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Document 62022CC0090

Conclusões do advogado-geral N. Emiliou apresentadas em 14 de dezembro de 2023.
«Gjensidige» ADB.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (CE) n.° 1215/2012 — Artigo 45.° — Recusa de reconhecimento de uma decisão — Artigo 71.° — Relação deste regulamento com as convenções relativas a uma matéria especial — Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada (CMR) — Artigo 31.°, n.° 3 — Litispendência — Pacto atributivo de jurisdição — Conceito de “ordem pública”.
Processo C-90/22.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:994

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NICHOLAS EMILIOU

apresentadas em 14 de dezembro de 2023 ( 1 )

Processo C‑90/22

Gjensidige ADB

sendo intervenientes:

Rhenus Logistics UAB,

ACC Distribution UAB

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal, Lituânia)]

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Artigo 71.o — Relação com uma convenção internacional que regula a competência judiciária, o reconhecimento ou a execução de decisões em matérias especiais — Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada (CMR) — Pacto atributivo de jurisdição que não confere competência exclusiva — Reconhecimento, por um tribunal de um Estado‑Membro, de uma decisão abrangida pelo âmbito de aplicação da CMR — Tribunal de origem que se declarou competente com base noutro fundamento — Compatibilidade com os princípios subjacentes à aplicação do Regulamento n.o 1215/2012 — Fundamentos de recusa de reconhecimento de uma decisão — Artigo 45.o»

I. Introdução

1.

No contexto dos litígios transfronteiriços, o tribunal onde foi intentada a ação tem frequentemente de declarar, num primeiro momento, se é internacionalmente competente para conhecer do litígio que lhe é submetido. Na União Europeia, no que respeita aos litígios em matéria civil e comercial, esta análise rege‑se, em princípio, pelas disposições previstas para o efeito no Regulamento (UE) n.o 1215/2012 ( 2 ).

2.

Em simultâneo, e conforme irei explicar mais pormenorizadamente a seguir, este regulamento privilegia a aplicação de regras específicas previstas em convenções internacionais especializadas celebradas pelos Estados‑Membros.

3.

Não obstante, no seu Acórdão TNT Express ( 3 ), o Tribunal de Justiça esclareceu, em substância, que a aplicação deste tipo de regras específicas não deve pôr em causa certos princípios fundamentais do sistema de cooperação judiciária da União Europeia, como o princípio da previsibilidade do tribunal competente ou o princípio da boa administração da justiça.

4.

O litígio que está na origem do presente pedido de decisão prejudicial é ilustrativo da complexidade da problemática exposta. Este litígio surgiu na sequência de um furto de mercadorias durante o seu transporte dos Países Baixos para a Lituânia. A seguradora em causa exigiu, na Lituânia, uma indemnização à transportadora, com fundamento num pacto atributivo de jurisdição incluído no contrato de transporte.

5.

Contudo, à data, a transportadora já havia intentado uma ação judicial nos Países Baixos, com o intuito de obter a declaração de que a sua responsabilidade neste contexto específico era limitada. Antes de julgar a ação procedente, o tribunal neerlandês declarou‑se competente com base na aplicação de uma das regras de competência previstas na Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada (a seguir «CMR») ( 4 ), não obstante o pacto atributivo de jurisdição acima referido, o qual, no seu entender, não podia afastar os restantes critérios (alternativos) de competência previstos na CMR.

6.

Na sequência do reconhecimento daquela decisão pelos tribunais lituanos, a Gjensidige ADB interpôs um recurso de cassação no Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal, Lituânia), que é o órgão jurisdicional de reenvio. Alega que o reconhecimento da decisão do tribunal neerlandês é contrário ao Regulamento n.o 1215/2012, dado que este regulamento estabelece, por princípio, a exclusividade da competência que resulta dos pactos atributivos de jurisdição.

7.

Tendo em conta estas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, primeiro, sobre as regras de competência aplicáveis. Assinala que o Regulamento n.o 1215/2012 privilegia a aplicação de regras previstas em convenções internacionais especializadas, como é o caso da CMR. No entanto, tem dúvidas de que esta primazia conduza à inaplicabilidade de um pacto atributivo de jurisdição, atendendo à proteção acrescida que o Regulamento n.o 1215/2012 concede a estes pactos. Segundo, pretende saber se esta proteção reforçada implica forçosamente a recusa do reconhecimento da decisão do tribunal neerlandês. Embora o Regulamento n.o 1215/2012 não admita expressamente esta abordagem, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se há que proceder a uma interpretação mais ampla do mesmo, essencialmente, para salvaguardar a vontade das partes, conforme expressa no pacto atributivo de jurisdição em causa.

II. Quadro jurídico

A.   Direito internacional

8.

Nos termos do seu artigo 1.o, a CMR aplica‑se «a todos os contratos de transporte de mercadorias por estrada a título oneroso por meio de veículos, quando o lugar do carregamento da mercadoria e o lugar da entrega previsto […] estão situados em dois países diferentes, sendo um destes, pelo menos, país contratante, e independentemente do domicílio e nacionalidade das partes» ( 5 ).

9.

O artigo 31.o da CMR dispõe:

«1.   Para todos os litígios provocados pelos transportes sujeitos à presente Convenção, o autor poderá recorrer, além das jurisdições dos países contratantes designados de comum acordo pelas partes, para a jurisdição do país no território do qual:

a)

O réu tiver a sua residência habitual, a sua sede principal ou a sucursal ou agência por intermédio da qual se estabeleceu o contrato de transporte, ou

b)

Estiver situado o lugar do carregamento da mercadoria ou o lugar previsto para a entrega, e só poderá recorrer a essas jurisdições ( 6 ),

2.   Quando num litígio previsto no parágrafo 1 do presente artigo estiver em instância uma ação numa jurisdição competente nos termos desse parágrafo, ou quando tal jurisdição pronunciar sentença em tal litígio, não poderá ser intentada mais nenhuma ação pela mesma causa entre as mesmas partes, a não ser que a decisão da jurisdição perante a qual foi intentada a primeira ação não possa ser executada no país onde é intentada a nova ação.

3.   Quando num litígio previsto no parágrafo 1 do presente artigo uma sentença pronunciada por uma jurisdição de um país contratante se tornou executória nesse país, torna‑se também executória em cada um dos outros países contratantes imediatamente após o cumprimento das formalidades prescritas para esse efeito no país interessado. Essas formalidades não podem comportar nenhuma revisão do caso.

4.   As disposições do parágrafo 3 do presente artigo aplicam‑se às sentenças contraditórias, às sentenças omissas e às transações judiciais, mas não se aplicam às sentenças somente executórias por provisão nem às condenações em perdas e danos que venham a ser impostas além das despesas contra um queixoso em virtude da rejeição total ou parcial da sua queixa.»

10.

O artigo 41.o, n.o 1, da CMR prevê que «salvas as disposições do artigo 40.o, é nula e sem efeito qualquer estipulação que, direta ou indiretamente, modifique as disposições da presente Convenção. A nulidade de tais estipulações não implica a nulidade das outras disposições do contrato».

B.   Direito da União

11.

O considerando 21 do Regulamento n.o 1215/2012 enuncia que «[o] funcionamento harmonioso da justiça obriga a minimizar a possibilidade de intentar processos concorrentes e a evitar que sejam proferidas decisões inconciliáveis em Estados‑Membros diferentes. Importa prever um mecanismo claro e eficaz para resolver os casos de litispendência e de conexão […]»

12.

O considerando 22 deste regulamento prevê que «[t]odavia, a fim de reforçar a eficácia dos acordos exclusivos de eleição do foro competente e de evitar táticas de litigação abusivas, é necessário prever uma exceção à regra geral de litispendência, a fim de lidar de forma satisfatória com uma situação particular no âmbito da qual poderão ocorrer processos concorrentes. Trata‑se da situação em que é demandado um tribunal não designado num acordo exclusivo de eleição do foro competente, e o tribunal designado é demandado subsequentemente num processo com a mesma causa de pedir e com as mesmas partes. Nesse caso, o tribunal demandado em primeiro lugar deverá ser chamado a suspender a instância logo que o tribunal designado seja demandado e até que este declare que não é competente por força do acordo exclusivo de eleição do foro competente. Isto destina‑se a, numa tal situação, dar prioridade ao tribunal designado para decidir da validade do acordo e em que medida o acordo se aplica ao litígio pendente. O tribunal designado deverá poder prosseguir a ação independentemente de o tribunal não designado já ter decidido da suspensão da instância».

13.

O artigo 24.o do Regulamento n.o 1215/2012, sob a epígrafe «Competências exclusivas», figura na secção 6 do capítulo II deste regulamento, e tem a seguinte redação:

«Têm competência exclusiva os seguintes tribunais de um Estado‑Membro, independentemente do domicílio das partes:

1)

Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis, os tribunais do Estado‑Membro onde se situa o imóvel.

[…]

2)

Em matéria de validade da constituição, de nulidade ou de dissolução de sociedades ou de outras pessoas coletivas ou associações de pessoas singulares ou coletivas, ou de validade das decisões dos seus órgãos, os tribunais do Estado‑Membro em que a sociedade, pessoa coletiva ou associação tiverem a sua sede. […]

3)

Em matéria de validade de inscrições em registos públicos, os tribunais do Estado‑Membro em que esses registos sejam conservados.

4)

Em matéria de registo ou validade de patentes, marcas, desenhos e modelos e outros direitos análogos sujeitos a depósito ou a registo, independentemente de a questão ser suscitada por via de ação ou por via de exceção, os tribunais do Estado‑Membro onde o depósito ou o registo tiver sido requerido, efetuado ou considerado efetuado nos termos de um instrumento da União ou de uma convenção internacional.

[…]

5)

Em matéria de execução de decisões, os tribunais do Estado‑Membro do lugar da execução.»

14.

O artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012, que figura na secção 7 do capítulo II deste regulamento, prevê que «[s]e as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado‑Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado‑Membro, substantivamente nulo. Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário. […]»

15.

O artigo 29.o do Regulamento n.o 1215/2012 prevê:

«1.   Sem prejuízo do disposto no artigo 31.o, n.o 2, quando ações com a mesma causa de pedir e entre as mesmas partes forem submetidas à apreciação de tribunais de diferentes Estados‑Membros, qualquer tribunal que não seja o tribunal demandado em primeiro lugar deve suspender oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal demandado em primeiro lugar.

[…]»

16.

O artigo 31.o do Regulamento n.o 1215/2012 tem a seguinte redação:

«[…]

2.   Sem prejuízo do artigo 26.o, se for demandado um tribunal de um Estado‑Membro ao qual é atribuída competência exclusiva por um pacto referido no artigo 25.o, os tribunais dos outros Estados‑Membros devem suspender a instância até ao momento em que o tribunal demandado com base nesse pacto declare que não é competente for força do mesmo.

3.   Se o tribunal designado no pacto se atribuir competência por força desse pacto, os tribunais dos outros Estados‑Membros devem declarar‑se incompetentes a favor desse tribunal.

[…]»

17.

O artigo 45.o do Regulamento n.o 1215/2012 prevê:

«1.   A pedido de qualquer interessado, o reconhecimento de uma decisão é recusado se:

a)

Esse reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado‑Membro requerido;

[...] ou

e)

A decisão desrespeitar:

i)

o disposto no Capítulo II, Secções 3, 4 ou 5, caso o requerido seja o tomador do seguro, o segurado, um beneficiário do contrato de seguro, o lesado, um consumidor ou um trabalhador, ou

ii)

o disposto no Capítulo II, Secção 6.

[…]

3.   Sem prejuízo do disposto no n.o 1, alínea e), não pode proceder‑se à revisão da competência do tribunal de origem. O critério da ordem pública referido no n.o 1, alínea a), não pode ser aplicado às regras de competência.

[…]»

18.

O artigo 71.o do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 dispõe:

«1.   O presente regulamento não prejudica as convenções em que os Estados‑Membros são partes e que, em matérias especiais, regulem a competência judiciária, o reconhecimento ou a execução de decisões.

2.   Para assegurar a sua interpretação uniforme, o n.o 1 deve ser aplicado do seguinte modo:

[…]

b)

As decisões proferidas num Estado‑Membro por um tribunal cuja competência se funde numa convenção relativa a uma matéria especial são reconhecidas e executadas nos outros Estados‑Membros nos termos do presente regulamento.

Se uma convenção relativa a uma matéria especial, de que sejam partes o Estado‑Membro de origem e o Estado‑Membro requerido, estabelecer as condições para o reconhecimento e execução de decisões, tais condições devem ser respeitadas. Em qualquer caso, pode aplicar‑se o disposto no presente regulamento sobre reconhecimento e execução de decisões.»

III. Factos, tramitação processual nacional e questões prejudiciais

19.

A ACC Distribution UAB (a seguir «ACC Distribution»), cliente, e a Rhenus Logistics UAB (a seguir «Rhenus Logistics»), transportadora, celebraram um contrato de transporte de material informático dos Países Baixos para a Lituânia. Durante o transporte, parte das mercadorias foram furtadas.

20.

A cláusula 3 do contrato de transporte estipulava que «caso não seja possível solucionar os litígios e conflitos através de negociações entre as partes, estas devem ser ouvidas pelo órgão jurisdicional do domicílio legal da cliente». Tendo em conta que a sede da ACC Distribution (a cliente) está situada na Lituânia, as partes convencionaram a competência dos tribunais lituanos.

21.

Em 21 de abril de 2017, na sequência do furto, a Gjensidige, a companhia de seguros que tinha segurado as mercadorias, pagou uma indemnização à ACC Distribution no valor de 205108,89 euros.

22.

Em 3 de fevereiro de 2017, deu entrada no rechtbank Zeeland‑West‑Brabant (Tribunal de Primeira Instância de Zeeland‑West‑Brabant, Países Baixos, a seguir «Tribunal de Primeira Instância de Zeeland‑West‑Brabant») uma ação intentada, inter alia, pela Rhenus Logistics contra, entre outras, a ACC Distribution e a Gjensidige. Sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, resulta dos autos que a Rhenus Logistics se baseou na CMR (em cujo âmbito se enquadra o litígio), ao abrigo da qual o demandante pode intentar uma ação, nomeadamente, nos tribunais do país em cujo território o lugar de carregamento da mercadoria estiver situado ( 7 ).

23.

O objetivo daquela ação era obter a declaração de que a responsabilidade civil da transportadora era limitada em relação ao furto acima referido. A ACC Distribution e a Gjensidige arguíram que o tribunal neerlandês era incompetente, invocando para o efeito o pacto atributivo de jurisdição constante do contrato de transporte. Esta exceção foi julgada improcedente, uma vez que o pacto atributivo de jurisdição era nulo e sem efeito por força do artigo 41.o, n.o 1, da CMR, dado que restringia a escolha do tribunal competente para conhecer do litígio ao abrigo do artigo 31.o, n.o 1, desta convenção.

24.

Em 19 de setembro de 2017, a Gjensidige intentou no Kauno apygardos teismas (Tribunal Regional de Kaunas, Lituânia, a seguir «Tribunal Regional») uma ação de indemnização contra a Rhenus Logistics, em cujo âmbito pediu uma indemnização no montante de 205108,89 euros, acrescido de juros. A Gjensidige intentou esta ação com fundamento em sub‑rogação, uma vez que tinha pagado o prémio à ACC Distribution.

25.

Na sua contestação, a Rhenus Logistics pediu que a ação fosse julgada improcedente, invocando uma exceção de litispendência, e que a mesma fosse dirimida através do reconhecimento da competência do Tribunal de Primeira Instância de Zeeland‑West‑Brabant, que tinha sido o primeiro tribunal a conhecer do litígio.

26.

Nesse contexto, o Tribunal Regional suspendeu o processo. Esta decisão foi confirmada em sede de recurso pelo Lietuvos apeliacinis teismas (Tribunal de Recurso, Lituânia, a seguir «Tribunal de Recurso»).

27.

Por Sentença de 25 de setembro de 2019, o Tribunal de Primeira Instância de Zeeland‑West‑Brabant declarou que a responsabilidade da Rhenus Logistics em relação, nomeadamente, à ACC Distribution e à Gjensidige, era limitada e que não podia exceder o montante indemnizatório previsto no artigo 23.o, n.o 3 da CMR ( 8 ). Esta sentença não foi objeto de recurso.

28.

Em execução desta sentença, a Rhenus Logistics transferiu o montante em causa para Gjensidige. Em consequência, esta última desistiu de parte dos seus pedidos no âmbito da ação pendente na Lituânia e requereu que os restantes pedidos fossem julgados procedentes.

29.

Por Acórdão de 22 de maio de 2020, o Tribunal Regional aceitou a desistência parcial, julgando improcedente o resto da ação, e declarou que a sentença do Tribunal de Primeira Instância de Zeeland‑West‑Brabant tinha adquirido força de caso julgado. O Tribunal de Recurso confirmou esta decisão.

30.

Em 2 de junho de 2021, deu entrada no Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal, Lituânia) um recurso de cassação interposto pela Gjensidige. Esta alegou, designadamente, que, ao contrário da CMR, o Regulamento n.o 1215/2012 prevê que a competência estabelecida nos pactos atributivos de jurisdição é exclusiva e que atenta a situação no processo principal este regulamento deveria ser aplicado prioritariamente. No entender desta parte, a solução contrária teria efeitos menos favoráveis no bom funcionamento do mercado interno e não acautelaria, particularmente, os princípios da previsibilidade do tribunal competente e da boa administração da justiça.

31.

Por ter dúvidas a esse respeito, o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal, Lituânia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

Pode o artigo 71.o do Regulamento n.o 1215/2012, lido em conjugação com os artigos 25.o, 29.o e 31.o e com os considerandos 21 e 22 do mesmo regulamento, ser interpretado no sentido de que também permite a aplicação do artigo 31.o da Convenção CMR quando um litígio abrangido pelo âmbito de aplicação desses dois instrumentos jurídicos estiver sujeito a um pacto atributivo de jurisdição?

2.

Tendo em conta a intenção do legislador de reforçar a proteção dos pactos atributivos de jurisdição na União Europeia, pode o artigo 45.o, n.o 1, alínea e), ii) do Regulamento n.o 1215/2012, ser interpretado de modo mais amplo, no sentido de que abrange não só a Secção 6 do Capítulo II do referido regulamento, mas também a sua Secção 7?

3.

Após análise das características específicas da situação e das consequências jurídicas daí resultantes, pode a expressão “ordem pública” que figura no Regulamento n.o 1215/2012 ser interpretada no sentido em que constitui um fundamento para o não reconhecimento de uma sentença de outro Estado‑Membro, quando a aplicação de uma convenção especial, como a Convenção CMR, cria uma situação jurídica na qual, no mesmo caso, nem o pacto atributivo de jurisdição nem o acordo sobre a lei aplicável são respeitados?»

32.

A Rhenus Logistics, a Gjensidige, o Governo Lituano e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Estas partes apresentaram igualmente alegações orais na audiência de 23 de março de 2023.

IV. Análise

33.

Feitas algumas observações introdutórias relativamente aos elementos pertinentes do litígio em causa no processo principal (A) e ao Acórdão do Tribunal de Justiça no processo TNT Express, que está, pelo menos em parte, na base das dúvidas suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio (B), irei abordar o mérito das questões submetidas (C).

34.

Para o efeito, irei debruçar‑me, primeiro, sobre a premissa em que assenta o presente pedido, isto é, de que ainda é possível fiscalizar a competência do Tribunal de Primeira Instância de Zeeland‑West‑Brabant, enquanto tribunal de origem, no âmbito do processo pendente no órgão jurisdicional de reenvio, relativo ao reconhecimento de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro. Irei explicar que esta premissa é errada e que, numa situação deste tipo, uma decisão só deixa de ter efeitos transfronteiriços se uma parte invocar, com êxito, um dos fundamentos de recusa do seu reconhecimento previstos no Regulamento n.o 1215/2012 (C.1). O órgão jurisdicional de reenvio prevê esta possibilidade nas questões prejudiciais segunda e terceira. Irei explicar que estes fundamentos não abrangem, em substância, as situações em que o tribunal de origem se declara competente, apesar de não ser o tribunal do Estado‑Membro designado pelo pacto atributivo de jurisdição (C.2).

35.

Por uma questão de exaustividade, e para abordar o amplo debate sobre esta questão no presente processo, irei explicar que as regras de competência previstas na CMR relevantes não são, em caso algum, contrárias aos princípios subjacentes ao Regulamento n.o 1215/2012, em conformidade com o critério estabelecido no Acórdão TNT Express (D).

A.   Elementos pertinentes do litígio em causa

36.

Cumpre recordar que o litígio no processo principal teve origem no furto de parte das mercadorias durante o seu transporte internacional. Embora o contrato de transporte contivesse uma cláusula que atribuía competência aos tribunais lituanos ( 9 ), o litígio que resultou deste furto acabou por ser apreciado e dirimido por um tribunal neerlandês ( 10 ).

37.

Isto deve‑se ao facto de o litígio em causa estar abrangido, ratione materiae, pelo âmbito de aplicação da CMR, que contém não só regras substantivas em matéria de responsabilidade no âmbito do transporte rodoviário de mercadorias, mas também, designadamente, regras de competência aplicáveis aos litígios que resultam deste tipo de transporte.

38.

Concretamente, o artigo 31.o, primeiro parágrafo, da CMR confere ao demandante a possibilidade de escolher entre quatro foros possíveis, a saber, primeiro, o foro do país convencionado pelas partes, segundo, o foro do país de residência — em suma — do demandado ( 11 ), terceiro, o foro do lugar de carregamento da mercadoria ou, quarto, o foro do local previsto para a entrega.

39.

Embora resulte destas regras que as partes podem celebrar um pacto atributivo de jurisdição, afigura‑se, pelo menos de acordo com a posição do Tribunal de Primeira Instância de Zeeland‑West‑Brabant, que a competência que resulta destes pactos não pode ser exclusiva ( 12 ). O órgão jurisdicional de reenvio também parece defender esta posição.

40.

Segundo entendi, a Rhenus Logistics, a transportadora em causa, intentou a sua ação no Tribunal de Primeira Instância de Zeeland‑West‑Brabant essencialmente com base no terceiro critério referido acima no n.o 38 das presentes conclusões ( 13 ). A sua ação parece ter tido um caráter preventivo, uma vez que esta sociedade pretendia obter a declaração judicial de que a sua responsabilidade pelos danos resultantes do furto era limitada a um determinado montante.

41.

No meu entender, o artigo 23.o, n.o 3, da CMR limita, em princípio, a responsabilidade da transportadora pela perda das mercadorias ( 14 ). Contudo, nos termos do artigo 29.o, n.o 1, da CMR, esta responsabilidade limitada parece não ser aplicável quando o dano provém de «dolo […] ou de falta […] [da transportadora] e que, segundo a lei [do tribunal] que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo».

42.

Neste contexto, os tribunais das partes contratantes da CMR podem adotar posições diferentes no que respeita às circunstâncias em que se aplica a referida disposição ( 15 ). Em caso de litígio, isto tende a levar a uma corrida ao tribunal que é mais suscetível de dar uma interpretação favorável à parte em causa. Por seu turno, esta situação pode desencadear a instauração de processos judiciais paralelos em diferentes Estados com o intuito de obter, no caso de uma parte que tem direitos sobre as mercadorias, a reparação dos danos ou das perdas e, inversamente, no caso da transportadora, uma declaração que exclua ou limite a sua responsabilidade por esses danos ou perdas ( 16 ).

43.

No âmbito do presente processo, a Gjensidige salientou as posições divergentes dos tribunais neerlandeses, por um lado, e dos tribunais lituanos, por outro, no que se refere às circunstâncias em que a responsabilidade das transportadoras pode ser considerada ilimitada. Alegou que a posição perfilhada pelos tribunais neerlandeses é mais favorável às transportadoras, visto que os requisitos que desencadeiam a responsabilidade ilimitada destas são mais difíceis de preencher. O órgão jurisdicional de reenvio parece partilhar deste entendimento.

44.

A Rhenus Logistics obteve, com sucesso, nos Países Baixos, uma declaração segundo a qual a sua responsabilidade é limitada. A sentença em questão foi posteriormente reconhecida pelos tribunais lituanos na fase do processo principal, que antecedeu o processo pendente no órgão jurisdicional de reenvio. Nesse processo, a Gjensidige começou por procurar obter uma indemnização pela perda de parte das mercadorias. Em seguida, circunscreveu o seu pedido ao montante superior à quantia que a Rhenus Logistics já tinha pagado em execução da sentença neerlandesa.

45.

A Gjensidige alega, a este respeito, que o reconhecimento daquela sentença é ilegal posto que o tribunal neerlandês se declarou competente em violação do pacto atributivo de jurisdição aplicável. No entender da Gjensidige, este pacto deveria ter prevalecido, uma vez que, ao abrigo do artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012, a competência que decorre de um pacto atributivo de jurisdição é, no presente caso, exclusiva ( 17 ).

46.

Mais concretamente, a Gjensidige sustenta que, uma vez que o litígio em causa está abrangido tanto pelo âmbito de aplicação da CMR como pelo âmbito de aplicação (mais geral) do Regulamento n.o 1215/2012 – e que ambos os instrumentos parecem conter regras contraditórias sobre os efeitos a atribuir a um pacto atributivo de jurisdição – o reconhecimento da sentença neerlandesa deve ser recusado porque a aplicação das regras de competência da CMR, em que se baseia esta sentença, tem consequências menos favoráveis para o bom funcionamento do mercado interno do que, segundo entendi, a aplicação do Regulamento n.o 1215/2012, no que respeita aos efeitos de um pacto atributivo de jurisdição.

47.

Perante este contexto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber quais são as regras de competência aplicáveis e se o reconhecimento da sentença neerlandesa deve ser recusado.

48.

Para que o leitor possa compreender cabalmente tanto os argumentos da Gjensidige como as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio e, especialmente, a primeira questão, irei começar por abordar aquilo que constituiu, seguramente, a fonte de inspiração das mesmas, isto é, o Acórdão do Tribunal de Justiça no processo TNT Express.

B.   Convenções internacionais especializadas: prioridade… with strings attached (com condições)

49.

O artigo 71.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 reconhece a existência de regras específicas de competência e de execução que podem constar de convenções internacionais especializadas celebradas pelos Estados‑Membros e privilegia a aplicação destes instrumentos. Esta disposição prevê, com efeito, que o regulamento «não prejudica as convenções em que os Estados‑Membros são partes e que, em matérias especiais, regulem a competência judiciária, o reconhecimento ou a execução de decisões».

50.

O considerando 35 deste regulamento anuncia esta «cláusula de conflito de leis» ( 18 ) como sendo uma expressão do respeito dos compromissos internacionais dos Estados‑Membros. Embora esta redação possa eventualmente levar o leitor a considerar que o artigo 71.o do Regulamento n.o 1215/2012 diz respeito aos compromissos assumidos em relação a países terceiros, a redação do artigo 71.o e, sobretudo, do seu n.o 2, deixa claro, como observa a Comissão, que este também se aplica nas relações intra‑União ( 19 ).

51.

Em simultâneo, o artigo 71.o foi igualmente descrito como reconhecendo as especificidades dos domínios que são regulados pelas respetivas convenções especializadas ( 20 ).

52.

Esta regra figurava anteriormente, em termos idênticos, no artigo 71.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, que antecedeu o Regulamento n.o 1215/2012.

53.

A interpretação desta regra esteve no cerne do Acórdão do Tribunal de Justiça no processo TNT Express ( 21 ), proferido no âmbito de um litígio entre uma sociedade de transportes com a mesma denominação e a seguradora das mercadorias perdidas durante o seu transporte. Nesse processo, a TNT opôs‑se à execução, nos Países Baixos, de uma decisão de um tribunal alemão que a condenou a pagar uma indemnização a título dessa perda.

54.

O cerne das questões submetidas girava em torno da questão, que é semelhante à questão implícita no presente caso, de saber se o tribunal do Estado requerido (in casu, os Países Baixos) pode fiscalizar a competência do tribunal alemão (enquanto tribunal de origem) ( 22 ). Embora o Regulamento n.o 44/2001 (aplicável à data dos factos) proibisse esta fiscalização (como acontece atualmente com o Regulamento n.o 1215/2012), esta solução não decorre necessariamente da CMR.

55.

É por este motivo que o Tribunal de Justiça teve de analisar a interação entre os dois instrumentos. Nesse contexto, o Tribunal esclareceu que o primado conferido pelo artigo 71.o do referido regulamento às convenções internacionais especializadas, como a CMR, está sujeito a um requisito importante: as regras destas convenções têm precedência se «ofere[cerem] um elevado nível de certeza jurídica, facilit[arem] a boa administração da justiça e permit[irem] reduzir ao mínimo o risco de processos concorrentes, e assegur[arem], em condições pelo menos tão favoráveis como as previstas no referido regulamento, a livre circulação das decisões em matéria civil e comercial e a confiança recíproca na administração da justiça no seio da União (favor executionis)» ( 23 ).

56.

O Tribunal de Justiça chegou a esta conclusão depois de ter esclarecido que as regras previstas nas convenções internacionais especializadas não podem conduzir a «resultados menos favoráveis para o bom funcionamento do mercado interno do que os alcançados pelas disposições do referido regulamento» ( 24 ) e não podem «violar os princípios basilares da cooperação judiciária em matéria civil e comercial no seio da União […]» ( 25 ).

57.

Irei abordar a conclusão específica a que chegou o Tribunal de Justiça, naquele caso, com base nestas considerações. Basta referir por agora que o critério geral estabelecido naquele acórdão foi alvo de reações ambivalentes por parte da doutrina, que apontava para a sua difícil aplicação ( 26 ) — quando as regras previstas no artigo 71.o devem ser regras de conflitos claras — e para o facto de a sua existência «violar» ( 27 ) a redação desta disposição ( 28 ). Simultaneamente, também se reconheceu que este acórdão propunha uma solução para a ameaça que pode advir para o regime comum de reconhecimento da aplicação de regras divergentes de convenções especializadas a situações intra‑União ( 29 ).

58.

De qualquer modo, o critério estabelecido no Acórdão TNT Express, que atualmente enforma a aplicação do artigo 71.o do Regulamento n.o 1215/2012, tornou‑se num elemento inevitável da análise comparativa de regimes de competência e de execução potencialmente concorrentes ( 30 ). Compreensivelmente, as considerações baseadas neste critério constam dos articulados do processo principal e das observações que levaram o órgão jurisdicional de reenvio a apresentar o presente pedido de decisão prejudicial, sobre o qual me debruçarei mais detalhadamente daqui em diante.

C.   Questões submetidas no presente processo

59.

As três questões submetidas no presente processo parecem refletir a apreensão do órgão jurisdicional de reenvio relativamente ao facto de o pacto atributivo de jurisdição celebrado pelas partes no processo principal não ter sido respeitado quando o Tribunal de Primeira Instância de Zeeland‑West‑Brabant aceitou conhecer da ação intentada pela Rhenus Logistics.

60.

A primeira questão prejudicial passa por saber, em concreto, se o artigo 71.o do Regulamento n.o 1215/2012, lido à luz dos considerandos 21 e 22 deste regulamento, admite a aplicação das regras alternativas de competência previstas no artigo 31.o, n.o 1, da CMR, nos casos em que os litígios estão sujeitos a pactos atributivos de jurisdição.

61.

Temo que esta questão se baseie na premissa de que o órgão jurisdicional de reenvio ainda pode fiscalizar a competência do tribunal de origem na fase de reconhecimento. Irei explicar, posteriormente, que esta fiscalização não é possível e que, por isso, a resposta à primeira questão é irrelevante para efeitos do processo principal (C.1).

62.

Pelo contrário, quando uma parte pretende que uma decisão não produza efeitos, tem de invocar, para tanto, um dos fundamentos de recusa de reconhecimento da decisão, conforme previstos no Regulamento n.o 1215/2012. Por conseguinte, irei debruçar‑me sobre esta questão e, mais concretamente, sobre as questões prejudiciais segunda e terceira, através das quais o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o facto de o pacto atributivo de jurisdição ter sido declarado ineficaz implica a recusa do reconhecimento da decisão neerlandesa. Irei explicar que estas questões devem ser respondidas na negativa (C.2).

1. Quanto ao facto de o órgão jurisdicional de reenvio não poder fiscalizar a competência do tribunal de origem

63.

Como decorre do considerando 26 do Regulamento n.o 1215/2012, o regime de reconhecimento e de execução nele previsto baseia‑se na confiança recíproca na justiça na União. Com efeito, estas regras assentam na premissa de que uma decisão proferida pelos tribunais de um Estado‑Membro deve ser tratada como se tivesse sido proferida no Estado‑Membro requerido ( 31 ).

64.

Com efeito, e como a Comissão salientou, em substância, na audiência do presente processo, um dos elementos centrais do sistema instituído pelo Regulamento n.o 1215/2012 é o reconhecimento automático das decisões em matéria civil e comercial proferidas pelos tribunais de outros Estados‑Membros. Este sistema afasta, designadamente, a possibilidade de os tribunais do Estado‑Membro requerido fiscalizarem a competência dos tribunais do Estado‑Membro de origem, conforme decorre do artigo 45.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1215/2012 ( 32 ).

65.

No entanto, a situação em causa no presente processo não se rege (ou, pelo menos, não exclusivamente, conforme irei explicar mais adiante) pelo Regulamento n.o 1215/2012, mas sim pelas regras especializadas da CMR, às quais o artigo 71.o do Regulamento n.o 1215/2012 confere prioridade. Consequentemente, impõe‑se a questão de saber se a proibição de fiscalizar a competência do tribunal de origem também se aplica nesta situação.

66.

Considero que sim.

67.

A este respeito, note‑se, em primeiro lugar, que a CMR não é um instrumento de direito da União, pelo que está excluída do âmbito de competência do Tribunal de Justiça ( 33 ).

68.

Esta limitação não significa, contudo, que o Tribunal de Justiça não possa ter em conta a redação deste tipo de instrumentos para se inteirar do teor dos mesmos. Caso contrário, tornar‑se‑ia desde logo impossível verificar se estas convenções contêm regras concorrentes ( 34 ).

69.

Com base neste pressuposto, passando, em segundo lugar, para o conteúdo específico da CMR, note‑se que as regras desta convenção relativas ao reconhecimento e à execução são bastante elementares, facto que também foi reconhecido no presente processo tanto pela Rhenus Logistics como pela Gjensidige ( 35 ).

70.

Estas regras constam do artigo 31.o, n.o 3, da CMR, que impõe a execução de uma decisão, proferida numa parte contratante, noutras partes contratantes, após o cumprimento de «formalidades», e que exclui a reapreciação do mérito do processo.

71.

Há outros aspetos do reconhecimento e da execução que parecem não estar regulados, o que significa que tais regras devem ser encontradas na legislação do Estado requerido ( 36 ).

72.

No que respeita aos Estados‑Membros, essas regras constam do Regulamento n.o 1215/2012. Por conseguinte, o regime aplicável é, a meu ver, o que resulta dos artigos 45.o e seguintes deste regulamento, o que abrange a regra fundamental acima referida que proíbe a fiscalização da competência do tribunal de origem no espaço jurídico intra‑União.

73.

Além disso, e independentemente do que precede, o Acórdão TNT Express também leva a esta conclusão.

74.

Com efeito, após ter desenvolvido o critério geral descrito na secção anterior, que restringe o âmbito de aplicação do artigo 71.o do Regulamento n.o 1215/2012, o Tribunal de Justiça recordou que «o tribunal do Estado requerido nunca está mais bem colocado que o tribunal do Estado de origem […] para se pronunciar sobre a competência deste» ( 37 ). O Tribunal explicou que foi precisamente este o motivo que levou a que esta fiscalização fosse proibida no direito da União.

75.

Embora o Tribunal de Justiça não se tenha pronunciado expressamente sobre se os princípios subjacentes ao Regulamento n.o 44/2001 excluem efetivamente a fiscalização da competência de um tribunal ao abrigo de uma convenção especializada, o Acórdão TNT Express é geralmente interpretado no sentido de que confirma esta última possibilidade ( 38 ). Na audiência no âmbito do presente processo, a Comissão e o Governo Lituano adotaram essencialmente a mesma posição.

76.

Consequentemente, e em suma, considero, tanto à luz do critério estabelecido no Acórdão TNT Express, como da redação da CMR, que um tribunal de um Estado‑Membro, chamado a reconhecer uma decisão proferida por um tribunal de outro Estado‑Membro em aplicação desta convenção, não está autorizado a fiscalizar a competência do tribunal de origem. Por conseguinte, a resposta à primeira questão prejudicial é irrelevante para a resolução do litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio, uma vez que este último não pode fiscalizar se o Tribunal de Primeira Instância de Zeeland‑West‑Brabant se declarou competente, corretamente, antes de proferir a decisão cujo reconhecimento está em causa no processo principal.

77.

Esclarecido este ponto, vou agora analisar a questão de saber se o facto de o Tribunal de Primeira Instância de Zeeland‑West‑Brabant se ter declarado competente, descurando o pacto atributivo de jurisdição em causa, pode constituir um fundamento de recusa do reconhecimento da decisão proferida pelo mesmo.

2. Pode o reconhecimento de uma decisão ser recusado nos casos em que os pactos atributivos de jurisdição são descurados?

78.

Como já expliquei, o litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio está abrangido pelo âmbito de aplicação da CMR. Esta convenção prevalece sobre o Regulamento n.o 1215/2012 por força do artigo 71.o do mesmo ( 39 ). Como tal, pode parecer surpreendente, à primeira vista, recorrer ao Regulamento n.o 1215/2012 para saber se as suas disposições permitem recusar o reconhecimento da decisão acima referida.

79.

No entanto, já expliquei que, não existindo regras específicas para o efeito na CMR, as regras aplicáveis são as regras previstas na legislação do Estado‑Membro requerido, que, no caso da Lituânia, é o Regulamento n.o 1215/2012. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio tem razão ao analisar este instrumento jurídico mais pormenorizadamente.

80.

O Regulamento n.o 1215/2012 baseia‑se, como já foi referido, no reconhecimento automático das decisões em matéria civil e comercial proferidas pelos tribunais de outro Estado‑Membro.

81.

O reconhecimento só pode ser recusado, enquanto exceção a esta regra, com base num dos fundamentos expressamente previstos no artigo 45.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 (quando tiver sido formulado um pedido para o efeito, conforme realça a Comissão).

82.

Naquilo interessa para o presente processo, estes fundamentos abrangem, por um lado, e de acordo com o artigo 45.o, n.o 1, alínea e), ii), do Regulamento n.o 1215/2012, a violação das regras de competência previstas na secção 6 do capítulo II deste regulamento (segunda questão prejudicial) e, por outro, as situações em que o reconhecimento da decisão em causa é considerado manifestamente contrário à ordem pública do Estado‑Membro requerido, conforme previsto no artigo 45.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012 (terceira questão prejudicial).

83.

O órgão jurisdicional de reenvio está ciente de que, em princípio, nenhum destes fundamentos se aplica no presente caso. No entanto, pretende saber, através da segunda e terceira questões, que irei abordar em seguida, se o reconhecimento da sentença neerlandesa pode ser recusado com base na interpretação extensiva destes fundamentos.

a) Pode o fundamento previsto no artigo 45.o, n.o 1, alínea e), ii), do Regulamento n.o 1215/2012 ser objeto de interpretação extensiva?

84.

Resulta do artigo 45.o, n.o 1, alínea e), ii), do Regulamento n.o 1215/2012 que, mediante a apresentação de um pedido para o efeito, o reconhecimento de uma decisão é recusado se essa decisão desrespeitar as regras de competência estabelecidas na secção 6 do capítulo II do referido regulamento.

85.

As regras previstas neste regulamento (e, mais especificamente, no seu artigo 24.o, que é a única disposição da secção acima referida) determinam a competência exclusiva em litígios relativos a cinco matérias elencadas. Estas matérias respeitam, em suma, i) a certos aspetos de direitos reais sobre imóveis, ii) a certas questões de direito societário, iii) a certos aspetos relativos à validade de inscrições em registos públicos, iv) à validade de patentes, marcas, desenhos e modelos ou outros direitos análogos, bem como v) à execução de decisões judiciais.

86.

Estas regras de competência não podem ser afastadas por via contratual ( 40 ) e a sua lógica foi concebida por referência ao nexo específico que existe entre os domínios que abrangem e o Estado‑Membro em questão ( 41 ).

87.

Particularmente, resulta da descrição supra que a secção 6 do capítulo II do Regulamento n.o 1215/2012 não é aplicável aos pactos atributivos de jurisdição. Recordo que estes pactos estão abrangidos pela secção 7 do mesmo capítulo.

88.

O órgão jurisdicional de reenvio está ciente deste facto, mas pretende saber, através da sua segunda questão, se as alterações regulamentares introduzidas pelo Regulamento n.o 1215/2012, que reforçaram a proteção dos pactos atributivos de jurisdição, significam que o artigo 45.o, n.o 1, alínea e), ii), deve ser objeto de uma interpretação extensiva para abranger não só os casos em que as regras previstas na secção 6 do capítulo II deste regulamento são violadas, mas também os casos em que a secção 7 deste regulamento é violada.

89.

Considero que não.

90.

O órgão jurisdicional de reenvio tem razão ao salientar que, comparativamente ao Regulamento n.o 44/2001, o Regulamento n.o 1215/2012 reforça a eficácia destes pactos ao prever uma regra específica de litispendência no seu artigo 31.o, n.os 2 e 3 ( 42 ).

91.

Contudo, não obstante esta alteração, o legislador da União optou por não a refletir no conjunto dos fundamentos que permitem recusar o reconhecimento de uma decisão.

92.

A lista destes fundamentos estabelecida no artigo 45.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 é exaustiva ( 43 ).

93.

Logicamente, o mesmo também se aplica no que respeita, em concreto, ao fundamento previsto no artigo 45.o, n.o 1, alínea e), ii), do referido regulamento, que é relativo à violação das regras que determinam a competência exclusiva ao abrigo da secção 6 do capítulo II do Regulamento n.o 1215/2012.

94.

No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, não havendo um fundamento de recusa do reconhecimento de uma decisão que viola um pacto atributivo de jurisdição exclusiva, a violação desse pacto não terá consequências.

95.

Temo que seja esta a lógica que subjaz ao Regulamento n.o 1215/2012, conforme concebido atualmente, que favorece o reconhecimento automático, mesmo quando as regras de competência nele previstas não forem respeitadas, salvo nas situações taxativamente elencadas no artigo 45.o, n.o 1, deste regulamento ( 44 ).

96.

No que se refere à violação de regras de competência, esta disposição estabelece que o reconhecimento só pode ser recusado se o conflito for relativo (i) a regras previstas na secção 6 do capítulo II do referido regulamento, como já salientei [artigo 45.o, n.o 1, alínea e), ii), do Regulamento n.o 1215/2012], ou (ii) a regras previstas noutras secções deste capítulo destinadas, em suma, a proteger a parte mais fraca [artigo 45.o, n.o 1, alínea e), i), deste regulamento] ( 45 ). Contudo, o artigo 45.o, n.o 1, não diz respeito à violação de outras regras de competência estabelecidas no Regulamento n.o 1215/2012.

97.

Importar recordar que os fundamentos previstos no artigo 45.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 constituem uma exceção à regra geral de que as decisões proferidas por tribunais de outros Estados‑Membros devem ser reconhecidas automaticamente. No contexto do presente caso, considero, porém, que é redundante recordar o princípio geral de interpretação segundo o qual as exceções devem ser objeto de interpretação estrita. Este princípio é útil quando o âmbito de aplicação da exceção é vago. No entanto, isto não se verifica no presente caso. O artigo 45.o, n.o 1, alínea e), ii), do Regulamento n.o 1215/2012 é claro e refere‑se a regras de competência precisas cuja violação pode ser abrangida pelo seu âmbito de aplicação. Nestas circunstâncias, a interpretação adotada pelo órgão jurisdicional de reenvio e sugerida pela Gjensidige é liminarmente contrária à redação desta disposição.

98.

Para concluir a minha análise desta questão, considero que se o legislador da União tivesse pretendido que a proteção concedida aos pactos atributivos de jurisdição fosse ao ponto de assumir a forma de um novo fundamento de recusa em caso de violação, seria expectável que o tivesse feito de forma expressa. Pelo contrário, a redação da disposição em causa, segundo a qual o reconhecimento de uma decisão pode ser recusado, denota que esta não foi manifestamente a intenção do legislador.

b) Pode o fundamento de ordem pública ser objeto de interpretação extensiva?

99.

Através da sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a situação em causa admite uma interpretação extensiva do fundamento previsto no artigo 45.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012, ao abrigo do qual o reconhecimento de uma decisão é, em princípio, recusado se for manifestamente contrário à ordem pública do Estado requerido.

100.

Considero que todas as observações que fiz em relação ao fundamento previsto no artigo 45.o, n.o 1, alínea e), ii), são aplicáveis mutatis mutandis, visto que a redação do artigo 45.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012 é igualmente clara.

101.

Com efeito, conforme observou o Governo Lituano, a resposta à terceira questão prejudicial reside, em parte, no artigo 45.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1215/2012, que prevê que o critério de ordem pública «não pode ser aplicado às regras de competência». Esta disposição não prejudica os fundamentos previstos no artigo 45.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 1215/2012, que foram analisados na subsecção anterior das presentes conclusões, e não vejo nenhum motivo para que esta disposição seja interpretada além da sua redação.

102.

Além disso, com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta em que medida o critério de ordem pública pode ser aplicado a uma situação em que o pacto atributivo de jurisdição não foi observado, assim como a uma situação em que o acordo sobre a lei aplicável foi violado.

103.

No entanto, os autos não contêm informações quanto à celebração de um acordo daquele tipo entre as partes envolvidas.

104.

Logo, esta parte da terceira questão parece ser inadmissível.

105.

Dito isto, é possível retirar do despacho de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio tem reservas quanto facto de o Tribunal de Primeira Instância de Zeeland‑West‑Brabant, ao ter‑se declarado competente para conhecer da ação em causa, ter desencadeado a aplicabilidade do direito neerlandês substantivo, o que, por seu turno, levou a que a responsabilidade da transportadora fosse determinada ao abrigo do direito neerlandês e não do direito lituano. O órgão jurisdicional de reenvio considera que a demandada na ação que lhe foi submetida (isto é, tanto quanto percebi, a Gjensidige) não podia ter previsto estas consequências. Estas observações servem, no meu entender, para salientar que a responsabilidade da transportadora deveria ter sido determinada por aplicação do direito lituano e não do direito neerlandês e que o resultado é menos favorável a uma parte como a Gjensidige.

106.

Acresce que o órgão jurisdicional de reenvio assinala igualmente que o artigo 29.o, n.o 1, da CMR, que remete para o direito nacional no que respeita às circunstâncias em que a responsabilidade da transportadora pode ser considerada ilimitada ( 46 ), parece colidir com o artigo 3.o e o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 593/2008 ( 47 ).

107.

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade da situação em causa com o direito fundamental a um tribunal imparcial, bem como com os princípios que, em meu entender, estão na base do Regulamento n.o 1215/2012.

108.

A este respeito, observo, primeiro, que o processo pendente no órgão jurisdicional de reenvio incide, como já foi referido várias vezes, sobre o reconhecimento de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro.

109.

A questão central neste contexto é, por conseguinte, se as diferenças que parecem existir entre o direito substantivo neerlandês e o lituano, quanto ao alcance da responsabilidade da transportadora, podem justificar a recusa do reconhecimento da decisão resultante com base no critério de ordem pública previsto no artigo 45.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012.

110.

Considero que não.

111.

Primeiro, segundo jurisprudência constante, embora os Estados‑Membros permaneçam livres de determinar, em conformidade com as suas conceções nacionais, as exigências da sua ordem pública, o Tribunal de Justiça deve controlar os limites dentro dos quais os tribunais de um Estado‑Membro podem recorrer a este conceito para recusar o reconhecimento de uma decisão proferida por um tribunal de outro Estado‑Membro ( 48 ).

112.

Segundo, este critério só deve ser usado em casos excecionais ( 49 ), quando o reconhecimento «viol[ar] de forma inaceitável a ordem jurídica do Estado requerido [ou do Estado em que o reconhecimento é contestado] por infringir um princípio fundamental» ( 50 ).

113.

Terceiro, e em contrapartida, o fundamento de recusa previsto no artigo 45.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012 não pode ser invocado apenas pelo facto de «haver uma divergência entre a norma jurídica aplicada pelo juiz do Estado de origem e a que seria aplicada pelo juiz do Estado‑Membro requerido se [lhe competisse] decidir [d]o litígio» ( 51 ).

114.

A principal preocupação do órgão jurisdicional de reenvio parece ser o facto de a ação em causa ter sido apreciada em última instância ao abrigo do direito neerlandês, ao invés do direito lituano, como consequência da pretensa determinação errada do tribunal competente para conhecer da mesma.

115.

Uma vez que esta preocupação se prende com o facto de o tribunal neerlandês ter considerado, erradamente, que a lei neerlandesa era a lei aplicável, cumpre salientar que este erro, mesmo provado, não pode, em si, conduzir à recusa do reconhecimento da decisão.

116.

Decorre da jurisprudência acima enunciada que a recusa só é possível quando o reconhecimento da decisão resultante violar um princípio considerado fundamental no Estado requerido.

117.

Contudo, no que respeita às consequências concretas do reconhecimento da sentença neerlandesa em causa no presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio não explica de que modo as divergências no direito substantivo acima referido lesariam a ordem pública da Lituânia, nem de que modo o reconhecimento daquela decisão violaria, consequentemente, de forma inaceitável, a ordem jurídica deste Estado‑Membro por infringir um princípio fundamental.

118.

Nestas circunstâncias, em resposta às segunda e terceira questões, considero que o artigo 45.o, n.o 1, alíneas a), e e), ii), do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que não abrange a situação em que o tribunal de origem se declara competente com base numa das várias regras previstas numa convenção especializada, na aceção do artigo 71.o do Regulamento n.o 1215/2012, o que abrange — mas não exclusivamente — os pactos atributivos de jurisdição, e o tribunal de origem não é o tribunal designado pelo pacto atributivo de jurisdição celebrado pelas partes em causa. Além disso, o artigo 45.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que a comprovação de um erro na determinação da lei aplicável não pode, em si, levar à recusa do reconhecimento de uma decisão com o fundamento de que é contrária à ordem pública do Estado requerido.

119.

Esta resposta, conjugada com a resposta sugerida acima no n.o 76 das presentes conclusões fornece, a meu ver, esclarecimentos pertinentes que permitirão ao órgão jurisdicional de reenvio dirimir o litígio que lhe foi submetido. Dito isto, por uma questão de exaustividade e para abordar a ampla discussão que surgiu em torno desta questão no presente processo, irei explicar o porquê das regras de competência da CMR não violarem, em caso algum, os princípios subjacentes à cooperação judiciária em matéria civil e comercial na União de acordo com o critério estabelecido no Acórdão TNT Express.

D.   O «critério TNT Express» e o caráter não exclusivo da competência que resulta dos pactos atributivos de jurisdição

120.

No caso em apreço, muito se tem debatido a propósito da questão de saber se as regras de competência previstas na CMR violam o critério estabelecido no Acórdão TNT Express e, por conseguinte, os princípios subjacentes ao Regulamento n.o 1215/2012.

121.

A questão, conforme interpretada pelo órgão jurisdicional de reenvio, decorre do facto de, por um lado, o Regulamento n.o 1215/2012 qualificar a competência definida nos pactos atributivos de jurisdição, por princípio, de exclusiva. No entanto, por outro lado, embora a CMR permita determinar a competência deste modo, parece obstar a que esta seja exclusiva (pelo menos segundo a interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal de Primeira Instância de Zeeland‑West‑Brabant, que parece ser igualmente adotada pelo órgão jurisdicional de reenvio).

122.

A este respeito, sublinho, primeiro, que no Acórdão Nickel & Goeldner Spedition, o Tribunal de Justiça já declarou, como o órgão jurisdicional de reenvio refere oportunamente, que as regras de competência previstas no artigo 31.o, n.o 1, da CMR não colidem com o critério estabelecido no Acórdão TNT Express. No entanto, como salienta a Comissão, é verdade que nesse acórdão o Tribunal analisou todas as regras de competência previstas no artigo 31.o, n.o 1, da CMR (conforme indicadas acima no n.o 38) com exceção da regra em causa no presente processo ( 52 ).

123.

Considero que esta é a razão pela qual o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a diferença de tratamento que a CMR (como parece ser interpretada pelo Tribunal de Primeira Instância de Zeeland‑West‑Brabant) parece conceder aos pactos atributivos de jurisdição, por oposição ao Regulamento n.o 1215/2012, implica uma violação dos princípios subjacentes à cooperação judiciária em matéria civil e comercial na União Europeia.

124.

Não partilho deste entendimento.

125.

Antes de mais, atendendo à posição do Tribunal de Primeira Instância de Zeeland‑West‑Brabant, parece existir, de facto, uma diferença entre a CMR e o Regulamento n.o 1215/2012 no respeita ao regime aplicável aos pactos atributivos de jurisdição.

126.

No entanto, não considero que esta diferença constitua, em si, um problema.

127.

Com efeito, se qualquer diferença conduzisse à aplicação do regime especial, em lugar do Regulamento n.o 1215/2012, então, o seu artigo 71.o, n.o 1, tornar‑se‑ia inaplicável. As relações jurídicas intra‑União nunca poderiam ficar sujeitas a regimes especiais que se desviem do regime decorrente do Regulamento n.o 1215/2012. No entanto, tendo em conta a redação clara desta disposição, esta solução não é aceitável.

128.

Pelo contrário, a aplicação de regras específicas potencialmente divergentes das regras previstas no Regulamento n.o 1215/2012 só deve ser afastada quando estas forem verdadeiramente contrárias aos princípios recordados no Acórdão TNT Express. Isto só acontece se a regra divergente violar os princípios enunciados neste acórdão. No que respeita às regras de competência, os princípios relevantes prendem‑se, em substância, com o elevado grau de previsibilidade das regras de competência e com a segurança jurídica dos particulares, por um lado, e com a boa administração da justiça, por outro ( 53 ).

129.

Não considero que nenhum destes princípios seja posto em causa.

130.

Primeiro, no meu entender, para que o princípio do elevado grau de previsibilidade das regras de competência seja respeitado, o importante é que o demandante possa decidir facilmente onde intentar a ação e que o demandado consiga prever razoavelmente onde isso poderá ocorrer.

131.

É o caso, a meu ver, do artigo 31.o, n.o 1, da CMR. Esta disposição não apresenta uma redação vaga que preveja, por exemplo, que um foro adequado deva ser determinado caso a caso, à luz de todas as circunstâncias, e no interesse da justiça. Pelo contrário, o artigo 31.o, n.o 1, da CMR prevê várias categorias de foro, claramente definidas com base em categorias gerais e facilmente compreensíveis (nomeadamente, e de forma resumida, a residência do demandado, o lugar de carregamento da mercadoria, o lugar previsto para a entrega ou o acordo celebrado pelas partes).

132.

Ora, o cerne do presente caso parece residir no facto de a competência, conforme resulta da CMR (de acordo com a interpretação do Tribunal de Primeira Instância de Zeeland‑West‑Brabant), não se tornar exclusiva quando é estipulada num pacto atributivo de jurisdição. Pelo contrário, esta interpretação da CMR parece manter em aberto todas as outras vias previstas no artigo 31.o, n.o 1, da CMR.

133.

A este respeito, pode argumentar‑se, efetivamente, que a presunção de exclusividade que o Regulamento n.o 1215/2012 confere aos pactos atributivos de jurisdição reforça a segurança jurídica dos particulares (e, especialmente, do demandado), visto que deixa claro que, quando um pacto atributivo de jurisdição é celebrado, e salvo disposição em contrário, é possível afastar outros tribunais potencialmente competentes.

134.

No entanto, considero que a questão de saber se a competência de um tribunal designado por essa via deve ser ou não considerada exclusiva é, em última análise, uma questão de política, a respeito da qual podem ser adotadas posições diversas em ordens jurídicas diferentes (e em domínios diferentes).

135.

A este respeito, os autores de uma convenção que regule uma matéria específica, como é o caso da CMR, podem ter tido razões sólidas para insistirem na possibilidade de existirem vários tribunais competentes, tendo em conta a especificidade do setor ( 54 ).

136.

Além disso, note‑se que, embora o Regulamento n.o 1215/2012 estabeleça uma presunção de exclusividade da competência que resulta dos pactos atributivos de jurisdição, esta exclusividade não é uma regra absoluta e pode ser afastada pelas partes. Quando isto acontece, a situação torna‑se semelhante à que parece resultar do artigo 31.o, n.o 1, da CMR. Além disso, o próprio Regulamento n.o 1215/2012 restringe os efeitos dos pactos atributivos de jurisdição, uma vez que estes não podem alterar o funcionamento das regras de competência em determinadas matérias ( 55 ).

137.

Segundo, no que diz respeito à boa administração da justiça e ao risco de instauração de processos concorrentes, o facto de a competência resultante de um pacto atributivo de jurisdição não ser considerada exclusiva aumenta efetivamente este risco. No entanto, cumpre observar que o artigo 31.o, n.o 2, da CMR contém uma regra de litispendência, que é — na sua expressão geral — análoga à regra prevista no artigo 29.o do Regulamento n.o 1215/2012 no sentido em que, a meu ver, visa evitar o risco de processos paralelos e de decisões inconciliáveis ( 56 ).

138.

É verdade que, contrariamente ao Regulamento n.o 1215/2012, a CMR não prevê regras de litispendência que protejam especificamente os pactos atributivos de jurisdição (como as previstas no artigo 31.o, n.os 2 e 3, deste regulamento). No entanto, esta diferença é o corolário da escolha política acima mencionada, de considerar a competência que resulta destes pactos uma alternativa que deve ser mantida juntamente com outras regras possíveis.

139.

Tendo em conta o que precede, considero, por conseguinte, que o artigo 71.o do Regulamento n.o 1215/2012 e o critério estabelecido no Acórdão TNT Express não se opõem a uma interpretação do artigo 31.o, n.o 1, deste regulamento segundo a qual a competência que resulta de um pacto atributivo de jurisdição não pode ser considerada exclusiva.

140.

Reitero que a minha análise na presente secção foi realizada apenas por uma questão de exaustividade e para abordar o amplo debate suscitado no presente processo relativamente a esta questão. Recordo, nomeadamente, as minhas considerações acima expostas, das quais resulta que a competência do tribunal de origem não pode ser fiscalizada pelo órgão jurisdicional de reenvio no processo principal relativo ao reconhecimento de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro.

V. Conclusão

141.

À luz do que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal, Lituânia) do seguinte modo:

O artigo 45.o, n.o 1, alínea a), e alínea e), ii), do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial,

deve ser interpretado no sentido de que os fundamentos de recusa de reconhecimento nele previstos não se aplicam a uma situação em que o tribunal de origem se declara competente com base numa das várias regras previstas numa convenção especializada, na aceção do artigo 71.o do Regulamento n.o 1215/2012, o que abrange — mas não exclusivamente — os pactos atributivos de jurisdição, e o tribunal de origem não é o tribunal designado pelo pacto atributivo de jurisdição celebrado pelas partes em causa.

Além disso, o artigo 45.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que a comprovação de um erro na determinação da lei aplicável não pode, em si, levar à recusa do reconhecimento de uma decisão com o fundamento de que é contrária à ordem pública do Estado requerido.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1).

( 3 ) Acórdão de 4 de maio de 2010, TNT Express Nederland (C‑533/08, EU:C:2010:243) (a seguir «Acórdão TNT Express»). Este acórdão dizia respeito ao regulamento que antecedeu o Regulamento n.o 1215/2012, isto é, o Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1). Este último substituiu, por seu turno, a Convenção, de 27 de setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186) (a seguir «Convenção de Bruxelas de 1968»). De acordo com a jurisprudência constante, «na medida em que [o Regulamento n.o 1215/2012] revoga e substitui o Regulamento n.o 44/2001, que substituiu a Convenção de Bruxelas de 1968, a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça às disposições destes instrumentos jurídicos também vale para o Regulamento n.o 1215/2012 quando essas disposições possam ser qualificadas de “equivalentes”». V., por exemplo, Acórdão de 10 de março de 2022, BMA Nederland (C‑498/20, EU:C:2022:173, n.o 27).

( 4 ) Celebrada em Genebra, em 19 de maio de 1956, Coletânea de Tratados das Nações Unidas, vol. 399, p. 189; conforme alterada por um Protocolo à Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada (CMR), Genebra, de 5 de julho de 1978, Coletânea de Tratados das Nações Unidas, vol. 1208, p. 427, e pelo Protocolo Adicional à Convenção relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR), sobre a declaração de expedição eletrónica, Genebra, 20 de fevereiro de 2008, Coletânea de Tratados das Nações Unidas, vol. 2762, p. 23.

( 5 ) O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o texto oficial da CMR em língua lituana não é exato, quando comparado com outras versões linguísticas.

( 6 ) Note‑se que algumas das versões da CMR acessíveis ao público parecem não conter a expressão «and in no other tribunals» («e só poderá recorrer a essas jurisdições») na parte final do artigo 31.o, n.o 1, da CMR. Contudo, esta expressão consta da versão oficial disponível na Coletânea de Tratados das Nações Unidas.

( 7 ) V. também mais detalhadamente a nota de pé de página n.o 13, infra.

( 8 ) O artigo 23.o, n.o 1, da CMR dispõe que «quando for debitada ao transportador uma indemnização por perda total ou parcial da mercadoria, em virtude das disposições da presente Convenção, essa indemnização será calculada segundo o valor da mercadoria no lugar e época em que for aceite para transporte», sendo que o artigo 23.o, n.o 3, da mesma acrescenta que «a indemnização não poderá, porém, ultrapassar 8,33 unidades de conta por quilograma de peso bruto em falta».

( 9 ) Conforme elucidado mais detalhadamente acima no n.o 20 das presentes conclusões.

( 10 ) A Gjensidige alega que as duas ações não têm o mesmo objeto e que não envolvem as mesmas partes. Resulta do despacho de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio considera que os requisitos de litispendência estão preenchidos. Conforme salienta, corretamente, este órgão, deve considerar‑se que uma ação declarativa de simples apreciação negativa e uma ação de indemnização intentadas com fundamento nos mesmos danos têm o mesmo objeto para efeitos de aplicação da regra de litispendência que consta do artigo 29.o do Regulamento n.o 1215/2012. Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Nipponkoa Insurance Co. (Europe) (C‑452/12, EU:C:2013:858, a seguir «Acórdão Nipponkoa», n.os 40 a 49), que diz respeito à regra equivalente do Regulamento n.o 44/2001, ou Acórdão de 6 de dezembro de 1994, TatryC‑406/92, EU:C:1994:400, a seguir «Acórdão Tatry», n.o 44).

( 11 ) O artigo 31.o, n.o 1, da CMR alude especificamente à residência habitual do demandando, à sua sede principal ou à sucursal ou agência por intermédio da qual se estabeleceu o contrato de transporte.

( 12 ) V. n.o 23 das presentes conclusões. A posição das contraentes relativamente à CMR parece divergir quanto a este aspeto. V. n.o 7.3 dos Sumários redigidos pelo Institut du Droit International des Transports (Instituto do Direito Internacional dos Transportes) sobre a aplicação do artigo 31.o da CMR, que podem ser consultados em: https://www.idit.fr/rapports‑pays/index.php?lang=en. V. também Loewe, R. Commentary on the Convention of 19 May 1956 on the Contract for the International Carriage of Goods by Road, CMR, Nações Unidas 1975, n.o 240, p. 64, ECE/TRANS/14.

( 13 ) Sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, resulta dos autos que as mercadorias em causa deveriam ter sido transportadas dos Países Baixos para a Lituânia. Em contrapartida, os restantes elementos de conexão recordados no n.o 38 das presentes conclusões parecem ditar a competência dos tribunais lituanos.

( 14 ) V. acima a nota de pé de página n.o 8.

( 15 ) V., a este respeito, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo TNT Express Nederland (C‑533/08, EU:C:2010:50, n.o 22, a seguir «Conclusões no processo TNT Express»). Resulta dos autos que a jurisprudência neerlandesa e lituana também apresentam divergências quanto a este aspeto.

( 16 ) Ibid.

( 17 ) Note‑se que, de acordo com o artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012, a competência que resulta dos pactos atributivos de jurisdição é exclusiva, salvo indicação em sentido contrário.

( 18 ) Cremona, M., «The Internal Market and Private International Law Regimes: A Comment on Case C‑533/08 TNT Express Nederland BV v AXA Versicherung AG, Judgment of the Court (Grand Chamber) of 4 May 2010», EUI Department of Law Working Paper No. 2014/08, julho de 2014, p. 12. O considerando 35 do Regulamento n.o 1215/2012 prevê que «[o] respeito pelos compromissos internacionais subscritos pelos Estados‑Membros implica que o presente regulamento não prejudique as convenções em que são parte os Estados‑Membros e que incidam sobre matérias específicas».

( 19 ) Acórdão TNT Express, n.o 47.

( 20 ) Acórdão Tatry, n.o 24. V. igualmente Acórdão TNT Express, n.o 48 e jurisprudência referida, e Conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no processo Brite Strike Technologies (C‑230/15, EU:C:2016:366, n.o 31). Esta parece ter sido a lógica que esteve sobretudo na base do artigo 57.o da Convenção de Bruxelas de 1968. Esta disposição, que estava em causa no Acórdão Tatry, antecedeu o artigo 71.o do Regulamento n.o 44/2001 e distinguia‑se deste último apenas pelo facto (contudo, importante) de manter, pro futuro, a possibilidade de os Estados‑Membros celebrarem este tipo de convenções especializadas. Acórdão TNT Express, n.o 38.

( 21 ) Que é referido acima na nota de pé de página n.o 3 das presentes conclusões.

( 22 ) Conclusões no processo TNT Express, n.o 27.

( 23 ) Acórdão TNT Express, n.o 56.

( 24 ) Ibid., n.o 51.

( 25 ) Ao remeter para os considerandos 6, 11, 12 e 15 a 17 do Regulamento n.o 44/2001, o Tribunal de Justiça identificou estes princípios como sendo os princípios da livre circulação das decisões em matéria civil e comercial, da previsibilidade dos tribunais competentes e, consequentemente, da segurança jurídica dos particulares, de minimização do risco de processos concorrentes, bem como da confiança recíproca na administração da justiça na União. Acórdão TNT Express, n.o 49.

( 26 ) Cremona, M., citada na nota de pé de página n.o 18, p. 6.

( 27 ) Kuijper, P.J., «The Changing Status of Private International Law Treaties of the Member States in Relation to Regulations No. 44/2001», Legal Issues of Economic Integration, 2011, pp. 89 a 104, p. 99.

( 28 ) V. igualmente Attal, M., «Droit international privé communautaire et conventions internationales: une délicate articulation», Petites affiches, n.o 238, 2010, pp. 22 a 29.

( 29 ) Kuijper P.J., citado na nota de pé de página n.o 27, p. 102. Para uma opinião divergente, v. Cremona, M., citada na nota de pé de página n.o 18, p. 6.

( 30 ) Recordado nos Acórdãos Nipponkoa, n.os 36 a 39; de 4 de setembro de 2014, Nickel & Goeldner Spedition (C‑157/13, EU:C:2014:2145, a seguir «Acórdão Nickel & Goeldner Spedition», n.o 38); e de 14 de julho de 2016, Brite Strike Technologies (C‑230/15, EU:C:2016:560, a seguir «Acórdão Brite Strike Technologies», n.o 65).

( 31 ) V. igualmente, em relação ao Regulamento n.o 44/2001, Acórdão de 16 de julho de 2015, Diageo Brands (C‑681/13, EU:C:2015:471, a seguir «Acórdão Diageo Brands», n.o 40 e jurisprudência referida).

( 32 ) Como confirma a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça. V. recentemente Acórdão de 7 de abril de 2022, H Limited (C‑568/20, EU:C:2022:264, a seguir «Acórdão H Limited», n.o 31 e jurisprudência referida).

( 33 ) Acórdão TNT Express, n.o 63.

( 34 ) Concordo que a situação não difere dos casos em que o Tribunal de Justiça tem de tomar em consideração normas de direito nacional para verificar a sua compatibilidade com o direito da União. Conclusões no processo TNT Express, n.os 76 e 78. Também não é diferente dos casos em que o Tribunal tem de atender ao teor de convenções internacionais, nos termos do artigo 351.o TFUE, para apurar se os Estados‑Membros devem eliminar «incompatibilidades» ao abrigo desta disposição.

( 35 ) Convém recordar que esta convenção é de 1956 e que foi alterada em 1978 e 2008 (v. acima a nota de pé de página n.o 4). Estas alterações não são relevantes no âmbito do presente caso.

( 36 ) V., para o efeito, Conclusões no processo TNT Express, n.o 93.

( 37 ) Acórdão TNT Express, n.o 55.

( 38 ) V., a título de exemplo, Lamont‑Black, S., «The UK Supreme Court on jurisdiction over successive CMR Convention carriers and European Union rules», Uniform Law Review, vol. 21, Issue 4, 2016, pp. 487 a 509, p. 498, e Kuijper, P.J., citado na nota de pé de página n.o 27, p. 99 (que salienta, contudo, que esta conclusão não é totalmente correta).

( 39 ) V. igualmente o artigo 71.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1215/2012

( 40 ) Conforme decorre do artigo 25.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1215/2012, que prevê que «[o]s pactos atributivos de jurisdição […] não produzem efeitos […] se os tribunais cuja competência pretendam afastar tiverem competência exclusiva por força do artigo 24.o».

( 41 ) Acórdão de 13 de julho de 2000, Group Josi (C‑412/98, EU:C:2000:399, n.o 46), no que respeita ao âmbito de aplicação do artigo 16.o da Convenção de Bruxelas de 1968. V. igualmente, a título de exemplo, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Apostolides (C‑420/07, EU:C:2008:749, n.o 83), em relação aos litígios que têm por objeto direitos reais sobre imóveis.

( 42 ) Resulta destas disposições que, em caso de tramitação de processos paralelos, dos quais um está pendente num tribunal designado com base num pacto atributivo de jurisdição, os tribunais dos outros Estados‑Membros devem abster‑se de proferir uma decisão se o tribunal em causa se declarar competente, e até que este declare que não é esse o caso. V. igualmente o considerando 22 do Regulamento n.o n.o 1215/2012.

( 43 ) V. Acórdão H Limited, n.o 31 ou, no que respeita ao Regulamento n.o 44/2001, Acórdão de 23 de outubro de 2014, flyLAL‑Lithuanian Airlines (C‑302/13, EU:C:2014:2319, a seguir «Acórdão flyLAL», n.o 46 e jurisprudência referida). V. igualmente o considerando 30 [do Regulamento n.o 1215/2012], conforme recordado oportunamente pelo Governo Lituano, nos termos do qual «[…] o reconhecimento de uma decisão só deverá ser recusado se se verificarem um ou mais dos fundamentos de recusa previstos no presente regulamento».

( 44 ) Como assinala o órgão jurisdicional de reenvio, a pretensa violação das regras de competência pode ser impugnada através dos meios disponíveis no Estado‑Membro do tribunal em causa.

( 45 ) É o caso das secções 3, 4 ou 5 do capítulo II do Regulamento n.o 1215/2012.

( 46 ) V. acima n.os 41 a 43.

( 47 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (JO 2008, L 177, p. 6).

( 48 ) V., a título de exemplo, Acórdão flyLAL n.o 47 e jurisprudência referida.

( 49 ) Acórdão de 28 de abril de 2009, Apostolides (C‑420/07, EU:C:2009:271, n.o 55 e jurisprudência referida), relativo ao artigo 34.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001.

( 50 ) V. Acórdão Diageo Brands, n.o 44 e jurisprudência referida.

( 51 ) V., para o efeito, Acórdão flyLAL, n.o 48 e jurisprudência referida.

( 52 ) Acórdão Nickel & Goeldner Spedition, n.os 39 a 41.

( 53 ) Note‑se que o Tribunal de Justiça recordou, no n.o 53 do Acórdão TNT Express, que os princípios relevantes — em matéria de competência — são os do elevado grau de previsibilidade, da boa administração da justiça e da minimização do risco de processos concorrentes. Os princípios enumerados no n.o 65 do Acórdão Brite Strike Technologies são os da segurança jurídica dos particulares e da boa administração da justiça.

( 54 ) Note‑se que o artigo 21.o da Convenção das Nações Unidas relativa ao contrato de transporte marítimo de mercadorias parece seguir a mesma abordagem flexível, Coletânea de Tratados das Nações Unidas, 1978, vol. 1695, p. 3, ou o artigo 46.o, n.o 1, das Regras uniformes relativas ao contrato de transporte internacional ferroviário de mercadorias, que é muito semelhante ao artigo 31.o, n.o 1, da CMR.

( 55 ) V. artigos 15.o, 19.o, 23.o e 25.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1215/2012.

( 56 ) Estas disposições constam acima dos n.os 9 e 15.

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