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Document 62021CJ0394

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 2 de março de 2023.
    Bursa Română de Mărfuri SA contra Autoritatea Naţională de Reglementare în domeniul Energiei i (ANRE).
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Bucureşti.
    Reenvio prejudicial — Mercado interno da eletricidade — Diretiva 2009/72/CE — Regulamento (UE) 2019/943 — Artigo 1.o, alíneas b) e c), e artigo 3.o — Princípios relativos ao funcionamento dos mercados da eletricidade — Regulamento (UE) 2015/1222 — Artigo 5.o, n.o 1 — Operador nomeado do mercado da eletricidade — Monopólio legal nacional dos serviços de negociação para o dia seguinte e intradiária — Legislação nacional que prevê um monopólio da negociação grossista da eletricidade a curto, médio e longo prazo.
    Processo C-394/21.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:146

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

    2 de março de 2023 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Mercado interno da eletricidade — Diretiva 2009/72/CE — Regulamento (UE) 2019/943 — Artigo 1.o, alíneas b) e c), e artigo 3.o — Princípios relativos ao funcionamento dos mercados da eletricidade — Regulamento (UE) 2015/1222 — Artigo 5.o, n.o 1 — Operador nomeado do mercado da eletricidade — Monopólio legal nacional dos serviços de negociação para o dia seguinte e intradiária — Legislação nacional que prevê um monopólio da negociação grossista da eletricidade a curto, médio e longo prazo»

    No processo C‑394/21,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Curtea de Apel Bucureşti (Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia), por Decisão de 3 de junho de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de junho de 2021, no processo

    Bursa Română de Mărfuri SA

    contra

    Autoritatea Naţională de Reglementare în domeniul Energiei (ANRE),

    sendo intervenientes:

    Federaţia Europeană a Comercianţilor de Energie,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

    composto por: E. Regan, presidente de secção, D. Gratsias, M. Ilešič, I. Jarukaitis (relator) e Z. Csehi, juízes,

    advogado‑geral: A. Rantos,

    secretário: C. Di Bella, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 22 de junho de 2022,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Bursa Română de Mărfuri SA, por D. Cristea, avocat,

    em representação da Federaţia Europeană a Comercianţilor de Energie, por G. Pop, avocat,

    em representação do Governo romeno, por M. Chicu, E. Gane, A. Rotăreanu e A. Wellman, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo grego, por K. Boskovits, na qualidade de agente,

    em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. G. Marrone, avvocato dello Stato,

    em representação do Governo cipriota, por E. Symeonidou, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, por O. Beynet, L. Nicolae e I. Rogalski, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de setembro de 2022,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Regulamento (UE) 2019/943 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho de 2019, relativo ao mercado interno da eletricidade (JO 2019, L 158, p. 54), nomeadamente a interpretação do artigo 1.o, alíneas b) e c), e do artigo 3.o deste regulamento, lido à luz da Diretiva (UE) 2019/944 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho de 2019, relativa a regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que altera a Diretiva 2012/27/UE (JO 2019, L 158, p. 125), em especial do artigo 2.o, ponto 9, desta, bem como a interpretação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, lidos em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE e o artigo 106.o, n.o 1, TFUE.

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Bursa Română de Mărfuri SA (a seguir «BRM»), sociedade de direito romeno, à Autoritatea Naţională de Reglementare în domeniul Energiei (ANRE) (Autoridade Nacional Reguladora no Domínio da Energia, Roménia) a respeito de um pedido de anulação de uma decisão da ANRE que recusou conceder à BRM uma licença para efeitos da organização e da gestão de mercados centralizados da eletricidade.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Diretiva 2009/72/CE

    3

    O artigo 37.o da Diretiva 2009/72/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54/CE (JO 2009, L 211, p. 55), tinha por epígrafe «Obrigações e competências das entidades reguladoras». Previa, no n.o 1, alínea j):

    «As entidades reguladoras têm as seguintes obrigações:

    […]

    j)

    Monitorizar o grau e a eficácia de abertura do mercado e de concorrência aos níveis grossista e retalhista, inclusive no comércio de eletricidade, […] assim como as eventuais distorções ou restrições da concorrência, incluindo a prestação de informações relevantes e a comunicação de casos relevantes às autoridades da concorrência competentes».

    4

    Em 1 de janeiro de 2021, a Diretiva 2009/72 foi revogada e substituída pela Diretiva 2019/944.

    Regulamento (UE) 2015/1222

    5

    O Regulamento (UE) 2015/1222 da Comissão, de 24 de julho de 2015, que estabelece orientações para a atribuição de capacidade e a gestão de congestionamentos (JO 2015, L 197, p. 24), foi adotado ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 714/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, relativo às condições de acesso à rede para o comércio transfronteiriço de eletricidade e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1228/2003 (JO 2009, L 211, p. 15).

    6

    O artigo 2.o, segundo parágrafo, ponto 23, do Regulamento 2015/1222 contém a seguinte definição:

    «[…]

    23.

    “Operador nomeado do mercado da eletricidade (ONME)”, uma entidade designada pela autoridade competente para desempenhar funções relacionadas com o acoplamento único para o dia seguinte ou intradiário».

    7

    O artigo 5.o deste regulamento, sob a epígrafe «Designação de ONME em caso de monopólio legal nacional para os serviços de negociação», dispõe:

    «1.   Se já existir um monopólio legal nacional dos serviços de negociação para o dia seguinte e intradiária, que exclua a designação de dois ou mais ONME, num Estado‑Membro ou numa zona de ofertas de um Estado‑Membro à data da entrada em vigor do presente regulamento, o Estado‑Membro em causa deve notificar a Comissão [Europeia] no prazo de dois meses a contar da data de entrada em vigor do presente regulamento e pode recusar a designação de dois ou mais ONME por zona de ofertas.

    […]

    2.   Para efeitos do presente regulamento, considera‑se que existe um monopólio legal nacional se o direito nacional determinar expressamente que só uma entidade nesse Estado‑Membro ou numa zona de ofertas desse Estado‑Membro pode prestar serviços de negociação para o dia seguinte e intradiária.

    3.   Dois anos após a entrada em vigor do presente regulamento, a Comissão envia um relatório ao Parlamento Europeu e ao Conselho [da União Europeia]. […] Com base nesse relatório, e se considerar que não existem motivos que justifiquem a continuação de monopólios legais nacionais ou a recusa continuada, por um Estado‑Membro, da negociação transfronteiriça por um ONME designado noutro Estado‑Membro, a Comissão pode ponderar a adoção de medidas legislativas ou de outras medidas adequadas para aumentar a concorrência e as transações, tanto entre Estados‑Membros como no interior de cada um. […]»

    8

    Nos termos do artigo 84.o, o referido regulamento entrou em vigor «no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia», a saber, em 14 de agosto de 2015.

    Regulamento 2019/943

    9

    O artigo 1.o do Regulamento 2019/943, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», tem a seguinte redação:

    «O presente regulamento visa:

    a)

    Estabelecer a base para a prossecução dos objetivos da União da Energia e em especial o quadro em matéria de clima e energia para 2030, permitindo que os sinais de mercado sejam considerados para efeitos de uma maior eficiência, de uma percentagem mais elevada de fontes de energia renovável, de segurança do abastecimento, de flexibilidade, de sustentabilidade, de descarbonização e de inovação;

    b)

    Definir princípios fundamentais para o bom funcionamento de mercados integrados da eletricidade que permitam um acesso não discriminatório ao mercado de todos os fornecedores de recursos e clientes de eletricidade, capacitem os consumidores, garantirem a competitividade no mercado global, a resposta da procura, o armazenamento de energia e a eficiência energética e facilitem a agregação da procura e da oferta na distribuição, permitindo a integração do mercado e a integração setorial, bem como a remuneração de mercado da eletricidade de fontes renováveis;

    c)

    Criar regras equitativas em matéria de comércio transfronteiriço de eletricidade, aumentando assim a concorrência no mercado interno da eletricidade, tendo em conta as características particulares dos mercados nacionais e regionais, incluindo a criação de um mecanismo de balanço para os fluxos transfronteiriços de eletricidade, o estabelecimento de princípios harmonizados no que se refere às tarifas para o transporte transfronteiriço e a atribuição das capacidades disponíveis de interligação entre as redes de transporte nacionais;

    d)

    Facilitar a emergência de um mercado grossista transparente e em bom funcionamento, que contribua para um elevado nível de segurança do abastecimento de eletricidade, e prevendo mecanismos para a harmonização das regras aplicáveis ao comércio transfronteiriço de eletricidade.»

    10

    O artigo 2.o deste regulamento contém as seguintes definições:

    «São aplicáveis as seguintes definições:

    […]

    2)

    “Entidade reguladora”, uma entidade reguladora designada por cada Estado‑Membro nos termos do artigo 57.o, n.o 1, da Diretiva [2019/944];

    […]

    7)

    “Operador de mercado”, uma entidade que presta um serviço em que as propostas de venda da eletricidade são comparadas com as propostas de compra de eletricidade;

    8)

    “Operador nomeado do mercado da eletricidade”, um operador de mercado designado pela autoridade competente para desempenhar funções relacionadas com o acoplamento único do mercado para o dia seguinte ou intradiário;

    […]

    40)

    “Mercados da eletricidade”, mercados de eletricidade na aceção do artigo 2.o, ponto 9, da Diretiva [2019/944];

    […]»

    11

    O artigo 3.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Princípios relativos ao funcionamento dos mercados da eletricidade», precisa:

    «Os Estados‑Membros, as entidades reguladoras, os operadores de redes de transporte, os operadores de redes de distribuição, os operadores do mercado e os operadores delegados devem garantir que os mercados da eletricidade são explorados de acordo com os seguintes princípios:

    a)

    Os preços são formados com base na procura e na oferta;

    b)

    As regras do mercado devem incentivar a livre formação de preços e devem evitar as ações que impeçam a formação dos preços em função da oferta e da procura;

    […]

    h)

    Devem ser progressivamente eliminados os obstáculos aos fluxos transfronteiriços de eletricidade entre zonas de ofertas ou Estados‑Membros e às transações transfronteiriças nos mercados da eletricidade e nos mercados de serviços;

    […]

    o)

    A fim de permitir que os participantes no mercado estejam protegidos contra os riscos de volatilidade dos preços no mercado e de atenuar a incerteza sobre o retorno dos investimentos futuros, os produtos de cobertura a longo prazo devem ser negociáveis em bolsa de forma transparente e os contratos de fornecimento de eletricidade de longo prazo devem ser negociados nos mercados fora da bolsa, sujeitos ao cumprimento do direito da concorrência da União;

    p)

    As regras do mercado devem facilitar o comércio de produtos em toda a União [Europeia] e as alterações regulamentares devem ter em conta os efeitos sobre os mercados e produtos a prazo e de futuros tanto de curto como de longo prazo;

    […]»

    12

    O artigo 10.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Limites de ofertas técnicas», enuncia:

    «1.   Não são fixados limites máximos, nem limites mínimos do preço grossista da eletricidade. […]

    […]

    4.   As entidades reguladoras ou [as] entidades competentes designadas […] devem identificar as políticas e as medidas aplicadas no seu território que possam contribuir para restringir indiretamente a formação dos preços grossistas, incluindo a restrição de ofertas relativas à ativação da energia de balanço, os mecanismos de capacidade, as medidas adotadas pelos operadores de redes de transporte, as medidas destinadas a contestar os resultados do mercado ou evitar abusos de posição dominante, ou a definição ineficiente das zonas de ofertas.

    5.   Se uma entidade reguladora ou outra entidade competente designada tiver identificado uma política ou medida suscetível de restringir a formação dos preços grossistas, deve tomar todas as medidas necessárias para a eliminar ou, se tal não for possível, atenuar o impacto dessa política ou dessas medidas a nível das ofertas. […]»

    Diretiva 2019/944

    13

    O artigo 2.o, ponto 9, da Diretiva 2019/944 contém a seguinte definição:

    «Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

    […]

    9)

    “Mercados de eletricidade” os mercados de eletricidade, incluindo os mercados de balcão e as bolsas de eletricidade, mercados de comércio de energia, de capacidades, de serviços de balanço e de serviços de sistema em todos os períodos de operação, incluindo mercados a prazo, de dia seguinte e intradiários»

    14

    O artigo 59.o desta diretiva, sob a epígrafe «Obrigações e poderes das entidades reguladoras», prevê nomeadamente, no n.o 1, alínea o), que a entidade reguladora é investida da missão de «[m]onitorizar o grau e a eficácia da abertura do mercado e da concorrência aos níveis grossista e retalhista, inclusive no que respeita ao comércio de eletricidade, […] assim como eventuais distorções ou restrições da concorrência, incluindo a prestação de informações relevantes e a comunicação de casos relevantes às autoridades da concorrência competentes».

    15

    Em conformidade com o seu artigo 72.o, a Diretiva 2019/944 revoga e substitui a Diretiva 2009/72/CE com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2021, sendo a maior parte das disposições desta nova diretiva aplicáveis, nos termos do artigo 73.o desta, a partir dessa data. Todavia, a sua entrada em vigor ocorreu, conforme esta última disposição, em 4 de julho de 2019.

    Direito romeno

    16

    A Legea nr. 123, energiei electrice şi a gazelor naturale (Lei n.o 123, relativa à Eletricidade e ao Gás Natural), de 10 de julho de 2012 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 485, de 16 de julho de 2012), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei n.o 123/2012»), contém, no artigo 3.o, pontos 38 e 49, as seguintes definições:

    «38)

    “Operador do mercado da eletricidade”, a pessoa coletiva responsável pela organização e pela gestão dos mercados centralizados, com exceção do mercado de balanço, para efeitos de negociação grossista da eletricidade a curto, médio e longo prazo;

    […]

    49)

    “Mercado centralizado da eletricidade”, o quadro organizado no qual se realizam as transações de eletricidade entre diferentes operadores económicos, por intermédio do operador do mercado da eletricidade ou do operador da rede de transporte, com base em regras específicas adotadas pela autoridade competente; no presente título, os termos “mercado centralizado da eletricidade” e “mercado organizado da eletricidade” são equivalentes».

    17

    O artigo 10.o, n.o 2, alínea f), desta lei dispõe:

    «A autoridade competente emite licenças para:

    […]

    f)

    a gestão dos mercados centralizados — é concedida uma única licença de operador do mercado da eletricidade e uma única licença de operador do mercado de balanço».

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    18

    Nos termos da lei romena, a BRM tem competência geral para gerir os mercados de interesse público. Em 20 de agosto de 2020, apresentou à ANRE um pedido de emissão de uma licença para a organização e a gestão de mercados centralizados da eletricidade, remetendo para o Regulamento 2019/943. Em 21 de setembro de 2020, a ANRE informou a BRM do indeferimento do seu pedido. Esta sociedade interpôs então recurso na Curtea de Apel Bucureşti (Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia), o órgão jurisdicional de reenvio, pedindo que fosse ordenada à ANRE a emissão da licença pretendida, invocando a entrada em vigor, em 1 de janeiro de 2020, deste regulamento.

    19

    Em apoio desse recurso, a BRM alega que decorre do referido regulamento, em especial do artigo 1.o, alíneas b) e c), do artigo 3.o e do artigo 10.o, n.os 4 e 5, lido em conjugação com a Diretiva 2019/944, que as entidades reguladoras nacionais são obrigadas a assegurar uma concorrência efetiva entre os operadores dos mercados da eletricidade e a evitar, em todos os casos, a existência de um monopólio anticoncorrencial. O direito de negociar no mercado dos produtos e dos serviços relativos à eletricidade não lhe pode, portanto, ser recusado. Alega, em especial, que os princípios da livre concorrência estabelecidos no Regulamento 2019/943, que incluem, em sua opinião, a supressão de comportamentos monopolistas, também dizem respeito ao operador do mercado da eletricidade, definido no artigo 2.o, ponto 7, deste regulamento.

    20

    A ANRE responde invocando o artigo 10.o, n.o 2, alínea f), da Lei n.o 123/2012 e o facto de, à data da sua entrada em vigor, a licença de gestão dos mercados centralizados da eletricidade já ter sido concedida à OPCOM SA, em 20 de dezembro de 2001, por um período de vinte e cinco anos, de tal modo que este operador detém um monopólio na matéria. Precisa também que a OPCOM foi designada ONME do mercado para o dia seguinte e do mercado intradiário da eletricidade, para a zona de ofertas da Roménia, com base no artigo 5.o do Regulamento 2015/1222 e que esta designação foi posteriormente prorrogada até 20 de dezembro de 2026. Ora, este artigo 5.o, ao oferecer aos Estados‑Membros a possibilidade de apenas designar um ONME, permite a existência de um monopólio.

    21

    Segundo a ANRE, as disposições do Regulamento 2019/943 são, em contrapartida, desprovidas de pertinência a este respeito, uma vez que este não contém nenhuma disposição que obrigue os Estados‑Membros a designar vários operadores que tenham por função organizar e gerir os mercados centralizados da eletricidade para efeitos da negociação grossista da eletricidade. Além disso, sendo o mercado da eletricidade na Roménia de dimensão reduzida, a criação de dois mercados distintos conduziria apenas à repartição das ofertas dos mesmos proponentes, o que implicaria uma violação das regras de concorrência.

    22

    O órgão jurisdicional de reenvio salienta que o Regulamento 2019/943 ainda não foi interpretado pelo Tribunal de Justiça e considera que a sua interpretação e aplicação corretas não são evidentes. Ora, se o Tribunal de Justiça declarar que as disposições deste regulamento se aplicam ao operador do mercado da eletricidade, que estas, lidas isoladamente ou em conjugação com a Diretiva 2019/944, proíbem um Estado‑Membro, a partir da sua entrada em vigor, de continuar a emitir uma única licença de gestão de todo o mercado da eletricidade desse Estado e que a concessão por um Estado‑Membro de uma tal única licença constitui uma restrição à concorrência, na aceção dos artigos 101.o e 102.o TFUE, lidos em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE e o artigo 106.o, n.o 1, TFUE, cada uma destas interpretações terá uma pertinência significativa para a apreciação que deverá efetuar. Declara, portanto, deferir o pedido da BRM de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial.

    23

    Nestas condições, a Curtea de Apel București (Tribunal de Recurso de Bucareste) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    O Regulamento [2019/943], em particular o artigo 1.o, alínea b), e o artigo 3.o, tendo em conta as disposições da Diretiva [2019/944], proíbe, a partir da sua entrada em vigor, que um Estado‑Membro continue a conceder uma única licença para a organização e a [gestão] dos mercados centralizados da [eletricidade]? Existe, a partir de 1 de janeiro de 2020, uma obrigação para o Estado romeno de suprimir um monopólio existente em relação à [gestão] do mercado da eletricidade?

    2)

    O âmbito de aplicação ratione personae dos princípios da livre concorrência do Regulamento [2019/943], em particular do artigo 1.o, alíneas b) e c), e do artigo 3.o [deste], inclui o operador de um mercado da eletricidade como uma bolsa de [matérias‑primas]? É relevante para esta resposta o facto de o artigo 2.o, ponto 40, do Regulamento [2019/943] remeter para a definição de mercado da eletricidade constante do artigo 2.o, ponto 9, da Diretiva 2019/944?

    3)

    Deve considerar‑se que a concessão por um Estado‑Membro de uma [única licença] para a [gestão] do mercado da eletricidade constitui uma restrição [à] concorrência na aceção dos artigos 101.o e 102.o TFUE, em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE e com o artigo 106.o, n.o 1, TFUE?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira e segunda questões

    24

    A título preliminar, cabe, em primeiro lugar, constatar que a Diretiva 2019/944, referida na primeira e segunda questões, só revogou, em aplicação do seu artigo 72.o, a Diretiva 2009/72 com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2021, ou seja, posteriormente, tanto à apresentação, pela BRM, do seu pedido de emissão de uma licença para efeitos da organização e da gestão de mercados centralizados da eletricidade como à adoção da decisão da ANRE que é objeto do litígio no processo principal, pelo que a Primeira Diretiva não é aplicável ratione temporis a este litígio, contrariamente à Segunda Diretiva. Todavia, dado que o Regulamento 2019/943 estabelece algumas definições por remissão para as definições estabelecidas na Diretiva 2019/944, há que considerar que estas fazem parte integrante deste regulamento e podem, portanto, sendo caso disso, ser tidas em conta para efeitos da análise das duas primeiras questões.

    25

    Em segundo lugar, importa salientar que o litígio no processo principal diz respeito à recusa de emissão de uma licença para a organização e a gestão de mercados de eletricidade que foi oposta à BRM pela ANRE, a «entidade reguladora», na aceção do artigo 2.o, ponto 2, do Regulamento 2019/943, designada pela Roménia, baseando‑se esta recusa no artigo 10.o, n.o 2, alínea f), da Lei n.o 123/2012.

    26

    Como resulta da decisão de reenvio, esta disposição prevê que, a nível desse Estado‑Membro, é concedida uma única licença de operador do mercado da eletricidade, na aceção desta lei, uma vez que, nos termos da definição que figura no artigo 3.o, ponto 38, da referida lei, esse operador é responsável pela organização e pela gestão dos mercados centralizados da eletricidade, com exceção do mercado de balanço, para efeitos da negociação no mercado grossista de eletricidade a curto, médio e longo prazo. Em conformidade com o ponto 49 deste artigo, o conceito de «mercado centralizado da eletricidade» refere‑se ao quadro organizado no qual se realizam as transações de eletricidade entre diferentes operadores económicos, por intermédio do operador do mercado da eletricidade.

    27

    Além disso, é pacífico na causa principal que, quando a BRM apresentou o seu pedido de emissão de uma licença de operador do mercado da eletricidade, na aceção da mesma lei, cuja recusa está na origem do litígio no processo principal, a única licença prevista na legislação nacional então em vigor já tinha sido concedida à OPCOM, que detinha, portanto, na Roménia, um monopólio dos serviços de intermediação das ofertas de venda e de compra de eletricidade nos mercados grossistas a curto, médio e longo prazo. A este respeito, o Governo romeno precisou, na audiência realizada no Tribunal de Justiça, que estes correspondem aos mercados intradiário, para o dia seguinte e a prazo, conforme visados no direito da União pertinente. Todavia, a OPCOM não é parte no litígio no processo principal e este também não diz respeito ao comportamento desta no mercado, uma vez que este litígio resulta apenas da aplicação, pela entidade reguladora romena, da legislação nacional da qual decorre a existência desse monopólio.

    28

    Tendo em conta estas circunstâncias, importa constatar que a segunda questão, através da qual o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, por um lado, se um operador de um mercado de eletricidade está sujeito ao respeito pelos princípios enunciados no artigo 1.o, alíneas b) e c), do Regulamento 2019/943 e, por outro, se, a este respeito, é pertinente que o conceito de «mercados da eletricidade», na aceção deste regulamento, seja, no artigo 2.o, ponto 40, deste, definido por remissão para a definição desse conceito que figura no artigo 2.o, ponto 9, da Diretiva 2019/944 só tem utilidade para o litígio no processo principal se for entendido como visando determinar se estes princípios ou esta definição se opõem a uma legislação nacional que prevê que só um operador no mercado da eletricidade, na aceção do artigo 2.o, ponto 7, do referido regulamento, pode operar legalmente nesse mercado.

    29

    Nestas condições, há que entender que, com a sua primeira e segunda questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento 2019/943, em especial o artigo 1.o, alíneas b) e c), o artigo 2.o, ponto 40, e o artigo 3.o deste regulamento, lido em conjugação com a Diretiva 2009/72, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro nos termos da qual é mantido um monopólio legal nacional dos serviços de intermediação das ofertas de venda e de compra de eletricidade respeitante tanto aos mercados grossistas para o dia seguinte e intradiário como ao mercado grossista a prazo.

    30

    A este respeito, importa salientar que o Regulamento 2019/943 visa, nos termos do artigo 1.o, alínea a), estabelecer a base para a prossecução dos objetivos da União da energia e em especial o quadro em matéria de clima e energia para 2030, e, segundo este artigo, alínea b), definir princípios fundamentais para o bom funcionamento de mercados integrados da eletricidade que permitam um acesso não discriminatório ao mercado de todos os fornecedores de recursos e clientes de eletricidade, que capacitem os consumidores, que garantam a competitividade no mercado global, a resposta da procura, o armazenamento de energia e a eficiência energética e que facilitem a agregação da procura e da oferta na distribuição, permitindo a integração do mercado e a integração setorial, bem como a remuneração de mercado da eletricidade de fontes renováveis.

    31

    Neste contexto, o artigo 1.o, alínea c), do referido regulamento visa criar regras equitativas em matéria de comércio transfronteiriço de eletricidade, aumentando assim a concorrência no mercado interno da eletricidade, tendo em conta as características particulares dos mercados nacionais e regionais, incluindo a criação de um mecanismo de balanço para os fluxos transfronteiriços de eletricidade, o estabelecimento de princípios harmonizados no que se refere às tarifas para o transporte transfronteiriço e a atribuição das capacidades disponíveis de interligação entre as redes de transporte nacionais.

    32

    O referido artigo 1.o acrescenta, na alínea d), que o mesmo regulamento visa facilitar a emergência de um mercado grossista transparente e em bom funcionamento, que contribua para um elevado nível de segurança do abastecimento de eletricidade, e prevendo mecanismos para a harmonização das regras aplicáveis ao comércio transfronteiriço de eletricidade.

    33

    Por sua vez, o artigo 3.o do Regulamento n.o 2019/943 enumera os princípios segundo os quais os Estados‑Membros, as entidades reguladoras, os operadores das redes de transporte, os operadores das redes de distribuição, os operadores do mercado e os operadores delegados devem garantir que os mercados da eletricidade são explorados. Entre estes figuram, neste artigo 3.o, alínea a), o princípio segundo o qual os preços são formados com base na procura e na oferta; na alínea b), aquele segundo o qual as regras do mercado devem incentivar a livre formação de preços e devem evitar as ações que impeçam a formação dos preços em função da oferta e da procura; na alínea h), o de eliminar progressivamente os obstáculos aos fluxos transfronteiriços de eletricidade entre zonas de ofertas ou Estados‑Membros e às transações transfronteiras nos mercados da eletricidade e nos mercados de serviços; na alínea o), aquele segundo o qual os produtos de cobertura a longo prazo devem ser negociáveis em bolsa de forma transparente e os contratos de fornecimento de eletricidade de longo prazo devem ser negociados nos mercados fora da bolsa, sujeitos ao cumprimento do direito da concorrência da União; e, na alínea p), aquele segundo o qual as regras do mercado devem facilitar o comércio de produtos em toda a União.

    34

    Embora, como salientou igualmente, em substância, o advogado‑geral no n.o 22 das suas conclusões, estas disposições imponham nomeadamente aos Estados‑Membros e às entidades reguladoras nacionais certas obrigações para incentivar a concorrência nos mercados da eletricidade, na aceção do artigo 2.o, ponto 40, do Regulamento 2019/943, há que constatar, porém, que nenhuma delas, nem, aliás, nenhuma outra disposição deste regulamento, prevê uma regra relativa à negociação nesses mercados que seja suscetível de ser interpretada, mesmo à luz dos objetivos prosseguidos pelo referido regulamento, como se opondo, enquanto tal, a que seja mantido num Estado‑Membro um monopólio legal nacional dos serviços de intermediação das ofertas de venda e de compra grossista de eletricidade, como o que está em causa no processo principal.

    35

    Em especial, o facto de, através de uma remissão para o artigo 2.o, ponto 9, da Diretiva 2019/944, este artigo 2.o, ponto 40, definir o conceito de «mercados da eletricidade» como visando «os mercados de eletricidade, incluindo os mercados de balcão e as bolsas de eletricidade, mercados de comércio de energia, de capacidades, de serviços de balanço e de serviços de sistema em todos os períodos de operação, incluindo mercados a prazo, de dia seguinte e intradiários», e visar, portanto, no plural, nomeadamente as «bolsas de eletricidade», não pode estabelecer que, de tal definição, decorre que os Estados‑Membros estão proibidos de manter um monopólio legal nacional como o que está em causa no processo principal, na ausência de qualquer disposição neste sentido no Regulamento 2019/943.

    36

    Tal proibição também não pode ser inferida do artigo 10.o, n.os 4 e 5, deste regulamento, invocado pela BRM no órgão jurisdicional de reenvio. Com efeito, estas disposições — que se enquadram no princípio referido no n.o 1 deste artigo, segundo o qual não são fixados limites máximos nem limites mínimos do preço grossista da eletricidade —, cingem‑se, em substância, a prever, respetivamente, que as entidades reguladoras devem identificar as políticas e as medidas aplicadas no seu território que possam contribuir para restringir indiretamente a formação dos preços grossistas ou evitar abusos de posição dominante ou a definição ineficiente das zonas de ofertas e que, se for identificada uma política ou medida suscetível de restringir a formação dos preços grossistas, a autoridade competente deve tomar todas as medidas necessárias para a eliminar ou, se tal não for possível, atenuar o impacto dessa política ou dessas medidas a nível das ofertas.

    37

    De resto, importa, por um lado, sublinhar que a simples detenção de uma posição dominante não constitui, enquanto tal, um abuso, na aceção do artigo 102.o TFUE, e, por outro, recordar que o simples facto de se criar uma posição dominante através da concessão de direitos especiais ou exclusivos, na aceção do artigo 106.o, n.o 1, TFUE, não é, enquanto tal, incompatível com o artigo 102.o TFUE (Acórdão de 26 de outubro de 2017, Balgarska energiyna borsa, C‑347/16, EU:C:2017:816, n.o 54 e jurisprudência referida).

    38

    A mesma conclusão que a que figura no n.o 34 do presente acórdão a respeito das disposições no Regulamento 2019/943 impõe‑se no que respeita à Diretiva 2009/72, a qual não opera uma harmonização completa do mercado interno da eletricidade, estabelecendo unicamente um certo número de princípios gerais que os Estados‑Membros devem respeitar com vista à realização de um mercado da eletricidade competitivo, seguro e sustentável do ponto de vista ambiental (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2020, Hidroelectrica, C‑648/18, EU:C:2020:723, n.o 27).

    39

    Em especial, o artigo 37.o, n.o 1, alínea j), desta, que corresponde, em substância, ao artigo 59.o, n.o 1, alínea o), da Diretiva 2019/944, que a BRM invocou no Tribunal de Justiça, limita‑se, no que releva para efeitos do presente processo, a investir as entidades reguladoras nacionais da missão de «monitorizar o grau e a eficácia da abertura do mercado e da concorrência aos níveis grossista e retalhista, inclusive no comércio de eletricidade, […] assim como a eventuais distorções ou restrições da concorrência». Por conseguinte, importa constatar que resulta da redação inequívoca desta disposição que esta não impõe de modo algum a essas entidades que tomem medidas para pôr termo à existência de um monopólio legal nacional dos serviços de intermediação das ofertas de venda e de compra de eletricidade, como o que está em causa no processo principal.

    40

    Feita esta precisão, com vista a fornecer uma resposta útil ao órgão jurisdicional que lhe submeteu uma questão prejudicial, o Tribunal de Justiça pode ser levado a tomar em consideração normas de direito da União a que o juiz nacional não fez referência no enunciado da sua questão (Acórdão de 17 de outubro de 2019, Comida paralela 12, C‑579/18, EU:C:2019:875, n.o 22 e jurisprudência referida).

    41

    Por conseguinte, importa, em primeiro lugar, e na medida em que está em causa no processo principal a existência de um monopólio dos serviços de intermediação das ofertas de venda e de compra de eletricidade nos mercados grossistas para o dia seguinte e intradiário, salientar que o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento 2015/1222 prevê que, se já existir um monopólio legal nacional dos serviços de negociação para o dia seguinte e intradiária, que exclua a designação de dois ou mais ONME, num Estado‑Membro ou numa zona de ofertas de um Estado‑Membro à data da entrada em vigor deste regulamento, o Estado‑Membro em causa deve notificar a Comissão no prazo de dois meses a contar da data dessa entrada em vigor e pode recusar a designação de dois ou mais ONME por zona de ofertas.

    42

    O n.o 2 deste artigo 5.o precisa que, para efeitos deste regulamento, considera‑se que existe um monopólio legal nacional se o direito nacional determinar expressamente que só uma entidade nesse Estado‑Membro ou numa zona de ofertas desse Estado‑Membro pode prestar serviços de negociação para o dia seguinte e intradiária. O n.o 3 do referido artigo 5.o acrescenta, nomeadamente, que, se, com base num relatório a elaborar dois anos após a entrada em vigor do referido regulamento, a Comissão considerar que não existem motivos que justifiquem a continuação de monopólios legais nacionais ou a recusa continuada, por um Estado‑Membro, da negociação transfronteiriça por um ONME designado noutro Estado‑Membro, a Comissão pode ponderar a adoção de medidas legislativas ou de outras medidas adequadas para aumentar a concorrência e as transações, tanto entre Estados‑Membros como no interior de cada um.

    43

    Decorre destas disposições que, se, no momento da entrada em vigor do Regulamento 2015/1222, a saber, em aplicação do artigo 84.o deste, em 14 de agosto de 2015, existisse num Estado‑Membro um monopólio legal nacional para os serviços de negociação para o dia seguinte e intradiária de eletricidade, esse Estado‑Membro está autorizado, por força do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1222, a manter esse monopólio, nas condições previstas neste artigo e, por conseguinte, pode recusar a designação de mais de um ONME por zona de ofertas.

    44

    Ora, no caso em apreço, é pacífico que, nessa data, existia na Roménia tal monopólio para os serviços de negociação para o dia seguinte e intradiária da eletricidade, em benefício da OPCOM, enquanto operador nomeado do mercado da eletricidade, na aceção do artigo 2.o, segundo parágrafo, ponto 23, deste regulamento, sendo a definição deste conceito que figura nesta disposição, aliás, em substância, retomada no artigo 2.o, ponto 8, do Regulamento 2019/943, que a Comissão dele tinha sido notificada em conformidade com o disposto no artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1222 e que esta, nesta fase, não adotou nenhuma medida legislativa ou outra medida adequada, na aceção do artigo 5.o, n.o 3, deste último regulamento, no sentido de impor que ao mesmo fosse posto termo.

    45

    Por conseguinte, cabe declarar que resulta do Regulamento 2019/943, em especial do artigo 1.o, alíneas b) e c), do artigo 2.o, ponto 40, e do artigo 3.o deste, lido em conjugação com a Diretiva 2009/72, e do artigo 5.o do Regulamento 2015/1222 que estas disposições não se opõem a que um Estado‑Membro mantenha um monopólio legal nacional dos serviços de intermediação das ofertas de venda e de compra de eletricidade respeitante aos mercados grossistas para o dia seguinte e intradiário, desde que esse monopólio já existisse nesse Estado‑Membro no momento da entrada em vigor do Regulamento 2015/1222.

    46

    Em segundo lugar, na medida em que está em causa no processo principal a existência de um monopólio dos serviços de intermediação das ofertas de venda e de compra de eletricidade no mercado grossista a prazo, importa recordar que qualquer medida nacional relativa a um domínio que foi objeto de uma harmonização exaustiva a nível da União deve ser apreciada à luz das disposições dessa medida de harmonização e não à luz das disposições do direito primário (Acórdão de 17 de setembro de 2020, Hidroelectrica, C‑648/18, EU:C:2020:723, n.o 25 e jurisprudência referida). Todavia, uma vez que esses serviços de intermediação não são objeto de uma harmonização exaustiva a nível da União, uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, na medida em que diz respeito a tal monopólio no mercado grossista a prazo da eletricidade, deve, em princípio, ser apreciada à luz das disposições pertinentes do direito primário (v., por analogia, Acórdão de 12 novembro de 2015, Visnapuu, C‑198/14, EU:C:2015:751, n.o 48).

    47

    A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma legislação nacional que sujeita o exercício de uma atividade económica a um regime de exclusividade a favor de um único operador, público ou privado, é nomeadamente suscetível de constituir uma restrição quer à liberdade de estabelecimento quer à livre prestação de serviços (Acórdão de 23 de fevereiro de 2016, Comissão/Hungria, C‑179/14, EU:C:2016:108, n.o 164 e jurisprudência referida), pelo que importa verificar se é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral e, se for caso disso, se é adequada para garantir a realização do objetivo prosseguido e não vai além do necessário para alcançar este objetivo (v., neste sentido, Acórdão de 23 de fevereiro de 2016, Comissão/Hungria, C‑179/14, EU:C:2016:108, n.os 165 e 166 e jurisprudência referida).

    48

    Contudo, relativamente ao presente processo, há que recordar que, conforme jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as disposições do Tratado FUE em matéria de liberdade de estabelecimento e de livre prestação de serviços não se aplicam, em princípio, a uma situação em que todos os elementos se circunscrevem a um único Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten, C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 47 e jurisprudência referida, e de 18 de janeiro de 2022, Thelen Technopark Berlin, C‑261/20, EU:C:2022:33, n.o 50).

    49

    Nos n.os 50 a 53 do Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten (C‑268/15, EU:C:2016:874), o Tribunal de Justiça recordou as quatro hipóteses em que podia, contudo, mostrar‑se necessário, para a solução dos litígios nos processos principais, proceder à interpretação das disposições dos Tratados relativas às liberdades fundamentais, apesar de todos os elementos dos referidos litígios se circunscreverem a um único Estado‑Membro, o que levou o Tribunal de Justiça a declarar admissíveis esses pedidos de decisão prejudicial (Acórdão de 20 de setembro de 2018, Fremoluc, C‑343/17, EU:C:2018:754, n.o 20).

    50

    O Tribunal de Justiça precisou, no n.o 54 do Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten (C‑268/15, EU:C:2016:874), que, nessas quatro hipóteses, se o órgão jurisdicional de reenvio indicar apenas que a legislação controvertida é indistintamente aplicável aos nacionais do Estado‑Membro em causa e aos nacionais de outros Estados‑Membros, não pode considerar que o pedido de decisão prejudicial que tem por objeto disposições do Tratado FUE relativas às liberdades fundamentais é necessário para o órgão jurisdicional de reenvio dirimir o litígio nele pendente. Com efeito, os elementos concretos que permitem estabelecer um elo de ligação entre o objeto ou as circunstâncias de um litígio, em que todos os elementos se circunscrevem ao Estado‑Membro em causa, e essas disposições devem resultar da decisão de reenvio (v., também, Acórdão de 20 de setembro de 2018, Fremoluc, C‑343/17, EU:C:2018:754, n.o 21).

    51

    O Tribunal de Justiça acrescentou, no n.o 55 do Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten (C‑268/15, EU:C:2016:874), que, no contexto de uma situação em que todos os elementos se circunscrevem a um único Estado‑Membro, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio indicar‑lhe, conforme exigido no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, em que medida, apesar do seu caráter puramente interno, o litígio nele pendente revela um elemento de conexão com as disposições do direito da União relativas às liberdades fundamentais que torna a interpretação prejudicial solicitada necessária para a solução desse litígio.

    52

    Mais especificamente, resulta destas exigências que, para se considerar que tal elo de ligação existe, o pedido de decisão prejudicial deve destacar os elementos concretos, a saber, indícios não hipotéticos mas certos, que permitam demonstrar, de forma positiva, a existência deste elo de ligação, pelo que o órgão jurisdicional de reenvio não se pode limitar a submeter ao Tribunal de Justiça elementos que poderiam permitir não excluir a existência desse elo ou que, considerados em abstrato, poderiam constituir indícios nesse sentido, devendo, pelo contrário, apresentar elementos objetivos e concordantes que permitam ao Tribunal de Justiça verificar a existência desse elo (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2018, Fremoluc, C‑343/17, EU:C:2018:754, n.os 28 e 29 e jurisprudência referida).

    53

    Estas considerações relativas à admissibilidade das questões prejudiciais valem, a fortiori, para determinar se, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça pode, por força da jurisprudência recordada no n.o 40 do presente acórdão, tomar em consideração normas de direito da União às quais o juiz nacional não fez referência no enunciado da sua questão.

    54

    Ora, no caso em apreço, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhuma indicação do órgão jurisdicional de reenvio, na aceção da jurisprudência recordada nos n.os 51 e 52 do presente acórdão, que revele que o litígio no processo principal, que opõe uma sociedade de direito romeno à entidade reguladora a respeito da legalidade de uma decisão dessa autoridade que recusou a essa sociedade, em aplicação da legislação nacional, a emissão de uma licença para efeitos da organização e da gestão de mercados da eletricidade no território desse Estado‑Membro, apresenta, apesar desta natureza puramente interna, um elo de ligação com as disposições do Tratado FUE relativas às liberdades fundamentais e que a situação em causa no processo principal se enquadra, portanto, numa das quatro hipóteses referidas nos n.os 50 a 53 do Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten (C‑268/15, EU:C:2016:874).

    55

    Em especial, embora a Federaţia Europeană a Comercianţilor de Energie (Federação Europeia de Negociantes de Energia) seja interveniente no litígio no processo principal, a decisão de reenvio não contém nenhum elemento que indique qual é o seu envolvimento nesse litígio nem menciona de que forma a intervenção dessa federação no referido litígio, apenas na fase do recurso no órgão jurisdicional de reenvio, poderia conferir a esse mesmo litígio um tal elo de ligação.

    56

    Do mesmo modo, embora, como resulta, nomeadamente, do quadro regulamentar aplicável, a eletricidade possa ser objeto de negociação transfronteiriça e os serviços de intermediação em causa no processo principal possam, em abstrato, ser fornecidos por operadores estabelecidos noutros Estados‑Membros, cabe constatar que tais hipóteses, que, aliás, não são sequer equacionadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, são, no caso em apreço e tendo em conta a jurisprudência recordada nos n.os 50 a 52 do presente acórdão, manifestamente insuficientes para permitir ao Tribunal de Justiça determinar de forma positiva que uma das liberdades fundamentais consagradas no Tratado FUE é aplicável ao litígio no processo principal.

    57

    Consequentemente, embora resulte do Regulamento 2019/943, em especial do artigo 1.o, alíneas b) e c), do artigo 2.o, ponto 40, e do artigo 3.o deste, lido em conjugação com a Diretiva 2009/72, que estas disposições não se opõem a que um Estado‑Membro mantenha um monopólio legal nacional dos serviços de intermediação das ofertas de venda e de compra de eletricidade respeitante ao mercado grossista a prazo, esta interpretação não prejudica a análise, se for caso disso, da legalidade da manutenção de um tal monopólio à luz das disposições pertinentes do direito primário da União, incluindo, designadamente, se adequado, as relativas à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços.

    58

    Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira e segunda questões que o Regulamento 2019/943, em especial o artigo 1.o, alíneas b) e c), o artigo 2.o, ponto 40, e o artigo 3.o deste regulamento, lido em conjugação com a Diretiva 2009/72, deve ser interpretado no sentido de que:

    não se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro nos termos da qual é mantido um monopólio legal nacional dos serviços de intermediação das ofertas de venda e de compra de eletricidade respeitante aos mercados grossistas para o dia seguinte e intradiário, desde que esse monopólio já existisse nesse Estado‑Membro no momento da entrada em vigor do Regulamento 2015/1222, em conformidade com o artigo 5.o deste;

    não se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro nos termos da qual é mantido um monopólio legal nacional dos serviços de intermediação das ofertas de venda e de compra de eletricidade respeitante ao mercado grossista a prazo, devendo a conformidade dessa legislação com o direito da União ser apreciada à luz das disposições pertinentes do direito primário deste.

    Quanto à terceira questão

    59

    Tendo em conta a resposta dada às duas primeiras questões, da qual resulta, em substância, que o artigo 5.o do Regulamento 2015/1222 permite, nas condições que especifica, a manutenção de um monopólio legal nacional dos serviços de intermediação das ofertas de venda e de compra de eletricidade respeitante aos mercados grossistas para o dia seguinte e intradiário, importa reformular a terceira questão no sentido de que, através desta, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 101.o e 102.o TFUE, lidos em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE e o artigo 106.o, n.o 1, TFUE, devem ser interpretados no sentido de que constitui uma restrição à concorrência, na aceção destas disposições, a legislação de um Estado‑Membro que prevê que, nesse Estado‑Membro, só pode ser concedida uma única licença para a prestação de serviços de intermediação das ofertas de venda e de compra de eletricidade no mercado grossista a prazo.

    60

    A este respeito, importa recordar que a necessidade de obter uma interpretação do direito da União que seja útil ao juiz nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que submete ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que essas questões se baseiam. Com efeito, no âmbito do processo instituído pelo artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça apenas tem competência para se pronunciar sobre a interpretação de um texto da União a partir dos factos que lhe são indicados pelo órgão jurisdicional nacional (Acórdãos de 26 de outubro de 2017, Balgarska energiyna borsa, C‑347/16, EU:C:2017:816, n.o 56 e jurisprudência referida, e de 16 de julho de 2020, Adusbef e o., C‑686/18, EU:C:2020:567, n.o 36).

    61

    Esta exigência de precisão é particularmente válida no domínio da concorrência, que se caracteriza por situações de facto e de direito complexas (Acórdãos de 26 de outubro de 2017, Balgarska energiyna borsa, C‑347/16, EU:C:2017:816, n.o 57 e jurisprudência referida, e de 3 de março de 2021, Poste Italiane e Agenzia delle entrate — Riscossione, C‑434/19 e C‑435/19, EU:C:2021:162, n.o 77 e jurisprudência referida).

    62

    Importa também sublinhar que as informações fornecidas nas decisões de reenvio servem não só para permitir ao Tribunal de Justiça dar respostas úteis mas também para dar aos governos dos Estados‑Membros e às outras partes interessadas a possibilidade de apresentarem, de forma útil, observações em conformidade com o artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia (Acórdão de 26 de outubro de 2017, Balgarska energiyna borsa, C‑347/16, EU:C:2017:816, n.o 58 e jurisprudência referida). Incumbe ao Tribunal de Justiça garantir que essa possibilidade seja salvaguardada, tendo em conta o facto de, por força desta disposição, apenas as decisões de reenvio serem notificadas aos interessados (v., neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2021, Irish Ferries, C‑570/19, EU:C:2021:664, n.o 134 e jurisprudência referida).

    63

    Estas exigências de conteúdo de um pedido de decisão prejudicial figuram expressamente no artigo 94.o do Regulamento de Processo, devendo o órgão jurisdicional de reenvio, no quadro da cooperação instituída pelo artigo 267.o TFUE, delas ter conhecimento e respeitá‑las escrupulosamente (Acórdão de 26 de outubro de 2017, Balgarska energiyna borsa, C‑347/16, EU:C:2017:816, n.o 59 e jurisprudência referida). Além disso, são recordadas nos n.os 13, 15 e 16 das Recomendações do Tribunal de Justiça da União Europeia à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2019, C 380, p. 1).

    64

    No caso em apreço, a decisão de reenvio não contém nenhuma explicação sobre as razões que levaram o órgão jurisdicional nacional a interrogar‑se sobre a interpretação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, lidos em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE e com o artigo 106.o, n.o 1, TFUE. Em especial, este órgão jurisdicional não expõe as razões pelas quais estas disposições seriam aplicáveis ao litígio no processo principal, nem em que medida a legislação nacional em causa no processo principal é suscetível de violar estas disposições.

    65

    Nestas condições, não dispondo o Tribunal de Justiça dos elementos necessários para responder utilmente à terceira questão, há que declará‑la inadmissível.

    Quanto às despesas

    66

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

     

    O Regulamento (UE) 2019/943 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho de 2019, relativo ao mercado interno da eletricidade, em especial o artigo 1.o, alíneas b) e c), o artigo 2.o, ponto 40, e o artigo 3.o deste regulamento, lido em conjugação com a Diretiva 2009/72/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54/CE,

     

    deve ser interpretado no sentido de que:

     

    não se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro nos termos da qual é mantido um monopólio legal nacional dos serviços de intermediação das ofertas de venda e de compra de eletricidade respeitante aos mercados grossistas para o dia seguinte e intradiário, desde que esse monopólio já existisse nesse Estado‑Membro no momento da entrada em vigor do Regulamento (UE) 2015/1222 da Comissão, de 24 de julho de 2015, que estabelece orientações para a atribuição de capacidade e a gestão de congestionamentos, em conformidade com o artigo 5.o deste;

    não se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro nos termos da qual é mantido um monopólio legal nacional dos serviços de intermediação das ofertas de venda e de compra de eletricidade respeitante ao mercado grossista a prazo, devendo a conformidade dessa legislação com o direito da União ser apreciada à luz das disposições pertinentes do direito primário deste.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: romeno.

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