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Document 62021CJ0080

Acórdão do Tribunal de Justiça (Nona Secção) de 8 de setembro de 2022.
E.K. e o. contra D.B.P. e o.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Sąd Rejonowy dla Warszawy - Śródmieścia w Warszawie.
Reenvio prejudicial — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Artigo 6.o, n.o 1, e artigo 7.o, n.o 1 — Contratos de mútuo hipotecário — Efeitos da declaração do caráter abusivo de uma cláusula — Prescrição — Princípio da efetividade.
Processos apensos C-80/21 a C-82/21.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:646

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

8 de setembro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Artigo 6.o, n.o 1, e artigo 7.o, n.o 1 — Contratos de mútuo hipotecário — Efeitos da declaração do caráter abusivo de uma cláusula — Prescrição — Princípio da efetividade»

Nos processos apensos C‑80/21 a C‑82/21,

que tem por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Rejonowy dla Warszawy — Śródmieścia w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia — Centro, Varsóvia, Polónia), por Decisões de 13 de outubro (C‑82/21) e 27 de outubro de 2020 (C‑80/21 e C‑81/21), que deram entrada no Tribunal de Justiça em 8 de fevereiro (C‑80/21) e 9 de fevereiro de 2021 (C‑81/21 e C‑82/21), nos processos

E K.,

S.K.

contra

D.B.P. (C‑80/21),

e

B.S.,

W.S.

contra

M. (C‑81/21),

e

B.S.,

Ł.S.

contra

M. (C‑82/21),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: S. Rodin (relator), presidente de secção, J.‑C. Bonichot e o. Spineanu‑Matei, juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretária: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 17 de março de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação de E.K. e S.K., por M. Jusypenko, adwokat,

em representação de D.B.P., por S. Dudzik, M. Kruk‑Nieznańska, T. Spyra, A. Wróbel e A. Zapala, radcowie prawni,

em representação de B.S. e W.S., por J. Wędrychowska, adwokat,

em representação de B.S. e Ł.S., por M. Skrobacki, radca prawny,

em representação de M., por A. Beneturski, adwokat, A. Cudna‑Wagner, P. Gasińska, radcowie prawni, B. Miąskiewicz, adwokat, e M. J. Wolak, radca prawny,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna e S. Żyrek, na qualidade de agentes,

em representação do Governo finlandês, por H. Leppo, na qualidade de agente,

em representação do Governo espanhol, por A. Ballesteros Panizo, A. Gavela Llopis e J. Ruiz Sánchez, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por N. Ruiz García, M. Siekierzyńska e A. Szmytkowska, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação dos artigos 6.o, n.o 1, e 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de três litígios que opõem, o primeiro, E.K. e S.K. a D.B.P. (processo C‑80/21), o segundo, B.S. e W.S. a M. (processo C‑81/21) e, o terceiro, B.S. e Ł.S. a M. (processo C‑82/21), relativamente ao pedido dos primeiros, na sua qualidade de consumidores, destinado à anulação dos contratos de crédito celebrados com D.B.P. e M., instituições bancárias, com o fundamento de que esses contratos incluem cláusulas abusivas.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

4

O artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva prevê:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

Direito polaco

Código Civil

5

O artigo 5.o do kodeks cywilny (Código Civil), na sua versão aplicável aos litígios nos processos principais (a seguir «Código Civil»), dispõe:

«Um direito não pode ser exercido em violação da sua finalidade socioeconómica ou dos princípios da vida em sociedade. Essa ação ou omissão do titular do direito não é considerada um exercício desse direito e não beneficia de proteção.»

6

O artigo 58.o do Código Civil prevê:

«1.   Um ato jurídico contrário à lei ou que vise contornar a lei é nulo e não produz efeitos, a menos que uma disposição pertinente disponha em sentido contrário, nomeadamente se previr que as disposições inválidas do ato jurídico são substituídas pelas disposições pertinentes da lei.

2.   É nulo todo o ato jurídico que seja contrário aos princípios da boa convivência em sociedade.

3.   Se só uma parte do ato jurídico estiver ferida de nulidade, as outras partes do ato mantêm‑se em vigor, a menos que resulte das circunstâncias que o ato não teria sido executado sem as disposições feridas de nulidade.»

7

O artigo 65.o deste código tem a seguinte redação:

«1.   A manifestação de vontade deve ser interpretada em conformidade com os princípios da convivência social e com os usos, tendo em conta as circunstâncias em que foi expressa.

2.   Há que procurar nos contratos qual foi a intenção comum das partes e qual o objetivo visado, em vez de se limitar ao sentido literal dos termos.»

8

O artigo 117.o, n.os 1 e 2, do referido código enuncia:

«1.   Sem prejuízo das exceções previstas por lei, os créditos patrimoniais são prescritíveis.

2.   No termo do prazo de prescrição, o devedor pode subtrair‑se à sua obrigação, salvo se renunciar a invocar a prescrição. Todavia, a renúncia à prescrição antes do termo do prazo é nula.»

9

O artigo 118.o do mesmo código prevê:

«Na falta de uma disposição específica em contrário, o prazo de prescrição é de seis anos; para os créditos de prestações periódicas e os créditos relacionados com o exercício de uma atividade comercial, o prazo é de três anos. Todavia, o prazo de prescrição termina no último dia do ano civil, salvo se for inferior a dois anos.»

10

O artigo 118.o do Código Civil, na sua versão em vigor até 8 de julho de 2018, tinha a seguinte redação:

«Na falta de uma disposição específica em contrário, o prazo de prescrição é de dez anos; para os créditos de prestações periódicas e os créditos relacionados com o exercício de uma atividade comercial, o prazo é de três anos.»

11

O artigo 120.o, n.o 1, deste código dispõe:

«O prazo de prescrição começa a correr no dia em que o crédito se tornou exigível. Se a exigibilidade de um crédito depender da adoção de um ato específico pelo titular do direito, o prazo começa a correr a partir da data em que o crédito teria sido exigível se o titular do direito tivesse adotado o ato o mais cedo possível.»

12

O artigo 123.o, n.o 1, do referido código tem a seguinte redação:

«O prazo de prescrição é interrompido, 1) por qualquer ato perante um órgão jurisdicional, uma autoridade designada para conhecer dos processos ou para executar créditos de uma certa natureza, ou um tribunal arbitral, diretamente adotado para reclamar, obter a declaração, cobrança ou garantia do crédito; 2) pelo reconhecimento do crédito pelo devedor; 3) pela abertura de um processo de mediação.»

13

Nos termos do artigo 358.o, n.os 1 e 3, do mesmo código:

«1.   Se a obrigação tiver por objeto uma quantia em dinheiro expressa numa divisa estrangeira, o devedor pode executar a prestação em moeda polaca, a menos que a lei, uma decisão judicial que esteja na origem da obrigação ou um ato jurídico preveja a execução da prestação numa divisa estrangeira.

2.   O valor da divisa estrangeira é calculado segundo a cotação média fixada pelo Banco Nacional da Polónia na data da exigibilidade do crédito, salvo disposição em contrário de uma lei, de uma decisão judicial ou de um ato jurídico.

3.   Em caso de mora do devedor, o credor pode exigir a prestação em moeda polaca à cotação média fixada pelo Banco Nacional da Polónia no dia em que o pagamento é efetuado.»

14

O artigo 358.o, n.o 1, do Código Civil, na versão em vigor até 23 de janeiro de 2009, previa:

«Sem prejuízo das exceções previstas por lei, as obrigações pecuniárias no território da República da Polónia só podem ser expressas em moeda polaca.»

15

O artigo 3851 deste código tem a seguinte redação:

«1.   As cláusulas de um contrato celebrado com um consumidor que não tenham sido objeto de negociação individual não vinculam o consumidor se estipularem os direitos e obrigações deste último de modo contrário aos bons costumes, violando manifestamente os seus interesses (cláusulas ilícitas). A presente disposição não afeta as cláusulas que definem as obrigações principais das partes, entre as quais o preço ou a remuneração, se estiverem redigidas de maneira inequívoca.

2.   Quando, por força do disposto no n.o 1, uma cláusula de um contrato não vincular o consumidor, as partes continuam a estar vinculadas pelas outras disposições do contrato.

3.   As cláusulas de um contrato celebrado com um consumidor que não tenham sido objeto de negociação individual são cláusulas contratuais cujo conteúdo o consumidor não pôde influenciar concretamente. Enquadram‑se neste contexto, em especial, as cláusulas contratuais constantes de um modelo de contrato proposto ao consumidor pelo contratante.

4.   O ónus da prova de que uma cláusula foi negociada individualmente incumbe a quem o alegar.»

16

Nos termos do artigo 3852 do referido código:

«A compatibilidade das cláusulas de um contrato com os bons costumes é avaliada à luz da situação existente no momento da celebração do contrato, devendo tomar‑se em conta o seu conteúdo, as circunstâncias que rodearam a sua celebração bem como a dos demais contratos conexos com o contrato no qual figuram as disposições que são objeto da avaliação.»

17

O artigo 405.o do mesmo código tem a seguinte redação:

«Quem, sem causa justificativa, obtiver uma vantagem patrimonial à custa de outrem é obrigado a conceder‑lhe essa vantagem em espécie ou, se tal não for possível, a restituir o seu valor.»

18

O artigo 410.o do Código Civil enuncia:

«1.   As disposições dos artigos anteriores são aplicáveis, em especial, às prestações indevidas.

2.   A prestação é indevida se quem a cumpriu não tinha a obrigação de o fazer, ou não tinha essa obrigação em relação à pessoa a quem a prestou, ou se deixou de existir o fundamento da prestação ou a finalidade da prestação não foi alcançada, ou se o ato jurídico que fixava a obrigação de cumprir a prestação era inválido e não tiver sido tornado válido depois de a prestação ter sido executada.»

19

O artigo 4421, n.o 1, deste código tem a seguinte redação:

«O direito à indemnização por danos resultantes de um ato ilícito prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado tomou conhecimento, ou, fazendo prova de diligência razoável, teria podido tomar conhecimento, do dano e da identidade da pessoa à qual a responsabilidade incumbia. Todavia, este prazo não pode ser superior a dez anos a contar da data em que ocorreu o facto danoso.»

20

O artigo 4421, n.o 1, do referido código, na sua versão em vigor até 26 de junho de 2017, previa:

«O direito à indemnização por danos resultantes de um ato ilícito prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado tomou conhecimento do dano e da identidade da pessoa à qual a responsabilidade incumbia. Contudo, este prazo não pode ser superior a dez anos a contar da data em que ocorreu o facto danoso.»

Lei do Direito Bancário

21

O artigo 69.o, n.o 1, da ustawa prawo bankowe (Lei do Direito Bancário), de 29 de agosto de 1997 (Dz. U. de 1997, n.o 140, posição 939), na sua versão aplicável aos litígios nos processos principais, tem a seguinte redação:

«Com o contrato de mútuo hipotecário, o banco compromete‑se a colocar à disposição do mutuário, pelo tempo estipulado no contrato, fundos destinados a um objetivo estipulado, e o mutuário compromete‑se a utilizá‑los nas condições previstas no contrato, a reembolsar o montante do crédito utilizado, acrescido dos juros nos prazos indicados, e a pagar uma comissão sobre o crédito concedido.»

22

O artigo 69.o, n.o 2, da Lei do Direito Bancário, na sua versão aplicável aos litígios nos processos principais, prevê:

«O contrato de mútuo hipotecário deve ser celebrado por escrito e estipular, em particular: 1) as partes contratantes; 2) o montante e a moeda do crédito; 3) a finalidade para a qual o crédito foi concedido; 4) as modalidades e os prazos de reembolso do mútuo; 5) o montante da taxa de juros do crédito e as modalidades da sua alteração; 6) as modalidades de garantia do reembolso do mútuo; 7) o âmbito dos poderes do banco ligados ao controlo da utilização e do reembolso do mútuo; 8) os prazos e as modalidades da colocação dos fundos à disposição do mutuário; 9) o valor da comissão, se o contrato assim o previr; 10) as condições de alteração e de rescisão do contrato.»

Litígios nos processos principais, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

Processo C‑80/21

23

E.K. e S.K. são consumidores que celebraram, em 2006 e 2008, quatro contratos de mútuo hipotecário com o D.B.P., uma instituição bancária, com o objetivo de financiar os custos de aquisição de quatro habitações na Polónia. Um desses contratos, celebrado em 8 de julho de 2008, denominado em francos suíços (CHF), tinha por objeto um montante de 103260 CHF (cerca de 100561 euros) e era reembolsável em 360 meses, ou seja, até 4 de agosto de 2038 (a seguir «contrato no processo C‑80/21»). Tratava‑se de um crédito com taxa de juro variável, cuja taxa anual inicial era de 3,80 %. O crédito devia ser reembolsado através de prestações mensais iguais.

24

E.K. e S.K. aceitaram, nessa ocasião, as «Condições do Crédito», que regulam o pagamento e o reembolso do crédito e contêm as cláusulas relativas às modalidades de pagamento e, mais especificamente, à conversão em francos suíços.

25

Nos termos das referidas cláusulas, em primeiro lugar, o montante do crédito deve ser pago em zlótis polacos (PLN) e, para converter o montante do crédito, o banco aplica a taxa de câmbio de compra do franco suíço, publicada na «Tabela de taxas de câmbio» do D.B.P., à data do pagamento do montante do crédito ou da mensalidade. Em segundo lugar, o crédito pode também ser pago em francos suíços ou noutra divisa com o acordo do banco. Em terceiro lugar, em caso de incumprimento, pelo mutuário, das condições de concessão do crédito ou da solvabilidade, o banco pode denunciar o contrato ou reduzir o montante do crédito concedido se este não tiver sido integralmente pago. Em quarto lugar, o reembolso do crédito é efetuado através de débito, a favor do banco, da conta bancária do mutuário de um montante em zlótis polacos que corresponde ao equivalente da prestação mensal atual em francos suíços, à dívida vencida e aos outros montantes devidos ao banco em francos suíços, calculados utilizando a taxa de câmbio de venda do franco suíço, publicada na «Tabela das taxas de câmbio», aplicada pelo banco dois dias úteis antes do vencimento de cada reembolso do crédito.

26

No decurso do processo de celebração do contrato no processo C‑80/21, E.K. e S.K contactaram o banco através de meios de comunicação à distância e a maior parte dos documentos do crédito foram assinados pelos mandatários designados por E.K. e S.K, sem que nenhuma das cláusulas desse contrato tenha sido negociada com o D.B.P. E.K. e S.K pediram ao D.B.P. que lhes enviasse um projeto de contrato para que estes o assinassem por correio eletrónico, mas estes pedidos ficaram sem resposta, de modo que o contrato no processo C‑80/21 foi assinado em nome de E.K. e S.K.

27

Considerando que o contrato no processo C‑80/21 continha cláusulas abusivas, estes últimos apresentaram no Sąd Rejonowy dla Warszawy — Śródmieścia w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia — Centro, Varsóvia, Polónia) um pedido destinado à condenação do D.B.P. a pagar‑lhes um montante de 26274,90 PLN (cerca de 5716 euros), acrescido de juros legais de mora a partir de 30 de julho de 2018 até ao dia do pagamento.

28

No decurso do processo no órgão jurisdicional de reenvio, E.K. e S.K. foram informados, por esse órgão, das consequências de uma eventual anulação do contrato no processo C‑80/21. Declararam que compreendiam e aceitavam as consequências jurídicas e financeiras da nulidade desse contrato e aceitavam que o órgão jurisdicional de reenvio o anulasse.

29

O órgão jurisdicional de reenvio refere que, de maneira quase constante, a jurisprudência polaca considera que as cláusulas relativas à conversão, nomeadamente as relativas à possibilidade de um mutuário reembolsar o crédito em francos suíços ou noutra divisa com o acordo do banco (a seguir «cláusulas de conversão»), são ilícitas. No entanto, a maior parte dos órgãos jurisdicionais nacionais considera que as cláusulas de conversão são apenas parcialmente abusivas, mais particularmente na medida em que estas últimas subordinam o reembolso e o desembolso do crédito em francos suíços ao consentimento expresso do banco, e que, uma vez proferida a sua invalidade, esta não torna impossível a execução do contrato.

30

O órgão jurisdicional de reenvio indica, em primeiro lugar, que a prática jurisprudencial segundo a qual é possível anular a parte das cláusulas de conversão por força da qual o reembolso e o desembolso do crédito só podem ser efetuados em francos suíços mediante o consentimento do banco, de modo a permitir ao mutuário executar essas operações em francos suíços sem essa autorização prévia, equivale a modificar o conteúdo de uma cláusula abusiva, o que é contrário à jurisprudência do Tribunal de Justiça.

31

Além disso, esse órgão jurisdicional observa que tal prática, por um lado, reduz o efeito dissuasivo resultante da anulação de uma cláusula abusiva, na medida em que garante à empresa que impõe tais cláusulas que, na pior das hipóteses, o órgão jurisdicional nacional introduzirá uma alteração que permitirá prosseguir a execução do contrato sem que essa empresa sofra alguma vez outra consequência negativa. Por outro lado, não garante a proteção dos consumidores que, baseando‑se no conteúdo do contrato, estão convencidos de que são obrigados a reembolsar o crédito apenas em zlótis polacos, salvo acordo expresso do banco sobre o reembolso em francos suíços, até decisão contrária proferida por um órgão jurisdicional nacional.

32

Em segundo lugar, recordando a posição do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia), o órgão jurisdicional de reenvio refere igualmente a jurisprudência nacional nos termos da qual, quando apenas determinadas cláusulas de um contrato são abusivas e, portanto, não vinculativas para o consumidor, a anulação destas não obsta a que outras cláusulas do contrato sejam alteradas de maneira a que, em definitivo, o contrato possa ser executado. Trata‑se, mais precisamente, de o juiz nacional interpretar a vontade das partes e de considerar que, desde logo, o montante do crédito não foi fixado em francos suíços, mas sim em zlótis polacos. Todavia, segundo esse órgão jurisdicional, esta jurisprudência, que se baseia, em substância, no artigo 65.o, n.o 2, do Código Civil, pode ser contrária aos artigos 6.o e 7.o da Diretiva 93/13. Com efeito, na situação em que o consumidor aceitou a nulidade do contrato, tal prática nacional seria contrária nomeadamente à interdição de o juiz alterar um contrato sem ser constatando a nulidade das cláusulas abusivas.

33

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio, na medida em que E.K e S.K. aceitaram que o contrato no processo C‑80/21 fosse declarado nulo, pondera uma terceira solução. Numa primeira fase, o órgão jurisdicional nacional considera que as cláusulas de conversão, na sua totalidade, são cláusulas contratuais abusivas que não vinculam as partes e sem as quais o contrato não pode subsistir. Numa segunda fase, este órgão jurisdicional poderia então constatar que esse contrato que não contém as disposições necessárias no que respeita às modalidades de reembolso do crédito e de colocação à disposição dos fundos ao mutuário é contrário à lei e, portanto, nulo, pelo que todas as prestações efetuadas em execução do contrato são indevidas e sujeitas a restituição. Todavia, este órgão jurisdicional observa que tal solução seria contrária à interpretação, pelos órgãos jurisdicionais nacionais, das disposições nacionais pertinentes.

34

Nestas condições, o Sąd Rejonowy dla Warszawy — Śródmieścia w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia — Centro, Varsóvia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem os artigos 6.o, n.o 1, e 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 […] ser interpretados no sentido de que se opõem a uma interpretação jurisprudencial da legislação nacional segundo a qual o tribunal não declara o caráter abusivo da cláusula contratual no seu todo, mas apenas da parte que a torna abusiva, com a consequência de que a cláusula permanece parcialmente eficaz?

2)

Devem os artigos 6.o, n.o 1, e 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 […] ser interpretados no sentido de que se opõem a uma interpretação jurisprudencial da legislação nacional segundo a qual o tribunal, após ter declarado o caráter abusivo de uma cláusula contratual sem a qual o contrato não pode subsistir, pode alterar o resto do contrato por via da interpretação das declarações de intenção das partes, a fim de evitar a nulidade do contrato, que é favorável ao consumidor?»

Processo C‑81/21

35

Em 3 de fevereiro de 2009, B.S. e W.S., dois consumidores, celebraram com M., uma instituição bancária, um contrato de mútuo hipotecário, no montante de 340000 PLN (cerca de 73971 euros), destinado às pessoas singulares e indexado ao franco suíço, com vista à aquisição de uma habitação (a seguir «contrato no processo C‑81/21»). A duração do crédito era de 360 meses, ou seja, de 3 de fevereiro de 2009 a 12 de fevereiro de 2039, e era reembolsável em prestações mensais iguais. Tratava‑se de um crédito de taxa variável. As mensalidades deviam ser pagas em zlótis polacos, após terem sido convertidas aplicando a taxa de câmbio de venda publicada na «Tabela de câmbios» do banco. O reembolso antecipado da totalidade do crédito ou de uma mensalidade, bem como o reembolso de um montante superior ao de uma mensalidade, implicava a conversão do montante do reembolso à taxa de câmbio de venda do franco suíço publicada na «Tabela de câmbios» do banco em vigor à data e à hora do reembolso.

36

Em 18 de fevereiro de 2012, as partes celebraram um aditamento ao contrato no processo C‑81/21, que permitia a B.S. e a W.S. reembolsar as mensalidades do crédito diretamente em francos suíços.

37

Ao considerar que o contrato no processo C‑81/21 continha cláusulas abusivas, estes últimos apresentaram, em 23 de julho de 2020, no Sąd Rejonowy dla Warszawy — Śródmieścia w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia — Centro, Varsóvia) um pedido destinado à condenação de M. a pagar‑lhes os montantes de 37866,11 PLN (cerca de 8238 euros) e de 5358,10 CHF (cerca de 5215 euros), acrescidos de juros legais de mora, bem como o excedente dos pagamentos em capital e o prémio de seguro do crédito.

38

De 1 de junho de 2010 a 12 de janeiro de 2020, B.S. e W.S. pagaram a M., a título de reembolso do crédito, um montante equivalente a 219169,44 PLN (cerca de 47683 euros). Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, se se devesse considerar que determinadas cláusulas do contrato no processo C‑81/21 não vinculam B.S. e W.S., enquanto as outras disposições do contrato continuam a ser aplicáveis, o montante total dos pagamentos efetuados durante esse período teria sido inferior em 43749,97 PLN (cerca de 9518 euros). Além disso, se a taxa de câmbio aplicada ao reembolso tivesse sido a taxa média de câmbio do Banco Nacional da Polónia em vez da aplicada por M., B.S. e W.S. teriam pago 2813,45 PLN (cerca de 611 euros) e 2369,79 CHF (cerca de 2306 euros) menos em relação ao montante das mensalidades efetivamente pagas durante esse período.

39

O órgão jurisdicional de reenvio precisa que, segundo jurisprudência polaca quase constante, as cláusulas de conversão, provenientes de contratos‑tipo que não foram, a esse título, objeto de negociação individual, são consideradas ilícitas com base no artigo 3851, n.o 1, do Código Civil. O litígio que lhe foi submetido tem, no entanto, por objeto as consequências dessa declaração.

40

A este respeito, esse órgão jurisdicional observa que a jurisprudência nacional anterior considerou frequentemente que a inaplicabilidade das cláusulas de conversão relativamente ao consumidor tem como única consequência a conversão do capital e das mensalidades com base numa taxa de câmbio diferente da do banco contra o qual é intentada uma ação. Ora, no Acórdão de 3 de outubro de 2019, Dziubak (C‑260/18, EU:C:2019:819), o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que sejam colmatadas as lacunas de um contrato, provocadas pela supressão das cláusulas abusivas que nele figuram, unicamente com base em disposições nacionais de caráter geral que preveem que os efeitos expressos num ato jurídico são completados, nomeadamente, pelos efeitos que decorrem do princípio da equidade ou dos usos, que não são disposições supletivas nem disposições aplicáveis em caso de acordo das partes no contrato.

41

O órgão jurisdicional de reenvio refere que, na jurisprudência polaca, existem dois entendimentos opostos. Segundo o primeiro ponto de vista, um contrato de crédito indexado a uma divisa estrangeira deve ser tratado, após a supressão das cláusulas de conversão, como um contrato de crédito expresso em zlótis polacos. O segundo ponto de vista defende que a supressão de tais cláusulas torna o contrato nulo na sua totalidade. Recorda, no entanto, que, quando a nova versão do artigo 358.o do Código Civil já estava em vigor, foi desenvolvida uma terceira opção segundo a qual a declaração do caráter abusivo das cláusulas de conversão não significa necessariamente que todo o mecanismo de indexação em questão seja contestável, pelo que as cláusulas declaradas ilícitas são anuladas na medida em que o seu conteúdo é ilícito. Assim, o reconhecimento do caráter abusivo das cláusulas de conversão pode implicar a anulação do contrato no seu todo ou a anulação de uma parte das suas cláusulas desde que, sem as cláusulas abusivas, o contrato possa ser mantido na forma inicial pretendida pelas partes contratantes.

42

O órgão jurisdicional de reenvio considera, à luz da jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça, que, quando o juiz nacional considere que uma cláusula é abusiva, deve declarar que esta não vincula o consumidor, desde o início e na totalidade. Em seguida, deve examinar se o contrato pode ser executado sem a cláusula ilícita. Se for esse o caso, esse juiz deve limitar‑se a decidir que o contrato subsiste sem as cláusulas abusivas e a questão da aplicação de uma disposição de direito nacional supletiva não se coloca. Em contrapartida, se o referido juiz considerar que o contrato não pode existir sem a cláusula ilícita e que, por conseguinte, deve ser anulado, deverá examinar se essa anulação é desfavorável ao consumidor. Se não for esse o caso ou se o consumidor consentir na anulação do contrato, o juiz nacional é obrigado a anular o contrato na sua totalidade e não o pode completar através de uma disposição de direito nacional supletiva.

43

No caso em apreço, B.S. e W.S., que declararam compreender as consequências jurídicas e financeiras da nulidade do contrato no processo C‑81/21 e as aceitar, pedem, se o órgão jurisdicional de reenvio considerar que o contrato no processo C‑81/21 pode subsistir sem a cláusula de conversão, o reembolso do excedente das mensalidades pagas. Se, em contrapartida, esse órgão jurisdicional considerar que o contrato no processo C‑81/21 não pode subsistir sem a cláusula de conversão, solicitam o reembolso de todas as mensalidades pagas. Tendo em conta os princípios estabelecidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, e tendo em conta o alcance do pedido formulado por B.S. e W.S., o órgão jurisdicional de reenvio considera que está efetivamente obrigado a optar por uma dessas duas soluções, sem poder recorrer a uma disposição do direito nacional de caráter supletivo, sob pena de violar o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13. Ora, essas duas possibilidades parecem ser contrárias à solução preconizada pelos órgãos jurisdicionais nacionais na sequência da entrada em vigor, em 24 de janeiro de 2009, ou seja, posteriormente à celebração do contrato no processo C‑81/21, da nova versão do artigo 358.o do Código Civil.

44

Nestas condições, o Sąd Rejonowy dla Warszawy — Śródmieścia w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia — Centro, Varsóvia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 […] ser interpretados no sentido de que se opõem a uma interpretação jurisprudencial da legislação nacional segundo a qual o tribunal, após ter declarado o caráter abusivo de uma cláusula contratual, que não implica a nulidade do contrato, pode completar o conteúdo do contrato com uma disposição supletiva do direito nacional?

2)

Devem o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 […] ser interpretados no sentido de que se opõem a uma interpretação jurisprudencial da legislação nacional segundo a qual o tribunal após ter declarado o caráter abusivo de uma cláusula contratual, que implica a nulidade do contrato, pode completar o conteúdo do contrato com uma disposição supletiva do direito nacional a fim de evitar a nulidade do contrato, apesar de o consumidor aceitar a nulidade do contrato?»

Processo C‑82/21

45

Em 4 de agosto de 2006, B.S e Ł.S., dois consumidores, celebraram com M., uma instituição bancária, um contrato de mútuo hipotecário, no montante de 600000 PLN (cerca de 130445 euros), destinado às pessoas singulares e indexado ao franco suíço para efeitos da aquisição de uma habitação (a seguir «contrato no processo C‑82/21»). A duração do crédito era de 360 meses, ou seja, de 8 de agosto de 2006 a 5 de agosto de 2036. O crédito era reembolsável em mensalidades degressivas e a uma taxa de juro variável. No caso em apreço, as mensalidades deviam ser pagas em zlótis polacos, após terem sido convertidas aplicando a taxa de câmbio de venda do franco suíço publicada na «Tabela de taxas de câmbio» de M. em vigor à data do pagamento. Previa‑se igualmente que o reembolso antecipado da totalidade do crédito ou de uma mensalidade ou de um montante superior ao de uma prestação mensal implicaria a conversão do montante do reembolso à taxa de câmbio de venda do franco suíço, conforme publicada nessa mesma tabela.

46

Em 8 de dezembro de 2008, B.S e Ł.S. celebraram um aditamento ao contrato no processo C‑82/21, que definiu a taxa de juro como a taxa dita «LIBOR 3M», acrescida de uma margem bancária fixa de 0,57 % ao longo de toda a vigência do crédito.

47

Considerando que o contrato no processo C‑82/21 continha cláusulas abusivas, nomeadamente na parte em que previa a conversão do capital e dos prazos de vencimento do crédito à taxa de câmbio do franco suíço e habilitava M. a alterar a taxa de juro do crédito, B.S e Ł.S. intentaram uma ação no Sąd Rejonowy dla Warszawy — Śródmieścia w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia — Centro, Varsóvia) através da qual pedem o reembolso de um montante de 74414,52 PLN (cerca de 16285 euros), acrescido de juros legais de mora a partir de 30 de julho de 2019 até à data do pagamento. Além disso, B.S e Ł.S. sustentam que, se fosse considerado que o contrato de crédito no processo C‑82/21 é nulo na sua totalidade, consequência que compreendem e aceitam, M. lhes deveria reembolsar a totalidade das mensalidades do crédito e, nesse caso, pedem que M. seja condenado a pagar‑lhes o montante de 72136,01 PLN (cerca de 15787 euros), correspondente à totalidade das mensalidades pagas durante o período compreendido entre 5 de outubro de 2006 e 5 de março de 2010.

48

Com base na corrente de jurisprudência nacional segundo a qual as cláusulas de um contrato de crédito do tipo das denunciadas por B.S. e Ł.S. são ilícitas e devem implicar a nulidade do contrato na sua totalidade, o órgão jurisdicional de reenvio tenciona anular o contrato no processo C‑82/21. No entanto, tal anulação opera ex tunc, de modo que todas as prestações realizadas em execução do contrato deviam ser reembolsadas, por força do artigo 405.o do Código Civil, em conjugação com o artigo 410.o, n.o 1, desse código. Todavia, M. invoca a prescrição da ação de B.S. e de Ł.S. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, na medida em que, no caso em apreço, a ação destas partes se baseia num crédito patrimonial, este está efetivamente obrigado a examinar se esta ação não está, total ou parcialmente, prescrita, em aplicação da regra geral da prescrição dos créditos que, tratando‑se de créditos emergentes antes de 9 de julho de 2018, é de dez anos.

49

A este respeito, esse órgão jurisdicional considera que a questão fundamental para apreciar a procedência da prescrição invocada por M. reside na determinação do início do prazo de prescrição dessa ação de repetição do indevido. Segundo a jurisprudência dos órgãos jurisdicionais polacos, desenvolvida com base no artigo 120.o, n.o 1, do Código Civil, esse início corresponde à data em que a prestação indevida foi executada. A este respeito, o momento em que o prestador teve conhecimento do caráter indevido da prestação e aquele em que efetivamente intimou o devedor a restituí‑la não são pertinentes para determinar o início do prazo de prescrição. O órgão jurisdicional de reenvio precisa que estas considerações se aplicam igualmente aos litígios relativos à restituição de uma prestação efetuada indevidamente em execução de cláusulas contratuais nulas quando uma parte não tinha conhecimento da nulidade dessas cláusulas.

50

No entanto, aplicadas à ação de B.S. e de Ł.S., as referidas considerações devem levar o órgão jurisdicional de reenvio a declarar que prescreveu o direito ao reembolso de cada mensalidade paga mais de dez anos antes da data em que foi intentada a ação dessas partes visando esse reembolso, ou seja, antes de 7 de agosto de 2009. Ora, o órgão jurisdicional de reenvio duvida da compatibilidade dessa solução com a Diretiva 93/13.

51

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta interpretação do artigo 120.o, n.o 1, do Código Civil é incompatível com o princípio da efetividade, na medida em que este último se opõe a que a ação de restituição seja subordinada a um prazo que começa a correr independentemente da questão de saber se o consumidor tinha, ou podia razoavelmente ter, nessa data, conhecimento do caráter abusivo de uma cláusula desse contrato invocada em apoio da sua ação de restituição. Com efeito, tal interpretação seria suscetível de tornar excessivamente difícil o exercício dos direitos desse consumidor conferidos pela Diretiva 93/13.

52

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o prazo de prescrição do direito ao reembolso do consumidor não deve começar a correr enquanto este último não tiver tomado conhecimento do caráter abusivo da cláusula contratual ou, pelo menos, antes do momento em que razoavelmente deveria ter tido conhecimento disso, pelo que a interpretação restritiva do artigo 120.o, n.o 1, do Código Civil não corresponde às exigências da Diretiva 93/13. Acrescenta que as outras disposições do direito nacional não permitem atenuar tal interpretação restritiva.

53

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio indica que a jurisprudência e a doutrina nacionais consideram que, em caso de anulação do contrato, o direito do banco de obter o reembolso imediato do montante do mútuo só produz efeitos a partir do momento em que o mutuário decidiu definitivamente aceitar os efeitos da anulação do contrato de crédito. Daqui resulta que, na prática, o direito do consumidor ao reembolso da prestação indevida resultante de um contrato de crédito nulo deve ser considerado como estando, ainda que parcialmente, prescrito, quando o direito análogo do banco, em geral, não está. Tal situação seria particularmente penalizadora para os consumidores, não ofereceria as garantias exigidas pela Diretiva 93/13 e violaria o princípio da equivalência.

54

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, este último princípio é igualmente violado na medida em que o prazo de prescrição do direito do consumidor ao reembolso da prestação indevida por força do direito da União começaria a correr mais cedo do que se este tivesse invocado um direito similar com fundamento nas disposições nacionais em matéria de responsabilidade por ato ilícito. Com efeito, neste último caso, por força do artigo 4421, n.o 1, do Código Civil, o prazo de prescrição só pode começar a correr a partir do momento em que a pessoa lesada teve conhecimento do dano e da identidade da pessoa obrigada a reparar esse dano.

55

Nestas condições, o Sąd Rejonowy dla Warszawy — Śródmieścia w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia — Centro, Varsóvia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem os artigos 6.o, n.o 1, e 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 […], bem como os princípios da equivalência, efetividade e segurança jurídica ser interpretados no sentido de que se opõem a uma interpretação judicial de disposições nacionais segundo a qual [a ação] do consumidor [destinada a obter o] reembolso de montantes indevidamente pagos com base numa cláusula abusiva de um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor prescreve após o termo do prazo de dez anos, que começa a correr a partir de cada prestação pelo consumidor, também quando este não tinha conhecimento de que essa cláusula era abusiva?»

Tramitação processual no Tribunal de Justiça

56

Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 14 de abril de 2021, os processos C‑80/21 a C‑82/21 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão no processo C‑80/21

57

Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 6.o, n.o 1, e 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma jurisprudência nacional segundo a qual o juiz nacional pode declarar o caráter abusivo não da totalidade da cláusula de um contrato celebrado entre um consumidor e um profissional, mas apenas dos elementos desta que lhe conferem um caráter abusivo, com a consequência de que essa cláusula continua, após a supressão desses elementos, parcialmente eficaz.

58

Para responder a esta questão, importa começar por recordar, que, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais absterem‑se de aplicar as cláusulas abusivas a fim de que não produzam efeitos vinculativos para o consumidor, salvo se o consumidor a isso se opuser (Acórdão de 26 de março de 2019, Abanca Corporación Bancaria e Bankia, C‑70/17 e C‑179/17, EU:C:2019:250, n.o 52 e jurisprudência referida).

59

Em seguida, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, quando o juiz nacional declara a nulidade de uma cláusula abusiva num contrato celebrado entre um profissional e um consumidor, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regra de direito nacional que permite ao juiz nacional completar esse contrato alterando o conteúdo dessa cláusula (Acórdão de 26 de março de 2019, Abanca Corporación Bancaria e Bankia, C‑70/17 e C‑179/17, EU:C:2019:250, n.o 53 e jurisprudência referida).

60

Enfim, se fosse possível ao juiz nacional alterar o conteúdo das cláusulas abusivas de tal contrato, essa faculdade poderia frustrar a realização do objetivo a longo prazo previsto no artigo 7.o da Diretiva 93/13. Na verdade, essa faculdade contribuiria para eliminar o efeito dissuasivo exercido sobre os profissionais pela não aplicação pura e simples de tais cláusulas abusivas ao consumidor, pois os profissionais seriam tentados a utilizar as referidas cláusulas, sabendo que, mesmo que viessem a ser invalidadas, o contrato poderia sempre ser integrado, na medida do necessário, pelo juiz nacional, garantindo desse modo o interesse dos referidos profissionais (Acórdão de 26 de março de 2019, Abanca Corporación Bancaria e Bankia, C‑70/17 e C‑179/17, EU:C:2019:250, n.o 54 e jurisprudência referida).

61

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que a parte das cláusulas de conversão que é abusiva por força da jurisprudência polaca diz respeito ao consentimento do banco para o reembolso e o desembolso do crédito em francos suíços.

62

A este respeito, é certo que o Tribunal de Justiça declarou que os artigos 6.o, n.o 1, e 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 não se opõem a que o juiz nacional suprima apenas o elemento abusivo de uma cláusula de um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor quando o objetivo dissuasivo prosseguido por esta diretiva seja assegurado por disposições legislativas nacionais que regulam a sua utilização, desde que este elemento consista numa obrigação contratual distinta, suscetível de ser objeto de um exame individualizado do seu caráter abusivo. Por outro lado, estas disposições opõem‑se a que o juiz nacional suprima apenas o elemento abusivo de uma cláusula de um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor quando tal supressão tenha por efeito rever o conteúdo da referida cláusula, afetando a sua substância (v., neste sentido, Acórdão de 29 de abril de 2021, Bank BPH, C‑19/20, EU:C:2021:341, n.o 80 e jurisprudência referida).

63

No caso em apreço, nada nos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe indica que existem disposições nacionais que enquadram a utilização de uma cláusula de conversão e que contribuem para assegurar o efeito dissuasivo prosseguido pela Diretiva 93/13, nem que a parte abusiva da cláusula de conversão constitui uma obrigação contratual distinta, pelo que a supressão dessa parte não equivaleria a rever a referida cláusula afetando a sua substância. Incumbe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se as condições enunciadas pela jurisprudência referida no número anterior do presente acórdão estão satisfeitas.

64

Resulta das considerações precedentes que os artigos 6.o, n.o 1, e 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma jurisprudência nacional segundo a qual o juiz nacional pode declarar o caráter abusivo não da totalidade da cláusula de um contrato celebrado entre um consumidor e um profissional, mas apenas dos elementos desta que lhe conferem um caráter abusivo, com a consequência de que essa cláusula continua, após a supressão desses elementos, parcialmente eficaz, quando essa supressão equivaleria a rever o conteúdo da referida cláusula, afetando a sua substância, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto à primeira questão no processo C‑81/21

65

Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma jurisprudência nacional segundo a qual o juiz nacional pode, após ter declarado a nulidade de uma cláusula abusiva contida num contrato celebrado entre um consumidor e um profissional que não implica a nulidade desse contrato no seu conjunto, substituir esta cláusula por uma disposição de direito nacional supletiva.

66

Há que recordar que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, e, nomeadamente a sua segunda parte, não tem por objetivo a anulação de todos os contratos que contenham cláusulas abusivas, mas substituir o equilíbrio formal que o contrato estabelece entre os direitos e as obrigações dos contratantes por um equilíbrio real, suscetível de restabelecer a igualdade entre estes, sendo certo que o contrato em causa deve subsistir, em princípio, sem nenhuma modificação a não ser a resultante da supressão das cláusulas abusivas. Desde que esta última condição esteja preenchida, o contrato em causa pode, ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, subsistir, na medida em que, em conformidade com as regras de direito interno, essa subsistência do contrato sem as cláusulas abusivas seja juridicamente possível, o que deve ser verificado segundo uma abordagem objetiva (Acórdão de 3 de outubro de 2019, Dziubak, C‑260/18, EU:C:2019:819, n.o 39).

67

A possibilidade excecional de substituir uma cláusula abusiva anulada por uma disposição nacional com caráter supletivo está limitada aos casos em que a supressão dessa cláusula abusiva obrigasse o juiz nacional a invalidar o contrato em causa no seu todo, expondo assim o consumidor a consequências particularmente prejudiciais, de modo que este último seria penalizado por isso (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2019, Dziubak, C‑260/18, EU:C:2019:819, n.o 48 e jurisprudência referida).

68

Por conseguinte, quando um contrato pode permanecer em vigor após a supressão das cláusulas abusivas, o juiz nacional não pode substituir essas cláusulas por uma disposição nacional de caráter supletivo.

69

Daqui resulta que o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma jurisprudência nacional segundo a qual o juiz nacional pode, após ter declarado a nulidade de uma cláusula abusiva contida num contrato celebrado entre um consumidor e um profissional que não implica a nulidade desse contrato no seu todo, substituir esta cláusula por uma disposição de direito nacional supletiva.

Quanto à segunda questão no processo C‑80/21 e à segunda questão no processo C‑81/21

70

Com estas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigo 6.o, n.o 1, e 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma jurisprudência nacional segundo a qual o juiz nacional pode, após ter declarado a nulidade de uma cláusula abusiva contida num contrato celebrado entre um consumidor e um profissional que implica a nulidade desse contrato no seu conjunto, substituir a cláusula anulada quer por uma interpretação da vontade das partes a fim de evitar a nulidade do referido contrato, quer por uma disposição do direito nacional de caráter supletivo, pese embora o consumidor ter sido informado das consequências da nulidade do mesmo contrato e tê‑las aceitado.

71

Em primeiro lugar, importa recordar que, como resulta do n.o 67 do presente acórdão, a possibilidade excecional de substituir uma cláusula abusiva anulada por uma disposição nacional com caráter supletivo está limitada aos casos em que a supressão dessa cláusula abusiva obriga o juiz a invalidar o contrato no seu todo, expondo assim o consumidor a consequências particularmente prejudiciais, de modo que este último seria penalizado por isso.

72

Em segundo lugar, importa sublinhar que a referida possibilidade de substituição, que é uma exceção à regra geral, segundo a qual o contrato em causa só continua a ser vinculativo para as partes se puder subsistir sem as cláusulas abusivas nele contidas, está limitada às disposições de direito interno de caráter supletivo ou aplicáveis em caso de acordo entre as partes e assenta, nomeadamente, na premissa de que essas disposições não devem conter cláusulas abusivas (Acórdão de 3 de outubro de 2019, Dziubak, C‑260/18, EU:C:2019:819, n.o 59 e jurisprudência referida).

73

Em terceiro lugar, quanto à importância que deve ser atribuída à vontade expressa pelo consumidor de invocar a Diretiva 93/13, o Tribunal de Justiça precisou, relativamente à obrigação que incumbe ao juiz nacional de excluir, se necessário oficiosamente, as cláusulas abusivas, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva, que o juiz nacional não é obrigado a não aplicar a cláusula em causa, se o consumidor, após ter sido avisado pelo juiz, entender não invocar o caráter abusivo e não vinculativo, dando assim um consentimento livre e esclarecido à cláusula em questão (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2019, Dziubak, C‑260/18, EU:C:2019:819, n.o 53 e jurisprudência referida).

74

Em quarto e último lugar, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, as consequências sobre a situação do consumidor provocadas pela invalidação de todo o contrato, como as referidas no Acórdão de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai (C‑26/13, EU:C:2014:282), devem ser apreciadas à luz das circunstâncias existentes ou previsíveis no momento do litígio e que, por outro, para efeitos dessa apreciação, é determinante a vontade que o consumidor expressou a este respeito (Acórdão de 3 de outubro de 2019, Dziubak, C‑260/18, EU:C:2019:819, n.o 56 e jurisprudência referida). Todavia, esta vontade não pode prevalecer sobre a apreciação, que faz parte do poder soberano do juiz chamado a decidir, da questão de saber se a aplicação das medidas previstas, dado o caso, pela legislação nacional pertinente permite efetivamente restabelecer a situação de direito e de facto que teria sido a do consumidor se essa cláusula abusiva não existisse (v., neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2021, OTP Jelzálogbank e o., C‑932/19, EU:C:2021:673, n.o 50).

75

No caso em apreço, por um lado, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que tanto E.K. e S.K., no processo C‑80/21, como B.S. e W.S., no processo C‑81/21, foram informados das consequências associadas à anulação dos contratos de crédito no seu todo e que estes consentiram nessa anulação.

76

Por outro lado, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que existem disposições de direito polaco de caráter supletivo destinadas a substituir as cláusulas abusivas suprimidas. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça a priori sobre a possibilidade de substituir as cláusulas abusivas suprimidas por disposições de direito nacional de caráter geral, que não se destinam a ser aplicadas especificamente aos contratos celebrados entre um profissional e um consumidor.

77

Ora, o Tribunal de Justiça considerou que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que sejam colmatadas as lacunas de um contrato, provocadas pela supressão das cláusulas abusivas que nele figuram, unicamente com base em disposições nacionais de caráter geral, que não são disposições supletivas nem disposições aplicáveis em caso de acordo entre as partes no contrato (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2019, Dziubak, C‑260/18, EU:C:2019:819, n.o 62).

78

De qualquer modo, como resulta do n.o 75 do presente acórdão, no caso em apreço, os consumidores em causa nos processos principais foram informados das consequências associadas à anulação integral dos contratos de crédito que tinham celebrado e aceitaram‑nas. Nestas circunstâncias, tendo em conta o caráter determinante da vontade dos consumidores, como recordado no n.o 74 do presente acórdão, não parece que o requisito segundo o qual a anulação do contrato no seu todo exporia os consumidores em causa a consequências particularmente prejudiciais, exigido para que o juiz nacional seja autorizado a substituir a cláusula abusiva anulada por uma disposição de direito interno de caráter supletivo, esteja preenchido. Todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificá‑lo.

79

No que respeita à possibilidade de substituir uma cláusula abusiva anulada por uma interpretação judicial, esta deve ser excluída.

80

A este respeito, basta recordar que os juízes nacionais apenas estão obrigados a afastar a aplicação de uma cláusula contratual abusiva de modo a que não produza efeitos vinculativos relativamente ao consumidor, sem estarem habilitados a modificar o seu conteúdo. Com efeito, o contrato deve subsistir, em princípio, sem nenhuma modificação a não ser a resultante da supressão das cláusulas abusivas, na medida em que, em conformidade com as regras de direito interno, a subsistência do contrato seja juridicamente possível (v., neste sentido, Acórdão de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito, C‑618/10, EU:C:2012:349, n.o 65 e jurisprudência referida).

81

No que respeita à possibilidade de manter em vigor um contrato que não pode subsistir após a supressão de uma cláusula abusiva, não obstante o facto de o consumidor em causa ter aceitado a sua nulidade, o Tribunal de Justiça declarou, por um lado, que a Diretiva 93/13 se opõe a uma legislação nacional que impede o juiz chamado a decidir de julgar procedente um pedido de anulação de um contrato com fundamento no caráter abusivo de uma cláusula, se se constatar que essa cláusula é abusiva e que o contrato não pode subsistir sem a referida cláusula (v., neste sentido, Acórdão de 14 de março de 2019, Dunai, C‑118/17, EU:C:2019:207, n.o 56).

82

Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que esta diretiva não se opõe a que um Estado‑Membro preveja, no respeito do direito da União, uma regulamentação nacional que permita declarar nulo no seu todo um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor que contenha uma ou várias cláusulas abusivas quando se afigurar que tal assegura uma melhor proteção do consumidor (Acórdão de 15 de março de 2012, Pereničová e Perenič, C‑453/10, EU:C:2012:144, n.o 35).

83

Decorre desta jurisprudência que um juiz nacional não está habilitado a modificar o conteúdo de uma cláusula abusiva anulada a fim de manter em vigor um contrato que não pode subsistir após a supressão da referida cláusula, se o consumidor em causa foi informado das consequências da anulação do contrato e aceitou essas consequências.

84

Resulta do conjunto das considerações precedentes que o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma jurisprudência nacional segundo a qual o juiz nacional pode, após ter declarado a nulidade de uma cláusula abusiva contida num contrato celebrado entre um consumidor e um profissional que implica a nulidade desse contrato no seu conjunto, substituir a cláusula anulada quer por uma interpretação da vontade das partes a fim de evitar a nulidade do referido contrato, quer por uma disposição do direito nacional de caráter supletivo, pese embora o consumidor ter sido informado das consequências da nulidade do mesmo contrato e tê‑las aceitado.

Quanto à questão única no processo C‑82/21

85

Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 93/13, lida à luz do princípio da efetividade, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma jurisprudência nacional segundo a qual o prazo de prescrição de dez anos da ação do consumidor destinada a obter a restituição de quantias indevidamente pagas a um profissional em execução de uma cláusula abusiva contida num contrato de crédito começa a correr na data de cada prestação realizada pelo consumidor, mesmo que este não estivesse em condições de, nessa data, apreciar por si próprio o caráter abusivo da cláusula contratual ou não tivesse tido conhecimento do caráter abusivo da referida cláusula, e sem ter em conta que o contrato tinha uma duração de reembolso, no caso em apreço de trinta anos, largamente superior ao prazo de prescrição legal de dez anos.

86

A este respeito, saliente‑se que, em conformidade com jurisprudência constante, na falta de regulamentação específica da União na matéria, as modalidades de execução da proteção dos consumidores prevista pela Diretiva 93/13 integram a ordem jurídica interna dos Estados‑Membros, por força do princípio da autonomia processual destes últimos. Todavia, estas modalidades não devem ser menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) nem ser concebidas de modo a, na prática, tornarem impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 27 e jurisprudência referida).

87

No que respeita ao princípio da efetividade, há que salientar que cada caso em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito da União deve ser analisado tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa no processo, visto como um todo, na tramitação deste e nas suas particularidades, perante as várias instâncias nacionais. Nesta perspetiva, há que tomar em consideração, sendo caso disso, os princípios que estão na base do sistema jurisdicional nacional, como a proteção dos direitos de defesa, o princípio da segurança jurídica e a correta tramitação do processo (Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 28 e jurisprudência referida).

88

Além disso, o Tribunal de Justiça precisou que a obrigação de os Estados‑Membros garantirem a efetividade dos direitos que as partes retiram do direito da União implica, designadamente para os direitos decorrentes da Diretiva 93/13, uma exigência de tutela jurisdicional efetiva, também consagrada no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que é válida, entre outros, no que respeita à definição das regras processuais relativas às ações judiciais baseadas nesses direitos (Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 29 e jurisprudência referida).

89

No que respeita à análise das características do prazo de prescrição em causa no processo principal, o Tribunal de Justiça precisou que esta análise deve incidir sobre a duração desse prazo e sobre as modalidades da sua aplicação, incluindo a modalidade acolhida para desencadear o início desse prazo (Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 30 e jurisprudência referida).

90

Embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que um pedido apresentado pelo consumidor para efeitos da declaração do caráter abusivo de uma cláusula constante de um contrato celebrado entre este último e um profissional não pode estar sujeito a um prazo de prescrição (v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 38 e jurisprudência referida), precisou que o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 não se opõem a que uma regulamentação nacional que sujeita a um prazo de prescrição o pedido desse consumidor destinado a invocar os efeitos restitutivos dessa declaração, sob reserva do respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade (v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 39 e jurisprudência referida).

91

Por conseguinte, há que considerar que a oposição de um prazo de prescrição aos pedidos de caráter restitutivo, apresentados pelos consumidores para invocarem direitos resultantes da Diretiva 93/13, não é, em si mesma, contrária ao princípio da efetividade, desde que a sua aplicação não torne, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos por esta diretiva (Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 40 e jurisprudência referida).

92

No que respeita à duração do prazo de prescrição a que está sujeito um pedido apresentado por um consumidor para efeitos da restituição de quantias indevidamente pagas, com base em cláusulas abusivas, na aceção da Diretiva 93/13, há que salientar que o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de se pronunciar sobre a compatibilidade com o princípio da efetividade de prazos de prescrição inferiores ao que está em causa no processo principal, com a duração de três e de cinco anos, que tinham sido opostos a ações destinadas a invocar os efeitos restitutivos da declaração de que uma cláusula contratual é abusiva. Desde que sejam estabelecidos e conhecidos antecipadamente, esses prazos são, em princípio, suficientes para permitir ao consumidor em causa preparar e recorrer a uma via judicial efetiva. Assim, os prazos de prescrição de três a cinco anos não são, em si mesmos, incompatíveis com o princípio da efetividade (Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 41 e jurisprudência referida).

93

Consequentemente, há que considerar que, desde que seja estabelecido e conhecido antecipadamente, um prazo de prescrição de dez anos, como o que está em causa no processo principal, oposto a um pedido apresentado por um consumidor para efeitos da restituição de quantias indevidamente pagas, com base em cláusulas abusivas, na aceção da Diretiva 93/13, não se afigura suscetível de tornar, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela Diretiva 93/13. Com efeito, um prazo com essa duração é, em princípio, materialmente suficiente para permitir ao consumidor preparar e recorrer a uma via judicial efetiva, a fim de invocar os direitos resultantes dessa diretiva, e isso nomeadamente sob a forma de pretensões, de natureza restitutiva, baseadas no caráter abusivo de uma cláusula contratual.

94

Todavia, deve ser tida em conta a situação de inferioridade do consumidor relativamente ao profissional, no que toca quer ao poder de negociação quer ao nível de informação, situação que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o conteúdo destas. Do mesmo modo, importa recordar que os consumidores podem ignorar o caráter abusivo de uma cláusula constante de um contrato de mútuo hipotecário ou não se aperceber do alcance dos seus direitos decorrentes da Diretiva 93/13 (Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 45 e jurisprudência referida).

95

Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou que os contratos de crédito, como o que está em causa no processo principal, são geralmente executados durante longos períodos, pelo que, se o acontecimento que desencadeia o prazo de prescrição de dez anos for qualquer pagamento efetuado pelo mutuário, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, não se pode excluir que, pelo menos, quanto a uma parte dos pagamentos efetuados, a prescrição se verifique mesmo antes do termo do contrato em causa, de modo que esse regime de prescrição é suscetível de privar sistematicamente os consumidores da possibilidade de reclamarem a restituição dos pagamentos efetuados com base em cláusulas contrárias à referida diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 22 de abril de 2021, Profi Credit Slovakia, C‑485/19, EU:C:2021:313, n.o 63).

96

Assim, quanto ao início do prazo de prescrição em causa no processo principal, existe um risco não negligenciável de que, tendo em conta o modo de determinação deste pela jurisprudência nacional, o consumidor não esteja em condições de fazer valer de modo útil os direitos que lhe confere a Diretiva 93/13.

97

Com efeito, resulta das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que esse prazo de prescrição de dez anos começa a correr a partir da data de cada prestação realizada pelo consumidor em causa, também quando este não estava em condições de, nessa data, apreciar por si próprio o caráter abusivo da cláusula contratual ou não tinha tido conhecimento do caráter abusivo da referida cláusula, e sem tomar em consideração que o contrato tinha uma duração de reembolso, no caso em apreço de trinta anos, largamente superior ao prazo de prescrição legal de dez anos.

98

Há que salientar que um prazo de prescrição só pode ser compatível com o princípio da efetividade se o consumidor tiver tido a possibilidade de conhecer os seus direitos antes de esse prazo começar a correr ou de terminar (Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 46 e jurisprudência referida).

99

Ora, a oposição de um prazo de prescrição de dez anos, como o que está em causa no processo principal, a um pedido apresentado por um consumidor para efeitos da restituição de quantias indevidamente pagas, com fundamento numa cláusula abusiva, na aceção da Diretiva 93/13, de um contrato de crédito celebrado com um profissional, que começa a correr a partir da data de cada prestação realizada pelo consumidor, também quando este não estava em condições de, nessa data, apreciar por si próprio o caráter abusivo da cláusula contratual ou não tinha tido conhecimento do caráter abusivo da referida cláusula, e sem tomar em consideração que o contrato tinha uma duração de reembolso, no caso em apreço de trinta anos, largamente superior ao prazo de prescrição legal de dez anos, não é suscetível de garantir ao referido consumidor uma proteção efetiva. Esse prazo torna, portanto, excessivamente difícil o exercício dos direitos que o consumidor retira da Diretiva 93/13 e viola, por conseguinte, o princípio da efetividade.

100

Daqui resulta que a Diretiva 93/13, lida à luz do princípio da efetividade, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma jurisprudência nacional segundo a qual o prazo de prescrição de dez anos da ação do consumidor destinada a obter a restituição de quantias indevidamente pagas a um profissional em execução de uma cláusula abusiva contida num contrato de crédito começa a correr na data de cada prestação realizada pelo consumidor, mesmo que este não estivesse em condições de, nessa data, apreciar por si próprio o caráter abusivo da cláusula contratual ou não tivesse tido conhecimento do caráter abusivo da referida cláusula, e sem ter em consideração que o contrato tinha uma duração de reembolso, no caso em apreço de trinta anos, largamente superior ao prazo de prescrição legal de dez anos.

Quanto às despesas

101

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

 

1)

O artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores,

devem ser interpretados no sentido de que:

se opõem a uma jurisprudência nacional segundo a qual o juiz nacional pode declarar o caráter abusivo não da totalidade da cláusula de um contrato celebrado entre um consumidor e um profissional, mas apenas dos elementos desta que lhe conferem um caráter abusivo, com a consequência de que essa cláusula continua, após a supressão desses elementos, parcialmente eficaz, quando essa supressão equivaleria a rever o conteúdo da referida cláusula, afetando a sua substância, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

2)

O artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13

devem ser interpretados no sentido de que:

se opõem a uma jurisprudência nacional segundo a qual o juiz nacional pode, após ter declarado a nulidade de uma cláusula abusiva contida num contrato celebrado entre um consumidor e um profissional que não implica a nulidade desse contrato no seu todo, substituir esta cláusula por uma disposição de direito nacional supletiva.

 

3)

O artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13

devem ser interpretados no sentido de que:

se opõem a uma jurisprudência nacional segundo a qual o juiz nacional pode, após ter declarado a nulidade de uma cláusula abusiva contida num contrato celebrado entre um consumidor e um profissional que implica a nulidade desse contrato no seu conjunto, substituir a cláusula anulada quer por uma interpretação da vontade das partes a fim de evitar a nulidade do referido contrato, quer por uma disposição do direito nacional de caráter supletivo, pese embora o consumidor ter sido informado das consequências da nulidade do mesmo contrato e tê‑las aceitado.

 

4)

A Diretiva 93/13, lida à luz do princípio da efetividade,

deve ser interpretada no sentido de que:

se opõe a uma jurisprudência nacional segundo a qual o prazo de prescrição de dez anos da ação do consumidor destinada a obter a restituição de quantias indevidamente pagas a um profissional em execução de uma cláusula abusiva contida num contrato de crédito começa a correr na data de cada prestação realizada pelo consumidor, mesmo que este não estivesse em condições de, nessa data, apreciar por si próprio o caráter abusivo da cláusula contratual ou não tivesse tido conhecimento do caráter abusivo da referida cláusula, e sem ter em conta que o contrato tinha uma duração de reembolso, no caso em apreço de trinta anos, largamente superior ao prazo de prescrição legal de dez anos.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.

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