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Document 62022CC0308

Conclusões da advogada-geral L. Medina apresentadas em 28 de setembro de 2023.
Pesticide Action Network Europe (PAN Europe) contra College voor de toelating van gewasbeschermingsmiddelen en biociden.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo College van Beroep voor het bedrijfsleven.
Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Regulamento (CE) n.o 1107/2009 — Autorização de colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos — Exame para autorização — Artigo 36.o — Margem de apreciação do Estado‑Membro em causa, na aceção do artigo 36.o, n.o 2, no que diz respeito à avaliação científica dos riscos efetuada pelo Estado‑Membro que examina o pedido de autorização ao abrigo do artigo 36.o, n.o 1 — Artigo 44.o — Retirada ou alteração de uma autorização — Princípio da precaução — Recurso jurisdicional efetivo — Estado atual dos conhecimentos científicos e técnicos.
Processo C-308/22.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:716

 CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

LAILA MEDINA

apresentadas em 28 de setembro de 2023 ( 1 )

Processo C‑308/22

Pesticide Action Network Europe (PAN Europe)

contra

College voor de toelating van gewasbeschermingsmiddelen en biociden,

sendo intervenientes:

Corteva Agriscience, anteriormente Dow AgroScience BV (Dow)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica, Países Baixos)]

«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Regulamento (CE) n.o 1107/2009 — Colocação de produtos fitofarmacêuticos no mercado — Avaliação para efeitos de autorização — Artigo 36.o — Artigo 44.o — Margem de apreciação do Estado‑Membro em causa no que respeita à avaliação do Estado‑Membro relator zonal que examinou o pedido — Obrigação de ter em conta o estado atual dos conhecimentos científicos e técnicos, mesmo que não estejam incluídos nos documentos de orientação — Princípio da precaução»

1.

O presente reenvio prejudicial apresentado pelo College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica, Países Baixos) tem por objeto a interpretação, em especial, do artigo 36.o do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 ( 2 ). O recurso no processo principal foi interposto pela Pesticide Action Network Europe (PAN Europe) contra o College voor de toelating van gewasbeschermingsmiddelen en biociden (Conselho para a autorização dos produtos fitofarmacêuticos e biocidas, Países Baixos, a seguir «CTB») relativamente ao indeferimento, por este último, da reclamação apresentada pela PAN Europe da decisão do CTB de prorrogar a autorização do produto fitofarmacêutico Closer, que contém a substância ativa sulfoxaflor.

2.

Como salientado pela Agência Europeia do Ambiente (AEA), «a poluição [do produto fitofarmacêutico (pesticida)] conduz à perda de biodiversidade na Europa. Provoca uma redução significativa das populações de insetos, ameaçando o papel crucial que desempenham na produção alimentar» e «a exposição humana aos pesticidas químicos está associada a doenças crónicas como o cancro e doenças cardíacas, respiratórias e neurológicas» ( 3 ). O presente processo é importante, uma vez que suscita a questão de saber se os Estados‑Membros, quando tomam uma decisão sobre a concessão ou a recusa da autorização de produtos fitofarmacêuticos, devem poder ter em conta os conhecimentos científicos e técnicos mais recentes relativos ao impacto dos produtos fitofarmacêuticos na nossa vida.

3.

Neste âmbito, de acordo com a agenda do Pacto Ecológico Europeu (nomeadamente a Estratégia «do Prado ao Prato»), a União Europeia pretende reduzir a utilização de produtos fitofarmacêuticos químicos em 50 % até 2030, a fim de «garantir um sistema alimentar justo, saudável e respeitador do ambiente». A este respeito, importa observar que, em 2018, o Parlamento Europeu estimou que havia 500 produtos fitofarmacêuticos diferentes autorizados e comercializados em toda a União Europeia ( 4 ). É neste contexto que tentarei abordar as questões suscitadas pelo presente reenvio prejudicial.

4.

O presente processo está relacionado com os processos apensos C‑309/22 e C‑310/22, PAN Europe (Avaliação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino), que foram submetidos pelo mesmo órgão jurisdicional nacional. As minhas conclusões nestes processos são igualmente apresentadas hoje e as duas conclusões devem ser lidas conjuntamente.

I. Quadro jurídico

A.   Regulamento n.o 1107/2009

5.

O artigo 1.o deste regulamento, sob a epígrafe «Objeto e finalidade», prevê, nos n.os 3 e 4:

«3.   O presente regulamento visa assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente e melhorar o funcionamento do mercado interno através da harmonização das normas relativas à colocação no mercado dos produtos fitofarmacêuticos, melhorando simultaneamente a produção agrícola.

4.   As disposições do presente regulamento assentam no princípio da precaução, a fim de garantir que as substâncias ativas ou os produtos colocados no mercado não afetem negativamente a saúde humana ou animal ou o ambiente. Em particular, os Estados‑Membros não podem ser impedidos de aplicar o princípio da precaução se existir incerteza científica acerca dos riscos para a saúde humana ou animal ou para o ambiente colocados pelos produtos fitofarmacêuticos a autorizar no seu território.»

6.

O artigo 4.o do Regulamento n.o 1107/2009, com a epígrafe «Critérios de aprovação de substâncias ativas», prevê, nos n.os 1 a 4:

«1.   As substâncias ativas são aprovadas nos termos do anexo II se, à luz dos atuais conhecimentos científicos e técnicos, for previsível que os produtos fitofarmacêuticos que as contêm preenchem os requisitos previstos nos n.os 2 e 3, tendo em conta os critérios de aprovação previstos nos pontos 2 e 3 daquele anexo.

A avaliação das substâncias ativas determina, em primeiro lugar, se foram cumpridos os critérios de aprovação previstos nos pontos 3.6.2 a 3.6.4 e 3.7 do anexo II. Se esses critérios tiverem sido cumpridos, a avaliação prossegue a fim de determinar se foram cumpridos os restantes critérios de aprovação previstos nos pontos 2 e 3 do anexo II.

2.   Os resíduos de produtos fitofarmacêuticos resultantes de uma aplicação de acordo com as boas práticas fitossanitárias e em condições realistas de utilização devem cumprir os seguintes requisitos:

a)

Não terem efeitos nocivos na saúde humana, nomeadamente na dos grupos de pessoas vulneráveis, ou na saúde animal, tendo em conta os efeitos cumulativos e sinérgicos conhecidos, caso estejam disponíveis métodos científicos aceites pela Autoridade para os avaliar, nem nas águas subterrâneas;

b)

Não terem efeitos inaceitáveis no ambiente.

No caso de resíduos relevantes do ponto de vista toxicológico, ecotoxicológico, ambiental ou da água potável, devem existir métodos de uso corrente para a sua análise. Devem estar geralmente disponíveis padrões analíticos.

3.   Os produtos fitofarmacêuticos, na sequência da sua aplicação de acordo com as boas práticas fitossanitárias e em condições realistas de utilização, devem cumprir os seguintes requisitos:

a)

Serem suficientemente eficazes;

b)

Não terem efeitos nocivos imediatos ou a prazo na saúde humana, nomeadamente na dos grupos de pessoas vulneráveis, ou na saúde animal, diretamente ou através da água potável (tendo em conta as substâncias resultantes do tratamento da água potável), dos géneros alimentícios, dos alimentos para animais ou do ar, nem consequências no local de trabalho, nem outros efeitos indiretos, tendo em conta os efeitos cumulativos e sinérgicos conhecidos, caso estejam disponíveis métodos científicos aceites pela [EFSA] para os avaliar, nem nas águas subterrâneas;

c)

Não terem quaisquer efeitos inaceitáveis nos vegetais ou nos produtos vegetais;

d)

Não provocarem sofrimentos nem dores desnecessários aos animais vertebrados a controlar;

e)

Não terem efeitos inaceitáveis no ambiente, tendo particularmente em conta o seguinte, caso estejam disponíveis métodos científicos aceites pela [EFSA] para avaliar esses efeitos:

[…]

4.   Os requisitos constantes dos n.os 2 e 3 são avaliados à luz dos princípios uniformes referidos no n.o 6 do artigo 29.o»

7.

O capítulo III do Regulamento n.o 1107/2009, sob a epígrafe «Produtos fitofarmacêuticos», contém uma secção 1 relativa à «Autorização», cuja subsecção 1 diz respeito aos «Requisitos e conteúdos».

8.

O artigo 29.o deste regulamento, que figura nesta subsecção, tem por epígrafe «Requisitos para autorização de colocação no mercado» e prevê o seguinte:

«1.   Sem prejuízo do artigo 50.o, um produto fitofarmacêutico apenas é autorizado se, de acordo com os princípios uniformes referidos no n.o 6, cumprir os seguintes requisitos:

a)

As suas substâncias ativas, protetores de fitotoxicidade e agentes sinérgicos foram aprovados;

[…]

c)

Os seus coformulantes não constam do anexo III;

[…]

e)

À luz dos atuais conhecimentos científicos e técnicos, cumpre os requisitos constantes do n.o 3 do artigo 4.o;

[…]

2.   O requerente deve demonstrar que os requisitos previstos nas alíneas a) a h) do n.o 1 foram cumpridos.

3.   O cumprimento dos requisitos constantes das alíneas b) e e) a h) do n.o 1 deve ser confirmado por testes e análises oficiais ou oficialmente reconhecidos, realizados em condições agrícolas, fitossanitárias e ambientais representativas para a utilização do produto fitofarmacêutico em causa e representativas das condições que prevalecem na zona em que se pretende utilizar o produto.

[…]».

9.

A subsecção 2, sob a epígrafe «Procedimento», da mesma secção 1 do capítulo III do Regulamento n.o 1107/2009 contém, nomeadamente, o artigo 36.o

10.

Em conformidade com o artigo 36.o deste regulamento, sob a epígrafe «Exame para autorização»:

«1. O Estado‑Membro que examina o pedido faz uma avaliação independente, objetiva e transparente à luz dos conhecimentos científicos e técnicos atuais, usando os documentos orientadores disponíveis na altura do pedido. O Estado‑Membro deve dar a todos os Estados‑Membros da mesma zona a oportunidade de apresentarem comentários a tomar em consideração na avaliação.

Este Estado‑Membro aplica os princípios uniformes aplicáveis à avaliação e autorização dos produtos fitofarmacêuticos, referidos no n.o 6 do artigo 29.o, para determinar, na medida do possível, se o produto fitofarmacêutico cumpre os requisitos constantes do artigo 29.o na mesma zona ao ser utilizado de acordo com o artigo 55.o e em condições realistas de utilização.

O Estado‑Membro que examina o pedido disponibiliza a sua avaliação aos restantes Estados‑Membros da mesma zona. O modelo do relatório de avaliação é estabelecido pelo procedimento consultivo a que se refere o n.o 2 do artigo 79.o

2. Os Estados‑Membros em questão concedem ou recusam as autorizações de acordo com as conclusões da avaliação efetuada pelo Estado‑Membro que examina o pedido, nos termos dos artigos 31.o e 32.o

3. Em derrogação do n.o 2 e sem prejuízo do direito [da União], podem ser impostas condições apropriadas no que se refere aos requisitos constantes dos n.os 3 e 4 do artigo 31.o, bem como outras medidas de redução dos riscos decorrentes de condições de utilização específicas.

Caso o estabelecimento das medidas nacionais de redução do risco referidas no primeiro parágrafo não permita dar resposta às preocupações de um Estado‑Membro em matéria de saúde humana ou animal ou ambiente, o Estado‑Membro pode recusar a autorização do produto fitofarmacêutico no seu território se, devido a circunstâncias ambientais ou agrícolas específicas, tiver razões fundamentadas para considerar que o produto em causa continua a constituir um risco inaceitável para a saúde humana ou animal ou para o ambiente.

Esse Estado‑Membro deve informar imediatamente o requerente e a Comissão da sua decisão e justificá‑la do ponto de vista técnico ou científico.

Os Estados‑Membros devem prever a possibilidade de impugnação da decisão de recusa de autorização do produto nos tribunais nacionais ou noutras instâncias de recurso.»

11.

A subsecção 4, sob a epígrafe «Renovação, retirada e alteração», da secção 1 do capítulo III do Regulamento n.o 1107/2009 contém, nomeadamente, o artigo 44.o

12.

Em conformidade com o artigo 44.o deste regulamento, sob a epígrafe «Retirada ou alteração de uma autorização»:

«1. Os Estados‑Membros podem rever uma autorização em qualquer altura se tiverem indicações de que um dos requisitos referidos no artigo 29.o deixou de ser cumprido.

[…]

2. Caso um Estado‑Membro pretenda retirar ou alterar uma autorização, informa o titular da autorização e concede‑lhe a possibilidade de apresentar comentários ou outras informações.

3. O Estado‑Membro retira ou altera a autorização, consoante adequado, se:

a)

Os requisitos previstos no artigo 29.o não forem ou tiverem deixado de ser cumpridos;

b)

Tiverem sido fornecidas informações falsas ou enganosas relativamente aos dados que serviram de base à concessão da autorização;

c)

Uma das condições incluídas na autorização não tiver sido cumprida;

d)

O modo de utilização e as quantidades utilizadas puderem ser alterados com base na evolução dos conhecimentos científicos e técnicos; ou

e)

O titular da autorização não cumprir os deveres que lhe incumbem por força do presente regulamento.

4. Caso um Estado‑Membro retire ou altere uma autorização nos termos do n.o 3, informa imediatamente do facto o titular da autorização, os restantes Estados‑Membros, a Comissão [Europeia] e a [EFSA]. Os outros Estados‑Membros da mesma zona retiram ou alteram a autorização em conformidade, tendo em conta as condições nacionais e as medidas de redução dos riscos, exceto nos casos em que tenham sido aplicados o segundo, o terceiro ou o quarto parágrafos do n.o 3 do artigo 36.o Se for caso disso, é aplicável o artigo 46.o»

II. Apresentação sucinta dos factos e da tramitação do processo principal e questões prejudiciais

13.

O Closer é um produto fitofarmacêutico que contém a substância ativa sulfoxaflor. O sulfoxaflor foi aprovado na União Europeia como substância ativa ao abrigo do Regulamento n.o 1107/2009 pelo Regulamento de Execução (UE) 2015/1295 ( 5 ).

14.

Em 30 de abril de 2015, a Dow AgroScience BV (a seguir «Dow») apresentou nos Países Baixos um pedido de extensão da autorização do Closer para a aplicação em culturas abertas de couve e batatas e apresentou o mesmo pedido, no que respeita à zona central (incluindo os Países Baixos), Bélgica, República Checa, Alemanha, Irlanda, Hungria, Áustria, Polónia, Roménia, Eslováquia e no Reino Unido.

15.

A Irlanda avaliou o pedido enquanto Estado‑Membro relator zonal com base nas Documento de orientação de 2002 ( 6 ) e concluiu a referida avaliação em 2016. Contudo, a Irlanda não utilizou (o que era, à época) as «novas» Documento de orientação de 2013 para a avaliação dos riscos relativos às abelhas ( 7 ), elaborado pela EFSA a pedido da Comissão para a avaliação dos riscos para as abelhas.

16.

Com base na avaliação dos riscos realizada pela Irlanda, o CTB decidiu, por Decisão de 5 de abril de 2019, estender a autorização do Closer à aplicação solicitada, incluindo a seguinte expressão restritiva: «Perigoso para as abelhas e os abelhões. Para proteger as abelhas e outros insetos polinizadores, não aplicar este produto durante a floração de culturas ou em culturas que não estejam em flor, quando estas recebam a visita ativa de abelhas e abelhões. O pedido só é autorizado após a floração das culturas de batata. Não utilizar este produto na proximidade de plantas autoreprodutoras. Eliminar as plantas autoreprodutoras antes de florescerem.»

17.

A PAN Europe apresentou reclamação da Decisão de 5 de abril de 2019. Por Decisão de 5 de fevereiro de 2020 (a seguir «decisão recorrida»), o CTB indeferiu a reclamação. A PAN Europe interpôs recurso da referida decisão no órgão jurisdicional de reenvio, pedindo a sua anulação.

18.

No órgão jurisdicional de reenvio, a PAN Europe alega que o CTB não deveria ter estendido a autorização do Closer à aplicação solicitada no mercado neerlandês. Sustenta que a avaliação da Irlanda, seguida pelo CTB, não se baseou nos conhecimentos científicos e técnicos atuais. O Documento de orientação de 2002 está desatualizado e não aborda os efeitos subletais, os efeitos crónicos, a exposição através das ervas, os efeitos na reprodução e os efeitos nos abelhões e nas abelhas solitárias. Segundo a PAN Europe, uma vez que o Documento de orientação de 2002 é obsoleto — como demonstra o facto de ter sido necessário atualizá‑lo e emitir o Documento de orientação de 2013, que contém novos conhecimentos científicos — a avaliação deveria ter‑se baseado neste último documento. Alega que, na prática, o Documento de orientação de 2013 não é aceite por vários Estados‑Membros, devido à possibilidade de certos produtos fitofarmacêuticos serem proibidos em consequência do mesmo.

19.

A PAN Europe considera que, ao não ter em conta o Documento de orientação de 2013, o CTB prejudicou o elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente prosseguido pelo Regulamento n.o 1107/2009. Assinala que este documento estava disponível desde a sua publicação em 2013 e que este regulamento não exige uma posição de maioria entre os Estados‑Membros para a aplicação de um documento de orientação. A PAN Europe observa que a Bélgica aplica o Documento de orientação de 2013 desde novembro de 2016.

20.

Ao contrário da extensão da autorização do produto fitofarmacêutico Closer, a aprovação da substância ativa sulfoxaflor, em 2015, baseou‑se no Documento de orientação de 2013. Nesse contexto, os dados apresentados pela Dow permitiram concluir pela existência de elevados riscos para as abelhas. Estes dados não foram incluídos na avaliação controvertida. Se o CTB os tivesse tido em conta, teria constatado os mesmos riscos. A restrição imposta é insuficiente e, além disso, inaplicável, insuscetível de ser cumprida e de ser fiscalizada. Decorre do princípio da precaução que, em caso de incertezas quanto aos efeitos, é necessário realizar uma investigação mais aprofundada antes de o produto poder ser autorizado.

21.

Considerando que a resolução do litígio no processo principal exige uma interpretação do artigo 36.o do Regulamento n.o 1107/2009 e do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

Tem o Estado‑Membro em causa, que decide sobre a autorização de um produto fitofarmacêutico ao abrigo do artigo 36.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1107/2009, margem de apreciação para se afastar da avaliação do Estado‑Membro relator zonal que apreciou o pedido nos termos do artigo 36.o, n.o 1, [deste regulamento]? Em caso afirmativo, qual é a sua margem de apreciação?

2.

Caso a resposta à primeira questão seja que o Estado‑Membro em causa não possui margem de apreciação ou possui uma margem de apreciação limitada, de que modo pode ser exercido o direito à ação previsto no artigo 47.o da Carta? O mérito da avaliação do Estado‑Membro relator zonal pode ser questionado na íntegra perante o órgão jurisdicional nacional do Estado‑Membro em causa?

3.

Se o Estado‑Membro em causa ou o órgão jurisdicional desse Estado‑Membro chegarem à conclusão de que a avaliação do Estado‑Membro relator zonal se baseia em fundamentos insuficientes, está o Estado‑Membro em causa obrigado a exigir que o Estado‑Membro relator zonal adote uma avaliação suficientemente fundamentada?

4.

Pode o Estado‑Membro relator zonal limitar‑se a uma avaliação baseada apenas em documentos de orientação, mesmo que os conhecimentos científicos e técnicos aí incluídos já não estejam totalmente atualizados?

5.

Em caso de resposta negativa à questão anterior, pode o Estado‑Membro de avaliação zonal limitar‑se a ter complementarmente em conta os conhecimentos científicos e técnicos incluídos em [documentos de orientação] já elaborad[o]s, mas [que] ainda não [foram] adotad[o]s, ou deve o Estado‑Membro de avaliação zonal ter em conta todos os conhecimentos científicos e técnicos disponíveis, mesmo que não estejam incluídos [nos documentos de orientação]?»

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

22.

Foram apresentadas observações escritas pela PAN Europe, pela Corteva Agriscience (anteriormente Dow AgroScience BV), pelos Governos Alemão, Grego, Neerlandês e a Irlanda, bem como pela Comissão Europeia. Não foi realizada audiência.

IV. Apreciação

23.

Em conformidade com o pedido do Tribunal de Justiça, as presentes conclusões abordarão unicamente a primeira, a quarta e a quinta questões prejudiciais.

A.   Introdução

24.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o Estado‑Membro em causa, quando decide autorizar ou não um produto fitofarmacêutico, dispõe de alguma margem de apreciação para se afastar da avaliação dos riscos efetuada pelo Estado‑Membro relator zonal (a seguir «Estado‑Membro relator») em cooperação com os outros Estados‑Membros da zona, ao abrigo do artigo 36.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1107/2009. A quarta e a quinta questões procuram determinar que tipo de documentos de orientação e de conhecimentos científicos e técnicos deve ser tido em conta, ao abrigo do artigo 36.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009, na avaliação dos riscos efetuada pelo Estado‑Membro relator.

25.

No âmbito destas questões, solicita‑se ao Tribunal que forneça orientações a respeito da tensão que se manifestou entre o objetivo do Regulamento n.o 1107/2009 «de assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente» e a aplicação estrita dos procedimentos pelos Estados‑Membros ao abrigo desse regulamento. Além disso, o presente processo não é um caso isolado. Noutros Estados‑Membros (em França, por exemplo), as mesmas questões relativas à mesma substância ativa e ao mesmo produto fitofarmacêutico deram origem a litígios. Em 2017, o tribunal administratif de Nice (Tribunal Administrativo de Nice, França) suspendeu a autorização de dois produtos fitofarmacêuticos da Dow Chemical, invocando incertezas sobre os riscos ambientais, incluindo os seus efeitos nas abelhas ( 8 ). A decisão interlocutória deste tribunal anulou uma decisão da Agence nationale de sécurité sanitaire de l’alimentation, de l’environnement et du travail (Agência de Segurança e Saúde Alimentar, do Ambiente e do Trabalho; a seguir «ANSES») de França, que concedeu autorização aos produtos fitofarmacêuticos Closer (o mesmo produto em causa no presente processo) e ao Transform, que contêm a substância ativa sulfoxaflor (também em causa no presente processo). O processo surgiu devido ao facto de grupos de proteção do ambiente terem alegado que a autorização dos produtos referidos estava a ser gradualmente retirada em França porque constituíam potencialmente um fator de declínio das populações de abelhas. Como referido anteriormente, a União Europeia aprovou o sulfoxaflor em 2015. Posteriormente, a ANSES autorizou o Closer, que contém sulfoxaflor, para ser utilizado em cereais de pragana como o trigo, bem como em culturas de frutas e produtos hortícolas, mas proibiu‑o para as culturas que atraem insetos polinizadores e para todas as culturas durante os períodos de floração, assinalando os seus efeitos tóxicos potenciais para as abelhas.

B.   Quanto à primeira questão

26.

Tendo em conta as questões suscitadas nos n.os 18 a 20 das presentes conclusões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o Estado‑Membro em causa (neste caso, os Países Baixos), quando toma uma decisão sobre a autorização de um produto fitofarmacêutico, é competente para se afastar da avaliação efetuada pelo Estado‑Membro relator (neste caso, a Irlanda) ao abrigo do artigo 36.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009.

27.

O órgão jurisdicional de reenvio refere que o artigo 36.o, n.o 2, deste regulamento parece indicar que o Estado‑Membro em causa deve, em princípio, adotar as conclusões da avaliação do Estado‑Membro relator como base da sua própria decisão de autorização.

28.

O órgão jurisdicional de reenvio observa que, embora o artigo 36.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009 preveja que, em derrogação do n.o 2, podem ser impostas condições apropriadas no que se refere aos requisitos constantes dos n.os 3 e 4 do artigo 31.o desse regulamento e que podem ser impostas outras medidas de redução dos riscos, essas exigências devem decorrer de condições de utilização específicas. Todavia, no processo principal, a questão consiste em saber se o Estado‑Membro em causa pode, no âmbito do exame de um pedido de autorização do produto fitofarmacêutico no seu território, efetuar a sua avaliação com base noutros conhecimentos científicos e técnicos relevantes (nomeadamente, um documento de orientação mais recente do que o utilizado pelo Estado‑Membro relator). Resulta da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio considerou que a obrigação de ter em conta a avaliação do Estado‑Membro relator como facto consumado não seria compatível com o princípio da precaução. Entendeu, por conseguinte, que seria lógico que o Estado‑Membro em causa não fosse automaticamente obrigado a seguir a avaliação do Estado‑Membro relator.

29.

Na minha opinião, é útil recordar sucintamente o procedimento de autorização zonal dos produtos fitofarmacêuticos, conforme previsto nos artigos 33.o e seguintes do Regulamento n.o 1107/2009.

30.

No âmbito deste procedimento, o requerente apresenta uma proposta relativa ao Estado‑Membro que espera que exerça as funções de relator. Uma vez aceite a proposta, o requerente apresenta ao Estado‑Membro relator um pedido de autorização zonal, indicando em que outros Estados‑Membros desta zona pretende igualmente submeter o pedido ( 9 ). Paralelamente, o requerente apresenta o pedido a todos os Estados‑Membros em causa. A documentação necessária é indicada no artigo 33.o do Regulamento n.o 1107/2009.

31.

Em seguida, o Estado‑Membro relator avalia o pedido ao abrigo do artigo 35.o do referido regulamento. É obrigado a efetuar «uma avaliação independente, objetiva e transparente à luz dos conhecimentos científicos e técnicos atuais, usando os documentos orientadores disponíveis na altura do pedido» ( 10 ).

32.

O Estado‑Membro relator é obrigado a aplicar princípios uniformes aplicáveis à avaliação e autorização dos produtos fitofarmacêuticos ( 11 ) para determinar, na medida do possível, se o produto fitofarmacêutico preenche os requisitos previstos no artigo 29.o na mesma zona, quando utilizado em conformidade com o artigo 55.o em condições realistas de utilização ( 12 ).

33.

Os Estados‑Membros em causa suspendem a sua avaliação do pedido até que o Estado‑Membro relator tenha concluído a sua avaliação ( 13 ).

34.

Durante a sua avaliação, o Estado‑Membro relator prepara um projeto de relatório de avaliação e envia‑o aos Estados‑Membros dessa zona para apresentarem comentários ( 14 ). Uma vez decorrido o prazo para a apresentação de comentários, o Estado‑Membro relator decide, relativamente ao seu território, se concede ou recusa a autorização do produto fitofarmacêutico em causa e adota o relatório de avaliação. Transmite depois esse relatório e a cópia da autorização aos outros Estados‑Membros da zona.

35.

Em seguida, os Estados‑Membros em causa tomarão uma decisão sobre o pedido, em conformidade com o artigo 36.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 1107/2009, no prazo de 120 dias a contar da receção desse relatório e da cópia da autorização ( 15 ).

36.

No âmbito do sistema de autorização, conforme explicado, supra, debruçar‑me‑ei agora sobre a interpretação do artigo 36.o do referido regulamento, em causa no presente processo.

37.

O considerando 12 do Regulamento n.o 1107/2009 precisa que a EFSA «é responsável pela avaliação dos riscos», ao passo que a Comissão «deverá ser responsável pela função de gestão dos riscos e pela decisão final sobre as substâncias ativas». A redação do artigo 36.o deste regulamento sugere que existe uma repartição de funções semelhante em relação ao procedimento de autorização do produto fitofarmacêutico; desta vez, é o Estado‑Membro relator que «é responsável pela avaliação dos riscos» e o Estado‑Membro em causa que é «responsável pela função de gestão dos riscos e pela decisão final sobre [esse produto]» relativamente ao seu próprio território. Para responder à questão do órgão jurisdicional de reenvio, em primeiro lugar, há que determinar a natureza da relação entre estas duas funções.

38.

O artigo 36.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1107/2009 prevê que o Estado‑Membro em questão concede ou recusa as autorizações «de acordo com as conclusões da avaliação» efetuada pelo Estado‑Membro relator. A expressão «de acordo com» liga as duas etapas processuais e caracteriza a relação entre a função de avaliador dos riscos e a de gestor dos riscos, indicando que as duas tarefas estão interligadas, mas cada uma tem, ao mesmo tempo, uma finalidade específica própria.

39.

É certo que o sistema de autorização dos produtos fitofarmacêuticos assenta na confiança mútua entre os Estados‑Membros e visa evitar a duplicação de trabalho destes últimos. Para alcançar este objetivo, o regulamento acima referido prevê um procedimento faseado, minucioso e sistemático, com uma repartição clara de tarefas entre as autoridades envolvidas. Resulta deste procedimento que o Estado‑Membro relator conduz a primeira fase processual obrigatória deste processo administrativo e procede a uma avaliação da autorização do produto fitofarmacêutico na zona. Segue‑se a próxima fase processual intrinsecamente ligada, que é executada por um Estado‑Membro em causa. Assim, a avaliação do Estado‑Membro relator constitui um requisito prévio do exercício, por um Estado‑Membro em causa, das suas competências próprias no âmbito do sistema, ou seja, tomar uma decisão final sobre a autorização desse produto fitofarmacêutico no seu próprio território. É evidente que a fase conduzida por um Estado‑Membro relator e a fase conduzida por um Estado‑Membro em causa estão ligadas.

40.

Em segundo lugar, com base na natureza assim demonstrada da relação, há que clarificar as competências dos Estados‑Membros em causa. Em primeiro lugar, a ligação entre as duas fases indica que o Estado‑Membro relator e cada Estado‑Membro em causa intervêm, em fases diferentes, num único processo administrativo iniciado pelo requerente. O Estado‑Membro em causa, que conclui este processo, não dispõe, por conseguinte, de uma competência de revisão das conclusões da avaliação efetuada pelo Estado‑Membro relator. Consequentemente, não pode controlar a legalidade destas conclusões do Estado‑Membro relator ( 16 ), uma vez que tal seria contrário à confiança mútua e à exaustividade do processo previsto no sistema instituído pelo Regulamento n.o 1107/2009.

41.

No entanto, o facto de a fase do procedimento que envolve o Estado‑Membro relator e a fase do processo que envolve o Estado‑Membro em causa estarem ligadas, bem como o facto de este último não poder rever as conclusões da avaliação efetuada pelo primeiro não significam que a margem de apreciação de um Estado‑Membro em causa esteja completamente excluída. Bem pelo contrário, como indica a própria redação do artigo 36.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1107/2009 «concedem ou recusam […] de acordo com as conclusões da avaliação efetuada pelo Estado‑Membro», esta avaliação, embora seja importante, é apenas um dos documentos que o Estado‑Membro em causa deve consultar; não se trata de uma decisão final relativa à autorização desse produto fitofarmacêutico em todos os Estados‑Membros da zona. Como salientou com razão o Governo Alemão, uma vez que o Estado‑Membro em causa toma a sua decisão «de acordo com as conclusões», a disposição acima referida prevê uma certa possibilidade de se afastar, em casos justificados, da decisão do Estado‑Membro relator. Por conseguinte, parece‑me evidente que a linguagem adotada pelo legislador da União não exige que o Estado‑Membro em causa conceda ou recuse autorizações seguindo automaticamente a abordagem adotada pelo Estado‑Membro relator.

42.

Com efeito, o artigo 36.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009 já prevê expressamente a possibilidade de afastamento das conclusões da avaliação do Estado‑Membro relator, no, o que demonstra que um Estado‑Membro em causa não está, para usar uma metáfora, totalmente de pés e mãos atados pela avaliação de um Estado‑Membro relator.

43.

O artigo 36.o, n.o 3, dispõe, no primeiro parágrafo, que «[e]m derrogação do [artigo 36.o, n.o 2] e sem prejuízo do direito [da União], podem ser impostas condições apropriadas no que se refere aos requisitos constantes dos n.os 3 e 4 do artigo 31.o, bem como outras medidas de redução dos riscos decorrentes de condições de utilização específicas.»

44.

Em seguida, no artigo 36.o, n.o 3, segundo parágrafo, explica que, «[c]aso o estabelecimento das medidas nacionais de redução do risco referidas no primeiro parágrafo não permita dar resposta às preocupações de um Estado‑Membro em matéria de saúde humana ou animal ou ambiente, o Estado‑Membro pode recusar a autorização do produto fitofarmacêutico no seu território se, devido a circunstâncias ambientais ou agrícolas específicas, tiver razões fundamentadas para considerar que o produto em causa continua a constituir um risco inaceitável para a saúde humana ou animal ou para o ambiente.»

45.

O artigo 36.o, n.o 3, segundo parágrafo, utiliza a expressão «pode recusar», o que implica uma margem de apreciação por parte do Estado‑Membro em causa. Contudo, este artigo impõe determinados limites: «se, devido a circunstâncias ambientais ou agrícolas específicas, tiver razões fundamentadas para considerar que o produto em causa continua a constituir um risco inaceitável para a saúde humana ou animal ou para o ambiente.»

46.

Por conseguinte, em conformidade com a redação do artigo 36.o, n.o 3, o Estado‑Membro em causa pode afastar‑se da avaliação do Estado‑Membro relator. Esse reconhecimento expresso dos direitos de um Estado‑Membro em causa permite esclarecer o contexto em que o legislador da União vê a função de gestão dos riscos a ser exercida por esse Estado‑Membro no processo de autorização.

47.

Consequentemente, é importante que o artigo 36.o, n.o 2, não seja interpretado isoladamente ( 17 ). Cumpre aplicar uma abordagem sistémica e interpretar esta disposição no contexto em que se insere, ou seja, analisando o seu lugar num conjunto completo de direitos conferidos a um Estado‑Membro em causa para controlar quais os produtos fitofarmacêuticos que podem ser colocados e mantidos no mercado do Estado‑Membro em questão.

48.

Este controlo implica não só permitir a colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado mas também a revisão e a retirada de qualquer autorização concedida. O artigo 44.o do Regulamento n.o 1107/2009 estabelece o procedimento e as condições de retirada e alteração da autorização de um produto fitofarmacêutico, completando assim o conjunto de competências atribuídas ao Estado‑Membro em causa. É, portanto, no contexto destas disposições que o artigo 36.o, n.o 2, deve ser interpretado. É evidente que os dois artigos são elementos interligados do sistema de autorização, uma vez que o artigo 44.o, n.o 4, faz uma referência expressa ao artigo 36.o, n.o 3, e prevê uma derrogação análoga, mas numa situação em que já foi concedida uma autorização e esta está agora sujeita a ser alterada ou retirada.

49.

Todavia, a essência do sistema de autorização e de controlo dos produtos fitofarmacêuticos e o âmbito dos direitos conferidos ao Estado‑Membro em causa resultam claramente da leitura do artigo 44.o, n.os 1 e 3, do Regulamento n.o 1107/2009. Por força destas disposições, os Estados‑Membros podem rever uma autorização a qualquer momento, nomeadamente quando existam indicações no sentido de que «[o]s requisitos previstos no artigo 29.o [deste regulamento] não for[a]m ou [deixaram] de ser cumpridos» ( 18 ). Se o Estado‑Membro concluir que esses requisitos deixaram de estar preenchidos, deve retirar ou alterar a autorização.

50.

Além disso, o artigo 44.o dispõe que é a um «Estado‑Membro» que cabe rever, retirar ou alterar a autorização, e estabelece condições exaustivas para o exercício desses direitos. Não prevê que essa revisão, retirada ou alteração sejam subordinadas à condição de o Estado‑Membro relator ter efetuado previamente alterações à avaliação. Daqui resulta que este direito do «Estado‑Membro» constitui um direito autónomo, que o Estado‑Membro em causa exerce de forma independente do Estado‑Membro relator. Para efeitos do presente processo, é importante observar que uma das condições para a retirada obrigatória de uma autorização está prevista no artigo 44.o, n.o 3, alínea a), e exige que o Estado‑Membro reveja e retire ou altere a autorização se «[o]s requisitos previstos no artigo 29.o não forem ou tiverem deixado de ser cumpridos».

51.

Como o Tribunal de Justiça recordou no Acórdão Blaise ( 19 ), «resulta do artigo 44.o, n.os 1 e 3, [do Regulamento n.o 1107/2009] que a autorização de um produto fitofarmacêutico pode ser revista e depois alterada ou mesmo revogada se, nomeadamente, a evolução dos conhecimentos científicos e técnicos mostrar que o referido produto não cumpre ou deixou de cumprir os requisitos de uma autorização de colocação no mercado previstos no artigo 29.o do mesmo regulamento, incluindo a inexistência de efeitos nocivos imediatos ou diferidos na saúde humana.»

52.

Por conseguinte, o artigo 36.o, n.o 2, lido no contexto de todo o sistema de autorização, alteração e retirada de produtos fitofarmacêuticos ao abrigo do Regulamento n.o 1107/2009, e, em especial, do artigo 44.o, exige que os direitos dos Estados‑Membros em causa por força do artigo 36.o, n.o 2, sejam interpretados de forma suficientemente ampla para permitir que esse Estado‑Membro respeite o artigo 29.o do referido regulamento quando toma uma decisão sobre um pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico. Se é possível retirar uma autorização ( 20 ), quando os conhecimentos científicos e técnicos de que um Estado‑Membro dispõe indiquem que podem existir efeitos nocivos na saúde humana ou animal ou efeitos inaceitáveis no ambiente, o Estado‑Membro em causa deverá dispor da mesma competência quando avalia um pedido de nova autorização, a fim de evitar, desde logo, tais efeitos nocivos. Esse direito fica, contudo, subordinado à condição de existirem conhecimentos científicos ou técnicos atuais sobre efeitos nocivos, acima referidos, que um Estado‑Membro relator não tomou em consideração durante o seu procedimento de avaliação.

53.

Com efeito, um Estado‑Membro não pode ter mais direitos para retirar uma autorização do que teve para a conceder ou recusar ( 21 ). Embora o legislador da União tenha expressamente obrigado o Estado‑Membro a agir a fim de eliminar qualquer efeito nocivo que um produto fitofarmacêutico autorizado possa ter na saúde humana ou animal ou qualquer efeito inaceitável que esse produto possa ter no ambiente quando os conhecimentos científicos ou técnicos atuais indiquem esses efeitos, a mesma obrigação está implícita no processo de autorização, para evitar que esses efeitos se manifestem. Como foi observado na parte introdutória das presentes conclusões, a poluição dos produtos fitofarmacêuticos provoca perdas de biodiversidade e uma redução significativa das populações de insetos, ameaçando o papel crucial que desempenham na produção alimentar. Reconhece‑se ainda que a exposição a produtos fitofarmacêuticos químicos está associada a doenças crónicas como o cancro e doenças cardíacas, respiratórias e neurológicas ( 22 ). Por conseguinte, deve ser da competência do Estado‑Membro em causa impedir que esses efeitos se produzam ou minimizá‑los.

54.

Decorre destas considerações que a redação do artigo 36.o, n.o 2, «de acordo com as conclusões da avaliação» deve ser interpretada no sentido de que inclui a competência do Estado‑Membro em causa de recusar a concessão de uma autorização se, com base nos desenvolvimentos dos conhecimentos científicos ou técnicos, se verificar que o produto fitofarmacêutico não cumpre os requisitos estabelecidos no artigo 29.o e no artigo 4.o, n.o 3, do referido regulamento, incluindo o requisito de que não existam efeitos nocivos na saúde humana ou animal nem efeitos inaceitáveis no ambiente.

55.

Por outras palavras, o facto de o Regulamento n.o 1107/2009 possibilitar expressamente que um Estado‑Membro retire ou altere uma autorização, com base em conhecimentos científicos ou técnicos, implica que deve também ter o direito de não conceder, desde logo, essa autorização.

56.

Por conseguinte, o Estado‑Membro em causa pode recusar uma autorização, na aceção do artigo 36.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1107/2009, numa situação em que os conhecimentos científicos ou técnicos atuais indiquem que «[o]s requisitos previstos no artigo 29.o [deste regulamento] não for[a]m ou [deixaram] de ser cumpridos» ( 23 ) em relação ao produto fitofarmacêutico em questão.

57.

Além disso, a interpretação acima mencionada resulta da própria natureza do princípio da precaução, segundo o qual é necessário tomar medidas preventivas a fim de evitar riscos potenciais para a saúde humana ou animal ou para o ambiente.

58.

Com efeito, o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1107/2009 dispõe que as disposições deste regulamento «assentam no princípio da precaução, a fim de garantir que as substâncias ativas ou os produtos colocados no mercado não afetem negativamente a saúde humana ou animal ou o ambiente. Em particular, os Estados‑Membros não podem ser impedidos de aplicar o princípio da precaução se existir incerteza científica acerca dos riscos para a saúde humana ou animal ou para o ambiente colocados pelos produtos fitofarmacêuticos a autorizar no seu território» ( 24 ).

59.

Relativamente ao princípio da precaução, o Tribunal de Justiça já considerou por diversas vezes que «uma aplicação correta do referido princípio no domínio abrangido pelo mesmo regulamento pressupõe, em primeiro lugar, a identificação das consequências potencialmente negativas para a saúde [ou para o ambiente] da utilização das substâncias ativas e dos produtos fitofarmacêuticos abrangidos pelo seu âmbito de aplicação e, em segundo lugar, uma avaliação global do risco para a saúde [ou para o ambiente] baseada nos dados científicos disponíveis mais fiáveis e nos resultados mais recentes da investigação internacional» ( 25 ).

60.

Partilho da opinião do órgão jurisdicional de reenvio ( 26 ) segundo a qual admitir o argumento de que o Estado‑Membro em causa deve fazer pouco mais do que sistematicamente seguir as conclusões da avaliação do Estado‑Membro relator é incompatível com o princípio da precaução.

61.

A este respeito, pode assinalar‑se que o Tribunal Geral já teve oportunidade de declarar, em relação à mesma substância ativa que a que está em causa no presente processo (o sulfoxaflor), em substância, que os Estados‑Membros dispõem de um poder de apreciação considerável, especialmente no que respeita a avaliações técnicas complexas e à determinação das condições de autorização próprias da situação existente no seu território ( 27 ).

62.

Como o Tribunal de Justiça confirmou num acórdão recente ( 28 ), «é forçoso constatar, como enunciado no considerando 24 do Regulamento n.o 1107/2009, que as disposições que regulamentam as autorizações deverão ser garantia de um nível elevado de proteção e que, particularmente, ao conceder autorizações a produtos fitofarmacêuticos, o objetivo de proteger a saúde humana e animal e o ambiente “deverá ter primazia” sobre o de melhorar a produção vegetal».

63.

Resulta das considerações acima expostas que há que responder à primeira questão do seguinte modo: O artigo 36.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1107/2009 deve ser interpretado no sentido de que permite que o Estado‑Membro em causa, ao examinar um pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico, se afaste da avaliação do Estado‑Membro relator e que lhe concede o direito de recusar uma autorização solicitada numa situação em que os conhecimentos científicos ou técnicos atuais indiquem que o requisito de não existirem efeitos nocivos na saúde humana ou animal nem efeitos inaceitáveis no ambiente não é ou deixou de ser cumprido em relação ao produto fitofarmacêutico em questão.

C.   Quanto à quarta e quinta questões

64.

Segundo a quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre o modo como deve ser interpretada a expressão «conhecimentos científicos e técnicos atuais, usando os documentos orientadores disponíveis na altura do pedido». Segundo o CTB, invocando o artigo 77.o e o artigo 79.o, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1107/2009, esta redação obriga o Estado‑Membro relator a efetuar a sua avaliação tendo em conta o documento de orientação adotado pela Comissão. Por outro lado, a PAN Europe considera que basta que o documento de orientação tenha sido publicado, sem que tenha de ser adotado pela Comissão, e que o Documento de orientação de 2013 contém os conhecimentos científicos e técnicos mais recentes relevantes para o presente processo.

65.

Quanto à quinta questão, admitindo que o Estado‑Membro relator não pode limitar a sua avaliação apenas aos documentos de orientação adotados, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se basta que efetue essa avaliação com base nos documentos de orientação disponíveis ou se deve ter em conta todos os conhecimentos científicos e técnicos, mesmo para lá dos documentos de orientação disponíveis.

66.

A título preliminar, importa observar que, na quarta e na quinta questões, o órgão jurisdicional de reenvio não identifica os artigos específicos do Regulamento n.o 1107/2009 cuja interpretação solicita e que preveem a obrigação de tomar em consideração os documentos de orientação relevantes referidos nessas questões. No entanto, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, «[n]o âmbito do processo de cooperação previsto no artigo 267.o TFUE, embora, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio tenha limitado a sua questão à interpretação de uma disposição específica do direito da União, tal circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação desse direito que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões. A este respeito, cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do referido direito que requerem uma interpretação tendo em conta o objeto do litígio no processo principal» ( 29 ). Resulta claramente da decisão de reenvio que estas duas questões prejudiciais dizem respeito à interpretação do artigo 36.o, n.o 1, do referido regulamento e, em especial, à expressão «conhecimentos científicos e técnicos atuais, usando os documentos orientadores disponíveis na altura do pedido» que nele figura.

67.

Nestas circunstâncias, há que considerar que, com a quarta e a quinta questões, que devem ser respondidas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pede que o Tribunal de Justiça determine se o Estado‑Membro relator pode, ao abrigo do artigo 36.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009, limitar‑se a uma avaliação baseada exclusivamente em documentos de orientação adotados, mesmo que os conhecimentos científicos e técnicos neles contidos já não estejam atualizados, ou se esse Estado‑Membro deve ter em conta todos os conhecimentos científicos e técnicos disponíveis, mesmo que não estejam incluídos nesses documentos de orientação.

68.

Em primeiro lugar, o artigo 29.o, sob a epígrafe «Requisitos para autorização de colocação no mercado», prevê, no n.o 1, alínea e), que «[s]em prejuízo do artigo 50.o, um produto fitofarmacêutico apenas é autorizado se, de acordo com os princípios uniformes referidos no n.o 6, cumprir os seguintes requisitos: […] [à] luz dos atuais conhecimentos científicos e técnicos, cumpre os requisitos constantes do n.o 3 do artigo 4.o».

69.

Relativamente a esta redação, o Tribunal de Justiça esclareceu, no Acórdão Blaise (n.o 71), que «nos termos do artigo 29.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 1107/2009, um dos requisitos exigíveis para que um produto fitofarmacêutico seja autorizado é que o mesmo cumpra, à luz dos conhecimentos científicos e técnicos atuais, os requisitos constantes do artigo 4.o, n.o 3, do referido regulamento.»

70.

Como assinalou o órgão jurisdicional de reenvio, o princípio da precaução milita igualmente a favor da tomada em consideração de todos os conhecimentos científicos e técnicos disponíveis, uma vez que este princípio exige uma avaliação global baseada nos dados científicos disponíveis mais fiáveis e nos resultados mais recentes da investigação internacional ( 30 ).

71.

Em segundo lugar, no que respeita aos «princípios uniformes», estes foram enunciados no Regulamento (UE) n.o 546/2011 ( 31 ), que aplica o Regulamento n.o 1107/2009. O anexo do anterior regulamento [«Princípios uniformes aplicáveis à avaliação e autorização dos produtos fitofarmacêuticos previstos no artigo 29.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1107/2009»], parte I («Princípios uniformes aplicáveis à avaliação e autorização dos produtos fitofarmacêuticos químicos»), parte A («Introdução»), ponto 2, prevê que «ao avaliarem os pedidos e concederem as autorizações, os Estados‑Membros: […] c) Devem ter em conta outras informações técnicas ou científicas de que possam razoavelmente dispor, relativas ao desempenho do produto fitofarmacêutico ou aos efeitos potencialmente adversos do produto fitofarmacêutico, dos seus componentes ou dos seus resíduos» (o sublinhado é meu). Além disso, a parte B da parte I desse anexo («Avaliação»), ponto 1 («Princípios gerais»), no ponto 1.1, prevê que, «[o]s Estados‑Membros devem avaliar as informações referidas no ponto 2 da parte A em função do estado dos conhecimentos científicos e técnicos […]:» (o sublinhado é meu).

72.

Sublinho igualmente a obrigação do requerente, por força do artigo 33.o do Regulamento n.o 1107/2009, de apresentar informações, provas e documentos em que se baseia o seu pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico (incluindo quaisquer informações sobre os efeitos potencialmente nocivos do produto fitofarmacêutico para a saúde humana ou animal ou para o ambiente, bem como os efeitos cumulativos e sinérgicos conhecidos e previstos decorrentes dessa interação) ( 32 ), e a possibilidade, prevista no artigo 37.o deste regulamento, de o Estado‑Membro relator, durante o seu exame do pedido, que não se limita a um exame das informações e das provas apresentadas pelo requerente, solicitar informações adicionais.

73.

Conforme assinalado pelo Governo Alemão, à luz da redação do artigo 36.o, n.o 1, do referido regulamento, segundo a qual «[o] Estado‑Membro […] faz uma avaliação […] à luz dos conhecimentos científicos e técnicos atuais, usando os documentos orientadores disponíveis na altura do pedido» (o sublinhado é meu), esta disposição deve ser interpretada no sentido de que, para além dos documentos de orientação disponíveis (ou seja, tanto orientações adotadas como orientações publicadas mas ainda não adotadas), devem igualmente ser tidas em conta no processo de decisão da autorização outras informações mais recentes. A este respeito, há que ter em conta o facto de o artigo 36.o, n.o 1, prever não só a utilização de documentos de orientação mas também a tomada em consideração dos «conhecimentos científicos e técnicos atuais». O artigo 44.o, n.o 3, relativo à retirada ou alteração de uma autorização, faz igualmente referência a esses conhecimentos.

74.

Um aspeto importante é que deve ter‑se presente que os documentos de orientação consistem naquilo que o seu nome sugere: visam fornecer orientações, mas o Regulamento n.o 1107/2009 não estabelece que sejam, enquanto tais, uma conditio sine qua non. Constituem disposições não vinculativas que existem para ajudar os Estados‑Membros a aplicar as regras e os princípios aplicáveis (por exemplo, no âmbito da avaliação e autorização dos produtos fitofarmacêuticos) de uma forma coerente, uniforme e transparente. Tal é confirmado pelo artigo 77.o deste regulamento, que prevê expressamente que a Comissão «pode» adotar esses documentos de orientação. Daqui decorre que, na falta de documentos de orientação ou se os documentos de orientação existentes forem obsoletos (ou seja, se já não representarem «o estado atual dos conhecimentos científicos e técnicos»), os Estados‑Membros são obrigados, por força deste regulamento, a efetuar a avaliação e a adotar decisões de autorização com base noutras fontes disponíveis que contenham efetivamente os conhecimentos científicos e técnicos mais recentes.

75.

As dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio podem também resultar, em parte, do facto de a versão em língua neerlandesa do artigo 36.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009 parecer incorreta ou, em todo o caso, imprecisa, em comparação com outras versões linguísticas. Com efeito, refere «van de stand van de Wetenschappelijke en technische kennis» («no estado dos conhecimentos científicos e técnicos»), omitindo uma palavra equivalente a «atuais», ao passo que, por exemplo, as versões francesa, italiana, alemã e inglesa mencionam, respetivamente, «à la lumière des connaissances scientifiques et techniques actuelles» («atuais»), «conoscenze scientifiche e techniche attuali» («atuais»), «des neuesten Stands von Wissenschaft und Technik» («os mais recentes») e «current scientific and technical knowledge» («atuais»).

76.

Por conseguinte, na minha opinião, embora seja verdade que os documentos de orientação «disponíveis» (v. n.o 73 das presentes conclusões) constituem um ponto de referência dos conhecimentos científicos e técnicos que os Estados‑Membros devem tomar em consideração na avaliação do pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico, nem o Estado‑Membro relator, que prepara a avaliação dos riscos, nem os Estados‑Membros em causa, que examinam o pedido de autorização, estão limitados a essa fonte de informação ao avaliarem os «conhecimentos científicos e técnicos atuais», com base, nomeadamente, no artigo 36.o, n.os 1 e 2, e no artigo 29.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 1107/2009 ( 33 ).

77.

Daqui resulta que todas as informações consideradas «conhecimentos científicos e técnicos» atuais e relevantes devem ser tomadas em consideração.

78.

Esta abordagem é confirmada pelos objetivos do Regulamento n.o 1107/2009. O Tribunal de Justiça já recordou estes objetivos no Acórdão Pesticide Action Network Europe ( 34 ).

79.

Considerou, neste acórdão, que «o objetivo do Regulamento n.o 1107/2009 […] é, como especificado no artigo 1.o, n.os 3 e 4, deste regulamento, e refletido no considerando 8 do mesmo, nomeadamente assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e animal, bem como do ambiente» (n.o 46).

80.

A este respeito, o Tribunal de Justiça assinalou que «estas disposições se baseiam no princípio da precaução, que é um dos fundamentos da política de um nível de proteção elevado prosseguida pela União no domínio do ambiente, em conformidade com o artigo 191.o, n.o 2, primeiro parágrafo, TFUE, a fim de evitar que substâncias ativas ou produtos colocados no mercado ponham em causa a saúde humana e animal ou o ambiente» (n.o 47).

81.

Além disso, recordou que, «como enunciado no considerando 24 do Regulamento n.o 1107/2009, […] as disposições que regulamentam as autorizações deverão ser garantia de um nível elevado de proteção e que, particularmente, ao conceder autorizações a produtos fitofarmacêuticos, o objetivo de proteger a saúde humana e animal e o ambiente “deverá ter primazia” sobre o de melhorar a produção vegetal» (n.o 48).

82.

Por conseguinte, o Tribunal de Justiça declarou que, «como precisa esse considerando, antes de os produtos fitofarmacêuticos serem colocados no mercado, deverá demonstrar‑se não só que apresentam um benefício claro em termos de produção vegetal mas também, além disso, que não têm nenhum efeito nocivo na saúde humana ou animal» (n.o 49).

83.

O objetivo acima referido só pode ser alcançado quando os conhecimentos científicos e técnicos atuais (ou seja, os mais recentes) forem tidos em conta na avaliação efetuada pelo Estado‑Membro relator e na decisão tomada pelo Estado‑Membro em causa de conceder ou recusar a autorização do produto fitofarmacêutico. Esta é a única forma de um Estado‑Membro poder demonstrar que, tanto quanto é do seu conhecimento, não existem efeitos nocivos na saúde humana ou animal nem no ambiente no que diz respeito ao produto fitofarmacêutico em questão.

84.

Como assinalou o órgão jurisdicional de reenvio, esta interpretação é confirmada pela jurisprudência existente do Tribunal de Justiça.

85.

No Acórdão Bayer CropScience e Bayer/Comissão ( 35 ), o Tribunal de Justiça considerou que, «no âmbito da revisão da aprovação de uma substância ativa, a conclusão de que deixaram de estar satisfeitos os critérios de aprovação previstos no artigo 4.o do Regulamento n.o 1107/2009 pode basear‑se em novos conhecimentos, desde que seja científica ou técnica, pouco importando a fonte ou o documento do qual provém» (o sublinhado é meu).

86.

Como assinalou com razão a Irlanda, o facto de este processo ter tido por objeto a reavaliação da autorização de uma substância ativa não é determinante. Com efeito, nada permite considerar que a mesma conclusão não se aplicaria à avaliação de um pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico, visto que uma interpretação contrária não seria conforme com o princípio da precaução, subjacente ao Regulamento n.o 1107/2009.

87.

Resulta das considerações acima expostas que há que responder à quarta e à quinta questões no sentido de que, ao examinar um pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico, ao abrigo do artigo 36.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009, o Estado‑Membro deve ter em conta quaisquer conhecimentos científicos e técnicos atuais (ou seja, os mais recentes) pertinentes e fiáveis, independentemente da fonte ou do documento do qual provêm.

V. Conclusão

88.

Proponho que o Tribunal de Justiça responda à primeira, à quarta e à quinta questões prejudiciais submetidas pelo College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica, Países Baixos) do seguinte modo:

Primeira questão:

O artigo 36.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Diretivas 79/117/CEE e 91/414/CEE do Conselho,

deve ser interpretado no sentido de que permite que o Estado‑Membro em causa, ao examinar um pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico, se afaste da avaliação do Estado‑Membro relator e que lhe concede o direito de recusar uma autorização solicitada numa situação em que os conhecimentos científicos ou técnicos atuais indiquem que o requisito de não existirem efeitos nocivos na saúde humana ou animal nem efeitos inaceitáveis no ambiente não é ou deixou de ser cumprido em relação ao produto fitofarmacêutico em questão.

Quarta e quinta questões:

O artigo 36.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009

deve ser interpretado do seguinte modo: ao examinar um pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico, ao abrigo desta disposição, o Estado‑Membro deve ter em conta quaisquer conhecimentos científicos e técnicos atuais (ou seja, os mais recentes) pertinentes e fiáveis, independentemente da fonte ou do documento do qual provêm.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Diretivas 79/117/CEE e 91/414/CEE do Conselho (JO 2009, L 309, p. 1).

( 3 ) Comunicado da AEA «How pesticides impact human health and ecosystems in Europe» («Impacto dos pesticidas na saúde humana e os ecossistemas na Europa»), 26 de abril de 2023.

( 4 ) Parlamento Europeu, Relatório sobre o procedimento de autorização da União para os pesticidas [2018/2153 (INI)], p. 14 (18 de dezembro de 2018).

( 5 ) Regulamento de Execução, de 27 de julho de 2015, que aprova a substância ativa sulfoxaflor, em conformidade com o Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, e que altera o anexo do Regulamento de Execução (UE) n.o 540/2011 da Comissão (JO 2015, L 199, p. 8).

( 6 ) Guidance Document on Terrestrial Ecotoxicology (Documento de orientação sobre Ecotoxicologia Terrestre), SANCO/10329/2002 rev 2, de 17 de outubro de 2002 (a seguir «Documento de orientação de 2002»).

( 7 ) EFSA Guidance Document on the risk assessment of plant protection products on bees (Apis mellifera, Bombus spp. and solitary bees) [Documento de orientação da EFSA sobre a avaliação dos riscos dos produtos fitofarmacêuticos para as abelhas], EFSA Journal 2013; 11 (7):3295, publicado em 4 de julho de 2013 (a seguir «Documento de orientação de 2013»). Com efeito, desde então (em 11 de maio de 2023), a EFSA publicou uma nova «Orientação revista sobre a avaliação dos riscos dos produtos fitofarmacêuticos para as abelhas (Apis mellifera, Bombus spp. e abelhas solitárias)» | EFSA Journal.

( 8 ) V. https://www.reuters.com/article/us‑france‑pesticides‑idUSKBN1DO1M9

( 9 ) Artigo 35.o do Regulamento n.o 1107/2009. V. explicação do processo no Acórdão do Verwaltungsgericht Braunschweig (Tribunal Administrativo, Braunschweig Alemanha) (Nona Secção), de 12 de abril de 2018, 9 A 44/16 (n.o 66 e segs.; a seguir «Acórdão do VG Braunschweig»), que dizia respeito, em substância, aos fundamentos com base nos quais um Estado‑Membro em causa pode recusar a autorização do produto fitofarmacêutico ao abrigo do artigo 36.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009.

( 10 ) Artigo 36.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009.

( 11 ) Referidos no artigo 29.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1107/2009, segundo o qual «[o]s princípios uniformes aplicáveis à avaliação e autorização dos produtos fitofarmacêuticos devem incluir os requisitos fixados no anexo VI da Diretiva 91/414/CEE e ser estabelecidos em regulamentos aprovados pelo procedimento consultivo a que se refere o n.o 2 do artigo 79.o sem alterações substanciais.» V. n.o 71 das presentes conclusões.

( 12 ) Artigo 36.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1107/2009.

( 13 ) Artigo 35.o, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1107/2009.

( 14 ) Artigo 36.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1107/2009.

( 15 ) Artigo 37.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1107/2009.

( 16 ) É também este o entendimento defendido pela jurisprudência nacional. V. Acórdão do VG Braunschweig (n.o 74).

( 17 ) Na realidade, para efeitos da interpretação das disposições, deve ter‑se em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte [Acórdão de 2 de março de 2023, Staatsanwaltschaft Graz (Serviço de Investigação de Infrações Tributárias de Dusseldórfia) (C‑16/22, EU:C:2023:148, n.o 25 e jurisprudência referida)].

( 18 ) Artigo 44.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 1107/2009.

( 19 ) Acórdão de 1 de outubro de 2019, Blaise e o. (C‑616/17, EU:C:2019:800, n.o 99; a seguir «Acórdão Blaise»).

( 20 ) Artigo 44.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009.

( 21 ) O mesmo argumento é invocado na jurisprudência nacional. V. Acórdão do tribunal administratif (Tribunal Administrativo, Luxemburgo), n.o 44377, no processo Glifosato, p. 37 [confirmado em sede de recurso pelo Acórdão da Cour Administrative (Supremo Tribunal Administrativo, Luxemburgo), n.o 47873C, de 30 de março de 2023].

( 22 ) V. n.o 2 das presentes conclusões.

( 23 ) As expressões citadas decorrem do artigo 44.o, n.o 3, do referido regulamento. O sublinhado é meu.

( 24 ) V. também Acórdão Blaise (n.o 44).

( 25 ) O sublinhado é meu. V. Acórdão Blaise (n.o 46 e jurisprudência referida) e Acórdão de 22 de dezembro de 2010, Gowan Comércio Internacional e Serviços (C‑77/09, EU:C:2010:803, n.o 75).

( 26 ) V. n.os 11.3 a 13 da versão linguística original da decisão de reenvio.

( 27 ) Despacho de 28 de setembro de 2016, PAN Europe e o./Comissão (T‑600/15, EU:T:2016:601, n.o 33) (não foi objeto de recurso para o Tribunal de Justiça).

( 28 ) Acórdão de 19 de janeiro de 2023, Pesticide Action Network Europe (C‑162/21, EU:C:2023:30, n.o 48 e jurisprudência referida).

( 29 ) Acórdão de 1 de agosto de 2022, TL (Falta de intérprete e de tradução) (C‑242/22 PPU, EU:C:2022:611, n.o 37 e jurisprudência referida).

( 30 ) V. Acórdão Blaise (n.os 46 e 94).

( 31 ) Regulamento da Comissão, de 10 de junho de 2011, que dá execução ao Regulamento n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito aos princípios uniformes aplicáveis à avaliação e autorização dos produtos fitofarmacêuticos (JO 2011, L 155, p. 127). O Regulamento n.o 546/2011 foi alterado em 2022, mas as alterações não se afiguram pertinentes nem determinantes para efeitos do presente processo.

( 32 ) V., a este respeito, Acórdão Blaise (n.os 73, 74 e 78 a 88).

( 33 ) V. Regulamento n.o 546/2011, referido no n.o 71 das presentes conclusões.

( 34 ) Acórdão de 19 de janeiro de 2023 (C‑162/21, EU:C:2023:30, n.os 46 a 49).

( 35 ) Acórdão de 6 de maio de 2021 (C‑499/18 P, EU:C:2021:367, n.o 69).

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