêutica a que tenha sido concedido um CCP, A+B, com a consequência de que, após essa primeira concessão, não pode haver uma segunda ou terceira concessão de um CCP para a monoterapia ou para qualquer associação terapêutica diferente da primeira à qual foi concedido um CCP?

4)

No caso de as reivindicações de uma patente protegerem tanto uma molécula única nova como uma associação dessa molécula com um medicamento existente e conhecido, se for o caso, do domínio público, ou várias dessas reivindicações para uma associação, o artigo 3.o, alínea c), do regulamento limita a concessão de um CCP:

a)

exclusivamente à molécula única se esta for comercializada como produto;

b)

à primeira introdução no mercado de um produto protegido pela patente, quer se trate da monoterapia do medicamento abrangido pela patente de base em vigor quer se trate da primeira associação terapêutica, ou

c)

a qualquer uma das anteriores hipóteses mencionadas em a) ou em b) à escolha do titular da patente, independentemente da data da autorização de introdução no mercado?

E, em caso de resposta afirmativa a alguma das alíneas precedentes, por que razão?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira a quarta questões no processo C‑119/22 e à terceira e quarta questões no processo C‑149/22

38

A primeira a quarta questões no processo C‑119/22 e a terceira e quarta questões no processo C‑149/22 têm por objeto a interpretação do artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o 469/2009 e abordam todas substancialmente a mesma problemática.

39

Com efeito, com estas questões, que devem, por conseguinte, ser analisadas conjuntamente, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se o artigo 3.o, alínea c), deste regulamento se opõe à concessão de um CCP para um produto composto por dois princípios ativos quando um destes tenha sido já objeto de um CCP anterior, a título individual, e seja o único a ter sido divulgado na patente de base, ao passo que o outro princípio ativo já era conhecido à data do depósito ou de prioridade dessa patente.

40

O artigo 3.o, alínea c), do referido regulamento prevê que, para que um CCP seja concedido, o produto não deve ter sido já objeto, à data do pedido, de um CCP no Estado‑Membro em que o pedido é apresentado.

41

Em primeiro lugar, para determinar o sentido e o alcance da condição prevista nesta disposição, há que ter em conta, atendendo à redação da referida disposição, o conceito de «produto». Este conceito está definido no artigo 1.o, alínea b), do Regulamento n.o 469/2009 como «o princípio ativo ou associação de princípios ativos contidos num medicamento».

42

A este respeito, não existindo uma definição do conceito de «princípio ativo» no regulamento, a determinação do significado e do alcance desta expressão deve fazer‑se de acordo com o contexto geral em que é utilizada e em conformidade com o seu sentido habitual na linguagem comum (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de março de 2019, Abraxis Bioscience, C‑443/17, EU:C:2019:238, n.o 25, e de 9 de julho de 2020, Santen, C‑673/18, EU:C:2020:531, n.o 41).

43

O Tribunal de Justiça declarou que a conceção estrita do conceito de «produto», conforme resulta da análise da génese do Regulamento n.o 469/2009, se materializa no artigo 1.o, alínea b), deste regulamento, no qual a definição deste conceito é feita através de uma referência a um princípio ativo ou a uma associação de princípios ativos e não através de uma referência à aplicação terapêutica de um princípio ativo protegido pela patente de base ou de uma associação de princípios ativos protegidos por essa patente (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2020, Santen, C‑673/18, EU:C:2020:531, n.os 45 e 46).

44

Nesta senda, o Tribunal de Justiça esclareceu que a expressão «princípio ativo» não inclui, na sua aceção comum em farmacologia, as substâncias que entram na composição de um medicamento que não exercem uma ação própria no organismo humano ou animal (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de março de 2019, Abraxis Bioscience, C‑443/17, EU:C:2019:238, n.o 25, e de 9 de julho de 2020, Santen, C‑673/18, EU:C:2020:531, n.o 45). Do mesmo modo, ficou assente que o artigo 1.o, alínea b), do Regulamento n.o 469/2009 deve ser interpretado no sentido de que o facto de um princípio ativo, ou uma associação de princípios ativos (A+B), ser utilizado para uma nova aplicação terapêutica não lhe confere a qualidade de produto distinto quando esse princípio ativo, ou essa associação, tenha sido utilizado para outra aplicação terapêutica já conhecida (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2020, Santen, C‑673/18, EU:C:2020:531, n.o 47).

45

Resulta desta definição estrita, por um lado, que o facto de dois produtos serem iguais ou diferentes, no âmbito do Regulamento n.o 469/2009, depende apenas da comparação do ou dos princípios ativos que contêm, independentemente das suas aplicações terapêuticas. Em particular, quando, como nos processos principais, um dos produtos a comparar é uma associação de princípios ativos (A+B), este deve ser considerado um produto diferente do produto constituído apenas por um dos princípios ativos que o compõem (A ou B).

46

Por outro lado, resulta igualmente do exposto que o conceito de «produto», na aceção do artigo 1.o, alínea b), do Regulamento n.o 469/2009, não pode depender do contexto em que é invocado. Pelo contrário, a definição de «produto», enunciada como as outras definições do artigo 1.o do Regulamento n.o 469/2009 «para efeitos» deste regulamento no seu conjunto, é idêntica para todas as disposições do regulamento em que este conceito é utilizado. Em particular, o referido conceito não pode ter um significado e um alcance diferentes consoante seja interpretado no contexto do artigo 3.o, alínea a), ou no contexto do artigo 3.o, alínea c), deste regulamento.

47

No âmbito do artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o 469/2009, esta definição, conforme esclarecida nos n.os 42 a 46 do presente acórdão, leva necessariamente a concluir que um pedido de CCP relativo a um produto composto por dois princípios ativos (A+B) não pode ser recusado, ao abrigo desta disposição, com o fundamento de que um produto, constituído apenas pelo princípio ativo A ou apenas pelo princípio ativo B, já foi objeto, à data do pedido, de um CCP no Estado‑Membro em que este pedido é apresentado.

48

Em segundo lugar, quanto à relevância da patente de base para apreciar a condição enunciada no artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o 469/2009, há que atender ao contexto em que se insere esta disposição.

49

A este respeito, importa salientar que resulta da própria redação do artigo 3.o do Regulamento n.o 469/2009 que as quatro condições nele enunciadas são cumulativas (v., neste sentido, Acórdão de 15 de janeiro de 2015, Forsgren, C‑631/13, EU:C:2015:13, n.o 32). Como o advogado‑geral sublinhou, em substância, no n.o 61 das suas conclusões, o caráter cumulativo destas condições significa que devem ser interpretadas e aplicadas de forma autónoma para garantir a integridade do sistema.

50

Com efeito, cada uma das condições prossegue uma lógica e um objetivo próprios que ficariam comprometidos se fossem confundidas ou fundidas. Em particular, as condições enunciadas neste artigo 3.o, alíneas a) e c), não podem ser confundidas ou fundidas sem comprometer a segurança jurídica e o equilíbrio dos interesses visados pelo legislador da União.

51

Assim, ao passo que a condição prevista na alínea a) do referido artigo 3.o visa delimitar o âmbito material do CCP por referência à patente de base, a sua alínea c) prevê uma condição distinta que visa limitar o âmbito temporal da proteção adicional conferida a um determinado produto.

52

Resulta do que precede que as noções e os conceitos desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência relativa à condição enunciada na alínea a) do artigo 3.o do Regulamento n.o 469/2009, em particular a que decorre dos Acórdãos Royalty Pharma e Teva, não podem ser considerados relevantes para interpretar a condição enunciada no artigo 3.o, alínea c), deste regulamento.

53

Decorre do exposto que, quando um pedido de CCP tem por objeto um produto composto por dois princípios ativos (A+B), é indiferente, no que respeita à condição enunciada no artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o 469/2009, que apenas um dos princípios ativos que compõem um produto objeto de um pedido de CCP tenha sido divulgado na patente de base. Com efeito, por um lado, as considerações relativas à patente de base são apreciadas apenas no que diz respeito ao artigo 3.o, alínea a), do referido regulamento, e não no que respeita ao artigo 3.o, alínea c), do mesmo regulamento, que é relativo a uma condição distinta. Por outro lado, o facto de apenas um dos princípios ativos que compõem o produto em causa (A ou B) ter sido divulgado na patente de base não pode ser tido em conta na definição do produto.

54

Por conseguinte, o conteúdo da patente de base não é relevante no âmbito do artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o 469/2009. Para apreciar o cumprimento da condição enunciada nesta disposição, basta, antes de mais, identificar o produto para o qual foi apresentado o pedido de CCP examinado, ou para o qual o CCP controvertido foi concedido e, em seguida, verificar se este produto já foi objeto, à data do pedido, de um CCP no Estado‑Membro em que este pedido é apresentado.

55

Esta interpretação está em conformidade com a vontade do legislador da União. Como resulta do ponto 16 da exposição de motivos da proposta de Regulamento (CEE) do Conselho, de 11 de abril de 1990, relativo à criação de um certificado complementar de proteção para os medicamentos [COM (90) 101 final], que esteve na origem do Regulamento (CEE) n.o 1768/92 do Conselho, de 18 de junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de proteção para os medicamentos (JO 1992, L 182, p. 1), 1), que foi revogado e substituído pelo Regulamento n.o 469/2009, o legislador da União pretendeu instituir um sistema simples, baseado em condições que são, em princípio, fáceis de verificar.

56

Atendendo a todas as considerações que precedem, há que responder à primeira a quarta questões no processo C‑119/22 e à terceira e quarta questões no processo C‑149/22 que o artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o 469/2009 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à concessão de um CCP para um produto composto por dois princípios ativos, mesmo que um destes tenha sido já objeto de um CCP anterior, a título individual, e seja o único a ter sido divulgado na patente de base, ao passo que o outro princípio ativo era conhecido à data do depósito ou de prioridade dessa patente.

Quanto à primeira questão no processo C‑149/22

57

Com a sua primeira questão no processo C‑149/22, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009 deve ser interpretado no sentido de que é suficiente que um produto esteja expressamente mencionado nas reivindicações da patente de base para que se considere protegido por essa patente, na aceção desta disposição.

58

O órgão jurisdicional de reenvio exprime através desta questão as suas dúvidas sobre o alcance do teste em duas etapas desenvolvido pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Teva e sobre se o mesmo é específico apenas dos casos em que o produto em causa não é expressamente mencionado nas reivindicações da patente de base.

59

É certo que, no processo que deu origem ao Acórdão Teva, foi submetida ao Tribunal de Justiça uma questão relativa a um caso particular em que o produto em causa não era expressamente mencionado nas reivindicações da patente de base. Contudo, como o advogado‑geral salientou nos n.os 93 e seguintes das suas conclusões, resulta daquele acórdão que, para que um produto seja considerado «protegido por uma patente de base», na aceção do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009, não basta que seja expressa e especificamente referido nas reivindicações dessa patente. Além disso, para satisfazer a condição enunciada nesta disposição, é necessário que o produto esteja abrangido pela invenção protegida pela referida patente (v., neste sentido, Acórdão Teva, n.o 46).

60

No Acórdão Teva, o Tribunal de Justiça declarou que, para determinar se um produto está protegido por uma patente de base, na aceção do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009, o produto deve, no termo de uma primeira etapa de exame, estar necessariamente abrangido, para o especialista na matéria, à luz da descrição e dos desenhos da patente de base, pela invenção coberta por esta patente. Numa segunda etapa, o referido produto deve também ser expressamente mencionado nas reivindicações da mesma patente ou ser especificamente identificável. Neste último caso, o especialista na matéria deve poder identificar especificamente o mesmo produto à luz de todos os elementos divulgados pela mesma patente, e com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da patente de base (v., neste sentido, Acórdão Teva, n.o 52).

61

O alcance geral desta análise e, em particular, da sua primeira etapa, justifica‑se pelo facto de o CCP não se destinar a alargar o âmbito da proteção conferida pela patente de base além da invenção coberta por esta patente. Com efeito, seria contrário ao objetivo visado no considerando 4 do Regulamento n.o 469/2009, isto é, incentivar a investigação ao permitir amortizar os investimentos efetuados nessa investigação, conceder um CCP para um produto que não estivesse abrangido pela invenção coberta pela patente de base, uma vez que esse CCP não teria por objeto os resultados da investigação reivindicada por essa patente (v., neste sentido, Acórdão Teva, n.o 40).

62

Mais especificamente, se esta primeira etapa fosse aplicável apenas quando o produto não é expressamente mencionado nas reivindicações, a simples menção de um produto nas reivindicações, sem explicar de que modo é necessário para resolver o problema técnico a que se refere a patente de base, seria suficiente para que esse produto fosse considerado protegido por essa patente de base, o que viola os limites que o legislador da União pretendeu estabelecer, isto é, que o produto esteja abrangido pela invenção protegida pela referida patente.

63

É por este motivo que o Tribunal de Justiça declarou que, para efeitos da aplicação do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009, as reivindicações da patente de base devem ser entendidas à luz dos limites da invenção protegida, conforme resulta da descrição e dos desenhos da patente de base (v., neste sentido, Acórdão Teva, n.o 43).

64

Se a simples menção de um produto nas reivindicações, mesmo expressa, fosse suficiente, sem que o fascículo da patente especificasse por que razão esse produto constitui uma característica técnica necessária para a solução do problema técnico divulgado na referida patente, seria possível obter um CCP para um produto que não é o resultado da investigação que conduziu à invenção protegida pela patente.

65

Resulta do exposto que há que responder à primeira questão do processo C‑149/22 que o artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009 deve ser interpretado no sentido de que não é suficiente que um produto esteja expressamente mencionado nas reivindicações da patente de base para que se considere protegido por essa patente, na aceção desta disposição. Para satisfazer a condição prevista nesta disposição, o referido produto deve também estar necessariamente abrangido, para o especialista na matéria, à luz da descrição e dos desenhos da referida patente, pela invenção coberta pela patente à data de depósito ou de prioridade.

Quanto à segunda questão no processo C‑149/22

66

Com a sua segunda questão no processo C‑149/22, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009 deve ser interpretado no sentido de que um produto composto por dois princípios ativos (A+B) está protegido por uma patente de base, na aceção desta disposição, quando A e B são expressamente mencionados nas reivindicações dessa patente e o fascículo da mesma refere que A pode ser utilizado como medicamento para uso humano, isolado ou em associação com B, que é um princípio ativo do domínio público à data de depósito ou de prioridade da referida patente.

67

Como decorre, em substância, da resposta à primeira questão no processo C‑149/22, há que sublinhar que o teste em duas etapas que resulta do n.o 52 do Acórdão Teva é de alcance geral, uma vez que se aplica indistintamente, independentemente de o produto em causa ser ou não expressamente mencionado nas reivindicações da patente de base.

68

No que respeita, em particular, a um produto composto por dois princípios ativos (A+B) que são ambos expressamente mencionados nas reivindicações da patente de base, esse produto deve, para efeitos do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009, do ponto de vista do especialista na matéria, à data de depósito ou de prioridade, estar necessariamente abrangido pela invenção coberta por essa patente, à luz da descrição e dos desenhos da mesma. Com efeito, a menção expressa dos dois princípios ativos que compõem o produto em causa nas reivindicações da patente de base só é suficiente à luz da segunda etapa do teste que resulta do Acórdão Teva, como decorre do seu n.o 56. No entanto, para que a condição enunciada no referido artigo 3.o, alínea a) esteja preenchida, é necessário que a primeira etapa também seja respeitada.

69

Para o efeito, como o advogado‑geral observou, em substância, nos n.os 115 e 116 das suas conclusões, a simples menção, mesmo expressa, numa reivindicação da patente de base, da possibilidade de associar um princípio ativo divulgado nesta patente com um outro princípio ativo conhecido e do domínio público, não é suficiente para cumprir esta primeira etapa. Com efeito, o fascículo da referida patente deve ainda referir por que razão a associação destes dois princípios ativos constitui uma característica necessária para a solução do problema técnico divulgado nessa patente (v., neste sentido, Acórdão Teva, n.o 48).

70

No entanto, importa esclarecer que o facto de um dos princípios ativos que compõem o produto em causa ser conhecido à data de depósito ou de prioridade da patente e ser, nessa data, do domínio público não significa necessariamente que o produto não cumpre a primeira etapa do teste que resulta do Acórdão Teva. Com efeito, se a patente de base referir que a associação dos dois princípios ativos tem uma interação que vai além da mera soma dos efeitos destes dois princípios ativos e que contribui para a solução do problema técnico, é possível concluir que a associação dos dois princípios ativos está necessariamente abrangida pela invenção coberta por essa patente.

71

Esta interpretação do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009 permite satisfazer o objetivo visado por este regulamento de incentivar a investigação ao possibilitar a amortização dos investimentos efetuados nessa investigação, tendo simultaneamente em conta todos os interesses em causa, ao permitir a concessão dos CCP apenas para os produtos abrangidos pela invenção coberta pela patente de base.

72

No caso em apreço, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça no processo C‑149/22 que a associação de ezetimiba e de sinvastatina está expressamente mencionada nas reivindicações da patente de base em causa neste processo, designadamente na reivindicação 17. Do mesmo modo, é facto assente que, à data de prioridade da referida patente, a sinvastatina era do domínio público e resulta do pedido de decisão prejudicial que a referida patente não menciona nenhuma interação deste princípio ativo com a ezetimiba diferente da soma dos efeitos de cada um destes princípios ativos considerados isoladamente.

73

Atendendo ao exposto, há que responder à segunda questão no processo C‑149/22, que o artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009 deve ser interpretado no sentido de que um produto composto por dois princípios ativos (A+B) está protegido por uma patente de base, na aceção desta disposição, quando A e B são expressamente mencionados nas reivindicações dessa patente e o fascículo da mesma refere que A pode ser utilizado como medicamento para uso humano, isolado em associação com B, que é um princípio ativo do domínio público à data de depósito ou de prioridade da referida patente, desde que a associação destes dois princípios ativos esteja necessariamente abrangida pela invenção coberta por essa patente.

Quanto às despesas

74

Revestindo os processos, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante os órgãos jurisdicionais de reenvio, compete a estes decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

O artigo 3.o, alínea c), do Regulamento (CE) n.o 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos,

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe à concessão de um certificado complementar de proteção (CCP) para um produto composto por dois princípios ativos, mesmo que um destes tenha sido já objeto de um CCP anterior, a título individual, e seja o único a ter sido divulgado na patente de base, ao passo que o outro princípio ativo era conhecido à data do depósito ou de prioridade dessa patente.

 

2)

O artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009

deve ser interpretado no sentido de que:

não é suficiente que um produto esteja expressamente mencionado nas reivindicações da patente de base para que se considere protegido por essa patente, na aceção desta disposição. Para satisfazer a condição prevista nesta disposição, o referido produto deve também estar necessariamente abrangido, para o especialista na matéria, à luz da descrição e dos desenhos da referida patente, pela invenção coberta pela patente à data de depósito ou de prioridade.

 

3)

O artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009

deve ser interpretado no sentido de que:

um produto composto por dois princípios ativos (A+B) está protegido por uma patente de base, na aceção desta disposição, quando A e B são expressamente mencionados nas reivindicações dessa patente e o fascículo da mesma refere que A pode ser utilizado como medicamento para uso humano, isolado ou em associação com B, que é um princípio ativo do domínio público à data de depósito ou de prioridade da referida patente, desde que a associação destes dois princípios ativos esteja necessariamente abrangida pela invenção coberta por essa patente.

 

Assinaturas


( *1 ) Línguas de processo: inglês e finlandês.

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