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Document 62022CC0330
Opinion of Advocate General Ćapeta delivered on 15 June 2023.#Friends of the Irish Environment CLG v Minister for Agriculture Food and the Marine and Others.#Request for a preliminary ruling from the High Court (Irlande).#Reference for a preliminary ruling – Common fisheries policy – Conservation of resources – Total allowable catches (TACs) applicable to stocks of cod in the West of Scotland and the Celtic Sea, whiting in the Irish Sea and plaice in the Celtic Sea South – Regulation (EU) 2020/123 – Annex IA – TACs above zero – Expiry of the period of application – Assessment of validity – Regulation (EU) No 1380/2013 – Article 2(2), second subparagraph – Objective of achieving a maximum sustainable yield (MSY) exploitation rate at the latest by 2020 for all stocks – Articles 2, 3, 9, 10, 15 and 16 – Socioeconomic and employment objectives – Best available scientific advice – Landing obligation – Mixed fisheries – ‘Choke species’ – Regulation (EU) 2019/472 – Articles 1 to 5, 8 and 10 – Target stocks – By-catches – Remedial measures – Discretion.#Case C-330/22.
Conclusões da advogada-geral T. Ćapeta apresentadas em 15 de junho de 2023.
Friends of the Irish Environment CLG contra Minister for Agriculture Food and the Marine e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court (Irlande).
Reenvio prejudicial — Política Comum das Pescas — Conservação dos recursos — Totais admissíveis de capturas (TAC) aplicáveis às unidades populacionais de bacalhau do oeste da Escócia e do Mar Céltico, de badejo do mar da Irlanda e de solha do Mar Céltico Sul — Regulamento (UE) 2020/123 — Anexo I A — TAC superiores a zero — Termo do período de aplicação — Apreciação de validade — Regulamento (UE) n.o 1380/2013 — Artigo 2.o, n.o 2, segundo parágrafo — Objetivo de alcançar uma taxa de exploração que permita obter o rendimento máximo sustentável (RMS) em 2020, o mais tardar, para todas as unidades populacionais — Artigos 2.o, 3.o, 9.o, 10.o, 15.o e 16.o — Objetivos socioeconómicos e em matéria de emprego — Melhores pareceres científicos disponíveis — Obrigação de desembarque — Pescarias mistas — Espécies bloqueadoras — Regulamento (UE) 2019/472 — Artigos 1.o a 5.o, 8.o e 10.o — Unidades populacionais‑alvo — Capturas acessórias — Medidas corretivas — Poder de apreciação.
Processo C-330/22.
Conclusões da advogada-geral T. Ćapeta apresentadas em 15 de junho de 2023.
Friends of the Irish Environment CLG contra Minister for Agriculture Food and the Marine e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court (Irlande).
Reenvio prejudicial — Política Comum das Pescas — Conservação dos recursos — Totais admissíveis de capturas (TAC) aplicáveis às unidades populacionais de bacalhau do oeste da Escócia e do Mar Céltico, de badejo do mar da Irlanda e de solha do Mar Céltico Sul — Regulamento (UE) 2020/123 — Anexo I A — TAC superiores a zero — Termo do período de aplicação — Apreciação de validade — Regulamento (UE) n.o 1380/2013 — Artigo 2.o, n.o 2, segundo parágrafo — Objetivo de alcançar uma taxa de exploração que permita obter o rendimento máximo sustentável (RMS) em 2020, o mais tardar, para todas as unidades populacionais — Artigos 2.o, 3.o, 9.o, 10.o, 15.o e 16.o — Objetivos socioeconómicos e em matéria de emprego — Melhores pareceres científicos disponíveis — Obrigação de desembarque — Pescarias mistas — Espécies bloqueadoras — Regulamento (UE) 2019/472 — Artigos 1.o a 5.o, 8.o e 10.o — Unidades populacionais‑alvo — Capturas acessórias — Medidas corretivas — Poder de apreciação.
Processo C-330/22.
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:487
TAMARA ĆAPETA
apresentadas em 15 de junho de 2023 ( 1 )
Processo C‑330/22
Friends of the Irish Environment CLG
contra
Minister for Agriculture Food and the Marine,
Irlanda,
Procurador‑geral
[pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court (Tribunal Superior, Irlanda)]
«Pedido de decisão prejudicial — Validade — Política comum das pescas — Artigo 43.o, n.o 2, TFUE — Regulamento (UE) n.o 1380/2013 — Regulamento (UE) 2019/472 — Fixação das possibilidades de pesca — Limites de captura totais permitidos acima do rendimento máximo sustentável — Discricionariedade do Conselho nos termos do artigo 43.o, n.o 3, TFUE — Regulamento (UE) 2020/123»
I. Introdução
1. |
Um nome que ecoa em muitos mitos e lendas ancestrais da Irlanda é o do espírito dos oceanos, Manannán mac Lir. Um poderoso senhor da guerra para quem as ondas eram a sua carruagem, também considerado um próspero agricultor nas «planícies do mar». Os seus rebanhos eram cardumes de peixe em vez de gado bovino e ovino. Aqueles eram de tal modo abundantes nas águas em redor da Irlanda que, quando consecutivas comissões reais examinaram a indústria pesqueira em 1863 e 1885, os mais proeminentes ictiólogos da época concluíram que as pescarias eram «inesgotáveis» ( 2 ). |
2. |
Infelizmente, estavam errados. As unidades populacionais de peixes não são um recurso perpétuo e autorrenovável, independente da influência humana. Como aprendemos neste século, as unidades populacionais de peixe requerem uma gestão cuidadosa para garantir a sua sobrevivência. No fundo, esta é a alegação principal do recorrente. Com efeito, o seu argumento é que o Regulamento 2020/123 ( 3 ) que fixa as possibilidades de pesca para o ano 2020 fixa limites de pesca para determinadas unidades populacionais nas águas em redor da Irlanda ( 4 ) acima de níveis sustentáveis a longo prazo ( 5 ). Com esta argumentação, o recorrente invoca principalmente a legislação de base que estabelece a Política comum das pescas (a seguir «PCP») ( 6 ). Nesse ato legislativo, o legislador da União designou o ano 2020 como o limite temporal em que a pesca nas águas da União para todas as unidades populacionais deve ser realizada em níveis sustentáveis. |
3. |
Juridicamente, no entanto, o caso em apreço não levanta a questão de saber se os níveis estabelecidos pelo Conselho são ou não sustentáveis. Esta decisão não é da competência do Tribunal de Justiça. A tese jurídica da recorrente diz antes respeito à existência e aos limites do poder discricionário do Conselho ao fixar as possibilidades de pesca nas águas da União nos termos do artigo 43.o, n.o 3, TFUE. Ao responder a esta questão relativa à competência, o Tribunal de Justiça terá também de resolver a questão conexa de saber em que medida os objetivos de base da PCP podem ser afetados por legislação específica por área e por matéria nesse domínio. |
II. Antecedentes do processo e questões prejudiciais
4. |
Todos os anos, o Conselho atribui possibilidades de pesca entre os Estados‑Membros, com base numa parte previsível de unidades populacionais para cada espécie de peixe nas águas da União. Estas quotas‑partes individuais são designadas como total admissível de capturas (a seguir «TAC»). Na determinação e distribuição dos TAC anuais, o Conselho é obrigado a atuar no âmbito do objetivo da PCP, conforme estabelecido no Regulamento de base da PCP. |
5. |
O artigo 2.o do Regulamento de base da PCP enumera uma série de objetivos que a PCP deve observar. O seu n.o 1 salienta, nomeadamente, que a PCP «garante que as atividades da pesca e da aquicultura sejam ambientalmente sustentáveis a longo prazo». O n.o 2 explica então, no primeiro parágrafo, que, ao gerir a PCP, a União Europeia «visa assegurar que os recursos biológicos marinhos vivos sejam explorados de forma a restabelecer e manter as populações das espécies exploradas acima dos níveis que possam gerar o rendimento máximo sustentável». Prossegue afirmando, no segundo parágrafo, que «a taxa do rendimento máximo sustentável deve ser atingida, se possível, até 2015, e, numa base progressiva e gradual, o mais tardar até 2020, para todas as unidades populacionais» ( 7 ) (a seguir «Objetivo RMS para 2020»). |
6. |
O conceito de rendimento máximo sustentável (a seguir «RMS») é uma estratégia de captura utilizada globalmente na pesca. Parte do princípio de que existe um determinado nível de captura de uma unidade populacional de peixe que pode ser pescado sem afetar o equilíbrio da dimensão da população. No essencial, a ideia é capturar apenas o excedente de peixe que ocorre naturalmente quando as unidades populacionais atingem o seu ponto de equilíbrio e as suas taxas de reprodução abrandam. Por conseguinte, ao «subtrair» esse excedente, as taxas de reprodução permanecem maximizadas e as unidades populacionais de peixe reabastecem‑se anualmente sem afetar a sua sobrevivência a longo prazo. O RMS é, portanto, um pressuposto teórico que procura encontrar um equilíbrio entre o objetivo de conservar as unidades populacionais de peixe capturadas comercialmente para as gerações vindouras, por um lado, e o interesse económico e social em capturar essas unidades populacionais, por outro. |
7. |
De acordo com o Regulamento de base da PCP, o que constitui o RMS para uma determinada unidade populacional e a forma de o alcançar é calculada com base nos «melhores pareceres científicos disponíveis» ( 8 ), e, na falta de dados científicos adequados, com base na abordagem de precaução ( 9 ). Como todas as partes no presente processo concordam, o parecer elaborado especificamente para a Comissão Europeia pelo Conselho Internacional para a Exploração do Mar (a seguir «CIEM») relativo às quatro unidades populacionais em causa teve em conta ambas as abordagens. Por conseguinte, não se discute que os «melhores pareceres científicos disponíveis» ou a abordagem de precaução, com base nos quais o CIEM elaborou o seu parecer, mostraram que o TAC para as quatro unidades populacionais em causa nas águas em redor da Irlanda deve ser estabelecido no nível zero para o ano 2020, a fim de atingir o RMS dessas unidades populacionais no futuro ( 10 ). |
8. |
É também pacífico o facto de a presença de unidades populacionais de «captura nula», juntamente com a «obrigação de desembarcar», em «pescarias mistas» ( 11 ), conduz ao problema associado das «espécies bloqueadoras» e à obrigação de forçar os navios de pesca a cessar as suas operações muito antes de terem capturado as suas quotas principais. Este fenómeno deve ser clarificado. As pescarias mistas são águas em que está presente mais do que uma espécie de peixe e onde é provável que sejam capturadas em conjunto diferentes espécies de peixe na mesma operação de pesca. A «obrigação de desembarcar» exige que todos os navios de pesca mantenham a bordo todo o peixe capturado, o registem e o contabilizem nas quotas aplicáveis a essas unidades populacionais ( 12 ). Na prática, a combinação desses elementos significa que as unidades populacionais de TAC nulo podem «bloquear» a pesca de outras unidades populacionais em pescarias mistas assim que são capturadas, muitas vezes como captura acessória quando na verdade se pretende visar outra unidade populacional. Uma captura acessória de uma quota de uma unidade populacional não esgotada (ou nula) pode, assim, ter o efeito de «bloquear» a pescaria ao exigir que cesse as operações muito antes de ter atingido a captura da quota que lhe foi atribuída. |
9. |
Tendo em conta esta problemática e após ter recebido o parecer de captura nula para as quatro unidades populacionais em causa, a Comissão solicitou outro parecer ao CIEM especificamente relacionado com a quantidade de capturas acessórias das quatro unidades populacionais em causa que são capturadas ao pescar as unidades populacionais «alvo» em pescarias mistas. Como o próprio nome sugere, a unidade populacional‑alvo é o tipo de unidade populacional que o navio pretende capturar durante uma determinada operação de pesca quando sai para o mar. O peixe que acaba nas redes por acidente ou acaso é a captura acessória. |
10. |
Em conformidade com o pedido da Comissão ( 13 ), o CIEM forneceu estimativas relativas à quantidade de capturas acessórias das quatro unidades populacionais em causa que poderiam ser capturadas se a pesca nos níveis do TAC fosse efetuada para determinada unidade populacional‑alvo durante o ano de 2020 em pescarias mistas em redor da Irlanda. Importa referir que o parecer recebido do CIEM não referia que esses níveis de captura acessória são consistentes com a obtenção do RMS para as quatro unidades populacionais em causa se fossem capturadas apenas como capturas acessórias. As estimativas relevantes do CIEM constituem apenas uma estimativa matemática daquela entidade da quantidade de cada uma dessas quatro unidades populacionais que seria inevitavelmente capturada se o alvo fosse outra unidade populacional. |
11. |
No seu Regulamento 2020, o Conselho fixou as possibilidades de pesca para o ano de 2020 para as quatro unidades populacionais em causa em níveis superiores a zero, iguais aos níveis que o CIEM tinha estimado como capturas acessórias inevitáveis nas pescarias mistas, ou inferiores a esses níveis. |
12. |
Com base nos seus dados do TAC anual fixados pelo Conselho para o ano 2020 e nas quantidades relevantes atribuídas à Irlanda, o Minister for Agriculture, Food and the Marine [Ministro da Agricultura, da Alimentação e dos Assuntos Marítimos (a seguir «Ministro»)] emitiu avisos mensais de gestão das pescas nos termos da secção 12.o, n.o 1, do Sea Fisheries and Maritime Jurisdiction Act 2006 (Lei de 2006 Relativa à Pesca Marítima e à Jurisdição Marítima). Estes avisos fixam a quantidade das quatro unidades populacionais em causa que pode ser desembarcada pelos navios irlandeses em cada mês de 2020. |
13. |
A Friends of the Irish Environment CLG (a seguir «recorrente») intentou uma ação na Irlanda contra esses avisos emitidos pelo Ministro. A sua argumentação é, em substância, que ao fixar o TAC para as quatro unidades populacionais em causa acima de zero para o ano de 2020, o Conselho violou o Regulamento de base da PCP, em particular, o objetivo RMS para 2020 contido no artigo 2.o, n.o 2, do mesmo. Por conseguinte, os avisos emitidos pelo Ministro seriam inválidos. |
14. |
O Ministro defende a sua linha de ação (e, portanto, os níveis do TAC do Conselho) nomeadamente com base no facto de que o Regulamento de base da PCP deve ser interpretado em conjunto com o Regulamento (UE) 2019/472 ( 14 ). Este último regulamento é um instrumento do mesmo nível hierárquico que reconhece especificamente a dificuldade de pescar em pescarias mistas e o problema conexo de evitar «espécies bloqueadoras». Alega‑se que o Regulamento relativo às águas ocidentais teve o efeito de permitir a designação de TAC superior a zero para aquelas unidades populacionais para as quais foi emitido um parecer de captura nula, sempre que tal, em certa medida, «evitasse o bloqueio». |
15. |
Neste contexto de facto e de direito, a High Court of Ireland (Tribunal Superior, Irlanda) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
|
16. |
Foram apresentadas observações escritas pela recorrente, pela Irlanda, pelo Conselho e pela Comissão. Estas partes, bem como o Parlamento, apresentaram alegações orais na audiência realizada em 16 de março de 2023. |
III. Análise
A. Introdução
17. |
O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o Regulamento 2020 é válido na medida em que fixa as possibilidades de pesca superior a zero para as quatro unidades populacionais em causa nas águas que rodeiam a Irlanda ( 15 ). A resposta a essa questão permitiria a este órgão jurisdicional decidir sobre a validade das medidas nacionais através das quais essas quotas foram atribuídas à Irlanda. No entanto, o Regulamento 2020 só pode ser considerado válido se for adotado dentro dos limites do poder discricionário, se o houver, deixado ao Conselho pelo legislador da União. Assim, a análise do Tribunal de Justiça deve começar pela questão de saber se o Regulamento de base da PCP deixa ou não ao Conselho o poder discricionário para fixar as possibilidades de pesca para as quatro unidades populacionais em causa em níveis superiores a zero. Se, como irei propor, a resposta a esta questão tiver de ser negativa, numa segunda fase, o Tribunal de Justiça terá de avaliar se outros elementos do «direito primário da PCP», como o Regulamento relativo às águas ocidentais, afetam essa conclusão. |
18. |
Por conseguinte, irei analisar em primeiro lugar o quadro do Tratado no âmbito do qual ocorre o litígio (B). Com esta análise, procuro explicar por que razão a validade do Regulamento 2020, e o método de revisão a aplicar pelo Tribunal de Justiça para o analisar, depende da interpretação dos dois regulamentos em causa no caso em apreço: o Regulamento de base da PCP e o Regulamento relativo às águas ocidentais. Irei então passar à interpretação destes regulamentos (C). Em primeiro lugar, irei explicar porque considero que o Regulamento de base da PCP não deixou ao Conselho qualquer margem de discricionariedade para se afastar do parecer de captura recebido no caso em apreço ao determinar os TAC para as capturas acessórias nas pescarias mistas (C1). Em seguida, irei avaliar se essa escolha regulatória foi de algum modo afetada pelo Regulamento relativo às águas ocidentais (C2). Só então passarei a analisar a validade do Regulamento 2020 à luz das minhas conclusões (D1). No entanto, irei também oferecer ao Tribunal de Justiça um caminho alternativo, caso não concorde com a minha conclusão de que o Regulamento relativo às águas ocidentais não derrogou o claro mandato estabelecido pelo Regulamento de base da PCP (D2). Dado que, em ambos os casos, concluo que o Regulamento 2020 é inválido, irei delinear de forma breve a necessidade de, no entanto, manter os efeitos desse Regulamento 2020 (E). |
B. O quadro do Tratado e o padrão de revisão aplicável
19. |
O artigo 43.o TFUE prevê as bases jurídicas para a adoção de medidas que estabelecem e gerem a PCP. O artigo 43.o, n.o 2 prevê o processo legislativo ordinário para a adoção de atos legislativos no domínio das pescas; deve ser utilizado para todas as decisões políticas reservadas ao legislador da União ( 16 ). Por sua vez, o artigo 43.o, n.o 3 prevê um processo legislativo especial, que permite ao Conselho adotar atos sob proposta da Comissão. Esta disposição pode ser utilizada para a adoção das medidas específicas aí enumeradas, incluindo a fixação de «possibilidades de pesca», ou seja, a fixação do TAC para uma determinada unidade populacional. |
20. |
A relação entre estas disposições é um pouco peculiar ( 17 ). No domínio das pescas, a competência do Conselho assenta diretamente no Tratado. Como tal, pode adotar medidas com base no artigo 43.o, n.o 3, TFUE mesmo que nenhum ato legislativo adotado ao abrigo do artigo 43.o, n.o 2, TFUE o autorize a fazê‑lo ( 18 ). No entanto, o artigo 43.o, n.o 3, TFUE não permite ao Conselho determinar escolhas políticas básicas no domínio da PCP. Essas escolhas têm de ser feitas de acordo com o processo legislativo nos termos do artigo 43.o, n.o 2, TFUE ( 19 ). Se o legislador fixar os objetivos da política das pescas com base nesse artigo, essas escolhas políticas vinculam o Conselho quando adota atos nos termos do artigo 43.o, n.o 3, TFUE. Por conseguinte, ainda que o artigo 43.o, n.o 2 e 3 TFUE não se relacionem, estritamente falando, da mesma forma que os atos de base e os atos de execução se relacionariam, os atos adotados nos termos do artigo 43.o, n.o 2, TFUE determinam as competências do Conselho quando atua ao abrigo do artigo 43.o, n.o 3, TFUE ( 20 ). |
21. |
Por conseguinte, a análise da validade de um ato do Conselho que estabelece possibilidades de pesca anuais começa com a determinação dos limites em que o legislador da União já legislou sobre a matéria nos termos do artigo 43.o, n.o 2, TFUE ( 21 ). Implica analisar o tipo de discricionariedade, se houver, que o quadro político definido pelo legislador da União atribui ao Conselho. |
22. |
No caso em apreço, estão em causa três atos: o Regulamento de base da PCP e o Regulamento relativo às águas ocidentais, nos termos do artigo 43.o, n.o 2, TFUE e o Regulamento 2020, nos termos do artigo 43.o, n.o 3, TFUE. |
23. |
Ao examinar a validade do Regulamento 2020 face ao Regulamento de base da PCP e o Regulamento relativo às águas ocidentais, o método de análise a aplicar pelo Tribunal de Justiça será diferente consoante a «decisão» impugnada (ou seja, a decisão de fixar o TAC para as quatro unidades populacionais em causa acima de zero) esteja ou não dentro do âmbito de discricionariedade deixado ao Conselho. Se o legislador UE não habilitar o Conselho com a escolha do Conselho de realizar qualquer exercício de equilíbrio ao determinar e repartir TAC a partir do ano 2020, então a simples constatação de que o Conselho se afastou da escolha legislativa resulta na invalidade da sua decisão. Pelo contrário, se o Conselho pudesse legitimamente equilibrar o objetivo de atingir o RMS para capturas acessórias em pescarias mistas com outros objetivos da PCP e afastar‑se, se necessário, do parecer de TAC zero emitido pelo CIEM, então a validade da sua decisão dependeria do facto de ter excedido ou não os limites da discricionariedade que lhe foi dada ( 22 ). O nível de escrutínio a aplicar pelo Tribunal de Justiça dependeria, em tal caso, da extensão da discricionariedade deixada ao Conselho, bem como da complexidade da análise que o Conselho teria de fazer ( 23 ). |
24. |
Por conseguinte, a questão central é determinar a margem de manobra que o legislador da União deixou ao Conselho relativamente à fixação dos TAC para as capturas acessórias das pescarias mistas. |
C. Interpretação do direito primário da PCP
1. Enquadramento político do Regulamento de base da PCP
25. |
O Regulamento de base da PCP constitui a resposta do legislador da União à sobrepesca nas águas da União. No seu Livro Verde de 2009, que antecedeu a proposta para o Regulamento de base da PCP, a Comissão considerou que «a PCP [anterior] CFP não tinha funcionado suficientemente bem» e alertou para o facto de que uma visão ecológica e sustentável da PCP «está muito longe da realidade atual de sobrepesca […] e diminuição do volume de peixe capturado pelos pescadores europeus» ( 24 ). |
26. |
Assim, na sua proposta legislativa, a Comissão explicou que o objetivo geral do quadro previsto «é garantir que as atividades da pesca e da aquicultura proporcionam condições ambientais sustentáveis a longo prazo, condição prévia para alcançar um setor da pesca económica e socialmente sustentável que contribua para a disponibilidade de alimentos» ( 25 ). Por outras palavras, o Regulamento de base da PCP foi proposto com vista à reorientação da PCP para o objetivo a longo prazo de atividades de pesca sustentáveis. |
27. |
Essa escolha política está expressa no artigo 2.o do Regulamento de base da PCP. Ao definir os objetivos da PCP (revista), o artigo 2.o, n.o 1, desse regulamento enfatiza a necessidade de uma perspetiva a longo prazo e refere‑se tanto às preocupações ambientais como às socioeconómicas. A esse respeito, refere que a PCP visa assegurar que «as atividades da pesca e da aquicultura sejam ambientalmente sustentáveis a longo prazo e geridas de forma coerente com os objetivos de obtenção de benefícios económicos, sociais e de emprego» ( 26 ). |
28. |
O artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP prevê que a gestão das pescas «visa assegurar que os recursos biológicos marinhos vivos sejam explorados de forma a restabelecer e manter as populações das espécies exploradas acima dos níveis que possam gerar o rendimento máximo sustentável» ( 27 ). O segundo parágrafo do artigo 2.o, n.o 2, acrescenta então a data‑alvo para atingir esta meta: «se possível, até 2015, e, numa base progressiva e gradual, o mais tardar até 2020, para todas as unidades populacionais» ( 28 ). O artigo 2.o, n.o 5, desse regulamento, posteriormente estabelece outros objetivos da PCP, incluindo o objetivo de «[c]riar condições para tornar economicamente viáveis e competitivos os setores da pesca» (artigo 2.o, n.o 5, alínea c)) e «[c]ontribuir para assegurar um nível de vida adequado às populações que dependem das atividades da pesca, tendo em conta a pesca costeira e os aspetos socioeconómicos» (artigo 2.o, n.o 5, alínea f)). |
29. |
Globalmente considerado, o artigo 2.o do Regulamento de base da PCP permite certamente equilibrar os ideais concorrentes de sustentabilidade e de gestão das pescas, por um lado, com os objetivos económicos e sociais das comunidades que dependem do mar para a sua subsistência, por outro. Quando assim incumbido de determinar e repartir possibilidades de pesca, o Conselho tem, em princípio, uma certa margem de discricionariedade para ponderar os interesses concorrentes inerentes ao artigo 2.o do Regulamento de base da PCP. |
30. |
Na minha opinião, no entanto, a partir de 2020, o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP eliminou essa margem discricionária do Conselho relativos à decisão quanto à oportunidade e aos prazos de concretização dos níveis de RMS para as unidades populacionais abrangidas pelo Regulamento de base da PCP. Com efeito, considero que, ao estabelecer um prazo fixo, o legislador UE visava evitar que o Conselho colocasse os interesses de curto prazo à frente do objetivo abrangente de restaurar e manter progressivamente as populações das unidades populacionais de peixe acima dos níveis de biomassa capazes de produzir RMS. O legislador da União lidou com isto de forma semelhante à promessa «a partir de amanhã, chega de chocolate»: é que, se segunda‑feira não for entendida como um prazo fixo, uma pessoa vai continuar a comer chocolate e segunda‑feira nunca irá chegar. |
31. |
Para assegurar tal responsabilidade, o artigo 2.o, n.o 2, do regulamento de base da PCP vincula o Conselho de duas formas. Em primeiro lugar, o objetivo do RMS não pode ser alcançado depois do ano 2020 (a). Em segundo lugar, esse objetivo diz respeito a todas as unidades populacionais, sem distinção, independentemente de em determinadas operações de pesca serem referidas como «unidade populacional‑alvo» ou como «capturas acessórias» (b). |
a) O ano de 2020 como prazo fixo
32. |
O artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP parece fixar uma data fixa, a de 2020. Ao fazê‑lo, esta disposição impede o afastamento da decisão legislativa de atingir o RMS a partir de 2020. Por outras palavras, até esse ano ainda era possível equilibrar o objetivo de atingir o RMS face a outros objetivos socioeconómicos. A partir desse ano, no entanto, essa possibilidade deixou de existir, e com ela a discricionariedade do Conselho de se afastar do objetivo de atingir o RMS ao estabelecer os seus TAC anuais. Por outras palavras, por força do artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP, o legislador da União parece ter pretendido excluir as pressões socioeconómicas de curto prazo de se sobreporem à consecução dos objetivos de sustentabilidade a longo prazo a partir do ano de 2020. |
33. |
Esta interpretação é corroborada pelo considerando 7 do Regulamento de base da PCP, segundo o qual a obtenção das taxas de exploração do RMS ainda pode ser adiada para além da data‑alvo original de 2015, se atingi‑las até esse ano pudesse comprometer seriamente a sustentabilidade social e económica das frotas de pesca envolvidas. A consequência é que, após 2020, tais preocupações já não podem ser tidas em conta. |
34. |
Na minha opinião, excluir o objetivo RMS do exercício de equilíbrio que o Conselho empreende ao definir as possibilidades de pesca anual também é compatível com o «primeiro objetivo geral» (como o Conselho o denominou nas suas observações escritas), previsto no artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento de base da PCP. Exige que a pesca ambientalmente sustentável seja alcançada a longo prazo. A própria Comissão observou, no passado, que pescar em níveis de RMS é, na realidade, mais lucrativo para a indústria pesqueira a longo prazo do que diminuir continuamente esses níveis ( 29 ). Por conseguinte, separar os objetivos socioeconómicos de curto prazo das decisões sobre medidas para atingir o objetivo do RMS serve, a longo prazo, não apenas os objetivos ambientais da PCP, mas também os seus objetivos económicos, sociais, de emprego e de abastecimento alimentar. |
35. |
Na audiência, a recorrente sustentou que esta conclusão é igualmente corroborada por elementos contextuais do Regulamento de base da PCP. A este respeito, gostaria de chamar a atenção do Tribunal de Justiça para as referências ao artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP noutras disposições desse regulamento: esta disposição é referida especificamente sempre que este regulamento parece estabelecer uma forma específica de gestão das pescas que não pressupõe qualquer outra formulação. Por conseguinte, o artigo 16.o, n.o 4, do Regulamento de base da PCP, que regula a forma como as possibilidades de pesca são estabelecidas, remete apenas para o artigo 2.o, n.o 2, desse regulamento. Em contrapartida, a referência mais geral ao artigo 2.o do Regulamento de base da PCP é utilizada sempre que se afigure necessária uma abordagem que equilibre todos os objetivos da PCP ( 30 ). |
b) «Todas as unidades populacionais»
36. |
O objetivo RMS para 2020 aplica‑se, de acordo com o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP a «todas as unidades populacionais» ( 31 ). Consequentemente, uma leitura simples desta disposição estabelece uma obrigação clara e vinculativa de pescar «todas as unidades populacionais» (ou seja, tanto capturas‑alvo como acessórias), sem diferença, aos níveis de RMS a partir de 2020 ( 32 ). Concordo com a posição da recorrente de que não há forma credível de ler esta definição de outro modo, caso contrário o Tribunal de Justiça reescreveria inadvertidamente a definição de «unidade populacional» constante do Regulamento de base da PCP ( 33 ). Por conseguinte, uma leitura simples do artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP não permite a distinção entre unidades populacionais «alvo» e «acessórias», que o Conselho pretende delinear no Regulamento 2020. |
37. |
Além disso, para chegar a esta conclusão, apoio‑me na posição do Parlamento, que, na audiência, alegou que nenhuma exceção a essa regra poderia ser interpretada de forma realista no artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP tanto nessa disposição como noutras partes desse regulamento. |
c) Deve o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP ser interpretado de forma diferente no que diz respeito às pescarias mistas?
38. |
Em princípio, o Conselho e a Comissão partilham a interpretação acima referida, segundo a qual há um objetivo vinculativo que não admite derrogações. No entanto, o seu argumento baseia‑se numa interpretação do artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP, no sentido de que estabelece um âmbito de aplicação rígido («todas as unidades populacionais»), bem como uma data‑limite (o ano de 2020) para a pesca das quatro unidades populacionais em causa, que conduz a problemas práticos insustentáveis. Em especial, estas partes alegam que, devido à combinação de pescarias mistas, TAC nulo e obrigação de desembarque, não permitir qualquer derrogação do objetivo RMS para 2020 para as unidades populacionais de captura nula iria «bloquear» as frotas de pesca que têm operações de pescaria mista. Consequentemente, o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP deve ser interpretado no sentido de que permite a exclusão de capturas acessórias da obrigação de RMS nas pescarias mistas, se a fixação de objetivos nulos para essas unidades populacionais exigir às frotas que terminem prematuramente as suas operações de pesca para o peixe‑alvo. |
39. |
Na minha opinião, o texto do Regulamento de base da PCP não permite essa interpretação. Quando questionados na audiência, as partes não conseguiram designar um artigo em concreto que concedesse tal possibilidade de distinção. Com efeito, em todo o Regulamento de base da PCP existem apenas duas referências a «captura acessória», e apenas em locais que não estão relacionados com a questão de saber se a obrigação do RMS deve ou não ser aplicada às capturas acessórias em pescarias mistas ( 34 ). Além disso, a referência, no artigo 16.o, n.o 4, do Regulamento de base da PCP, de que «[a]s possibilidades de pesca devem ser fixadas de acordo com os objetivos previstos no artigo 2.o, n.o 2», utiliza o qualificativo «de acordo com» precisamente para demonstrar uma ligação obrigatória entre a fixação do TAC e a garantia de que o nível de RMS seja atingido o mais tardar até ao ano de 2020 para todas as unidades populacionais. Por conseguinte, esta disposição também não distingue entre unidades populacionais «alvo» e «acessórias». |
40. |
A obrigação de desembarque, defendida por algumas partes, não pode ser invocada para permitir o tratamento diferenciado das capturas acessórias nas pescarias mistas. Tal é corroborado pelo considerando 32 do regulamento de base da PCP, que explica que um aumento do TAC devido à obrigação de desembarque só deve ser possível «[s]ob reserva de parecer científico, e sem prejudicar os objetivos de rendimento máximo sustentável» ( 35 ). Mais uma vez, não está prevista qualquer diferença entre ambas as unidades populacionais. |
41. |
A possibilidade de distinguir ambas também não pode ser baseada de forma realista no artigo 9.o, n.o 5, do Regulamento de base da PCP, conforme salientou a Irlanda, como irei explicar ao avaliar o impacto do Regulamento relativo às águas ocidentais (v. n.o 47 das presentes conclusões). |
d) Conclusão provisória
42. |
Para concluir, na minha opinião, o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP obriga os Estados‑Membros a pescar aos níveis do RMS até 2020, o mais tardar, para todas as unidades populacionais, sem exceção. Por conseguinte, o Regulamento de base da PCP não deixou qualquer poder discricionário ao Conselho para se afastar da obrigação do RMS em relação às capturas acessórias ao fixar as possibilidades de pesca nas pescarias mistas. |
2. Impacto do Regulamento relativo às águas ocidentais
43. |
O Regulamento relativo às águas ocidentais é um plano plurianual, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea a) do Regulamento de base da PCP, adotado com base no artigo 43.o, n.o 2, TFUE. De acordo com o artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento de base da PCP, tais planos procuram assegurar o objetivo de «restabelecer e manter as unidades populacionais de peixes acima dos níveis capazes de produzir o rendimento máximo sustentável nos termos do artigo 2.o, n.o 2». Assim, embora esses planos sejam importantes para a prossecução dos objetivos da PCP, nomeadamente porque equilibram os princípios gerais de conservação e sustentabilidade face aos objetivos socioeconómicos ( 36 ), os planos plurianuais não visam alterar, mas antes viabilizar o objetivo RMS para 2020 do artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP. |
44. |
O Regulamento relativo às águas ocidentais estabelece um plano plurianual para a gestão das águas ocidentais, incluindo as que rodeiam a Irlanda ( 37 ). O artigo 1.o, n.o 1, deste regulamento enumera os tipos de unidades populacionais demersais abrangidos pelo seu âmbito de aplicação. No entanto, por força do seu artigo 1.o, n.o 4, esse regulamento também se aplica às capturas acessórias não enumeradas que tenham sido capturadas durante a pesca das unidades populacionais anteriores ( 38 ). Devido a esta distinção, os artigos 4.o e 5.o do Regulamento relativo às águas ocidentais também distinguem entre metas para as unidades populacionais «alvo», por um lado ( 39 ), e as unidades populacionais de capturas acessórias, respetivamente. Para este último, prevê que a gestão das pescarias mistas no que diz respeito às unidades populacionais de capturas acessórias «deve ter em conta a dificuldade de pescar todas as unidades populacionais respeitando o RMS ao mesmo tempo, em especial nas situações em que tal conduz a um encerramento prematuro da pesca». |
45. |
Pode esta disposição ser entendida no sentido de pôr em causa a conclusão (v. n.o 42 das presentes conclusões) de que o Regulamento de base da PCP determina que «todas as unidades populacionais» devem ser pescadas aos níveis do RMS a partir de 2020, quer sejam capturadas como «alvo» ou «capturas acessórias»? Na minha opinião, não pode. |
a) O Regulamento relativo às águas ocidentais como expressão do artigo 9.o, n.o 5, do Regulamento de base da PCP
46. |
Na audiência, a Irlanda sugeriu que o Regulamento relativo às águas ocidentais constituiria uma expressão da possibilidade, contida no artigo 9.o, n.o 5, do Regulamento de base da PCP, de os planos plurianuais poderem «ter em conta os problemas específicos das pescarias mistas no que diz respeito à consecução dos objetivos previstos no artigo 2.o, n.o 2, para as combinações de unidades populacionais abrangidas pelo plano caso os pareceres científicos indiquem que não são possíveis aumentos da seletividade.» |
47. |
Seja ou não esse o caso, não posso interpretar o artigo 9.o, n.o 5, do Regulamento de base da PCP no sentido de permitir que os planos plurianuais se afastem do objetivo RMS para 2020 MSY contido no artigo 2.o, n.o 2, do mesmo para o caso específico das pescarias mistas. Fazê‑lo seria não só contrário à redação clara dessa disposição, mas também iria contra a lógica subjacente à utilização dessa redação. Permitir que certas unidades populacionais sejam capturadas como «capturas acessórias» apesar do parecer científico de TAC nulo significaria que o Conselho poderia fixar possibilidades de pesca contrárias aos próprios princípios de boa governança que o legislador da União procurou consagrar na gestão da PCP ( 40 ). Por conseguinte, a faculdade, contida no artigo 9.o, n.o 5, do Regulamento de base da PCP, de que os planos plurianuais podem prever objetivos específicos de conservação e medidas para resolver determinados problemas relacionados com as pescarias mistas não pode servir como facilitadora para que o Conselho retire as capturas acessórias do objetivo RMS fixado pelo artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP. |
b) O Regulamento relativo às águas ocidentais alterou o Regulamento de base da PCP?
48. |
Nas suas observações escritas, o Conselho e a Comissão explicaram que o Regulamento relativo às águas ocidentais é simultaneamente o último ato e o mais específico, pelo que as regras de interpretação «lex posterior derogat legi priori» ou «lex specialis derogat legi generali» levariam a concluir que o Regulamento relativo às águas ocidentais prevalece sobre o Regulamento de base da PCP. Com efeito, estas máximas resolvem frequentemente o conflito entre duas normas de igual nível hierárquico nos sistemas jurídicos dos Estados‑Membros. É pacífico que tanto o Regulamento de base da PCP como o Regulamento relativo às águas ocidentais são adotados com base no mesmo artigo 43.o, n.o 2, TFUE. |
49. |
No entanto, em primeiro lugar, o direito da União não contém uma hierarquia clara entre as suas normas jurídicas secundárias ( 41 ). Em segundo lugar, considero insensato aplicar este tipo de regras de interpretação de forma automática e sem qualquer respeito pela teleologia e conteúdo destas duas normas que estão a ser comparadas. A este respeito, ainda que assente na mesma disposição do Tratado, não me parece que um plano plurianual possa ter um caráter tão convincente como o próprio Regulamento de base da PCP. Este último é, afinal, a própria legislação que estabelece o quadro jurídico no qual os planos plurianuais são executados. Consequentemente, embora possa não existir uma hierarquia assente numa base jurídica ao nível do direito primário entre os dois regulamentos, existe certamente uma hierarquia prevista ao nível do direito secundário. |
50. |
Os planos plurianuais são definidos e regulados pelos artigos 9.o e 10.o do Regulamento de base da PCP e destinam‑se a contribuir para a consecução do objetivo expresso no artigo 2.o, n.o 2, deste regulamento ( 42 ). Tal significa que esses planos podem acrescentar, complementar, ou implementar o quadro base estabelecido pelo Regulamento de base da PCP, que deixa muito espaço para diferentes decisões políticas; como tal, esses atos devem ser adotados com base no artigo 43.o, n.o 2, TFUE. No entanto, independentemente do conteúdo de um plano plurianual, esse plano não pode, por si só, derrogar a redação expressa dos objetivos do Regulamento de base da PCP. |
51. |
Se, no entanto, consideramos os dois atos como tendo o mesmo estatuto hierárquico, pode o Regulamento de base da PCP ser alterado de forma tácita ou implícita? Na audiência, o Parlamento Europeu pareceu defender esta possibilidade. Explicou que embora a redação do artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP fosse clara e sem exceções, o quadro jurídico tinha «evoluído» com a entrada em vigor do Regulamento relativo às águas ocidentais. Em especial no contexto da obrigação de desembarque, o Parlamento observou que o legislador da União deixou de considerar viável cumprir o objetivo RMS para 2020 para todas as unidades populacionais. Por conseguinte, os artigos 4.o e 5.o do Regulamento relativo às águas ocidentais pretendiam distinguir entre unidades populacionais alvo e de captura acessória, nomeadamente, ao fixar as possibilidades de pesca. Por conseguinte, estas disposições «alteraram tacitamente» (como o Parlamento explicou na audiência) o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP, ao eliminar efetivamente as capturas acessórias da referência a «todas as unidades populacionais» nessa disposição. O resultado é uma diferença em objetivos de pesca para as unidades populacionais alvo e de captura acessória, sendo apenas a primeira capturada em níveis de biomassa capazes de restaurar o RMS. Quando a mesma unidade populacional é capturada como captura acessória, o estabelecimento de TAC não será então limitado pelo objetivo RMS para 2020; em resumo, seria «de novo concedido» ao Conselho o poder discricionário para equilibrar isso com outros objetivos da PCP, pelo menos no que diz respeito à região limitada das águas ocidentais ( 43 ). |
52. |
Não está regulamentado o que constitui uma alteração para efeitos do direito da União. Pode aceitar‑se que, a partir do momento em que a substância de um ato é alterada, ocorreu uma alteração. Para esse efeito, pode ser adotada uma alteração em separado desse ato. Com efeito, é prática habitual das instituições da União que um novo ato que altere o anterior identifique expressamente as disposições anteriores que altera. No entanto, em rigor, tal não é necessário no caso de atos de igual nível hierárquico. |
53. |
Da mesma forma, não existe qualquer procedimento específico previsto no direito primário ou secundário da União para alterar a legislação. Embora alguns aspetos da forma como as alterações ou revogações são feitas sejam definidos nos guias de redação ( 44 ) ou acordos interinstitucionais ( 45 ), estes textos não têm natureza legislativa. Consequentemente, a forma como o legislador da União procede à alteração ou revogação da legislação anterior continua a fazer parte do «privilégio parlamentar». |
54. |
Pode‑se perguntar porque deveria importar se uma alteração é efetuada expressa ou tacitamente se os efeitos da mesma são, de qualquer forma, previstos pela legislação. |
55. |
A primeira é mais óbvia preocupação é que as alterações implícitas não sejam transparentes para o público. Essa parte interessada deve, pelo menos em geral, saber qual é a lei em vigor em determinado momento ( 46 ). Este é um aspeto do Estado de direito ( 47 ). As alterações implícitas sem explicação são, portanto, o próprio inimigo do processo legislativo transparente. Correm o risco de comprometer a certeza e previsibilidade das relações preexistentes e os seus direitos e obrigações correspondentes ( 48 ) |
56. |
Em segundo lugar, entendo que uma razão para insistir numa intenção de alteração indicada expressamente, em especial nas escolhas políticas, reside na exigência de permitir a participação no processo legislativo. Este é um aspeto importante das sociedades democráticas. Se o legislador da União for transparente quanto às suas intenções (propostas), pode formar‑se uma «oposição legislativa» significativa no processo legislativo da União, não apenas no Parlamento, mas também entre as diferentes partes interessadas. Pode também encorajar o público a refletir o seu acordo ou desacordo nas eleições. |
57. |
Por último, como pode o Tribunal de Justiça decidir se a legislação foi alterada se não houver qualquer explicação expressa da intenção de alterar opções legislativas anteriores no próprio texto normativo ou nos seus documentos de apoio? É dever do Tribunal de Justiça chegar a um significado jurídico de uma determinada disposição da União, interpretada no seu contexto e finalidade. Esse dever é significativamente mais complicado caso esse contexto e finalidade possam ter sido alterados tacitamente pelo legislador da União, e caso não seja encontrada qualquer explicação relativa a essa alteração na documentação preparatória ou final. Ainda mais quando diga respeito a alterações de elementos centrais da política que possam ser de interesse público. Quando, como no caso em apreço, o Tribunal de Justiça é essencialmente forçado a decidir a «verdadeira» intenção do legislador da União, existe um elemento adicional de legitimidade em apoiar a alegada intenção de um texto legislativo se esse texto ou os seus documentos de suporte realmente defendem o que os elementos constituintes dessa legislatura mais tarde alegam ser o resultado pretendido. |
58. |
Nessas situações, o Tribunal de Justiça só pode exprimir‑se em termos de princípios: a segurança jurídica exige que uma alteração tácita seja suficientemente clara para permitir a conclusão de que se trata de uma alteração. Ainda mais quando diga respeito a uma alteração tácita de política, que resulte numa alteração de política ou orientação legislativa. Em particular no que diz respeito a este último tipo de alteração de um texto legal, defendo, com efeito, que existe uma presunção contra uma alteração tácita de uma norma do direito derivado da União. Independentemente da forma como uma derrogação é introduzida, expressa ou tacitamente, deve ser claro para o Tribunal de Justiça que ocorreu uma alteração. |
59. |
No caso em apreço, está longe de ser claro que o Regulamento relativo às águas ocidentais pretendia tacitamente alterar o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP. Por conseguinte, uma vez que é impossível concluir categoricamente se houve ou não uma alteração, o Tribunal de Justiça apenas pode decidir presumindo que não ocorreu qualquer alteração do Regulamento de base da PCP. |
c) Conclusão provisória
60. |
Sou de opinião que a distinção introduzida pelos artigos 4.o e 5.o do Regulamento relativo às águas ocidentais entre capturas‑alvo e capturas acessórias não afeta e, portanto, permanece sujeita à obrigação política abrangente contida no artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP de pescar todas as unidades populacionais até ao ano de 2020, o mais tardar, nos níveis RMS. Isto significa que o Conselho não tem qualquer poder discricionário para fixar os TAC para as quatro unidades populacionais em causa em níveis superiores a zero, mesmo que apenas no caso de capturas acessórias. |
D. Validade do Regulamento 2020
1. Invalidade devida à falta de poder discricionário do Conselho
61. |
Tendo em conta as conclusões precedentes, a minha análise da validade do Regulamento 2020 pode ser bastante sucinta. |
62. |
Como é consensual entre as partes no presente processo, e resulta do artigo 1.o, n.o 1, e do anexo IA do Regulamento 2020, o Conselho fixou o TAC para as quatro unidades populacionais em causa nas águas que rodeiam a Irlanda acima de zero. |
63. |
É pacífico entre as partes que estes TAC não estão em linha com os «melhores pareceres científicos disponíveis» ou com a abordagem de precaução para a gestão de pescarias para alcançar o RMS. Por conseguinte, o Regulamento 2020 contraria, em parte, o objetivo estabelecido no artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP, de restaurar e manter progressivamente as populações das unidades populacionais de peixe acima dos níveis de biomassa capazes de produzir um RMS, o mais tardar até 2020, para todas as unidades populacionais. Conforme expliquei nos n.os 43 a 60 das presentes conclusões, o Regulamento relativo às águas ocidentais não afeta esta conclusão. |
64. |
Daqui resulta que o Conselho não tinha o poder discricionário para fixar acima de zero as possibilidades de pesca nas águas em redor da Irlanda para as quatro unidades populacionais em causa. Consequentemente, a sua decisão foi ilegal. Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que declare inválido o anexo IA do Regulamento 2020, na medida em que fixa acima de zero as possibilidades de pesca para as quatro unidades populacionais em causa nas águas em redor da Irlanda. |
2. Invalidade devido ao facto de o Conselho ter ultrapassado os limites do seu poder discricionário
65. |
No entanto, é possível que o Tribunal de Justiça não concorde com a minha interpretação do Regulamento de base da PCP e/ou conclua que o Regulamento relativo às águas ocidentais podia e alterou o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP para excluir as capturas acessórias nas pescarias mistas do conceito de «todas as unidades populacionais». Nesse caso, a avaliação da validade do Regulamento 2020 exigiria uma revisão para saber se o Conselho se manteve dentro dos limites do seu poder discricionário ao determinar TAC para as quatro unidades populacionais em causa. |
66. |
Neste cenário, o Regulamento de base da PCP e o Regulamento relativo às águas ocidentais permitiriam ao Conselho, ao fixar as suas possibilidades de pesca anuais, equilibrar o objetivo RMS para 2020 para as quatro unidades populacionais em causa quando capturadas como capturas acessórias nas pescarias mistas com outros objetivos da PCP. Por outras palavras, o Conselho estaria em condições de se afastar do parecer de captura nula emitido para as quatro unidades populacionais em causa para alcançar o RMS se considerasse necessário preservar, por exemplo, a sobrevivência das frotas de pesca ou o número de empregos na indústria da pesca. |
67. |
Como deve o Tribunal de Justiça apreciar o respeito pelo poder discricionário do Conselho no caso em apreço? Na minha opinião, o que é necessário é que o Tribunal de Justiça verifique se o Conselho teve em conta todas as preocupações que devem entrar nesse exercício de ponderação, mesmo que não possa questionar a forma como esses elementos foram ponderados. |
68. |
Resulta claro das explicações do Conselho e da Comissão que o Regulamento 2020 fixa TAC a níveis superiores a zero para as quatro unidades populacionais em causa nas águas em redor da Irlanda a fim de evitar o «bloqueio» dessas operações de pesca para outras unidades populacionais alvo. Por outras palavras, a ação do Conselho serviu objetivos socioeconómicos da PCP. Esta instituição devia, portanto, demonstrar que tomou em consideração todas as preocupações relacionadas com os diversos objetivos que equilibrou entre si. Na minha opinião, tal incluiria pelo menos uma explicação do eventual prejuízo (financeiro ou económico) que o fenómeno das«espécies bloqueadoras» causaria à indústria da pesca e à(s) população(ões) costeira(s) relevante(s), bem como os perigos e perspetivas das unidades populacionais em causa para alcançar o objetivo RMS para 2020. |
69. |
O próprio Conselho pareceu concordar que a discricionariedade não está limitada à natureza e âmbito das medidas a tomar, mas que também se estende à apreciação dos dados de base. Por conseguinte, deveria demonstrar ao Tribunal de Justiça que procedeu a esse exercício de averiguação quando fixou as possibilidades de pesca em causa no caso em apreço. |
70. |
Contudo, quando instado na audiência a explicar com precisão o alcance dos efeitos socioeconómicos esperados se fosse adotado o TAC zero relevante, o Conselho não conseguiu fornecer ao Tribunal de Justiça quaisquer informações específicas que tenha tido em conta para efeitos do seu exercício de ponderação. Nem foi capaz de explicar que consequências financeiras, económicas, ou sociais teriam resultado da fixação do TAC nulo para as quatro unidades populacionais em causa nas águas em redor da Irlanda. A única parte que conseguiu responder a este aspeto, a Comissão, explicou que o número de navios potencialmente afetados seria de aproximadamente 6000 e que o dano potencial que resultaria do encerramento de toda a bacia marítima à volta da Irlanda seria de aproximadamente 1 milhar de milhão de euros ( 49 ). Não tenho razões para duvidar desses números, mas oferecer dois indicadores económicos entre muitos ( 50 ) não é suficiente para explicar de forma convincente a forma como o exercício de ponderação do Conselho foi alegadamente conduzido. Afinal, é com base nessa fundamentação que o Tribunal de Justiça exerce a sua fiscalização jurisdicional, mesmo em áreas em que os seus poderes para tal sejam «limitados». Em abstrato, não é simplesmente possível ao Tribunal de Justiça «fazer o seu trabalho» quando confrontado com promessas institucionais de que os dados relevantes «foram tidos em consideração». |
71. |
No entanto, admitindo que o Tribunal de Justiça dispunha de tais dados, é claro que, no exercício de ponderação do Conselho (desde que o poder discricionário tivesse de facto disponível ao Conselho para equilibrar os objetivos socioeconómicos face ao objetivo RMS 2020), o objetivo básico de alcançar o RMS para todas as unidades populacionais não pode ser completamente ignorado. A este respeito, o Conselho alegou que fixou o TAC para as quatro unidades populacionais em causa em níveis iguais ou inferiores às estimativas do CIEM de capturas acessórias inevitáveis ( 51 ). Explicou que esses níveis (a que chamarei) «mais favoráveis» permitiam algum aumento da biomassa da unidade populacional reprodutora (por exemplo, para o bacalhau no oeste da Escócia em cerca de 10 %) das quatro unidades populacionais em causa, e que esse era de facto o claro objetivo do Conselho. Mais uma vez, apesar de não contestar esse número, o que não pode ser ignorado é o facto de que mesmo a esses níveis as quatro unidades populacionais em causa permaneceriam abaixo do limite mínimo de biomassa necessário para que essas unidades populacionais se reproduzam. Por outras palavras, esses limites «mais favoráveis» causariam na mesma danos irreparáveis às quatro unidades populacionais em causa, uma vez que o TAC foi fixado a um nível que representa uma percentagem significativa da sua biomassa atual (por exemplo, para o bacalhau, os TAC para o ano 2020 representavam 62 % e 54 % respetivamente das unidades populacionais de biomassa reprodutora em duas das pescarias em causa) ( 52 ). Pelo que entendi, esses níveis foram selecionados com base na estimativa do CIEM da quantidade esperada de capturas acessórias. No entanto, com base na informação de que o Tribunal de Justiça dispõe, parece que não foi solicitado qualquer parecer científico sobre o possível efeito dos TAC escolhidos nas possibilidades de recuperação das unidades populacionais em causa, quer para níveis RMS quer não ( 53 ). Por conseguinte, parece‑me que, ao fixar estes TAC a um nível que representa uma quantidade significativa da biomassa reprodutora das quatro unidades populacionais em causa, o Conselho não cumpriu a sua obrigação de procurar formular esse nível com base nos «melhores pareceres científicos disponíveis» ou na abordagem de precaução ( 54 ). |
72. |
Por último, por escrito e na audiência, o Conselho explicou que, além de permitir algumas capturas das quatro unidades populacionais em causa como capturas acessórias, tomou em consideração medidas corretivas adicionais, como o compromisso dos Estados‑Membros de não utilizar o aumento de 10 % nos TAC autorizado pelo artigo 15.o, n.o 9, do Regulamento de base da em relação às quatro unidades populacionais em causa. Se levarmos em consideração que 10 % do TAC nulo, conforme parecer do CIEM, continuaria a ser zero, esse compromisso não parece ser uma medida corretiva importante. O Conselho também alegou que introduziu algumas medidas técnicas, como a utilização obrigatória de redes com malhagens específicas em determinadas águas, o que iria aumentar a seletividade das unidades populacionais na pesca mista ( 55 ). Contudo, não só tais obrigações são introduzidas apenas em meados do ano de 2020, mas, mais importante, o artigo 9.o, n.o 5, do Regulamento de base da PCP permite medidas específicas em relação às pescarias mistas apenas quando o aumento da seletividade não pode ser alcançado de outra forma. Por conseguinte, quaisquer medidas que aumentassem a seletividade deviam ter sido tomadas em consideração antes do aumento do TAC para as capturas acessórias e não posteriormente. |
73. |
Em conclusão, mesmo que o Regulamento relativo às águas ocidentais fosse interpretado no sentido de que alterava o Regulamento de base da PCP em relação às unidades populacionais de capturas acessórias em pescarias mistas (quod non), sou de opinião que a Comissão e o Conselho não forneceram ao Tribunal de Justiça informações suficientes para permitir concluir que o Regulamento 2020 não foi adotado fora dos limites deixados pelo Regulamento de base da PCP e o Regulamento relativo às águas ocidentais. |
74. |
Por conseguinte, mesmo neste cenário subsidiário, proponho que o Tribunal de Justiça declare inválido o Regulamento 2020 na medida em que fixa TAC para as quatro unidades populacionais em causa nas águas que rodeiam a Irlanda a um nível acima de zero. |
E. Manutenção dos efeitos do Regulamento 2020
75. |
Em resultado da declaração de invalidade do Regulamento 2020, a base sobre a qual foram fixadas as possibilidades de pesca para esse ano desapareceria com efeitos retroativos, tal como se o referido regulamento fosse declarado nulo ( 56 ). Nestas circunstâncias, o segundo parágrafo do artigo 264.o TFUE, que também é aplicável por analogia a um pedido de decisão prejudicial, nos termos do artigo 267.o TFUE sobre a validade dos atos da União Europeia, confere ao Tribunal de Justiça o poder discricionário para decidir quais os efeitos específicos do ato em causa devem ser considerados definitivos ( 57 ). |
76. |
No caso em apreço, o Regulamento 2020 expirou no final do ano de 2020. Em conformidade com o pedido do Conselho, não considero que se justifique pôr em causa a legalidade das atividades piscatórias realizadas por operadores de boa‑fé, designadamente porque tal acarretaria o risco de repercussões significativas num número elevado de relações jurídicas que se estabeleceram nessa base. |
77. |
Por conseguinte, caso o Tribunal de Justiça opte por seguir a minha conclusão, sugiro que limite os efeitos temporais da declaração de invalidade das partes relevantes do anexo IA do Regulamento 2020, mantendo‑os pelo período de vigência desse regulamento. |
IV. Conclusão
78. |
Tendo em conta as considerações anteriores, proponho que o Tribunal de Justiça responda à segunda questão prejudicial da seguinte forma:
|
( 1 ) Língua original: inglês.
( 2 ) V. Roney, J.B., «[Mis‑]managing Fisheries on the West Coast of Ireland in the Nineteenth Century», Humanities, vol. 8(1), n.o 4, 2019, p. 10, que cita o primeiro zoólogo marinho sistemático na Grã‑Bretanha, que serviu na Comissão Real de 1885, com as seguintes palavras: «com algumas exceções, a fauna do mar alto, pela sua natureza e ambiente, parece, em grande medida, ser independente da influência do homem. […] A natureza quase invariavelmente executa as suas próprias leis, e, em regra, no mar estas estão para além da influência do homem». V., também, Roberts, C., The Unnatural History of the Sea, Island Press, 2007, pp. 142, 143 e 157 (que conclui que tanto a Comissão Real de 1863 como a de 1885, em substância, confirmaram a conclusão da pesca ilimitada).
( 3 ) Regulamento (UE) 2020/123 do Conselho, de 27 de janeiro de 2020, que fixa, para 2020, em relação a determinadas unidades populacionais de peixes e grupos de unidades populacionais de peixes, as possibilidades de pesca aplicáveis nas águas da União e as aplicáveis, para os navios de pesca da União, em certas águas não União (JO 2020, L 25, p. 1) (a seguir «Regulamento 2020»).
( 4 ) Mais concretamente, essas espécies e áreas de pesca são «Bacalhau (Gadus morhua) na zona 6.a (Oeste da Escócia)» (publicado em 28 de junho de 2019); «Bacalhau (Gadus morhua) nas zonas 7.e‑k (Canal da Mancha ocidental e Mares Célticos do Sul)» (publicado em 16 de agosto de 2019); «Badejo (Merlangius merlangus) na zona 7.a (Mar da Irlanda)» (publicado em 28 de junho de 2019); e «Solha (Pleuronectec platessa) nas zonas 7.h‑k (Mar Céltico Sul, sudoeste da Irlanda)» (publicado em 13 de novembro de 2019) (para simplificar, estas unidades populacionais são referidas como «as quatro unidades populacionais em causa» e as zonas como as «águas em redor da Irlanda»).
( 5 ) As possibilidades de pesca relevantes em causa no presente processo são identificadas no Anexo IA do Regulamento de 2020.
( 6 ) Ou seja, o Regulamento (UE) n.o 1380/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, relativo à política comum das pescas, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1954/2003 e (CE) n.o 1224/2009 do Conselho e revoga os Regulamentos (CE) n.o 2371/2002 e (CE) n.o 639/2004 do Conselho e a Decisão 2004/585/CE do Conselho (JO 2013, L 354, p. 22) (a seguir «Regulamento de base da PCP»).
( 7 ) O sublinhado é meu.
( 8 ) Como resulta, por exemplo, do artigo 3.o, alínea c), do Regulamento de base da PCP.
( 9 ) De acordo com o artigo 4.o, n.o 1, alínea 8), do Regulamento de base da PCP, a abordagem de precaução em matéria de gestão das pescas é «uma abordagem tal que não dê azo a que a falta de informações científicas adequadas sirva de justificação para protelar ou para não adotar medidas de gestão destinadas a conservar as espécies‑alvo, as espécies associadas ou dependentes e as espécies não‑alvo e o meio em que evoluem».
( 10 ) Esse parecer do CIEM explica que o parecer de TAC zero para as duas unidades populacionais de bacalhau e para a unidade populacional de badejo se baseou na abordagem RMS, ao passo que o parecer de TAC zero para a unidade populacional de solha se baseou na abordagem da precaução. No entanto, importa salientar, como atesta o parecer do CIEM que consta dos autos, e conforme confirmado pelo Conselho e pela Comissão na audiência, mesmo que os níveis TAC no RMS fossem utilizados para as quatro unidades populacionais em causa, essas unidades populacionais permaneceriam abaixo do ponto de referência limite para a biomassa da população reprodutora, ou seja, abaixo do ponto a partir do qual as taxas de reprodução dessas unidades populacionais se consideram comprometidas. Por conseguinte, é possível concluir que seria necessário mais de um ano para aumentar os TAC para as quatro unidades populacionais em causa para um nível superior a zero.
( 11 ) Artigo 15.o do Regulamento de base da PCP.
( 12 ) Ao abrigo do anterior Quadro de base para a PCP, estabelecido pelo Regulamento (CE) n.o 2371/2002 do Conselho, de 20 de dezembro de 2002, relativo à conservação e à exploração sustentável dos recursos haliêuticos no âmbito da Política Comum das Pescas (JO 2002, L 358, p. 59), os navios não tinham de parar de pescar quando a sua quota para uma dessas unidades populacionais se esgotava. Em vez disso, podiam continuar a pescar outras unidades populacionais‑alvo. Consequentemente, continuavam a capturar as unidades populacionais cujas quotas já estavam esgotadas, apesar de não poderem desembarcar legalmente essas capturas. As capturas que excediam a quota eram devolvidas. Com a introdução da obrigação de desembarque, essa prática de devolução de capturas indesejadas deixou de existir.
( 13 ) Em resumo, a questão colocada pela Comissão ao CIEM centrou‑se no seguinte: se ocorrer uma pescaria da Unidade Populacional X (por exemplo pescada) nas Águas de Pesca Mista Y, quantas capturas acessórias de outro tipo de unidade populacional (por exemplo bacalhau) acabariam provavelmente nas redes dos pescadores da UE se fosse capturada a quantidade que atinge o TAC máximo do peixe‑alvo?
( 14 ) Regulamento (UE) do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de março de 2019, que estabelece um plano plurianual para as unidades populacionais capturadas nas águas ocidentais e águas adjacentes, e para as pescarias que exploram essas unidades populacionais, que altera os Regulamentos (UE) 2016/1139 e (UE) 2018/973, e que revoga os Regulamentos (CE) n.o 811/2004 (CE) n.o 2166/2005 (CE) n.o 388/2006 (CE) n.o 509/2007 e (CE) n.o 1300/2008 do Conselho (JO 2019, L 83, p. 1) (a seguir «Regulamento relativo às águas ocidentais»).
( 15 ) Este era o cerne da segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio que a Comissão e o Conselho propuseram que fosse reformulada. O Tribunal de Justiça não pediu a minha opinião relativamente à primeira questão.
( 16 ) V., nomeadamente, Acórdão de 26 de novembro de 2014, Parlamento e Comissão/Conselho (C‑103/12 e C‑165/12, EU:C:2014:2400, n.o 48).
( 17 ) O antecessor destes artigos, o artigo 37.o TCE, continha apenas uma base jurídica para a adoção dos atos da PCP.
( 18 ) V., para o efeito, Acórdão de 7 de setembro de 2016, Alemanha/Parlamento e Conselho (C‑113/14, EU:C:2016:635, n.os 58 e 59. V. igualmente, por analogia, Acórdão de 24 de novembro de 2022, Parlamento/Conselho (medidas técnicas relativas às possibilidades de pesca) (C‑259/21, EU:C:2022:917, n.o 74), que explica que a competência da Comissão para adotar atos delegados com fundamento nas disposições dos regulamentos de base no domínio das pescas não impede o Conselho de adotar, ao abrigo da competência que lhe é atribuída pelo artigo 43.o, n.o 3, TFUE, medidas técnicas relativas a questões semelhantes às visadas pela competência delegada da Comissão).
( 19 ) V. Acórdão de 1 de dezembro de 2015, Parlamento e Comissão/Conselho (C‑124/13 e C‑125/13, EU:C:2015:790, n.o 48). (que refere que «a adoção de disposições nos termos do artigo 43.o, n.o 2, TFUE pressupõe obrigatoriamente que se aprecie se essas disposições são “necessárias” para prosseguir os objetivos das políticas comuns reguladas pelo Tratado FUE, pelo que essa adoção implica uma decisão política que deve ser reservada ao legislador da União»).
( 20 ) V. Acórdão de 1 de dezembro de 2015, Parlamento e Comissão/Conselho (C‑124/13 e C‑125/13, EU:C:2015:790, n.o 54 e 58).
( 21 ) Conforme explicado pelo Tribunal de Justiça, o Conselho deve agir não apenas no respeito dos limites das suas competências nos termos do artigo 43.o, n.o 3, TFUE, mas também no respeito dos limites do quadro jurídico imposto pelo direito primário da PCP. V. Acórdão de 1 de dezembro de 2015, Parlamento e Comissão/Conselho (C‑124/13 e C‑125/13, EU:C:2015:790, n.os 58 e 59).
( 22 ) Na mesma linha, v. Conclusões do advogado‑geral N. Wahl nos processos apensos Parlamento e Comissão/Conselho (C‑124/13 e C‑125/13, EU:C:2015:337, n.o 89 (referindo que «o grau (maior ou menor) de discricionariedade de que goza o Conselho na adoção de medidas ao abrigo do artigo 43.o, n.o 3, TFUE depende da margem de manobra que o legislador da União decidiu deixar‑lhe»).
( 23 ) V., por exemplo, Acórdão de 30 de abril de 2019, Itália/Conselho (Quota de pesca para o espadarte do Mediterrâneo) (C‑611/17, EU:C:2019:332, n.os 57 e 58 e jurisprudência referida).
( 24 ) Livro Verde da Comissão, Reforma da Política Comum das Pescas [COM(2009) 163 final], 22 de abril de 2009, p. 4. Não foi a primeira vez que a Comissão desesperou com o estado dos recursos de pesca da União Europeia: numa publicação de 1994 esta instituição salientou que «muitos pescadores estão a perseguir pouco peixe, e muitos peixes jovens e imaturos estão a ser capturados. O aumento da demanda pública, a pressão sobre os pescadores para cobrir os crescentes custos de investimento e o desenvolvimento de equipamentos cada vez mais sofisticados, como sonares e radares, que conseguem localizar cardumes com maior precisão, aumentaram a pressão sobre um recurso escasso» («A nova Política Comum das Pescas» (Comissão Europeia, Direção‑Geral dos Assuntos Marítimos e das Pescas, Secretariado‑Geral, A nova Política Comum das Pescas, Publications Office, 1994, p. 13).
( 25 ) Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a Política Comum das Pescas [COM(2011) 425 final], 13 de julho de 2011, p. 6.
( 26 ) O sublinhado é meu.
( 27 ) O sublinhado é meu.
( 28 ) O sublinhado é meu.
( 29 ) V., a este respeito, a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, Implementar a sustentabilidade nas pescas da União através do rendimento máximo sustentável [COM(2006) 360 final], 4 de julho de 2006, n.o 2.2: «Pescar nos níveis do RMS reduziria os custos e aumentaria os lucros para a indústria pesqueira, uma vez que a quantidade de esforço (e custos associados, como combustível) exigido por tonelada de peixe capturado diminui. As opções para os Estados‑Membros e para aqueles que fazem da pesca o seu modo de vida serão mais fáceis quando puder ser capturado mais peixe e distribuída mais riqueza pela indústria da pesca».
( 30 ) Para além do artigo 16.o do regulamento de base da PCP, as disposições relativas aos princípios e objetivos dos planos plurianuais (artigo 9.o); e a gestão de unidades populacionais de interesse comum (artigo 33.o) referem‑se especificamente ao artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP e, assim, podem ser interpretadas como impondo a sustentabilidade ambiental como modo de funcionamento. Dado que não é feita referência a outros objetivos de equilíbrio, não vejo nada que corrobore o argumento de que o Conselho tem o poder discricionário para equilibrar o objetivo RMS para 2020 com outros objetivos. Contrastando isso com, por exemplo, medidas de conservação (artigos 6.o e 11.o); o conteúdo dos planos plurianuais (artigo 10.o); medidas nacionais (artigos 19.o e 20.o); as obrigações da União nas organizações internacionais de pesca (artigo 29.o); a organização do mercado comum da pesca (artigo 35.o); ou a assistência financeira da União (artigo 40.o). Sempre que essas disposições remetem para os objetivos da PCP, referem‑se geralmente ao artigo 2.o do Regulamento de base da PCP e, portanto, aos objetivos coletivos concorrentes nele contidos. Aqui, eu argumentaria, o Conselho tem alguma discricionariedade para equilibrar esses interesses concorrentes que considera necessários.
( 31 ) O sublinhado é meu.
( 32 ) Não existe qualquer argumento válido que explique uma alteração no significado linguístico do texto entre 2013 e agora. Não temos perante nós uma lei da época do reinado de Henry VII, um exemplo famoso que exigia que um membro da casa do rei que fosse acusado de conspirar para o assassinar, ou qualquer senhor do reino, fossem julgados por um júri de «twelve sad men» («doze homens tristes»). Como explicou Lord Leggatt: «a palavra “sad” na altura significava sóbrio e discreto. Seria absurdo, quando o significado comum da palavra se alterou posteriormente, ter interpretado a lei no sentido de exigir que um júri fosse constituído por doze indivíduos dolourous (desgostosos)». Supremo Tribunal do Reino Unido, News Corp UK & Ireland Ltd (Recorrente)/Commissioners for His Majesty’s Revenue and Customs (Recorrido), [2023] UKSC 7, n.o 82.
( 33 ) O artigo 4.o, n.o 1, ponto 14, do Regulamento de base da PCP refere‑se a «unidade populacional» como «um recurso biológico marinho que evolui numa determinada zona de gestão».
( 34 ) O Regulamento de base da PCP refere‑se a «capturas acessórias» no seu considerando 29 quando se refere à possibilidade de os Estados‑Membros imputarem «as capturas acessórias à quota das espécies‑alvo». Esta possibilidade está, por sua vez, prevista no artigo 15.o, n.o 8, do Regulamento de base da PCP, e permite aos Estados‑Membros deduzir da sua quota da unidade populacional «as capturas de espécies sujeitas à obrigação de desembarcar que excedam as quotas das unidades populacionais em questão, ou as capturas de espécies em relação às quais o Estado‑Membro não disponha de quota […] [desde que] a unidade populacional das espécies não alvo se encontr[e] dentro de limites biológicos seguros». No entanto, conforme explicado acima, e confirmado pelo Conselho e a Comissão na audiência, o parecer do CIEM para as quatro unidades populacionais em causa demonstra que nenhuma dessas unidades populacionais teria atingido limites biológicos seguros para o ano de 2020 mesmo que não tivesse sido fixado nenhum TAC para as mesmas. Por outras palavras, no caso em apreço, mesmo o recurso ao artigo 15.o, n.o 8, do Regulamento de base da PCP, se tivesse sido a fonte do alegado poder discricionário do Conselho, não teria sido possível.
( 35 ) O sublinhado é meu.
( 36 ) V. Conclusões do advogado‑geral N. Wahl nos processos apensos Parlamento e Comissão/Conselho (C‑124/13 e C‑125/13, EU:C:2015:337, n.o 73).
( 37 ) O âmbito de aplicação do Regulamento relativo às águas ocidentais é estabelecido no artigo 2.o, n.o 1 do mesmo.
( 38 ) Das quatro unidades populacionais em causa no caso em apreço, apenas um tipo [bacalhau (Gadus morhua) nas divisões CIEM 7e-k], está enumerado no artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento relativo às águas ocidentais. Isso significa que o referido regulamento é aplicável às restantes três unidades populacionais apenas como captura acessória, nos termos do artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento relativo às águas ocidentais.
( 39 ) De acordo com o artigo 4.o do Regulamento relativo às águas ocidentais, quando capturadas como alvo, as unidades populacionais devem atingir o objetivo RMS para 2020.
( 40 ) Os princípios de boa governança, segundo os quais a PCP «deve» orientar‑se, exigem, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento de base da PCP, o «[e]stabelecimento de medidas conformes com os melhores pareceres científicos disponíveis».
( 41 ) V., por analogia, Acórdão de 8 de dezembro de 2020, Hungria/Parlamento e Conselho (C‑620/18, EU:C:2020:1001 n.o 119) (que recorda que «constatar que a legalidade interna de um ato da União não pode ser apreciada à luz de outro ato da União do mesmo nível normativo, exceto se o mesmo tiver sido adotado em aplicação deste último ato ou se estiver expressamente previsto, num desses dois atos, que um tem primazia sobre o outro»).
( 42 ) V., a este respeito, artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento de base da PCP que explica a finalidade dos planos plurianuais.
( 43 ) Uma vez que só se refere a uma determinada área, o Regulamento relativo às águas ocidentais não pode alterar o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento de base da PCP enquanto tal. Na melhor das hipóteses, poderia introduzir derrogações regionais ao quadro estabelecido pelo Regulamento de base da PCP.
( 44 ) V., por exemplo, o Guia prático conjunto do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão de 2026 para as pessoas envolvidas na redação da legislação da União Europeia, 2016, n.o 18.14 («quando um ato deva ser alterado, tal deve, regra geral, ser feito por alteração formal»).
( 45 ) V., por exemplo, Acordo Interinstitucional de 22 de dezembro de 1998 sobre orientações comuns para a qualidade da redação da legislação comunitária (JO 1999, C 73, p. 1), n.os 18 e 21 (que estabelece que «qualquer alteração de um ato deve ser claramente expressa» e que «são expressamente revogados os atos e disposições obsoletos»).
( 46 ) Embora, realisticamente, a total transparência do Estado de Direito seja um ideal inatingível; v., a este respeito, por analogia, TEDH, 10 de novembro de 2005, Leyla Şahin/Turquia (CE:ECHR:2005:1110JUD004477498, §91: «Deve ainda ter‑se presente que, por muito clara que seja uma disposição legal, a sua aplicação comporta um inevitável elemento de interpretação judicial, uma vez que haverá sempre necessidade de esclarecimento de pontos dúbios e de adaptação a circunstâncias particulares. Uma margem de dúvida em relação a factos limite não torna, por si só, uma disposição legal imprevisível na sua aplicação. Nem o simples facto de que tal disposição é suscetível de mais do que uma interpretação significa que não atende ao requisito de «previsibilidade» para os fins da Convenção»). V. também a observação frequentemente citada do advogado‑geral N. Wahl, de que procurar um «verdadeiro»acte clair é tão provável como encontrar um unicórnio. Conclusões do advogado‑geral N. Wahl nos processos apensos X/Inspecteur van Rijksbelastingdienst e T.A. van Dijk/Staatssecretaris van Financiën, C‑72/14 e C‑197/14, EU:C:2015:319 (n.o 62).
( 47 ) Sobre aspetos formais e substantivos do conceito de Estado de direito, v. Bačić Selanec, N., e Ćapeta, T., «The Rule of Law and Adjudication of the Court of Justice of the European Union», The Changing European Union: A Critical View on the Role of Law and the Courts, Modern Studies in European Law, Oxford: Hart Publishing, Oxford 2022, p. 35‑62.
( 48 ) V., por analogia, Acórdão de 26 de Janeiro de 2017, GGP Itália/Comissão (T‑474/15, EU:T:2017:36, n.o 63) (que explica que «o princípio da segurança jurídica visa garantir a previsibilidade das situações e das relações jurídicas de direito da União. Para esse efeito, é essencial que as instituições respeitem a intangibilidade dos atos que adotaram e que afetam a situação jurídica e material dos sujeitos de direito, de modo que só poderão modificar esses atos no respeito das regras de competência e de processo»). V. também, para o efeito, Acórdãos de 9 de julho de 1981, Gondrand e Garancini (169/80, EU:C:1981:171, n.o 17) e Acórdão de 22 de fevereiro de 1984, Kloppenburg (70/83, EU:C:1984:71, n.o 11).
( 49 ) Devo acrescentar que esse montante de dano potencial apenas ocorreria se a pesca cessasse por completo. O Tribunal de Justiça não recebeu, porém, nenhuma explicação quanto às razões para tal, nem quanto a saber se o encerramento de toda a bacia marítima seria a consequência necessária da imposição de TACS nulos para as quatro unidades populacionais em causa.
( 50 ) Na realidade, suponho que o Conselho também terá analisado o número estimado de empresas pesqueiras que fechariam; a potencial adaptabilidade das frotas de pesca para redirecionar as suas operações para diferentes unidades populacionais ou águas; o número de empregos que se poderiam perder numa determinada região/indústria; ou informações similares relativas a partes interessadas dependentes (ou o que é conhecido em macroeconomia como indústrias «secundárias» ou «terciárias»).
( 51 ) A estimativa do CIEM de capturas acessórias inevitáveis de bacalhau no oeste da Escócia era de 1279 toneladas, e o Conselho fixou o TAC para o bacalhau nessas águas em 1279 toneladas. Para as outras três unidades populacionais, o TAC fixado pelo Conselho foi inferior às estimativas do CIEM (para o bacalhau no mar Céltico o CIEM estimou entre 1331 e 1854 toneladas, enquanto o Conselho fixou o TAC em 805 toneladas; para o badejo no mar da Irlanda o CIEM fez uma estimativa entre 901 e 917 toneladas de capturas acessórias, enquanto o Conselho ficou o TAC em 721 toneladas; por último, para a solha, o CIEM fez uma estimativa de 100 toneladas de capturas acessórias enquanto o Conselho fixou o TAC em 67 toneladas).
( 52 ) Conforme explicado pelo órgão jurisdicional de reenvio no n.o 102 do despacho de reenvio.
( 53 ) Tal foi confirmado pela Comissão na audiência. No entanto, a Comissão não explicou porque é que o parecer não foi solicitado.
( 54 ) V., a este respeito, artigo 5.o, n.os 1 e 2 do Regulamento relativo às águas ocidentais.
( 55 ) V. artigo 13.o do Regulamento 2020.
( 56 ) V. Acórdão de 26 de abril de 1994, Roquette Frères SA/Hauptzollamt Geldern (C‑228/92, EU:C:1994:168, n.o 17).
( 57 ) V., como exemplo e por analogia, Acórdão de 28 de abril de 2016, Borealis Polyolefine e o./Bundesminister für Land‑ und Forstwirtschaft, Umwelt und Wasserwirtschaft e o. (C‑191/14, C‑192/14, C‑295/14, C‑389/14 e C‑391/14 a C‑393/14, EU:C:2016:311, n.o 103 e jurisprudência referida).