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Document 62021CJ0457

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 14 de dezembro de 2023.
Comissão Europeia contra Grão-Ducado do Luxemburgo e o.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107.o, n.o 1, TFUE — Decisão fiscal antecipada adotada por um Estado‑Membro — Auxílio declarado incompatível com o mercado interno — Conceito de “vantagem” — Determinação do quadro de referência — Tributação “normal” segundo o direito nacional — Princípio da plena concorrência — Fiscalização pelo Tribunal de Justiça da interpretação e da aplicação do direito nacional pelo Tribunal Geral.
Processo C-457/21 P.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:985

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

14 de dezembro de 2023 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107.o, n.o 1, TFUE — Decisão fiscal antecipada adotada por um Estado‑Membro — Auxílio declarado incompatível com o mercado interno — Conceito de “vantagem” — Determinação do quadro de referência — Tributação “normal” segundo o direito nacional — Princípio da plena concorrência — Fiscalização pelo Tribunal de Justiça da interpretação e da aplicação do direito nacional pelo Tribunal Geral»

No processo C‑457/21 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 22 de julho de 2021,

Comissão Europeia, representada por P.‑J. Loewenthal e F. Tomat, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Grão‑Ducado do Luxemburgo, representado inicialmente por A. Germeaux e T. Uri e, em seguida, por A. Germeaux e T. Schell, na qualidade de agentes, assistidos por J. Bracker, A. Steichen e D. Waelbroeck, avocats,

Amazon.com Inc., com sede em Seattle (Estados Unidos),

Amazon EU Sàrl, com sede no Luxemburgo (Luxemburgo),

representadas por D. Paemen, M. Petite e A. Tombiński, avocats,

recorrentes em primeira instância,

Irlanda, representada por A. Joyce, na qualidade de agente, assistido por P. Baker, KC, C. Donnelly, SC, B. Doherty, BL, D. Fennelly, BL, e P. Gallagher, SC,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal, presidente de secção, F. Biltgen, N. Wahl (relator), J. Passer e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: M. Longar, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 16 de março de 2023,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 8 de junho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

Por meio do presente recurso, a Comissão Europeia pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 12 de maio de 2021, Luxemburgo e Amazon/Comissão (T‑816/17 e T‑318/18, a seguir acórdão recorrido, EU:T:2021:252), que anulou a Decisão (UE) 2018/859 da Comissão, de 4 de outubro de 2017, relativa ao auxílio estatal SA.38944 (2014/C) (ex 2014/NN) concedido pelo Luxemburgo à Amazon (JO 2018, L 153, p. 1; a seguir «decisão controvertida»).

Antecedentes do litígio

2

Os antecedentes do litígio foram expostos nos n.os 1 a 71 do acórdão recorrido, na sua versão pública, nos termos seguintes:

«1

A Amazon.com Inc., com sede social nos Estados Unidos, e as empresas que estão sob o seu controlo (a seguir, designadas em conjunto, “grupo Amazon”) exercem atividades em linha, designadamente operações de venda a retalho e prestação de diversos serviços em linha. Para o efeito, o grupo Amazon gere vários sítios Internet em diferentes línguas da União Europeia, entre os quais amazon.de, amazon.fr, amazon.it e amazon.es.

2

Antes de maio de 2006, as atividades europeias do grupo Amazon eram geridas a partir dos Estados‑Unidos. Em especial, as atividades de venda a retalho e de prestação de serviços nos sítios Internet europeus eram exploradas por duas entidades estabelecidas nos Estados Unidos, a saber, a Amazon.com International Sales, Inc. (a seguir “AIS”) e a Amazon International Marketplace (a seguir “AIM”), e por outras [entidades] estabelecidas em França, na Alemanha e no Reino Unido.

3

Em 2003, foi planeada uma restruturação das atividades do grupo Amazon. Essa restruturação, que foi efetivamente implementada em 2006 (a seguir “restruturação de 2006”), articulou‑se à volta da criação de duas sociedades estabelecidas no Luxemburgo (Luxemburgo). Tratava‑se mais precisamente, por um lado, da Amazon Europe Holding Technologies SCS (a seguir “LuxSCS”), uma sociedade em comandita simples luxemburguesa, cujas associadas eram empresas americanas, e, por outro, da Amazon EU Sàrl (a seguir “LuxOpCo”), que, como a LuxSCS, tinha a sua sede social no Luxemburgo.

4

A LuxSCS celebrou, num primeiro momento, vários acordos com algumas entidades do grupo Amazon estabelecidas nos Estados Unidos, a saber:

acordos de licença e de cessão dos direitos de propriedade intelectual preexistentes (License and Assignment Agreements For Preexisting Intellectual Property, a seguir, designados em conjunto, “acordo de entrada”) com a Amazon Technologies, Inc. (a seguir “ATI”), entidade do grupo Amazon estabelecida nos Estados Unidos;

um acordo de partilha de custos (a seguir “APC”) celebrado em 2005 com a ATI e A 9.com, Inc. (a seguir “A 9”), uma entidade do grupo Amazon estabelecida nos Estados Unidos. Ao abrigo do acordo de entrada e do APC, a LuxSCS adquiriu o direito de explorar determinados direitos de propriedade intelectual e os respetivos “trabalhos derivados”, que eram detidos e desenvolvidos pela A 9 e pela ATI. Os ativos incorpóreos previstos no APC incluíam, essencialmente, três categorias de propriedade intelectual, a saber, a tecnologia, os dados de clientes e as marcas. Ao abrigo do APC e do acordo de entrada, a LuxSCS podia igualmente sublicenciar os ativos incorpóreos, nomeadamente, com o intuito de explorar os sítios Internet europeus. Como contrapartida desses direitos, a LuxSCS devia efetuar pagamentos de entrada e pagar a sua quota‑parte anual dos custos ligados ao programa de desenvolvimento do APC.

5

Num segundo momento, a LuxSCS celebrou com a LuxOpCo um acordo de licença, que entrou em vigor em 30 de abril de 2006, relativo aos ativos incorpóreos acima mencionados (a seguir “acordo de licença”). Ao abrigo desse acordo, a LuxOpCo adquiriu o direito de utilizar os ativos incorpóreos mediante o pagamento de royalties à LuxSCS (a seguir “royalties”).

6

Por último, a LuxSCS celebrou um acordo de licença e de cessão de direitos de propriedade intelectual com a Amazon.co.uk Ltd, a Amazon.fr SARL e a Amazon.de GmbH, ao abrigo do qual a LuxSCS recebeu algumas marcas e os direitos de propriedade intelectual dos sítios Internet europeus.

7

Em 2014, o grupo Amazon foi objeto de uma segunda restruturação e as disposições contratuais existentes entre a LuxSCS e a LuxOpCo deixaram de se aplicar.

A. Quanto à decisão fiscal antecipada […] em causa

8

Na preparação da restruturação de 2006, a Amazon.com e um consultor fiscal requereram à Administração Fiscal luxemburguesa, por cartas de 23 e 31 de outubro de 2003, a adoção de uma decisão fiscal antecipada que confirmasse o tratamento concedido à LuxOpCo e à LuxSCS para efeitos de imposto luxemburguês sobre o rendimento das pessoas coletivas.

9

Com a sua carta de 23 de outubro de 2003, a Amazon.com requereu a aprovação do cálculo do nível de royalties que a LuxOpCo devia pagar à LuxSCS a partir de 30 de abril de 2006. Este pedido da Amazon.com baseava‑se num relatório de preços de transferência preparado pelos seus consultores fiscais (a seguir “relatório sobre os preços de transferência de 2003”). Os autores deste relatório propunham, em substância, um método de fixação dos preços de transferência que, segundo eles, permitia determinar a dívida do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas que a LuxOpCo devia pagar no Luxemburgo. Mais especificamente, por [esta] carta […], a Amazon.com pediu confirmação do facto de o método de fixação dos preços de transferência para efeitos de determinação do nível de royalties anual devido pela LuxOpCo à LuxSCS por força do acordo de licença, tal como o referido método resultava do relatório sobre os preços de transferência de 2003, conferia à LuxOpCo “um benefício adequado e aceitável” à luz da política em matéria de preços de transferência e dos artigos 56.o e 164.o, n.o 3, da Lei de 4 de dezembro de 1967 relativa ao imposto sobre o rendimento, conforme alterada […].

10

Por carta de 31 de outubro de 2003 redigida por outro consultor fiscal, a Amazon.com solicitou a confirmação do tratamento fiscal concedido à LuxSCS, às suas associadas estabelecidas nos Estados Unidos e aos dividendos recebidos pela LuxOpCo no âmbito desta estrutura. Era explicado na carta que, enquanto sociedade em comandita simples, a LuxSCS não tinha uma personalidade fiscal distinta da das suas associadas e que, consequentemente, não estava sujeita ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas nem ao imposto sobre o património no Luxemburgo.

11

Em 6 de novembro de 2003, a Administration des contributions directes do Grão‑Ducado do Luxemburgo (a seguir, “Administração Fiscal luxemburguesa» ou «Autoridades Fiscais luxemburguesas”) endereçou à Amazon.com uma carta (a seguir “[decisão fiscal antecipada] em causa”) que tem, em parte, a seguinte redação:

“[…] Caro senhor,

Após ter tomado conhecimento da carta de 31 de outubro de 2003, que me foi enviada [pelo consultor fiscal de V. Ex.a], bem como da sua carta de 23 de outubro de 2003 na qual expunha a sua posição relativamente ao tratamento fiscal no Luxemburgo na perspetiva das futuras atividades de V. Ex.a, tenho o prazer de o informar que posso dar o meu acordo ao conteúdo de ambas as cartas. […]”

12

A pedido da Amazon.com, em 2010, a Administração Fiscal luxemburguesa prorrogou a validade da [decisão fiscal antecipada] em causa, a qual foi efetivamente aplicada até junho de 2014, momento em que a estrutura europeia do grupo Amazon foi alterada. Assim, a [decisão fiscal antecipada] em causa foi aplicada de 2006 a 2014 (a seguir “período considerado”).

B. Quanto ao procedimento administrativo na Comissão

13

Em 24 de junho de 2014, a Comissão Europeia solicitou ao Grão‑Ducado do Luxemburgo que lhe fornecesse informações sobre as decisões fiscais antecipadas concedidas ao grupo Amazon. Em 7 de outubro de 2014, publicou a decisão de início de um procedimento formal de investigação, na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

[…]

15

[No âmbito desse processo], a Amazon.com apresentou à Comissão um novo relatório sobre os preços de transferência, redigido por um consultor fiscal, cujo objetivo era verificar, a posteriori, se os royalties pagos pela LuxOpCo à LuxSCS, ao abrigo da [decisão fiscal antecipada] em causa, eram conformes com o princípio da plena concorrência (a seguir “relatório sobre os preços de transferência de 2017”).

C. Quanto à decisão [controvertida]

16

Em 4 de outubro de 2017, a Comissão adotou a [d]ecisão [controvertida].

17

O artigo 1.o dessa decisão tem, em parte, a seguinte redação:

“A [decisão fiscal antecipada] [em causa], pela qual o Grão‑Ducado do Luxemburgo aprovou um método de fixação de preços de transferência […] que permitia à [LuxOpCo] determinar a sua dívida do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas no Luxemburgo entre 2006 e 2014, por um lado, e a subsequente aceitação da declaração anual do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas baseada na referida decisão, por outro lado, constitui um auxílio estatal […]”

1. Quanto à apresentação do contexto factual e jurídico

[…]

a) Quanto à apresentação do grupo Amazon

[…]

21

Relativamente ao período considerado, a estrutura europeia do grupo Amazon foi esquematizada pela Comissão do seguinte modo:

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22

Em primeiro lugar, no que respeita à LuxSCS, a Comissão salientou que esta sociedade não tinha nenhuma presença física nem nenhum trabalhador no Luxemburgo. Segundo a Comissão, durante o período considerado, a LuxSCS intervinha apenas enquanto sociedade detentora de ativos incorpóreos para as atividades do grupo Amazon na Europa, pelas quais a LuxOpCo era responsável na qualidade de operadora principal. A Comissão indicou, todavia, que a LuxSCS tinha também concedido empréstimos intragrupo a várias entidades do grupo Amazon. A Comissão precisou, além disso, que a LuxSCS era parte em vários acordos intragrupo celebrados com a ATI, a A 9 e a LuxOpCo […].

23

Em segundo lugar, no que respeita à LuxOpCo, a Comissão acentuou especialmente o facto de, durante o período considerado, a LuxOpCo ser uma filial detida a 100 % pela LuxSCS.

24

Segundo a Comissão, desde a restruturação das atividades europeias do grupo Amazon de 2006, a LuxOpCo desempenhava as funções de sede social do grupo Amazon na Europa e era a operadora principal das atividades de venda a retalho em linha e de prestação de serviços do grupo Amazon na Europa realizadas através dos sítios Internet europeus. A Comissão indicou que, nessa qualidade, a LuxOpCo era responsável por gerir a tomada de decisões relativas às atividades de venda a retalho e de prestação de serviços levadas a cabo por intermédio dos sítios Internet europeus, assim como as principais componentes físicas das atividades de venda a retalho. Além disso, na sua qualidade de vendedora oficial dos stocks do grupo Amazon na Europa, a LuxOpCo era igualmente responsável pela gestão dos stocks nos sítios Internet europeus. Esta última era proprietária dos referidos stocks e assumia os respetivos riscos e perdas. A Comissão precisou, por outro lado, que a LuxOpCo tinha registado nas suas contas o volume de negócios gerado tanto pelas vendas de produtos como pelo tratamento de encomendas. Por último, a LuxOpCo exercia igualmente funções de gestão de tesouraria das atividades europeias do grupo Amazon.

25

Em seguida, a Comissão indicou que a LuxOpCo detinha participações na Amazon Services Europe (a seguir “ASE”) e na Amazon Media Europe (a seguir “AMEU”), duas entidades do grupo Amazon residentes no Luxemburgo, bem como nas filiais da Amazon.com constituídas no Reino Unido, em França e na Alemanha (a seguir “sociedades europeias associadas”, que prestavam diversos serviços intragrupo em apoio das atividades da LuxOpCo. Durante o período considerado, a ASE geria o serviço do grupo Amazon para os vendedores terceiros na União, designado “MarketPlace”. A AMEU geria, por sua vez, as “atividades digitais” do grupo Amazon na União, como, por exemplo, a venda de MP3 e de livros eletrónicos. As sociedades europeias associadas prestavam, por seu turno, serviços para a exploração dos sítios Internet europeus.

26

Além disso, a Comissão salientou que, durante o período considerado, a LuxOpCo constituía com a ASE e a AMEU, ambas residentes no Luxemburgo, um grupo fiscal à luz do direito fiscal luxemburguês, no qual a LuxOpCo desempenhava o papel de sociedade integrante. Estas três entidades constituíam, portanto, um único e mesmo contribuinte.

27

Por último, além do acordo de licença, celebrado entre a LuxOpCo e a LuxSCS, a Comissão descreveu de forma detalhada outros acordos intragrupo nos quais a LuxOpCo era parte durante o período considerado, a saber, certos acordos de prestação de serviços celebrados em 1 de maio de 2006 com as sociedades europeias associadas e acordos de licença sobre a propriedade intelectual celebrados em 30 de abril de 2006 com a ASE e a AMEU, ao abrigo dos quais eram concedidas a essas duas entidades sublicenças não exclusivas sobre os ativos incorpóreos.

b) Quanto à apresentação da [decisão fiscal antecipada] em causa

28

Após ter examinado a estrutura do grupo Amazon, a Comissão descreveu a [decisão fiscal antecipada] em causa.

29

A este respeito, em primeiro lugar, referiu‑se às cartas de 23 e 31 de outubro de 2003, mencionadas nos n.os 8 a 10, [do acórdão recorrido].

30

Em segundo lugar, a Comissão explicou o conteúdo do relatório sobre os preços de transferência de 2003, com base no qual foi proposto o método de determinação do montante dos royalties.

31

Antes de mais, a Comissão indicou que o relatório sobre os preços de transferência de 2003 apresentava uma análise funcional da LuxSCS e da LuxOpCo nos termos da qual era referido que as atividades principais da LuxSCS eram limitadas às de uma sociedade detentora de ativos incorpóreos e de uma participação no desenvolvimento constante dos ativos incorpóreos no âmbito do APC. A LuxOpCo foi descrita nesse relatório como gerindo a tomada de decisões estratégicas relativas às atividades de venda a retalho e de prestação de serviços dos sítios Internet europeus, bem como das principais componentes físicas das atividades de venda a retalho.

32

Em seguida, a Comissão indicou que o relatório sobre os preços de transferência de 2003 continha uma secção relativa à seleção do método de fixação dos preços de transferência mais adequado para determinar a conformidade do nível de royalties com o princípio da plena concorrência. Dois métodos foram examinados no relatório: um baseado no método do preço comparável de mercado (a seguir “método CUP”) e o outro no método de repartição dos lucros residuais.

33

Por um lado, em aplicação do método CUP, um intervalo de plena concorrência para o nível de royalties entre 10,6 % e 13,6 % foi calculado no relatório sobre os preços de transferência de 2003, com base numa comparação com um acordo celebrado entre a Amazon.com e um retalhista dos Estados Unidos, […].

34

Por outro lado, em aplicação do método de repartição dos lucros residuais, o relatório sobre os preços de transferência de 2003 incluía uma estimação do rendimento associado às “funções correntes da LuxOpCo no seu papel de sociedade de exploração europeia” com base na margem sobre os custos suportados pela LuxOpCo. Para tal, foi considerado que a “margem líquida sobre os custos” (net cost plus mark up) foi o indicador de lucro que permitiu determinar a remuneração de plena concorrência para as funções previstas da LuxOpCo. Foi proposto aplicar uma margem de [confidencial] sobre os encargos de exploração corrigidos da LuxOpCo. A Comissão observou que, segundo o relatório sobre os preços de transferência de 2003, a diferença entre esse rendimento e os lucros de exploração da LuxOpCo correspondia ao lucro residual, que era inteiramente imputável à utilização dos ativos incorpóreos licenciados pela LuxSCS. A Comissão precisou igualmente que, com base nesse cálculo, os autores do relatório sobre os preços de transferência de 2003 tinham concluído que um nível de royalties compreendido entre 10,1 % e 12,3 % do volume de negócios líquido da LuxOpCo satisfazia o critério de plena concorrência, em conformidade com as Orientações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

35

Por último, a Comissão indicou que os autores do relatório sobre os preços de transferência de 2003 tinham considerado que os resultados eram convergentes e tinham mencionado que o intervalo de plena concorrência para o nível de royalties devido pela LuxOpCo à LuxSCS variava entre 10,1 % e 12,3 % das vendas da LuxOpCo. Os autores do relatório sobre os preços de transferência de 2003 consideraram, todavia, que a análise da repartição dos lucros residuais era mais fiável e que devia, consequentemente, ser adotada.

36

Em terceiro lugar, […] a Comissão indicou que, com a [decisão fiscal antecipada] em causa, a Administração Fiscal luxemburguesa confirmou que o método de determinação do nível de royalties, que, por sua vez, tinha determinado o rendimento anual tributável da LuxOpCo no Luxemburgo, era conforme com o princípio da plena concorrência. Acrescentou que, para preencher as suas declarações fiscais anuais, a LuxOpCo baseou‑se [nesta decisão].

c) Quanto à apresentação do quadro jurídico nacional aplicável

37

No que respeita ao quadro jurídico nacional aplicável, a Comissão citou o artigo 164.o, n.o 3, da [Lei relativa ao Imposto sobre os Rendimentos]. Segundo esta disposição, “[a]s distribuições dissimuladas de lucros dev[iam] ser incluídas no rendimento tributável” e “exist[iam] distribuições dissimuladas de lucros, nomeadamente, se um associado, sócio ou interessado recebe[sse] direta ou indiretamente vantagens de uma sociedade ou de uma associação das quais não teria normalmente beneficiado se não tivesse essa qualidade”. Neste contexto, a Comissão expôs, nomeadamente, que, durante o período considerado, o artigo 164.o, n.o 3, da [Lei relativa ao Imposto sobre os Rendimentos] foi interpretado pela Administração Fiscal luxemburguesa no sentido de consagrar o “princípio da plena concorrência” no direito fiscal luxemburguês.

d) Quanto à apresentação do quadro da OCDE sobre os preços de transferência

38

Nos considerandos 244 a 249 da decisão [controvertida], a Comissão apresentou o quadro da OCDE sobre os preços de transferência. Segundo a Comissão, os “preços de transferência”, conforme entendidos pela OCDE nas Orientações publicadas por esta organização em 1995, 2010 e 2017, são os preços a que uma empresa transfere bens corpóreos ou ativos incorpóreos ou presta serviços a empresas associadas. Nos termos do princípio da plena concorrência, conforme aplicado para efeitos de tributação das sociedades, as Administrações Fiscais nacionais só devem aceitar os preços de transferência acordados entre as empresas associadas num grupo para as suas transações intragrupo se estes corresponderem aos acordados no âmbito de transações no mercado livre, isto é, de transações entre empresas independentes que negoceiam em circunstâncias comparáveis no mercado. Além disso, a Comissão precisou que o princípio da plena concorrência é baseado na abordagem da entidade independente, segundo a qual, para efeitos fiscais, os membros de um grupo de empresas são tratados como entidades independentes.

39

A Comissão salientou igualmente que, para estabelecer uma aproximação dos preços de plena concorrência para as transações intragrupo, as Orientações da OCDE (nas suas versões de 1995, 2010 e 2017) enumeravam cinco métodos. Apenas três deles eram pertinentes no contexto da decisão impugnada, a saber, o método CUP, o método da margem líquida da operação (a seguir “MMLO”) e o método de repartição dos lucros. Nos considerandos 250 a 256 da decisão [controvertida], a Comissão descreveu em que consistiam esses métodos.

2. Quanto à apresentação efetuada sobre a [decisão fiscal antecipada] em causa

[…]

44

No que respeita [à terceira] condição de existência de um auxílio de Estado, [prevista no artigo 107.o, n.o 1, TFUE], a Comissão expôs que, sempre que uma [decisão fiscal antecipada] autorize um resultado que, injustificadamente, não reflete de forma fiável o que resultaria de uma aplicação normal do regime do direito comum, essa decisão confere uma vantagem seletiva ao seu destinatário, se esse tratamento seletivo tiver como consequência uma redução da obrigação fiscal desse contribuinte em relação a sociedades numa situação jurídica e factual semelhante. A Comissão considerou igualmente que, no caso vertente, a [decisão fiscal antecipada] em causa tinha conferido uma vantagem seletiva à LuxOpCo ao reduzir o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas que esta deveria pagar no Luxemburgo.

a) Quanto à análise da existência de uma vantagem

[…]

46

A título preliminar, a Comissão recordou que, tratando‑se de medidas fiscais, pode ser concedida uma vantagem a um contribuinte, na aceção do artigo 107.o TFUE, através da redução da sua matéria coletável ou do montante do imposto por ele devido. Recordou, no considerando 402 da decisão [controvertida], que, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, para examinar se a determinação dos lucros tributáveis confere uma vantagem ao beneficiário, importa comparar o referido regime com o do direito comum baseado na diferença entre receitas e despesas de uma empresa que exerça as suas atividades em condições de livre concorrência. Consequentemente, segundo a Comissão, uma “[decisão fiscal antecipada] que permita a um contribuinte utilizar, nas suas transações intragrupo, preços de transferência que não refl[eti]am os preços que [teriam sido] praticados em condições de livre concorrência entre empresas independentes que negoceiam em circunstâncias comparáveis de acordo com o princípio da plena concorrência, conferia uma vantagem a esse contribuinte, na medida em que resultaria numa redução dos seus rendimentos tributáveis e, portanto, da sua matéria coletável no quadro do regime comum do imposto sobre as pessoas coletivas».

47

À luz dessas apreciações, a Comissão concluiu, no considerando 406 da decisão [controvertida], que, para determinar que a [decisão fiscal antecipada] em causa conferia uma vantagem económica à LuxOpCo, devia demonstrar que o método de fixação dos preços de transferência aprovado nesta última decisão produzia um resultado que se afasta de uma aproximação fiável de um resultado baseado no mercado, o que tinha como efeito uma redução da matéria coletável da LuxOpCo para efeitos de cálculo do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. Segundo a Comissão, a [decisão fiscal antecipada] em causa produziu esse resultado.

48

Esta conclusão assenta numa constatação principal e em três constatações subsidiárias.

1) Quanto à constatação principal da vantagem

49

Na […] decisão [controvertida], […] a Comissão entendeu que, ao aprovar um método de fixação dos preços de transferência que atribuía uma remuneração à LuxOpCo apenas para as funções ditas “correntes” e que atribuía a totalidade do lucro gerado para além dessa remuneração à LuxSCS sob a forma de royalties, a [decisão fiscal antecipada em causa] tinha produzido um resultado que se afastava de uma aproximação fiável de um resultado de mercado.

50

Em substância, com a sua constatação principal, a Comissão considerou que a análise funcional da LuxOpCo e da LuxSCS adotada pelos autores do relatório sobre os preços de transferência de 2003 e, afinal, pela Administração Fiscal luxemburguesa, estava errada e não permitia chegar a resultados de plena concorrência. Pelo contrário, a Administração Fiscal luxemburguesa devia ter concluído que a LuxSCS não exercia funções “únicas e de valor” em relação aos ativos incorpóreos, relativamente aos quais só detinha o título de propriedade legal.

[…]

62

A título de conclusão da primeira constatação, no sentido da existência de uma vantagem na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, a Comissão indicou que a “remuneração de plena concorrência” para a LuxSCS, nos termos do acordo de licença, deveria ser igual à soma dos custos de entrada e dos custos ao abrigo do APC, suportados por essa sociedade, sem margem, majorada de todos os custos pertinentes suportados diretamente pela LuxSCS, aos quais devia ser aplicada uma margem de 5 %, na medida em que esses custos correspondiam a funções realmente exercidas em nome da LuxSCS. Esse nível de remuneração correspondia àquilo que uma parte independente, numa situação semelhante à da LuxOpCo, estaria disposta a pagar pelos direitos e obrigações assumidos com fundamento no acordo de licença. Além disso, segundo a Comissão, esse nível de remuneração era suficiente para permitir à LuxSCS cumprir as suas obrigações de pagamento por força do acordo de entrada e do APC (considerandos 559 e 560 da decisão [controvertida]).

63

Ora, segundo a Comissão, na medida em que esse nível de remuneração da LuxCSC calculado pela Comissão era inferior ao nível de remuneração da LuxSCS resultante do método de fixação dos preços de transferência aprovado pela [decisão fiscal antecipada] em causa, esta decisão conferiu uma vantagem económica à LuxOpCo sob a forma de uma redução da sua matéria coletável para efeitos do imposto luxemburguês sobre o rendimento das pessoas coletivas, em relação ao volume de negócios das sociedades cujo lucro tributável correspondia a preços negociados de acordo com o princípio da plena concorrência (considerando 561 da decisão [controvertida]).

2) Quanto às constatações subsidiárias da vantagem

64

Na […] decisão [controvertida], […] a Comissão expôs a sua constatação subsidiária no sentido da existência de uma vantagem, segundo a qual, mesmo supondo que a Administração Fiscal luxemburguesa tivesse razão em aceitar a análise das funções da LuxSCS efetuada no relatório sobre os preços de transferência de 2003, o método de fixação dos preços de transferência aprovado pela [decisão fiscal antecipada] em causa assentava, em todo o caso, em escolhas metodológicas inadequadas que produziram um resultado que se afasta de uma aproximação fiável de um resultado baseado no mercado. A Comissão precisou que o seu raciocínio […] não visava determinar uma remuneração de plena concorrência exata para a LuxOpCo, mas sim demonstrar que a DFA em causa tinha conferido um vantagem económica, uma vez que o método de fixação dos preços de transferência aprovado assentava em três escolhas metodológicas erradas que conduziram a uma redução do rendimento tributável da LuxOpCo em relação às empresas cujo lucro tributável refletia os preços negociados em condições de plena concorrência no mercado.

65

Neste quadro, a Comissão efetuou três constatações subsidiárias distintas.

66

No âmbito da sua primeira constatação subsidiária, a Comissão afirmou que foi considerado erradamente que a LuxOpCo apenas desempenhava funções de gestão “correntes” e que devia ser aplicado o método de repartição dos lucros com análise das contribuições.

[…]

b) Quanto à seletividade da medida

69

Na secção 9.3 da decisão [controvertida], intitulada “Seletividade”, a Comissão expôs os motivos pelos quais tinha considerado que a medida em causa era seletiva.

c) Quanto à identificação do beneficiário do auxílio

70

Na […] decisão [controvertida], […] a Comissão referiu que qualquer tratamento fiscal favorável concedido à LuxOpCo também beneficiou o grupo Amazon no seu conjunto, fornecendo‑lhe recursos adicionais, pelo que o grupo devia ser considerado como uma entidade única beneficiária da medida de auxílio em causa.

71

[A] Comissão [também] entendeu [nessa decisão] que, uma vez que a medida de auxílio foi concedida todos os anos em que as autoridades fiscais aceitaram a declaração anual de imposto da LuxOpCo, o grupo Amazon não podia invocar as regras da prescrição para contestar a recuperação do auxílio. Nos considerandos 639 a 645 da decisão [controvertida], a Comissão expôs o método de recuperação.»

Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

3

Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de dezembro de 2017, o Grão‑Ducado do Luxemburgo interpôs o recurso no processo T‑816/17, pedindo, a título principal, a anulação da decisão controvertida e, a título subsidiário, a anulação dessa decisão na parte em que ordenou a recuperação do auxílio identificado na referida decisão.

4

Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de maio de 2018, a Amazon EU S.à.r.l. e a Amazon.com (a seguir, conjuntamente, «Amazon») interpuseram o recurso no processo T‑318/18, pedindo, a título principal, a anulação dos artigos 1.o a 4.o da decisão controvertida e, a título subsidiário, a anulação dos artigos 2.o a 4.o dessa decisão.

5

O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Amazon tinham invocado, respetivamente, cinco e nove fundamentos de recurso, a maioria dos quais o Tribunal Geral considerou que se sobrepunham da seguinte forma:

em primeiro lugar, no âmbito do primeiro fundamento no processo T‑816/17 e do primeiro ao quarto fundamentos no processo T‑318/18, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Amazon contestaram, em substância, a constatação principal da Comissão quanto à existência de uma vantagem a favor da LuxOpCo na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE;

em segundo lugar, no âmbito da terceira alegação da segunda parte do primeiro fundamento no processo T‑816/17 e do quinto fundamento no processo T‑318/18, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Amazon contestaram as constatações subsidiárias da Comissão relativas à existência de uma vantagem fiscal a favor da LuxOpCo, na aceção dessa disposição;

em terceiro lugar, no âmbito do segundo fundamento no processo T‑816/17 e do sexto e sétimo fundamentos no processo T‑318/18, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Amazon contestaram as constatações principais e subsidiárias da Comissão relativas à seletividade da decisão fiscal antecipada em causa;

em quarto lugar, no âmbito do terceiro fundamento no processo T‑816/17, o Grão‑Ducado do Luxemburgo alegou que a Comissão tinha violado a competência exclusiva dos Estados‑Membros em matéria de fiscalidade direta;

em quinto lugar, no âmbito do quarto fundamento no processo T‑816/17 e do oitavo fundamento no processo T‑318/18, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Amazon sustentaram que a Comissão tinha violado os seus direitos de defesa;

em sexto lugar, no âmbito da segunda parte do primeiro fundamento e da primeira alegação da segunda parte do segundo fundamento no processo T‑816/17 e do oitavo fundamento no processo T‑318/18, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Amazon contestaram a relevância, no caso em apreço, das Orientações da OCDE, na sua versão de 2017, conforme utilizadas pela Comissão para efeitos da adoção da decisão controvertida; e

em sétimo lugar, no âmbito do quinto fundamento, invocado em apoio dos pedidos apresentados a título subsidiário no processo T‑816/17 e do nono fundamento no processo T‑318/18, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Amazon puseram em causa o mérito do raciocínio da Comissão que visa a recuperação do auxílio ordenada por esta instituição.

6

A Irlanda, no âmbito da sua intervenção em primeira instância, invoca, em primeiro lugar, a violação do artigo 107.o TFUE, uma vez que a Comissão não demonstrou a existência de uma vantagem a favor da LuxOpCo, em segundo lugar, a violação deste artigo, uma vez que a Comissão não provou a seletividade da medida, em terceiro lugar, a violação dos artigos 4.o e 5.o TUE, uma vez que a Comissão procedeu a uma harmonização fiscal dissimulada e, em quarto lugar, a violação do princípio da segurança jurídica, uma vez que, com a decisão controvertida, a Comissão ordenou a recuperação do auxílio identificado nessa decisão.

7

Após ter apensado os processos T‑816/17 e T‑318/18 para efeitos do acórdão recorrido, o Tribunal Geral, com esse acórdão, anulou a decisão controvertida.

8

Antes de mais, julgou procedentes a primeira e segunda alegações da segunda parte e a terceira parte do primeiro fundamento no processo T‑816/17, bem como o segundo e o quarto fundamentos no processo T‑318/18, relativos ao facto de a Comissão não ter demonstrado a existência de uma vantagem no âmbito da sua constatação principal.

9

A este respeito, declarou, por um lado, que a Comissão tinha entendido erradamente que a LuxSCS devia ser considerada parte a testar para efeitos de aplicação do MMLO e, por outro, que o cálculo da «remuneração da LuxSCS» efetuado pela Comissão, com base na premissa segundo a qual a LuxSCS devia ser a entidade a testar, estava ferido de numerosos erros e não se podia considerar que era suficientemente fiável nem que permitia chegar a um resultado de plena concorrência. Uma vez que o método de cálculo adotado pela Comissão devia ser excluído, o Tribunal Geral deduziu daí que este método não podia fundamentar a constatação de que os royalties deveriam ter sido inferiores aos efetivamente recebidos pela LuxSCS, em aplicação da decisão fiscal antecipada em causa, durante o período contestado. Assim, os elementos tidos em conta pela Comissão, no que respeita à constatação principal da existência de uma vantagem, não permitiam, segundo o Tribunal Geral, demonstrar que a carga fiscal da LuxOpCo tinha sido artificialmente reduzida devido a uma sobreavaliação dos royalties (n.os 296 e 297 do acórdão recorrido).

10

Em seguida, o Tribunal Geral julgou procedentes os fundamentos e argumentos do Grão‑Ducado do Luxemburgo e da Amazon que visavam pôr em causa o mérito das três constatações subsidiárias da Comissão relativas à existência de uma vantagem. A este respeito, considerou:

no que respeita à primeira constatação subsidiária, que a Comissão, ao considerar erradamente que as funções da LuxOpCo relacionadas com as atividades comerciais eram «únicas e de valor» e ao não investigar se estavam disponíveis dados externos provenientes de empresas independentes para determinar o valor das respetivas contribuições da LuxSCS e da LuxOpCo, não justificou que o método de repartição dos lucros com análise das contribuições, que adotou, era o método de determinação dos preços de transferência adequado no caso em apreço (n.os 503 a 507 do acórdão recorrido). Além disso, o Tribunal Geral considerou que a Comissão, em particular, ao não procurar examinar qual seria o modo correto de repartição dos lucros combinados da LuxSCS e da LuxOpCo apropriado caso essas empresas fossem independentes, nem mesmo identificar elementos concretos que permitissem demonstrar que as funções da LuxOpCo relacionadas com o desenvolvimento dos ativos incorpóreos ou o exercício das funções de sede teriam dado direito a uma fração mais elevada de lucros em comparação com a fração de lucros efetivamente obtida em aplicação da decisão fiscal antecipada em causa, não tinha conseguido demonstrar que, se o método por ela adotado tivesse sido aplicado, a remuneração da LuxOpCo teria sido mais elevada e, portanto, que essa decisão tinha conferido a esta sociedade uma vantagem económica (n.os 518 e 530 do acórdão recorrido);

no que respeita à segunda constatação subsidiária, que a Comissão estava obrigada a demonstrar que o erro que tinha identificado na escolha do indicador de lucro da LuxOpCo adotado na decisão fiscal antecipada tinha conduzido a uma diminuição da carga fiscal do beneficiário dessa decisão, o que implicava responder à questão de saber que indicador teria sido efetivamente adequado. Tendo em conta a interpretação da decisão controvertida apresentada pela Comissão, o Tribunal Geral declarou que esta não tinha procurado determinar a remuneração de plena concorrência da LuxOpCo, nem, a fortiori, determinar se a remuneração desta sociedade, aprovada na decisão fiscal antecipada em causa, era inferior a essa remuneração de plena concorrência (n.os 546 e 547 do acórdão recorrido);

no que respeita à terceira constatação subsidiária, que, embora a Comissão tivesse considerado corretamente que o mecanismo de limitação da remuneração da LuxOpCo em função de uma percentagem das suas vendas anuais constituía um erro metodológico, não tinha, no entanto, demonstrado que esse mecanismo tinha tido impacto no caráter de plena concorrência dos royalties pagos pela LuxOpCo à LuxSCS. Por conseguinte, declarou que a simples constatação segundo a qual esse limite máximo tinha sido aplicado para os anos de 2006, 2007 e 2011 a 2013 não bastava para demonstrar que a remuneração da LuxOpCo obtida para esses anos não correspondia a uma aproximação de resultados de plena concorrência e, consequentemente, que, com a sua terceira constatação subsidiária, a Comissão não tinha demonstrado a existência de uma vantagem para a LuxOpCo (n.os 575, 576, 585, 586 e 588 do acórdão recorrido).

11

À luz destas considerações, suficientes, em seu entender, para conduzir à anulação da decisão controvertida, o Tribunal Geral não examinou os outros fundamentos e argumentos dos recursos.

Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes no presente recurso

12

Com o seu recurso, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido;

julgar improcedente o primeiro fundamento no processo T‑816/17 e o segundo, quarto, quinto e oitavo fundamentos no processo T‑318/18;

remeter o processo ao Tribunal Geral para que se pronuncie sobre os fundamentos ainda não examinados;

a título subsidiário, decidir definitivamente o litígio, em conformidade com o artigo 61.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia; e

reservar para final a decisão quanto às despesas em caso de remessa ao Tribunal Geral ou condenar o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Amazon nas despesas se o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio.

13

O Grão‑Ducado do Luxemburgo conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

negar provimento ao presente recurso;

a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral; e

condenar a Comissão nas despesas.

14

A Amazon conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao presente recurso e

condenar a Comissão nas despesas.

Quanto ao presente recurso

Quanto à admissibilidade

15

O Grão‑Ducado do Luxemburgo alega, sem apresentar formalmente uma exceção de inadmissibilidade, que os argumentos apresentados em apoio da primeira parte do primeiro fundamento e da segunda parte do segundo fundamento do presente recurso, relativos à interpretação e à aplicação do princípio da plena concorrência, são inadmissíveis porquanto visam pôr em causa constatações de factos do Tribunal Geral. Na medida em que a Comissão não procurava demonstrar a desvirtuação desses factos, não podia contestá‑los no âmbito do seu recurso. Por outro lado, deve considerar‑se que os hipotéticos erros do Tribunal Geral na interpretação e aplicação do princípio da plena concorrência incidem sobre o direito nacional luxemburguês, uma vez que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, este princípio não tem existência autónoma no direito da União, e que são, assim, erros de facto. Ora, as questões de facto não podem ser invocadas no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, exceto em caso de desvirtuação dos factos pelo Tribunal Geral. Portanto, os argumentos são também inadmissíveis por este motivo, dado que as desvirtuações alegadas a este respeito pela Comissão carecem de fundamento.

16

A Amazon, por seu turno, sustenta, sem suscitar formalmente uma exceção de inadmissibilidade, que a Comissão tenta apresentar as apreciações de factos do Tribunal Geral como questões de direito ou de interpretação jurídica para que o Tribunal de Justiça reexamine esses factos. Ora, em conformidade com o artigo 256.o TFUE e com o artigo 58.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, este só se pode pronunciar sobre as questões de direito, salvo em caso de desvirtuação, que a Comissão se limita a alegar, no caso em apreço, sem sequer tentar demonstrá‑la. Nesta medida, o presente recurso e, em particular, a primeira parte do primeiro fundamento e a segunda parte do segundo fundamento são inadmissíveis.

17

Há que precisar que a Comissão sustenta, nomeadamente, no n.o 25 do seu recurso, que «uma interpretação e uma aplicação erradas do princípio da plena concorrência constituem uma violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE no que respeita à condição da vantagem» e, no n.o 26 deste, que, «ao interpretar e ao aplicar erradamente o princípio da plena concorrência, o Tribunal Geral comete um erro “no âmbito da sua apreciação nos termos do artigo 107.o, n.o 1, TFUE”». Reitera esta última alegação no título 6.2 do recurso.

18

Por conseguinte, independentemente dos motivos pelos quais a Comissão considera que o Tribunal Geral, em particular nos n.os 162 a 251 do acórdão recorrido, interpretou e aplicou incorretamente o princípio da plena concorrência, não se pode deixar de observar que esta instituição convida o Tribunal de Justiça a verificar a exata interpretação e a correta aplicação desse princípio pelo Tribunal Geral à luz do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

19

A este respeito, importa recordar que a competência do Tribunal de Justiça em sede de recurso de uma decisão proferida pelo Tribunal Geral é definida pelo artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE. Este indica que o recurso deve ser limitado às questões de direito e enquadrar‑se nas «condições e limites previstos no Estatuto». Numa lista enumerativa dos fundamentos que podem ser invocados neste âmbito, o artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia precisa que o recurso pode ter por fundamento a violação do direito da União pelo Tribunal Geral (Acórdão de 5 de julho de 2011, Edwin, C‑263/09 P, EU:C:2011:452, n.o 46).

20

É certo que, em princípio, no âmbito de um recurso, no que se refere à análise das apreciações do Tribunal Geral a respeito do direito nacional, as quais, no domínio dos auxílios de Estado, constituem apreciações de factos, o Tribunal de Justiça só é competente para verificar se houve uma desvirtuação desse direito (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 82 e jurisprudência referida). No entanto, o Tribunal de Justiça não pode ser privado da possibilidade de fiscalizar se essas apreciações não constituem, elas mesmas, uma violação do direito da União na aceção da jurisprudência referida no n.o 19 do presente acórdão.

21

Ora, a questão de saber se o Tribunal Geral delimitou adequadamente o sistema de referência pertinente e, por extensão, interpretou e aplicou corretamente as disposições que o compõem, no caso em apreço, o princípio da plena concorrência, é uma questão de direito que pode ser fiscalizada pelo Tribunal de Justiça na fase de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral. Com efeito, os argumentos por meio dos quais é questionada a escolha do sistema de referência ou o seu significado na primeira etapa da análise da existência de uma vantagem seletiva são admissíveis porque esta análise decorre de uma qualificação jurídica do direito nacional que se baseia numa disposição do direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 85, e de 5 de dezembro de 2023, Luxemburgo e o./Comissão, C‑451/21 P e C‑454/21 P, EU:C:2023:948, n.o 78).

22

Admitir que o Tribunal de Justiça não está em condições de determinar se o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito quando se pronunciou sobre a delimitação, a interpretação e a aplicação pela Comissão do sistema de referência pertinente, enquanto parâmetro decisivo para efeitos do exame da existência de uma vantagem seletiva, equivaleria a aceitar a possibilidade de o Tribunal Geral ter, eventualmente, cometido uma violação de uma disposição do direito primário da União, a saber, o artigo 107.o, n.o 1, TFUE, sem que essa violação possa ser sancionada no âmbito do recurso, o que violaria o artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE, conforme sublinhado no n.o 19 do presente acórdão.

23

Por conseguinte, importa considerar que, ao convidar o Tribunal de Justiça a fiscalizar se o Tribunal Geral tinha interpretado e aplicado corretamente o princípio da plena concorrência à luz do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, para declarar que o sistema de referência adotado pela Comissão para definir uma tributação normal estava errado e, portanto, que a existência de uma vantagem em benefício do grupo Amazon não estava demonstrada, a Comissão apresentou fundamentos e argumentos que, contrariamente ao que sustentam o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Amazon, são admissíveis.

Quanto ao mérito

24

A Comissão invoca dois fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, a erros cometidos pelo Tribunal Geral no que respeita à constatação principal da vantagem por ela exposta na decisão controvertida e, o segundo, a erros do Tribunal Geral relativos à primeira constatação subsidiária que efetuou no que respeita a essa vantagem.

25

Há que examinar conjuntamente estes dois fundamentos.

Argumentos das partes

26

O primeiro fundamento da Comissão divide‑se em duas partes. A primeira parte é relativa ao facto de o Tribunal Geral, nos n.os 162 a 251 do acórdão recorrido, ter interpretado e aplicado incorretamente o princípio da plena concorrência, não ter fundamentado o acórdão recorrido quanto a este ponto e ter violado as regras processuais ao rejeitar a análise funcional da LuxSCS e a seleção desta sociedade como parte testada na decisão controvertida. A segunda parte é relativa ao erro resultante da rejeição, pelo Tribunal Geral, nos n.os 257 a 295 desse acórdão, do cálculo do nível de plena concorrência dos royalties.

27

Em apoio deste fundamento, a Comissão alega, a título preliminar, que, como o próprio Tribunal Geral salientou, a tributação normal deve, no caso em apreço, ser analisada à luz do princípio da plena concorrência, que constitui um «instrumento» no qual a Comissão se deve basear para apreciar a existência de uma vantagem na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Por conseguinte, ao interpretar e ao aplicar erradamente este princípio, o Tribunal Geral violou esta disposição. Em todo o caso, a Comissão sustenta que, ainda que se devesse considerar que os erros cometidos pelo Tribunal Geral na aplicação do referido princípio apenas dizem respeito ao direito luxemburguês, esses erros não deixam de constituir desvirtuações manifestas desse direito, que o Tribunal Geral considerou ter por base esse mesmo princípio.

28

O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Amazon contestam todos os argumentos invocados no primeiro fundamento de recurso.

29

O Grão‑Ducado do Luxemburgo observa, nomeadamente, na sua contestação, que, tanto no momento da adoção da decisão fiscal antecipada em causa como quando esta foi prorrogada, no direito luxemburguês não era feita qualquer referência às Orientações da OCDE. Afirma que estas não são vinculativas para os países membros desta organização, mas permitem clarificar as disposições de direito luxemburguês pertinentes.

30

O segundo fundamento de recurso, que visa os n.os 314 a 442 e 499 a 538 do acórdão recorrido, diz respeito à rejeição pelo Tribunal Geral da primeira constatação subsidiária feita pela Comissão na decisão controvertida. No âmbito da segunda parte deste segundo fundamento, a Comissão sustenta, novamente, no título 6.2 do recurso, que «o Tribunal Geral interpretou e aplicou incorretamente o princípio da plena concorrência», o que é contestado tanto pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo como pela Amazon.

Apreciação do Tribunal de Justiça

31

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as intervenções dos Estados‑Membros nos domínios que não foram objeto de harmonização no direito da União não estão excluídas do âmbito de aplicação das disposições do TFUE relativas ao controlo dos auxílios de Estado. Os Estados‑Membros devem assim abster‑se de adotar qualquer medida fiscal que possa constituir um auxílio de Estado que seja incompatível com o mercado interno (Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 65 e jurisprudência referida).

32

A este respeito, resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que a qualificação de uma medida nacional de «auxílio [de] Estado» na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE requer que estejam preenchidos todos os seguintes requisitos. Primeiro, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou ser proveniente de recursos do Estado. Segundo, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Terceiro, deve conferir uma vantagem seletiva ao beneficiário. Quarto, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 66 e jurisprudência referida).

33

No que respeita ao requisito relativo à seletividade da vantagem, este impõe que se determine se, no âmbito de um determinado regime jurídico, a medida nacional em causa é suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» em relação a outras, que se encontrem, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime, numa situação factual e jurídica comparável e que estão assim sujeitas a um tratamento diferenciado que pode, em substância, ser qualificado de discriminatório (Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 67 e jurisprudência referida).

34

Para qualificar uma medida fiscal nacional de «seletiva», a Comissão tem de identificar, num primeiro momento, o sistema de referência, a saber, o regime fiscal «normal» aplicável no Estado‑Membro em questão, e demonstrar, num segundo momento, que a medida fiscal em causa derroga este sistema de referência, uma vez que introduz diferenciações entre operadores económicos que se encontram, atendendo ao objetivo prosseguido por este último, numa situação factual e jurídica comparável. O conceito de «auxílio de Estado» não visa contudo as medidas que introduzem uma diferenciação entre empresas que se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido pelo regime jurídico em causa, numa situação factual e jurídica comparável e, por conseguinte, a priori seletivas, quando o Estado‑Membro em causa conseguir demonstrar, num terceiro momento, que esta diferenciação se justifica, no sentido de que resulta da natureza ou da estrutura do sistema em que estas medidas se inscrevem (Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 68 e jurisprudência referida).

35

A determinação do sistema de referência reveste uma importância acrescida no caso de medidas fiscais pelo facto de, como sublinhado nos n.os 21 a 23 do presente acórdão, a existência de uma vantagem económica na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE só poder ser demonstrada em relação a uma tributação dita «normal».

36

Assim, a determinação de todas as empresas que se encontram numa situação factual e jurídica comparável depende da definição prévia do regime jurídico à luz de cujo objetivo deve, sendo caso disso, ser examinada a comparabilidade da situação factual e jurídica respetiva das empresas que são beneficiadas pela medida em causa e daquelas que não o são (Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 69 e jurisprudência referida).

37

Para efeitos da apreciação do caráter seletivo de uma medida fiscal, é assim necessário que o regime fiscal comum ou o sistema de referência aplicável no Estado‑Membro em causa esteja corretamente identificado na decisão da Comissão e seja examinado pelo juiz chamado a conhecer de uma contestação relativa a essa identificação. Constituindo a determinação do sistema o ponto de partida do exame comparativo que deve ser realizado no contexto da apreciação da seletividade, um erro cometido nesta determinação vicia necessariamente toda a análise da condição relativa à seletividade (Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 71 e jurisprudência referida).

38

Neste contexto, em primeiro lugar, há que especificar que a determinação do quadro de referência, que deve ser efetuada no final de um debate contraditório com o Estado‑Membro em causa, deve decorrer de um exame objetivo do conteúdo, da articulação e dos efeitos concretos das normas aplicáveis ao abrigo do direito nacional desse Estado (Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 72 e jurisprudência referida).

39

Em segundo lugar, fora dos domínios nos quais o direito fiscal da União é objeto de harmonização, é o Estado‑Membro em causa que determina, através do exercício das suas competências próprias em matéria de fiscalidade direta e no respeito da sua autonomia fiscal, as características constitutivas do imposto, as quais definem, em princípio, o sistema de referência ou o regime fiscal «normal», a partir do qual há que analisar o requisito relativo à seletividade. É o que sucede nomeadamente com a determinação da matéria coletável do imposto, o seu facto gerador e as eventuais isenções que lhe estão associadas (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 73 e jurisprudência referida).

40

Daqui resulta que só o direito nacional aplicável no Estado‑Membro em causa deve ser tomado em consideração para identificar o sistema de referência em matéria de fiscalidade direta, constituindo esta própria identificação um requisito prévio indispensável para apreciar não só a existência de uma vantagem mas também a questão de saber se esta reveste uma natureza seletiva (Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 74).

41

O presente processo, à semelhança do que deu origem ao Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859), tem por objeto a questão da legalidade de uma decisão fiscal antecipada adotada pela Administração Fiscal luxemburguesa e baseada na determinação dos preços de transferência à luz do princípio da plena concorrência.

42

Ora, resulta desse acórdão, em primeiro lugar, que o princípio da plena concorrência só pode ser aplicado se for reconhecido pelo direito nacional em causa e segundo as modalidades definidas por este último. Por outras palavras, não existe, no estado atual do direito da União, um princípio autónomo da plena concorrência que se aplique independentemente da incorporação deste último no direito nacional para efeitos do exame das medidas de natureza fiscal no âmbito do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 104).

43

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, embora o direito nacional aplicável às sociedades no Luxemburgo vise, em matéria de tributação das sociedades integradas, chegar a uma aproximação fiável do preço de mercado e este objetivo corresponda, regra geral, ao do princípio da plena concorrência, a verdade é que, não havendo harmonização no direito da União, as modalidades concretas de aplicação deste princípio são definidas pelo direito nacional e devem ser tomadas em conta para identificar o quadro de referência para efeitos da determinação da existência de uma vantagem seletiva (Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 93).

44

Em segundo lugar, importa recordar que as Orientações da OCDE não são vinculativas para os países membros desta organização. Como o Tribunal de Justiça salientou, ainda que numerosas autoridades nacionais competentes em matéria fiscal se inspirem nessas orientações na elaboração e no controlo dos preços de transferência, é unicamente à luz das disposições nacionais pertinentes que há que determinar se certas transações devem ser examinadas à luz do princípio da plena concorrência e, sendo caso disso, se os preços de transferência, que constituem a matéria coletável dos rendimentos tributáveis de um sujeito passivo e a sua repartição entre os Estados em causa, se afastam ou não de um resultado de plena concorrência. Não podem assim ser tomados em consideração, no âmbito do exame da existência de uma vantagem fiscal seletiva na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, e para efeitos da determinação da carga fiscal que habitualmente onera uma empresa, parâmetros e regras externas ao sistema fiscal nacional em causa, tais como as referidas orientações, exceto se este último a eles se referir expressamente (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 96).

45

No caso em apreço, há que salientar que, nos n.os 121 e 122 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou o seguinte:

«121

Além disso, há que precisar que, quando aplica o princípio da plena concorrência a fim de fiscalizar se o lucro tributável de uma empresa integrada, em aplicação de uma medida fiscal, corresponde a uma aproximação fiável de um lucro tributável gerado em condições de mercado, a Comissão só pode declarar a existência de uma vantagem na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, se a discrepância entre os dois fatores de comparação for além das imprecisões inerentes ao método aplicado para obter a referida aproximação (Acórdão de 24 de setembro de 2019, Países Baixos e o./Comissão, T‑760/15 e T‑636/16, EU:T:2019:669, n.o 152).

122

Embora a Comissão não esteja formalmente vinculada pelas Orientações da OCDE, não é menos verdade que estas orientações se baseiam em trabalhos realizados por grupos de peritos, que as mesmas refletem o consenso alcançado à escala internacional relativamente aos preços de transferência e revestem, deste modo, uma importância prática indubitável na interpretação das questões relativas aos preços de transferência (Acórdão de 24 de setembro de 2019, Países Baixos e o./Comissão, T‑760/15 e T‑636/16, EU:T:2019:669, n.o 155).»

46

Decorre do n.o 121 do acórdão recorrido que, ao considerar que a Comissão podia, regra geral, aplicar o princípio da plena concorrência no âmbito da execução do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, quando este princípio não tem existência autónoma no direito da União, sem clarificar que essa instituição estava, previamente, obrigada a assegurar‑se de que esse princípio estava incorporado no direito fiscal nacional em causa, no caso em apreço, no direito fiscal luxemburguês, e que lhe era aí expressamente feita referência enquanto tal, o Tribunal Geral cometeu um primeiro erro de direito. Este erro não é sanado pelo facto de o Tribunal Geral, no n.o 137 do acórdão recorrido, ter considerado, de resto, erradamente, pelos motivos expostos nos n.os 54 e 55 do presente acórdão, que o direito luxemburguês consagrava, à data dos factos, esse princípio.

47

Do mesmo modo, ao indicar, no n.o 122 do acórdão recorrido, que, apesar de não terem caráter vinculativo para a Comissão, as Orientações da OCDE revestiam uma «importância prática indubitável» na apreciação do respeito deste princípio, o Tribunal Geral não recordou que essas orientações também não eram vinculativas para os países membros da OCDE e que, portanto, só revestiam importância prática na medida em que o direito fiscal do Estado‑Membro em causa lhes fizesse expressamente referência. Por conseguinte, não verificou se a Comissão se tinha certificado de que era efetivamente esse o caso do direito fiscal luxemburguês e tomou como facto adquirido a aplicabilidade das referidas orientações, cometendo assim um segundo erro de direito.

48

Daqui resulta que, embora a Irlanda tenha, de resto, invocado, como decorre do n.o 132 do acórdão recorrido, a falta de fundamento, no direito da União, de um princípio da plena concorrência, o Tribunal Geral, ao julgar este argumento inadmissível e, consequentemente, ao não o examinar, apesar de, quanto ao mérito, pôr em causa a exatidão do sistema de referência adotado pela Comissão para definir uma tributação normal e, por conseguinte, a existência de uma vantagem a favor do grupo Amazon, adotou uma interpretação do princípio da plena concorrência contrária ao direito da União, como recordado, em especial, nos n.os 96 e 104 do Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859), e, portanto, validou erradamente a determinação pela Comissão do sistema de referência.

49

Ora, toda a análise efetuada pelo Tribunal Geral, nos n.os 162 a 251, 257 a 295, 314 a 442 e 499 a 538 do acórdão recorrido, no que respeita ao requisito relativo à existência de uma vantagem seletiva, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, baseia‑se na aplicação, para efeitos da apreciação da existência dessa vantagem, do princípio da plena concorrência ao abrigo das Orientações da OCDE independentemente da incorporação desse princípio no direito luxemburguês.

50

Por conseguinte, uma vez que assenta numa determinação errada, pelo Tribunal Geral, do sistema de referência pertinente para efeitos da apreciação da existência de uma vantagem seletiva na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, essa análise está, em conformidade com a jurisprudência evocada no n.o 37 do presente acórdão, igualmente errada.

51

Não obstante, há que recordar que, se os fundamentos de um acórdão do Tribunal Geral revelarem uma violação do direito da União, mas o seu dispositivo tiver por base outros fundamentos de direito, essa violação não é suscetível de acarretar a anulação desse acórdão e há que proceder à substituição da fundamentação e negar provimento ao recurso (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de março de 2021, Xellia Pharmaceuticals e Alpharma/Comissão, C‑611/16 P, EU:C:2021:245, n.o 149, e de 24 de março de 2022, PJ e PC/EUIPO, C‑529/18 P e C‑531/18 P, EU:C:2022:218, n.o 75 e jurisprudência referida).

52

Esta é a situação no caso em apreço.

53

Com efeito, primeiro, a Comissão aplicou o princípio da plena concorrência como se este tivesse sido reconhecido enquanto tal no direito da União, como demonstram, nomeadamente, os considerandos 402, 403, 409, 519, 520 e 561 da decisão controvertida. Ora, resulta do n.o 104 do Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859), que não existe, no estado atual do direito da União, um princípio autónomo da plena concorrência aplicável independentemente da incorporação deste último no direito nacional.

54

Segundo, a Comissão considerou, como resulta dos considerandos 241 e 242 da decisão controvertida, que o artigo 164.o, n.o 3, da Lei do Imposto sobre o Rendimento era interpretado pela Administração Fiscal luxemburguesa no sentido de que consagrava o princípio da plena concorrência no direito fiscal luxemburguês. Todavia, como resulta dos n.os 96 e 104 do Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859), só uma incorporação deste princípio enquanto tal no direito nacional, que exige, a minima, que este último se refira expressamente a esse princípio, permitiria à Comissão aplicá‑lo no âmbito da apreciação da existência de uma vantagem seletiva na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

55

Ora, como a própria Comissão reconheceu no considerando 243 da decisão controvertida, só depois de 1 de janeiro de 2017, ou seja, após a adoção da decisão fiscal antecipada em causa e da sua prorrogação, é que um novo artigo da Lei do Imposto sobre o Rendimento «formaliza explicitamente a aplicação do princípio da plena concorrência no direito fiscal luxemburguês». Está, portanto, demonstrado que a exigência recordada pela jurisprudência referida no número anterior não estava satisfeita quando o Estado‑Membro em causa adotou a medida que a Comissão considerou constitutiva de um auxílio de Estado, pelo que essa instituição não podia aplicar este princípio retroativamente na decisão controvertida.

56

Terceiro, ao aplicar, nos considerandos 246 e seguintes dessa decisão, as Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência sem ter demonstrado que estas tinham sido, no todo ou em parte, explicitamente reproduzidas no direito luxemburguês, a Comissão violou a proibição, recordada no n.o 96 do Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859), de ter em conta, no exame da existência de uma vantagem fiscal seletiva na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e para determinar a carga fiscal que deve normalmente recair sobre uma empresa, parâmetros e regras externas ao sistema fiscal nacional em causa, como essas orientações, a menos que este último a elas se refira expressamente.

57

Importa recordar, a este respeito, que tais erros na determinação das regras efetivamente aplicáveis por força do direito nacional pertinente e, portanto, na identificação da tributação dita «normal» à luz da qual devia ser apreciada a decisão fiscal antecipada em causa viciam necessariamente todo o raciocínio relativo à existência de uma vantagem seletiva (Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão, C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 71 e jurisprudência referida).

58

Resulta das considerações expostas que o Tribunal Geral constatou corretamente, no n.o 590 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha demonstrado a existência de uma vantagem a favor do grupo Amazon na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e, consequentemente, anulou a decisão controvertida.

59

Tendo em conta o exposto e procedendo a uma substituição de fundamentos em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 51 do presente acórdão, há que julgar improcedentes os dois fundamentos do recurso e, por conseguinte, negar provimento ao recurso na sua totalidade.

Quanto às despesas

60

Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá igualmente sobre as despesas.

61

Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 1, desse regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

62

No caso em apreço, tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo e pela Amazon, em conformidade com os pedidos destes últimos.

63

O artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, igualmente aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do disposto no artigo 184.o, n.o 1, deste regulamento, dispõe que os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio suportem as suas próprias despesas. A Irlanda, interveniente, suportará, portanto, as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Comissão Europeia suporta, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pela Amazon.com Inc. e pela Amazon EU Sàrl.

 

3)

A Irlanda suporta as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Línguas de processo: inglês e francês.

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