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Document 62021CC0451

    Conclusões da advogada-geral J. Kokott apresentadas em 4 de maio de 2023.
    Grão-Ducado do Luxemburgo e o. contra Comissão Europeia.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107.°, n.° 1, TFUE — Decisões fiscais antecipadas adotadas por um Estado‑Membro — Auxílio declarado incompatível com o mercado interno — Obrigação de recuperar o auxílio — Conceito de “vantagem” — Determinação do quadro de referência — Tributação “normal” segundo o direito nacional — Fiscalização pelo Tribunal de Justiça da interpretação e da aplicação do direito nacional pelo Tribunal Geral da União Europeia — Fiscalidade direta — Interpretação estrita — Poderes da Comissão Europeia — Dever de fundamentação — Qualificação jurídica dos factos — Conceito de “abuso de direito” — Apreciação ex ante pela Administração Fiscal do Estado‑Membro em causa — Princípio da segurança jurídica.
    Processos apensos C-451/21 P e C-454/21 P.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:383

     CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

    JULIANE KOKOTT

    apresentadas em 4 de maio de 2023 ( 1 )

    Processo C‑454/21 P

    Engie Global LNG Holding S.à.r.l,

    Engie Invest International S.A.,

    Engie S.A.

    contra

    Comissão Europeia

    Processo C‑451/21 P

    Grão‑Ducado do Luxemburgo

    contra

    Comissão Europeia

    «Recurso — Regras em matéria de auxílios de Estado — Medida do Grão‑Ducado do Luxemburgo a favor da Engie — Vantagem seletiva — Determinação do sistema de referência — Critério de apreciação de uma vantagem seletiva em direito fiscal — Decisão fiscal antecipada — Erro na aplicação do direito a favor do contribuinte enquanto vantagem seletiva — Regime das sociedades‑mãe (a saber, isenção das distribuições de lucros no interior de um grupo) e distribuição dissimulada de lucros — Princípio da correspondência não escrito — Interpretação do direito interno pela Comissão — Aplicação errada de uma regra geral antiabuso enquanto vantagem seletiva»

    I. Introdução

    1.

    Os presentes recursos facultam novamente ( 2 ) ao Tribunal de Justiça a possibilidade de se debruçar sobre a revisão de uma decisão fiscal antecipada à luz das regras em matéria de auxílios de Estado. Embora tais decisões fiscais antecipadas visem, por um lado, garantir a segurança jurídica, por outro, existem por vezes suspeitas latentes de que aquelas conduzem, em alguns Estados‑Membros, a acordos potencialmente anticoncorrenciais entre as autoridades fiscais e os contribuintes.

    2.

    No entanto, diversamente dos outros processos em matéria de auxílios de Estado que a Comissão instaurou relativos a decisões fiscais antecipadas ( 3 ), não se trata aqui de preços de transferência que se afastam do princípio de plena concorrência. Pelo contrário, no litígio no processo principal, a Administração Fiscal luxemburguesa pronunciou‑se em duas séries de decisões fiscais antecipadas relativas ao grupo Engie sobre o tratamento fiscal de uma reestruturação do grupo no Luxemburgo. Em conclusão, a Comissão certificou que um empréstimo convertível entre várias sociedades luxemburguesas do grupo Engie devia, em última análise, ser qualificado como capital externo a nível da «mutuária» e como capital próprio a nível da «mutuante». Por conseguinte, as remunerações pagas no âmbito do financiamento não foram incluídas na matéria coletável a nível da filial, mas foram tratadas como rendimentos de participações a nível da sociedade‑mãe. Estes últimos não são normalmente tributados no seio de um grupo, como é o caso no Luxemburgo. Em contrapartida, a nível da filial, havia uma tributação que ascendia ao montante correspondente a apenas uma matéria coletável especial («margem») acordada com a Administração Fiscal.

    3.

    Na decisão controvertida ( 4 ), a Comissão considerou que a Administração Fiscal luxemburguesa não devia ter tratado os rendimentos de participações a nível da sociedade‑mãe como isentos de imposto. Ao fazer uma apreciação diferente nas decisões fiscais antecipadas, o Grão‑Ducado concedeu um auxílio às respetivas sociedades‑mãe ou ao grupo Engie. Em alternativa, a Administração Fiscal deveria ter aplicado a regra geral antiabuso prevista no direito luxemburguês. O Tribunal Geral acolheu integralmente a tese da Comissão.

    4.

    Assim, no presente recurso, coloca‑se, em primeiro lugar, a questão de saber se as vantagens fiscais obtidas através da utilização dos empréstimos convertíveis devem ser qualificadas como benefício fiscal de caráter seletivo para efeitos do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Será também necessário responder à questão de saber se, no contexto nacional, o direito em matéria de auxílios de Estado exige uma tributação correspondente (ou seja, não isenção de impostos quanto a rendimentos de participações quando os lucros distribuídos não tenham já sido integralmente tributados a nível da filial).

    5.

    Em segundo lugar, coloca‑se a questão de saber se o direito em matéria de auxílios de Estado permite à Administração Fiscal nacional e às respetivas notificações da liquidação do imposto serem fiscalizados pela Comissão e pelo Tribunal de Justiça quanto à sua «exatidão». Nesse sentido, em relação a ambos os aspetos, importa também responder, designadamente, à questão de saber em que medida a Comissão pode substituir uma interpretação do direito nacional (neste caso, uma regra geral antiabuso) pela sua própria interpretação (do direito nacional), a fim de demonstrar a existência de uma vantagem seletiva.

    II. Quadro jurídico

    A. Direito da União

    6.

    O quadro jurídico da União é constituído pelos artigos 107.o e seguintes do TFUE. O processo aplicável aos auxílios ilegais rege‑se pelo capítulo III do Regulamento (UE) 2015/1589, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o TFUE ( 5 ) (a seguir «Regulamento 2015/1589»).

    B. Direito luxemburguês

    7.

    O artigo 22.o, n.o 5, da Lei alterada, de 4 de dezembro de 1967, relativa ao Imposto Sobre O Rendimento (loi concernant l’impot sur le revenu, a seguir «LIR»), de 4 de dezembro de 1967, determina, mutatis mutandis, que a troca de bens é, em princípio, tratada como uma permuta e, portanto, como uma cessão do bem cedido e como uma aquisição do bem recebido. Daqui pode resultar uma mais‑valia tributável.

    8.

    O artigo 22bis, n.o 2, ponto 1, da LIR, na versão aplicável à data da adoção das decisões fiscais antecipadas, segundo o acórdão recorrido, determina o seguinte:

    «2) Em derrogação do artigo 22.o, n.o 5, as operações de troca referidas nos números 1 a 4, infra, não conduzem à realização das mais‑valias inerentes aos bens trocados, salvo se, nos casos referidos nos números 1, 3 e 4, o credor ou o titular de participações sociais renunciar à aplicação da presente disposição:

    1.   no caso da conversão de um empréstimo: a atribuição ao credor de títulos representativos do capital social do devedor. Em caso de conversão de um empréstimo de capitalização convertível, os juros capitalizados referentes ao exercício em curso antes da conversão são tributáveis no momento da troca.»

    9.

    O artigo 164.o LIR tem a seguinte redação:

    «1.   Para efeitos da determinação do valor tributável, é irrelevante se o lucro é ou não distribuído aos beneficiários.

    2.   Entende‑se por distribuição, na aceção do número anterior, qualquer tipo de distribuição aos titulares de ações, títulos de participação, ações de fundador, títulos de participação nos lucros ou outros títulos, incluindo as obrigações de taxa variável, que confiram o direito a uma participação nos lucros anuais ou no saldo de liquidação.

    3.   As distribuições dissimuladas de lucros devem ser incluídas no rendimento tributável. Existe distribuição dissimulada de lucros, em particular, quando um acionista, um sócio ou uma parte interessada obtém, direta ou indiretamente, lucros de uma sociedade ou de uma associação que normalmente não teria obtido se não tivesse essa qualidade.»

    10.

    O artigo 166.o, n.o 1, da LIR, determina o seguinte:

    «Os rendimentos de uma participação detida por:

    1.   um organismo de caráter coletivo residente plenamente tributável, que reveste uma das formas enumeradas no anexo constante do n.o 10,

    2.   uma sociedade de capitais residente plenamente tributável não enumerada no anexo constante do n.o 10,

    3.   um estabelecimento estável nacional de um organismo de caráter coletivo, na aceção do artigo 2.o da Diretiva [2011/96],

    4.   um estabelecimento estável nacional de uma sociedade de capitais que seja residente num Estado com o qual o Grão‑Ducado do Luxemburgo tenha celebrado uma convenção para evitar a dupla tributação,

    5.   um estabelecimento estável nacional de uma sociedade de capitais ou de uma cooperativa residente num Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico (EEE) que não seja um Estado‑Membro da União Europeia, estão isentos quando no momento da disponibilização dos rendimentos, o beneficiário detenha ou se comprometa a deter a referida participação durante um período ininterrupto de, pelo menos, doze meses e quando, durante todo esse período, a taxa de participação não seja inferior a 10 % ou o preço de aquisição inferior a 1200000 euros.»

    11.

    O artigo 6.o da Lei de Adaptação Fiscal luxemburguesa (Steueranpassungsgesetz, a seguir «StAnpG») prevê o seguinte:

    «A obrigação fiscal não pode ser contornada ou reduzida através da utilização abusiva das formas e possibilidades de configuração previstas no direito civil. Em caso de abuso, os impostos devem ser cobrados da forma como seriam cobrados se a forma jurídica tivesse sido adequada às operações económicas, factos e circunstâncias.»

    III. Antecedentes do litígio

    12.

    O litígio tem origem em duas séries de decisões fiscais antecipadas emitidas pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo em relação ao grupo Engie. Cada uma diz respeito a duas estruturas de financiamento intragrupo comparáveis.

    13.

    Para uma melhor compreensão, começarei por apresentar a estrutura do grupo Engie relevante para o litígio (v., a este respeito, A., infra.), antes de abordar as transações subjacentes às decisões fiscais antecipadas, incluindo a estrutura de financiamento escolhida pela Engie (v., a este respeito, B., infra). Em seguida, apresentarei as decisões fiscais antecipadas concedidas pelas autoridades fiscais luxemburguesas (v., a este respeito, C., infra), a decisão da Comissão (v., a este respeito, D., infra) e o processo no Tribunal Geral, bem como o acórdão recorrido (v., a este respeito, E., infra).

    A. Estrutura do grupo Engie

    14.

    O grupo Engie é composto pela Engie S.A., uma sociedade com sede em França, bem como por todas as sociedades direta ou indiretamente controladas por esta (n.os 4 e seguintes do acórdão recorrido). Entre essas sociedades figuram igualmente várias sociedades com sede no Luxemburgo.

    15.

    No Luxemburgo, a Engie S.A. controla, nomeadamente, a Compagnie Européenne de Financement C.E.F. S.A. (a seguir «CEF»), que passou a designar‑se Engie Invest International S.A. em 2015. Esta tem por objeto a aquisição de participações em sociedades luxemburguesas e estrangeiras, bem como a gestão, valorização e controlo dessas participações.

    16.

    A CEF detém a totalidade das participações sociais da GDF Suez Treasury Management S.à.r.l. (a seguir «GSTM»), da Electrabel Invest Luxembourg S.A. (a seguir «EIL») e da GDF Suez LNG Holding S.à.r.l. (a seguir «LNG Holding»), que foi constituída no Luxemburgo em 2009 e passou a designar‑se Engie Global LNG Holding S.à.r.l. em 2015.

    17.

    A LNG Holding tem igualmente por objeto a aquisição de participações em sociedades luxemburguesas e estrangeiras, bem como a gestão dessas participações. Por seu lado, a sociedade detém a totalidade das participações sociais na GDF Suez LNG Supply S.A. (a seguir «LNG Supply») e na GDF Suez LNG Luxembourg S.à.r.l. (a seguir «LNG Luxembourg»). A LNG Supply desenvolve atividades de compra, venda e comercialização de gás natural liquefeito, gás e produtos derivados de gás.

    B. Transações e estrutura de financiamento

    18.

    No decurso dos anos de 2009 a 2015, a parte luxemburguesa do grupo Engie foi objeto de várias reestruturações, implementadas, nomeadamente, através de estruturas de financiamento intragrupo complexas, descritas nos n.os 12 e seguintes, 36 e seguintes do acórdão recorrido, nos seguintes termos:

    1.   Transferência de atividades em benefício da LNG Supply

    19.

    A primeira reestruturação dizia respeito à LNG Holding (sociedade‑mãe) e às suas filiais LNG Luxembourg (a seguir também designada por sociedade intermediária) e LNG Supply (filial).

    20.

    Em 30 de outubro de 2009, a LNG Holding transferiu as suas atividades de exploração de gás natural liquefeito e de derivados de gás para a LNG Supply. O preço de compra foi de 657 milhões de dólares US (USD) (cerca de 553,26 milhões de euros).

    21.

    Para financiar a transferência intragrupo, a LNG Luxembourg concedeu à LNG Supply um empréstimo obrigatoriamente convertível (a seguir «ZORA» ( 6 )), com um valor nominal de 646 milhões de USD e uma duração de 15 anos. Não foram cobrados juros periódicos sobre o ZORA. Em vez disso, a LNG Supply devia ceder participações próprias à LNG Luxembourg, enquanto mutuante, quando da conversão prevista do ZORA em capital próprio numa data posterior.

    22.

    O valor das participações sociais a conceder nesse caso é calculado com base no valor nominal do ZORA no momento da conversão, acrescido ou diminuído de uma parte variável. Por sua vez, a parte variável corresponde aos lucros realizados pela LNG Supply durante a vigência do ZORA, após dedução de uma margem tributável. A margem concretamente tributável e a matéria coletável dessa margem foram acordadas com a Administração Fiscal numa decisão fiscal antecipada (v., a este respeito, C., infra). No entanto, a parte variável também pode ser negativa em anos de perdas. O montante da parte variável é também designado «acréscimos sobre o ZORA».

    23.

    Por seu lado, a LNG Luxembourg financiou o ZORA através de um contrato a termo celebrado com a LNG Holding (à data, ainda denominada LNG Trading). No âmbito deste contrato a termo, a LNG Holding paga à LNG Luxembourg um montante igual ao montante nominal do ZORA, ou seja, 646 milhões de USD, em contrapartida da aquisição dos direitos sobre as participações sociais que a LNG Supply emitirá quando da conversão do ZORA.

    24.

    Em 2014, o ZORA foi objeto de uma conversão parcial do. Enquanto elemento de financiamento híbrido, o ZORA é tratado como um tipo de capital externo a nível da filial, ao passo que a nível da sociedade‑mãe é considerado como capital próprio no momento da conversão. Para o efeito, a LNG Supply realizou um aumento de capital no montante de 699,9 milhões USD (cerca de 589,6 milhões de euros), dos quais 193,8 milhões de USD (cerca de 163,3 milhões de euros) correspondiam ao reembolso de uma parte do valor nominal do ZORA em causa e o remanescente ao pagamento de uma parte dos acréscimos sobre o ZORA.

    25.

    A nível da LNG Luxembourg (sociedade intermediária), a conversão parcial conduziu a uma redução de 193,8 milhões de USD do ZORA reconhecido como ativo e a uma redução correspondente do passivo reconhecido relativamente ao contrato a termo. Por conseguinte, a nível da LNG Luxembourg, a operação era neutra do ponto de vista fiscal. Os rendimentos de participações sociais recebidos subsequentemente a nível da LNG Holding (sociedade‑mãe), sob a forma de participações sociais emitidas pela LNG Supply (filial) aquando da conversão do ZORA, foram considerados isentos de imposto através da aplicação do regime das sociedades‑mãe previsto no artigo 166.o da LIR (ou seja, através de uma isenção fiscal de distribuições de lucros dentro de um grupo). Estas consequências fiscais estavam previstas nas decisões fiscais antecipadas (v., a este respeito, C., infra).

    2.   Transferência de atividades em benefício da GSTM

    26.

    A segunda reestruturação dizia respeito à CEF (sociedade‑mãe) e às suas filiais EIL (a seguir também designada por sociedade intermediária) e GSTM (filial). A partir de 2010, a CEF transferiu as suas atividades de financiamento e «Treasury‑Management» para a GSTM. O preço de compra foi de cerca de 1,036 mil milhões de euros.

    27.

    Esta transferência intragrupo foi também financiada por um ZORA com uma duração até 2026, concedido pela EIL à GSTM. O valor nominal do ZORA corresponde ao preço de compra. Além disso, a estrutura de financiamento era idêntica à da transferência das atividades para a LNG Supply, tendo, em particular, a EIL celebrado um contrato a termo idêntico com a CEF, pelo que se remete para o que precede.

    28.

    No entanto, até à data, não se verificou qualquer conversão do ZORA, pelo que a CEF ainda não recebeu, a este título, rendimentos de participações.

    C. Decisões fiscais antecipadas da Administração Fiscal luxemburguesa

    29.

    No que respeita a estas operações, bem como ao respetivo financiamento, a Administração Fiscal luxemburguesa emitiu duas séries de decisões fiscais antecipadas destinadas ao grupo Engie (n.os 17 e seguintes do acórdão recorrido).

    1.   Decisões fiscais antecipadas relativas à transferência de atividades em benefício da LNG Supply

    30.

    A primeira decisão fiscal antecipada foi emitida em 9 de setembro de 2008. Refere‑se à constituição da LNG Supply e da LNG Luxembourg e à transferência prevista das atividades da LNG Holding para a LNG Supply.

    31.

    No plano fiscal, resulta da decisão fiscal antecipada que a LNG Supply só é tributada de uma forma especial no que respeita a uma margem acordada com a Administração Fiscal luxemburguesa: segundo a Decisão da Comissão de 20 de junho de 2018 ( 7 ), a matéria coletável não corresponde ao lucro (que representa a diferença entre dois valores do património da empresa no início e no fim do exercício) da LNG Supply, mas a um montante correspondente a «uma margem líquida total de • % do montante bruto dos ativos inscritos no balanço da LNG Supply». No entanto, «esta margem líquida não pode ser inferior a • % do volume de negócios bruto anual da sociedade». Este montante (margem) é então sujeito à taxa normal do imposto sobre o rendimento (a seguir «tributação da margem»).

    32.

    Daí resulta uma tributação dos lucros baseada nos valores inscritos no balanço, mas com uma tributação mínima baseada no volume de negócios. Isto significa que a LNG Supply também tem de pagar impostos sobre o rendimento em caso de perdas. Devido a esta tributação baseada no balanço ou no volume de negócios, os rendimentos efetivos (receitas menos despesas) da LNG Supply deixaram de ser relevantes para a matéria coletável. Não resulta dos autos por que razão e com que fundamento legal a Administração Fiscal luxemburguesa aceitou (ou foi autorizada a aceitar) esta tributação divergente e tributou essa margem líquida. De qualquer modo, o resultado económico para a LNG Supply após a dedução desta margem era, conforme acordado, o montante dos acréscimos sobre o ZORA.

    33.

    Segundo a Decisão da Comissão ( 8 ), a Administração Fiscal luxemburguesa faculta à LNG Luxembourg, enquanto «mutuante», a possibilidade de manter o valor do ZORA nas suas contas pelo seu valor contabilístico durante a vigência do ZORA, o que a LNG Luxembourg fez. Além disso, a decisão fiscal antecipada prevê que a conversão posterior do ZORA em participações sociais não dá lugar a mais‑valias tributáveis, desde que a LNG Luxembourg opte pela aplicação do artigo 22bis da LIR. Por conseguinte, os acréscimos sobre o ZORA incluídos no valor das participações sociais emitidas não são tributados. Para tal efeito, são tratados como capitais próprios.

    34.

    Por último, resulta da decisão fiscal antecipada de 9 de setembro de 2008 que a LNG Holding regista o pagamento efetuado à LNG Luxembourg em relação ao contrato a termo como ativo financeiro, pelo que a LNG Holding não reconhecerá, antes da conversão do ZORA, qualquer rendimento ou despesa dedutível relativo a esse ZORA. Além disso, a autoridade fiscal luxemburguesa confirma que a isenção fiscal para rendimentos de participações prevista no artigo 166.o da LIR é aplicável à participação na LNG Supply adquirida ao abrigo do contrato a termo.

    35.

    A segunda decisão fiscal antecipada foi emitida em 30 de setembro de 2008 e diz respeito à transferência da gestão efetiva da LNG Trading para os Países Baixos. A terceira decisão fiscal antecipada foi emitida em 3 de março de 2009 e aprova as alterações à estrutura de financiamento prevista na decisão fiscal antecipada de 9 de setembro de 2008, em particular, a substituição da LNG Trading pela LNG Holding e a execução do ZORA celebrado pela LNG Supply com a LNG Luxembourg e a LNG Holding. A quarta decisão fiscal antecipada foi emitida em 9 de março de 2012 e clarifica certos termos contabilísticos utilizados na determinação da margem sobre a qual a LNG Supply é tributada.

    36.

    A última decisão fiscal antecipada foi emitida em 13 de março de 2014 e confirmou o ponto de vista expresso no pedido de 20 de setembro de 2013. Refere‑se ao tratamento fiscal da conversão parcial do ZORA celebrado pela LNG Supply. Daqui resulta, segundo o n.o 27 do acórdão recorrido, que, no dia da conversão desse empréstimo, a LNG Supply reduzirá o seu capital social num montante igual a esse montante de conversão.

    37.

    De um ponto de vista fiscal, a Administração Fiscal luxemburguesa confirma que a conversão parcial em causa não terá consequências para a LNG Luxembourg. A LNG Holding registará, por sua vez, um lucro no montante equivalente à diferença entre o montante nominal das participações sociais convertidas e o montante dessa conversão (ou seja, no montante dos acréscimos sobre o ZORA). Além disso, esse lucro será abrangido pela isenção fiscal relativa aos rendimentos de participações, ao abrigo do artigo 166.o da LIR.

    2.   Decisões fiscais antecipadas relativas à transferência de atividades em benefício da GSTM

    38.

    A primeira decisão fiscal antecipada, emitida em 9 de fevereiro de 2010, valida uma estrutura análoga à implementada pela LNG Holding para financiar a transferência das suas atividades no setor do gás natural liquefeito para a LNG Supply. Com efeito, a estrutura em causa assenta num ZORA celebrado entre a GSTM e a EIL que visa o financiamento da aquisição das atividades de financiamento e de «Treasury‑Management» da CEF. Tal como a LNG Supply, a GSTM é tributada durante o período de vigência do ZORA sobre uma margem acordada com a Administração Fiscal luxemburguesa.

    39.

    A segunda decisão fiscal antecipada, emitida em 15 de junho de 2012, valida o tratamento fiscal da operação de financiamento e assenta numa análise idêntica à que consta da decisão fiscal antecipada de 9 de setembro de 2008 a respeito da transferência das atividades da LNG Trading para a LNG Supply. Difere, contudo, no que diz respeito a um eventual aumento do montante do ZORA subscrito pela GSTM.

    3.   Resumo

    40.

    Das decisões fiscais antecipadas resulta, em suma, que as sociedades operacionais LNG Supply e GSTM só são tributadas à taxa normal do imposto sobre as sociedades sobre uma matéria coletável (margem) acordada com a Administração Fiscal. A determinação desta matéria coletável do imposto sobre as sociedades não é feita no âmbito da fixação normal dos lucros (ou seja, normalmente através de uma comparação dos ativos de exploração), mas sim com base no valor inscrito no balanço, porém, no mínimo, com base no volume de negócios. Deste modo, as filiais operacionais são tributadas também em caso de prejuízos.

    41.

    As mais‑valias superiores à matéria coletável assim determinada (ou seja, o lucro efetivo remanescente) não foram tributadas devido à tributação da margem acordada a nível das sociedades operacionais (LNG Supply e GSTM) e foram exclusivamente imputadas ao elemento de financiamento (ZORA).

    42.

    Por força do contrato a termo, não há, em caso conversão do ZORA em ações, nenhum lucro a nível da sociedade intermediária. Os lucros resultantes da conversão do ZORA são então tratados como capitais próprios a nível da sociedade‑mãe e, por força do regime luxemburguês das sociedades‑mãe, não são tributados ao abrigo da isenção (artigo 166.o da LIR) não são tributados. Em resultado, mantém‑se unicamente a tributação da margem descrita da atividade de exploração.

    D. Decisão da Comissão

    43.

    Em 23 de março de 2015, a Comissão Europeia enviou ao Grão‑Ducado do Luxemburgo um pedido de informações sobre as decisões fiscais antecipadas emitidas em relação ao grupo Engie. Após ter informado o Grão‑Ducado do Luxemburgo, por carta de 1 de abril de 2016, de que tinha dúvidas quanto à compatibilidade dessas decisões fiscais antecipadas com as regras em matéria de auxílios de Estado, a Comissão deu início, em 19 de setembro de 2016, ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE. Em 20 de junho de 2018, a Comissão adotou a decisão controvertida.

    44.

    Nessa decisão, a Comissão considera, em substância, que o Grão‑Ducado do Luxemburgo concedeu uma vantagem seletiva ao grupo Engie, em violação dos artigos 107.o, n.o 1, e 108.o, n.o 3, TFUE. A Comissão contesta o impacto prático da estrutura de financiamento escolhida na dívida fiscal total do grupo, uma vez que, praticamente a totalidade dos lucros realizados pelas filiais no Luxemburgo permaneceram definitivamente isentos de impostos.

    45.

    A Comissão justifica a concessão de uma vantagem económica, em particular, pelo facto de, nos termos das decisões fiscais prévias, além da margem acordada com a Administração Fiscal luxemburguesa, nenhuma das sociedades envolvidas nas operações foram tributadas sobre os acréscimos sobre o ZORA correspondentes aos lucros realizados pela LNG Supply e pela GSTM. A vantagem relevante para efeitos da legislação em matéria de auxílios de Estado reside, em concreto, na aplicação da isenção fiscal prevista no artigo 166.o da LIR aos rendimentos de participações obtidos pelas respetivas sociedades‑mãe após a transformação, ao passo que, a nível das filiais (bem como das sociedades intermediárias), nenhuma tributação efetiva era assegurada.

    46.

    No que diz respeito à existência de uma vantagem seletiva, a Comissão baseia‑se, no total, em quatro linhas de argumentação diferentes.

    47.

    Em primeiro lugar, a Comissão considera que existe seletividade a nível das sociedades‑mãe, ou seja, a LNG Holding e a CEF, uma vez que as decisões fiscais antecipadas aprovaram, a esse nível, uma não tributação dos rendimentos de participações que, do ponto de vista económico, corresponderiam aos acréscimos sobre o ZORA. Deste modo, o tratamento procede à derrogação ao quadro de referência alargado ao sistema luxemburguês de tributação das sociedades, com base no qual os contribuintes do imposto sobre as pessoas coletivas com sede no Luxemburgo seriam tributados sobre o seu lucro, conforme apurado nas contas anuais.

    48.

    Em segundo lugar, a Comissão considera que existe seletividade a nível das sociedades‑mãe, uma vez que as decisões fiscais antecipadas aprovaram a aplicação da isenção fiscal dos rendimentos de participações prevista no artigo 166.o da LIR aos rendimentos obtidos pelas sociedades‑mãe. Segundo a Comissão, este tratamento procede à derrogação ao quadro de referência restrito constituído pelas regras relativas à isenção fiscal dos rendimentos de participações, uma vez que, segundo estas, a isenção fiscal só deve ser concedida se os lucros distribuídos tiverem sido previamente tributados a nível das filiais (o chamado princípio da correspondência).

    49.

    Em terceiro lugar, a Comissão considera que as decisões fiscais antecipadas concedem uma vantagem seletiva ao grupo Engie, uma vez que a dedutibilidade fiscal dos acréscimos sobre o ZORA a nível das filiais, combinada com a não tributação dos acréscimos sobre o ZORA a nível das sociedades intermediárias e das sociedades‑mãe, conduziu a uma redução global da matéria coletável do grupo no Luxemburgo. Isto constitui uma derrogação a um quadro de referência alargado, constituído pelo sistema luxemburguês do imposto sobre as sociedades, que não permite essa redução da matéria coletável (a chamada abordagem de grupo).

    50.

    Como linha de argumentação alternativa, a Comissão alega, em quarto lugar, que as decisões fiscais antecipadas derrogaram a disposição luxemburguesa antiabuso em direito fiscal ou que foi de indevidamente que a Administração Fiscal luxemburguesa não não teve em conta o facto de que devia ser aplicada a regra antiabuso prevista no artigo 6.o da StAnpG. A Comissão considera que a estrutura de financiamento criada pelo grupo Engie era abusiva e que, por conseguinte, a Administração Fiscal luxemburguesa não deveria ter emitido essas decisões fiscais antecipadas com base na jurisprudência luxemburguesa (falha no combate ao abuso).

    51.

    A Comissão considerou que os outros elementos constitutivos de um auxílio na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE estavam igualmente preenchidos e, por conseguinte, decidiu que o Luxemburgo devia recuperar o auxílio junto da LNG Holding. Qualquer montante que a LNG Holding não reembolse deve ser recuperado junto da Engie S.A. Uma vez que a segunda série de decisões fiscais antecipadas não tinha ainda resultado numa conversão dos ZORA em participações da GSTM, não foi ordenada qualquer recuperação a este respeito. No que diz respeito às conversões futuras, foi proibido continuar a tratar os rendimentos de participações resultantes como isentos de impostos.

    E. Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

    52.

    Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de agosto de 2018, o Grão‑Ducado do Luxemburgo interpôs recurso no processo T‑516/18, destinado à anulação da decisão controvertida.

    53.

    Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de setembro de 2018, a Engie Global LNG Holding S.à.r.l, a Engie Invest International S.A. e a Engie S.A. (a seguir «Engie») interpuseram igualmente, no processo T‑525/18, recurso de anulação da decisão controvertida.

    54.

    Por Despacho de 15 de fevereiro de 2019, o presidente da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral deferiu o pedido de intervenção da Irlanda no processo T‑516/18.

    55.

    Por Despacho do presidente da Segunda Secção alargada do Tribunal Geral, de 12 de junho de 2020, os processos T‑516/18 e T‑525/18 foram apensados para efeitos da fase oral, ouvidas as partes, em conformidade com o artigo 68.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

    56.

    Em apoio dos seus recursos, a Engie e o Grão‑Ducado do Luxemburgo invocaram, em substância, seis grupos de fundamentos:

    o primeiro grupo é relativo à violação dos artigos 4.o e 5.o TUE e dos artigos 3.o a 5.o e 113.o a 117.o TFUE, na medida em que a apreciação da Comissão conduz a uma harmonização fiscal dissimulada (terceiro fundamento no processo T‑516/18 e quinto fundamento no processo T‑525/18);

    o segundo grupo é relativo à violação do artigo 107.o TFUE, na medida em que a Comissão considerou que as decisões fiscais antecipadas concederam uma vantagem por não serem conformes com o direito fiscal luxemburguês (segundo fundamento no processo T‑516/18 e segundo fundamento no processo T‑525/18);

    o terceiro grupo é relativo à violação do artigo 107.o TFUE, do dever de fundamentação previsto no artigo 296.o TFUE e do princípio do respeito dos direitos de defesa, na medida em que a Comissão concluiu pela seletividade dessa vantagem (primeiro, quarto e sexto fundamentos no processo T‑516/18 e terceiro, sexto e oitavo fundamentos no processo T‑525/18);

    o quarto grupo é relativo à violação do artigo 107.o TFUE, na medida em que a Comissão partiu do princípio de que as decisões fiscais antecipadas eram imputáveis ao Estado luxemburguês e que foram comprometidos recursos estatais (primeiro fundamento no processo T‑525/18);

    o quinto grupo é relativo à violação do artigo 107.o TFUE, na medida em que a Comissão qualificou erradamente as decisões fiscais antecipadas como auxílios individuais (quarto fundamento no processo T‑525/18);

    o sexto grupo é relativo à violação dos princípios gerais do direito da União, na medida em que a Comissão ordenou a recuperação do auxílio (quinto fundamento no processo T‑516/18 e sétimo fundamento no processo T‑525/18).

    57.

    No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedentes todos esses fundamentos e, por conseguinte, negou, na íntegra, provimento aos recursos nos processos T‑516/18 e T‑525/18.

    58.

    No que respeita ao primeiro grupo de fundamentos, o Tribunal Geral considerou, em substância (n.os 134 e seguintes, particularmente n.o 150), que, ao apreciar as decisões fiscais antecipadas, a Comissão não procedeu a nenhuma «harmonização fiscal», mas limitou‑se a exercer a competência que lhe é conferida pelo artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

    59.

    No que respeita ao segundo e terceiro grupos de fundamentos, o Tribunal Geral considerou, no n.o 230 do seu acórdão, que, na medida em que determinados fundamentos de uma decisão podem, por si só, ser juridicamente suficientes para justificar essa decisão, os vícios de que possam estar feridos outros fundamentos do ato não têm, de qualquer modo, influência na sua parte decisória. Em primeiro lugar, o Tribunal Geral analisou o quadro de referência restrito, constituído pelos artigos 164.o e 166.o da LIR e conclui, com base nesse quadro de referência, que existe uma derrogação a esse quadro que não pode ser justificada. Tendo considerado, à semelhança da Comissão, que a Comissão não era obrigada a incluir as disposições da Diretiva sobre sociedades‑mães e sociedades afiliadas no quadro de referência, nomeadamente porque se tratava de uma situação puramente interna (n.os 263 e seguintes). Por conseguinte, a Comissão considerou acertadamente que as decisões fiscais antecipadas se afastaram do quadro de referência constituído pelos artigos 164.o e 166.o da LIR, a saber, que, através das decisões fiscais antecipadas, um erro de aplicação do direito foi validado (n.os 288 e seguintes).

    60.

    Quanto à pretensa inexistência de uma vantagem seletiva à luz da disposição relativa ao abuso de direito, o Tribunal Geral considerou que a Comissão tinha demonstrado de forma suficiente todos os critérios necessários para concluir pela existência de um abuso de direito segundo o direito luxemburguês, a saber, a utilização de formas ou instituições de direito privado, a redução da carga fiscal, a utilização de uma via jurídica inadequada e a ausência de fundamentos não fiscais (n.os 384 e seguintes, particularmente n.os 410 e seguintes).

    61.

    No que diz respeito à quarta série de fundamentos, o Tribunal Geral declarou (n.os 212 e seguintes) que as decisões fiscais antecipadas tinham sido adotadas pela Administração Fiscal luxemburguesa e que essas decisões tinham por efeito reduzir a carga fiscal que, em princípio, onera o orçamento de uma empresa, pelo que não havia imputabilidade ao Grão‑Ducado do Luxemburgo nem eram comprometidos recursos estatais.

    62.

    No que respeita ao quinto grupo de fundamentos, o Tribunal Geral considerou (n.os 479 e seguintes) que a Comissão podia qualificar de auxílio individual uma medida de execução de um regime geral sem ter de demonstrar previamente que as disposições subjacentes constituíam um regime de auxílios, mesmo que fosse esse o caso.

    63.

    Por último, no que respeita ao sexto grupo de fundamentos (n.os 489 e seguintes), o Tribunal Geral considerou que a Comissão não tinha violado os princípios gerais da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima ao ordenar ao Grão‑Ducado do Luxemburgo a recuperação do auxílio. Em particular, as empresas beneficiárias de um auxílio só podem ter uma confiança legítima na regularidade do auxílio se este tiver sido concedido no respeito pelo procedimento previsto no artigo 108.o TFUE.

    IV. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    64.

    Em 22 de julho de 2021, a Engie interpôs o presente recurso (processo C‑454/21 P) do acórdão do Tribunal Geral. A Engie pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

    julgar o presente recurso admissível e procedente;

    anular o Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 12 de maio de 2021 nos processos apensos T‑516/18 e T‑525/18, Luxemburgo e Engie Global LNG Holding e o./Comissão;

    decidir definitivamente quanto ao mérito, em conformidade com o artigo 61.o do Estatuto do Tribunal de Justiça e, deferir os pedidos apresentados pela Engie em primeira instância ou, a título subsidiário, anular o artigo 2.o da Decisão (UE) 2019/421 da Comissão, de 20 de junho de 2018, relativa ao auxílio estatal SA.44888 (2016/C) (ex 2016/NN) concedido pelo Luxemburgo à Engie (JO 2019, L 78, p. 1), na medida em que ordena a recuperação do auxílio;

    a título ainda mais subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral;

    condenar a Comissão na totalidade das despesas.

    65.

    Em 21 de julho de 2021, o Grão‑Ducado do Luxemburgo interpôs o presente recurso (processo C‑451/21 P) do Acórdão do Tribunal Geral. O Luxemburgo pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

    anular o Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 12 de maio de 2021 nos processos apensos T‑516/18 e T‑525/18, Luxemburgo e Engie Global LNG Holding e o./Comissão;

    decidir definitivamente quanto ao mérito, em conformidade com o artigo 61.o do Estatuto do Tribunal de Justiça e, deferir os pedidos apresentados pelo Luxemburgo em primeira instância e anular a Decisão (UE) 2019/421 da Comissão, de 20 de junho de 2018, relativa ao auxílio estatal SA.44888 (2016/C) (ex 2016/NN);

    a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral;

    condenar a Comissão nas despesas efetuadas pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo.

    66.

    A Comissão pede, em ambos os processos, que o Tribunal de Justiça se digne negar provimento aos recursos e condenar as recorrentes nas despesas.

    67.

    Todas as partes apresentaram observações escritas no Tribunal de Justiça e, em 30 de janeiro de 2023, apresentaram conjuntamente alegações orais sobre os recursos.

    V. Apreciação jurídica

    68.

    Em apoio do seu recurso, a Engie invoca três fundamentos de recurso e o Luxemburgo invoca quatro fundamentos cujos conteúdos se sobrepõem. Na análise dos fundamentos do recurso, começarei pelos da Engie (A., B., C., infra) e terminarei com os restantes do Luxemburgo (D., infra). A este respeito, limitar‑me‑ei, a título exemplificativo, à série de decisões fiscais antecipadas relativas à LNG Holding, uma vez que, de qualquer modo, o ZORA foi parcialmente convertido em relação a esta última. As considerações podem ser transpostas para a segunda série de decisões fiscais antecipadas relativas à GSTM.

    A. Quanto ao primeiro fundamento de recurso, relativo a uma interpretação errada do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, no contexto do quadro de referência restrito

    69.

    Com o seu primeiro fundamento de recurso, a Engie (e também o Luxemburgo) invoca erros de direito do Tribunal Geral na interpretação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, em especial na determinação do quadro de referência. O Tribunal Geral considerou que as decisões fiscais antecipadas a favor da Engie constituíam uma derrogação ao quadro de referência restrito dos artigos 164.o e 166.o da LIR.

    70.

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de «auxílio estatal», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, exige, em primeiro lugar, que se trate de uma intervenção do Estado ou proveniente de recursos estatais. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem seletiva ao beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência ( 9 ).

    71.

    No caso em apreço, há que examinar apenas as considerações do Tribunal Geral relativas ao critério da vantagem seletiva. No que respeita às medidas fiscais, a seletividade deve ser determinada em várias fases, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça. Para esse efeito, importa, num primeiro momento, identificar o regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa (o denominado quadro de referência) ( 10 ). Com base neste regime fiscal comum ou «normal», há que apreciar, num segundo momento, se a medida fiscal em causa derroga o regime comum, na medida em que introduz diferenciações entre operadores económicos que, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime geral, se encontram numa situação factual e jurídica comparável ( 11 ). Se tiver sido detetada uma derrogação à «tributação normal», será necessário, numa última fase, examinar se a derrogação se justifica.

    72.

    O ponto de partida para a determinação do quadro de referência pode ser sempre a escolha do legislador nacional, o que este considera ser a tributação «normal». As decisões fiscais de base, em especial as decisões relativas à técnica fiscal, mas também os objetivos e princípios da tributação, são, portanto, da competência do Estado‑Membro ( 12 ). Por conseguinte, nem a Comissão nem o Tribunal de Justiça podem apreciar o direito fiscal nacional com base num sistema fiscal ideal ou fictício ( 13 ).

    73.

    Constituindo a determinação do quadro de referência o ponto de partida de um exame comparativo que deve ser efetuado no contexto da apreciação da seletividade de um regime de auxílio, um erro cometido nessa determinação vicia necessariamente toda a análise do requisito relativo à seletividade ( 14 ).

    1.   Conclusões do Tribunal Geral

    74.

    O Tribunal Geral declarou, nos n.os 292 e seguintes, que o artigo 166.o da LIR não faz depender formalmente a concessão da isenção dos rendimentos de participações a nível da sociedade‑mãe da tributação dos lucros distribuídos a nível das filiais. Ora, resulta da conjugação do artigo 166.o da LIR e do artigo 164.o da LIR que a isenção dos rendimentos de participações prevista no artigo 166.o da LIR só é concedida se os rendimentos não tiverem sido deduzidos do rendimento tributável da filial (n.o 297).

    75.

    Além disso, os acréscimos sobre o ZORA não constituem formalmente distribuições de lucros na aceção do artigo 164.o da LIR. Ora, na medida em que os rendimentos de participações isentas a nível das sociedades‑mãe correspondem, no essencial, ao montante dos acréscimos, há que considerar que, nas circunstâncias específicas do caso em apreço, se trata materialmente de distribuições de lucros (n.o 300).

    76.

    No n.o 327, o Tribunal Geral constatou que, nas decisões fiscais antecipadas, a Administração Fiscal luxemburguesa derrogou o quadro de referência constituído pelos artigos 164.o e 166.o da LIR ao confirmar, a nível das sociedades‑mãe, a isenção dos rendimentos de participações que, de um ponto de vista económico, correspondem ao montante dos acréscimos sobre o ZORA, deduzidos a título de encargos a nível das filiais.

    2.   Apreciação

    77.

    Em conclusão, a Engie e o Luxemburgo alegam que o Tribunal Geral cometeu erros de direito e desvirtuou os factos ao proceder a estas apreciações. Presumiu, erradamente, que existia um vínculo entre o artigo 164.o da LIR e o artigo 166.o da LIR ao considerar, à semelhança da Comissão, que as decisões fiscais antecipadas luxemburguesas constituíam um auxílio. Por conseguinte, há que determinar se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao confirmar o sistema de referência utilizado pela Comissão na decisão controvertida.

    78.

    A determinação correta do quadro de referência aplicável exige uma interpretação da Lei luxemburguesa relativa ao Imposto sobre o Rendimento («LIR»). A Comissão contesta a admissibilidade desta parte do fundamento de recurso pelo facto de se referir a questões de facto. É certo que a apreciação dos factos — incluindo, em princípio, a apreciação do direito nacional pelo Tribunal Geral ( 15 ) — e dos elementos de prova não constitui uma questão de direito suscetível de fiscalização pelo Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral. O Tribunal de Justiça só pode verificar se esse direito foi desvirtuado ( 16 ). Em contrapartida, o Tribunal de Justiça pode fiscalizar a qualificação jurídica do direito nacional feita pelo Tribunal Geral à luz do direito da União ( 17 ). Isto é determinante no âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, uma vez que a vantagem seletiva necessária para se considerar que existe um auxílio resulta apenas de uma derrogação ao sistema fiscal nacional «normal», o sistema de referência.

    79.

    Por conseguinte, em direito dos auxílios de Estado reconhece‑se que a questão de saber se o Tribunal Geral identificou e delimitou de forma adequada o sistema de referência resultante do direito nacional constitui uma questão de direito. Como tal, pode ser objeto de fiscalização pelo Tribunal de Justiça em sede de recurso ( 18 ). Por conseguinte, um argumento que põe em causa a escolha do sistema de referência correto na primeira fase da análise da existência de uma vantagem seletiva é igualmente admissível em sede de recurso.

    80.

    Uma vez que os argumentos de Engie e do Luxemburgo procuram pôr em causa a existência, admitida pelo Tribunal, de um princípio de correspondência ao abrigo do artigo 164.o da LIR em conjugação com o artigo 166.o da LIR como sistema de referência em matéria de auxílios de Estado, a primeira parte do segundo fundamento de recurso é admissível. Assim, o Tribunal de Justiça pode, em sede de recurso, examinar a questão de direito de saber se o Tribunal Geral teve em conta e aplicou acertadamente o princípio da correspondência no direito luxemburguês como parte do quadro de referência.

    81.

    A este respeito, importa começar por identificar a vantagem seletiva pertinente (v., a este respeito, a., infra). De seguida, é determinado o critério de apreciação na revisão das decisões fiscais antecipadas (v., a este respeito, b., infra). Com base nestes elementos, são examinadas as considerações do Tribunal Geral relativas à determinação do quadro de referência relevante (v., a este respeito, c. e d., infra). Uma vez que, na audiência, a Comissão pôs em causa a coerência do direito fiscal luxemburguês enquanto tal, analisarei em seguida se a eventual inexistência de uma cláusula substantiva de correspondência no direito nacional pode constituir um auxílio (v., a este respeito, e., infra).

    a)   A vantagem seletiva pertinente

    82.

    Na decisão impugnada, a Comissão considera que existe uma vantagem seletiva, uma vez que, em seu entender, existe um vínculo obrigatório entre o artigo 164.o e o artigo 166.o da LIR. A este respeito, a Comissão e, em seguida, o Tribunal Geral sublinharam que, em razão da estrutura de financiamento escolhida pelo grupo Engie, em derrogação da tributação normal das sociedades, verifica‑se, em larga medida, a não tributação dos lucros realizados a nível da filial quando esta realiza lucros. Todavia, nem um nem o outro tiveram em conta que isso conduzia, igualmente em derrogação da tributação normal das sociedades, a uma tributação quando a filial sofre perdas, como parece ter acontecido à LNG Supply em 2015 e 2016.

    83.

    Com efeito, em ambos os casos, é sempre tributada a margem acordada com a Administração Fiscal, sendo essa margem determinada, no mínimo, em função do volume de negócios e, portanto, independentemente de eventuais lucros. Em contrapartida, a Comissão e, em seguida, o Tribunal Geral sublinham que, a nível das sociedades‑mãe, onde os lucros acabaram por chegar com a conversão do ZORA, podia ser invocada a isenção dos rendimentos de participações prevista no artigo 166.o da LIR, apesar de estes não terem sido «tributados» a nível da filial ao abrigo do artigo 164.o da LIR.

    84.

    Por conseguinte, a Comissão não examinou nem contestou o acordo sobre a margem que, segundo as decisões fiscais antecipadas, constituiria a única matéria coletável a nível das filiais. A questão de saber se este método, que se afasta da tributação normal das sociedades (não uma comparação contabilística, mas uma tributação baseada no balanço ou no volume de negócios), constitui uma vantagem seletiva, não foi examinada. Além disso, a Comissão não suscitou, nem examinou, a questão de saber se, nos termos da lei fiscal luxemburguesa, este método específico estava à disposição de todos os contribuintes comparáveis. O mesmo se aplica às percentagens aí fixadas. Não se esclarece o modo como estas são fixadas e como pode o seu montante ser justificado.

    85.

    Por conseguinte, esta tributação sobre a margem, que afeta em especial o montante dos acréscimos sobre o ZORA, não é objeto da decisão impugnada nem do acórdão recorrido e, por conseguinte, também não pode ser examinada pelo Tribunal de Justiça. No entanto, a Comissão pode sanar esta situação através de uma nova decisão em matéria de auxílios de Estado, desde que não tenha havido prescrição.

    b)   As decisões fiscais antecipadas enquanto objeto de apreciação à luz do direito em matéria de auxílios de Estado e critério de apreciação aplicável

    86.

    Pelo contrário, a Comissão esclarece expressamente na sua decisão que o auxílio resultaria das decisões fiscais antecipadas relativas ao grupo Engie. Não é o regime das sociedades‑mãe previsto no artigo 166.o da LIR (ou seja, a isenção fiscal das distribuições de lucros no seio de um grupo de sociedades), em si, mas a sua aplicação no caso concreto é que é problemática à luz do direito em matéria de auxílios de Estado. A este respeito, a Comissão invoca, ainda que não expressamente, um erro de aplicação do direito das autoridades luxemburguesas. Isto resulta igualmente das considerações relativas ao quadro de referência restrito que, segundo a Comissão, é constituído pelos artigos 164.o e 166.o da LIR.

    87.

    O Tribunal Geral partilha desta abordagem ao considerar que o auxílio a que se refere a Comissão consiste na aplicação errada do artigo 164.o, em conjugação com o artigo 166.o da LIR porque a legislação luxemburguesa em matéria de imposto sobre as sociedades prevê o chamado princípio da correspondência. Isto significa que a isenção fiscal a nível da sociedade‑mãe beneficiária depende da tributação prévia dos montantes distribuídos a nível da filial.

    88.

    A título preliminar, importa recordar que as decisões fiscais antecipadas não constituem, em si mesmas, auxílios ilegais na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. São um instrumento importante para garantir segurança jurídica, o que a Comissão também reconhece ( 19 ). O princípio da segurança jurídica é um princípio geral de direito da União ( 20 ). Por conseguinte, as decisões não suscitam problemas em matéria de direito de auxílios de Estado desde que sejam abertas a todos os contribuintes (normalmente mediante pedido) e estejam em conformidade com o direito fiscal nacional em questão, como qualquer outra decisão fiscal. A este respeito, limitam‑se a antecipar o resultado de uma decisão fiscal posterior.

    89.

    No entanto, se a decisão fiscal antecipada for objeto de exame à luz do direito em matéria de auxílios de Estado, coloca‑se a questão de saber se qualquer derrogação à lei fiscal que seja favorável ao contribuinte (ou seja, qualquer decisão fiscal antecipada que seja errada em proveito do contribuinte) pode constituir um auxílio na aceção dos Tratados. Em si mesma, tal interpretação estaria coberta pela redação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

    90.

    No entanto, tal interpretação seria contrária ao critério de análise desenvolvido pelo Tribunal de Justiça para os regimes de auxílios sob a forma de leis fiscais gerais. O Tribunal sublinha, assim, que, no estado atual da harmonização do direito fiscal da União, os Estados‑Membros podem aplicar livremente o sistema fiscal que considerem mais adequado ( 21 ), o que se aplica expressamente também ao domínio dos auxílios de Estado ( 22 ). Esta margem de manobra dos Estados‑Membros é extensiva à determinação das características fundamentais de cada imposto. É o que sucede, designadamente, com a escolha da taxa do imposto, que pode ser proporcional ou progressiva, mas também com a determinação do rendimento tributável e do seu facto gerador ( 23 ). Do mesmo modo, a decisão sobre quais os impostos estrangeiros e em que condições estes podem ser imputados à carga fiscal nacional é de natureza a tal ponto geral que é abrangida pelo poder discricionário do Estado‑Membro para determinar as características constitutivas do imposto ( 24 ). O mesmo se pode afirmar no que respeita à aplicação e ao modo como é concebido o princípio da plena concorrência nas transações entre empresas associadas ( 25 ).

    91.

    Porém, os limites desta margem de manobra dos Estados‑Membros são ultrapassados quando os Estados‑Membros utilizam de modo abusivo a sua legislação fiscal para conceder, não obstante, vantagens a empresas individuais «à margem das regras em matéria de auxílios de Estado» ( 26 ). Esse abuso da autonomia fiscal pode ser presumido quando existe uma configuração manifestamente incoerente da lei fiscal, como aconteceu, por exemplo, no caso de Gibraltar ( 27 ). Assim, na sua jurisprudência recente, o Tribunal de Justiça só procede a uma fiscalização em matéria de auxílios de Estado das decisões fiscais de caráter geral se estas tiverem sido concebidas de forma manifestamente discriminatória, a fim de contornar as exigências decorrentes do direito da União em matéria de auxílios de Estado ( 28 ).

    92.

    Não se vislumbra qualquer razão para não transpor esta jurisprudência para a aplicação errada da lei a favor do contribuinte. Daqui resulta, pois, que nem todas as decisões fiscais antecipadas erradas, mas unicamente as manifestamente erradas a favor do contribuinte, constituem uma vantagem seletiva. Derrogações ao quadro de referência nacional aplicável são manifestamente erradas se não puderem ser explicadas de forma plausível a um terceiro, como a Comissão ou os órgãos jurisdicionais da União, e são, por conseguinte, igualmente evidentes para o contribuinte em questão. Nesses casos, pode considerar‑se que o direito em matéria de auxílios de Estado foi contornado através de uma aplicação da lei de um modo manifestamente discriminatório. Por conseguinte, não é necessário dar resposta às questões suscitadas na audiência a respeito de de saber se uma parte da doutrina luxemburguesa ou um órgão jurisdicional luxemburguês de primeira instância interpretam realmente o direito fiscal luxemburguês de forma diferente da Administração Fiscal e de outras partes da doutrina luxemburguesa.

    93.

    Assim como não há que recear que a Comissão e os órgãos jurisdicionais da União sejam sobrecarregados com a interpretação correta, caso a caso, de 27 regimes fiscais diferentes.

    94.

    Essa sobrecarga já se manifesta no presente processo. A argumentação da Comissão, julgada correta pelo Tribunal Geral assenta numa interpretação dos artigos 164.o e 166.o da LIR diferente daquela que a Engie e, em especial, o Luxemburgo sustentam. A este respeito, as declarações emitidas pelo Tribunal Geral em matéria fiscal relativamente à interpretação dos artigos 164.o e 166.o da LIR ( 29 ) revelam que o Tribunal Geral teve dificuldades na sua condição de «segundo tribunal fiscal luxemburguês». No n.o 294 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral refere, por exemplo, que o artigo 164.o da LIR prevê a tributação dos rendimentos gerados por uma sociedade, «independentemente de esses rendimentos serem ou não distribuídos. Esses rendimentos incluem igualmente, nos termos do artigo 164.o, terceiro parágrafo, da LIR, as distribuições dissimuladas de lucros.»

    95.

    Ora, segundo a sua redação, o artigo 164.o da LIR diz respeito não à tributação dos rendimentos, mas unicamente à determinação da matéria coletável da filial. Não aborda a questão de saber se quaisquer rendimentos são tributados. Pelo contrário, a tributação dos rendimentos deve antes decorrer do facto em questão gerador do imposto e da aplicação ou não das regras de isenção previstas noutras disposições.

    96.

    Além disso, uma interpretação extensiva do artigo 107.o TFUE, segundo a qual todas as decisões fiscais antecipadas erradas a favor do sujeito passivo constituem vantagens seletivas, suscitaria a seguinte problemática: a adoção de uma decisão fiscal antecipada, tal como a de qualquer decisão fiscal, pode padecer de erros. Porém, a verificação de que tal decisão fiscal é errada ou correta incumbe, na realidade, às autoridades fiscais nacionais e aos órgãos jurisdicionais nacionais. Se se considerasse que qualquer simples erro na determinação do imposto constitui uma violação do direito em matéria de auxílios de Estado, isso teria como consequência que a Comissão se tornaria, de facto, um uma Administração Fiscal suprema e que os órgãos jurisdicionais da União, através do controlo das decisões da Comissão, tornar‑se‑iam órgãos jurisdicionais fiscais supremos.

    97.

    Isto, por sua vez, poria em causa a autonomia fiscal dos Estados‑Membros, como indica igualmente o primeiro grupo de fundamentos no processo principal. Aí figura o discurso de uma harmonização fiscal dissimulada. Também o terceiro fundamento de recurso do Luxemburgo concebe a fiscalização, à luz do direito em matéria de auxílios de Estado, das decisões fiscais e das leis fiscais não harmonizadas como uma ingerência na autonomia fiscal própria.

    98.

    O Tribunal de Justiça já se debruçou sobre estas preocupações noutras ocasiões. Assim, o advogado‑geral P. Pikamäe indicou, quanto aos critérios de determinação da tributação «normal», que são, a este respeito, determinantes as disposições do direito positivo. A fim de evitar qualquer usurpação da competência exclusiva dos Estados‑Membros em matéria de fiscalidade direta, a existência de uma vantagem na aceção do artigo 107.o TFUE só pode ser verificada à luz do quadro normativo definido pelo legislador nacional no exercício efetivo dessa competência ( 30 ). Na aplicação deste quadro normativo, deve ser reconhecida uma certa margem de apreciação, por exemplo, na determinação dos preços de transferência pertinentes ( 31 ).

    99.

    O Tribunal de Justiça salienta neste contexto ( 32 ) que, no âmbito do exame da existência de uma vantagem fiscal seletiva na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, e para efeitos da determinação da carga fiscal que habitualmente onera uma empresa, não podem ser tomados em consideração parâmetros e regras externas ao sistema fiscal nacional em causa, exceto se este lhes fizer expressamente referência. Trata‑se de uma expressão do princípio da legalidade da tributação, que, enquanto princípio geral de direito, faz parte da ordem jurídica da União. Esse princípio exige que qualquer obrigação de pagamento de um imposto, bem como todos os elementos essenciais que constituem os aspetos substantivos do imposto, sejam previstos pela lei. O contribuinte deve poder prever e calcular o montante do imposto devido e determinar a data em que este se torna exigível ( 33 ). Além disso, o Tribunal de Justiça sublinha que a eventual fixação dos métodos e critérios que permitem determinar um resultado de «plena concorrência» é abrangida pelo poder de apreciação dos Estados‑Membros ( 34 ).

    100.

    Esta fiscalização restrita do direito nacional impõe‑se, portanto, igualmente à luz do interesse dos contribuintes em matéria de segurança jurídica. Como já foi acima referido (n.os 88 e seguintes) as decisões fiscais antecipadas são, mais do que outras decisões fiscais ( 35 ), instrumentos importantes para criar segurança jurídica ( 36 ). Tanto o princípio da segurança jurídica como a instituição conexa do caráter definitivo de um ato administrativo ficariam desvalorizados se qualquer decisão fiscal errada (por exemplo, uma decisão fiscal antecipada como uma decisão fiscal normal) pudesse ser considerada uma violação das regras em matéria de auxílios de Estado.

    101.

    Tendo em conta a jurisprudência acima referida (n.os 90 e seguintes), entendo, portanto, que o exame de decisões fiscais individuais (decisões fiscais normais, como as decisões fiscais antecipadas) deve ser efetuada igualmente com base num critério de apreciação restrito, limitado a um controlo de plausibilidade. Por conseguinte, nem toda a aplicação errada do direito fiscal nacional constitui uma vantagem seletiva. Apenas uma derrogação manifesta da decisão fiscal antecipada (ou da decisão fiscal) em relação ao quadro de referência constituído pela legislação fiscal nacional a favor do contribuinte pode constituir uma vantagem seletiva. Na falta de tal derrogação manifesta, a decisão pode eventualmente ser ilegal, mas, devido a essa possível derrogação do quadro de referência, não constitui um auxílio na aceção do artigo 107.o TFUE.

    c)   Quanto à existência de um quadro de referência corretamente definido (artigo 164.o em conjugação com o artigo 166.o da LIR)

    102.

    Consequentemente, o Tribunal de Justiça não tem de examinar se a consequência jurídica prometida nas decisões fiscais antecipadas e contestada pela Comissão resulta efetivamente do direito fiscal luxemburguês. O que importa é apenas saber se essa consequência jurídica não resulta manifestamente do direito fiscal luxemburguês.

    103.

    Seria esse o caso se, do artigo 164.o, em conjugação com o artigo 166.o da LIR, resultasse manifestamente um princípio de coerência que, segundo a Comissão e o Tribunal Geral, constitui o quadro de referência aplicável.

    1) Não inclusão da Diretiva sobre sociedades‑mães e sociedades afiliadas no quadro de referência (primeira parte do primeiro fundamento de recurso da Engie)

    104.

    Em primeiro lugar, contrariamente ao que a Engie e o Luxemburgo alegam, não há que criticar a não inclusão da Diretiva sobre sociedades‑mães e sociedades afiliadas no quadro de referência. É certo que, segundo a Diretiva sobre sociedades‑mães e sociedades afiliadas, a tributação prévia dos lucros a nível da filial não constituía, até à sua alteração em 2014 ( 37 ), uma condição para a isenção dos rendimentos de capitais a nível da sociedade‑mãe.

    105.

    Ora, deve proceder‑se à determinação do quadro de referência com base no direito nacional aplicado. Porém, uma diretiva da UE não pode, em princípio, ser diretamente aplicada ao contribuinte (neste caso, a Engie), uma vez que se dirige ao Estado‑Membro. Além disso, não havendo situações transfronteiriças (todas as sociedades em causa são residentes no Luxemburgo), o seu âmbito de aplicação material não era aberto. Por conseguinte, só o direito luxemburguês (neste caso, os artigos 164.o e 166.o da LIR) constitui o quadro de referência correspondente.

    106.

    Isso não significa, porém, que a Diretiva sobre sociedades‑mães e sociedades afiliadas careça de significado. Com efeito, como foi novamente salientado na audiência, o artigo 166.o da LIR transpõe a Diretiva sobre sociedades‑mães e sociedades afiliadas para o direito luxemburguês e regula da mesma forma os casos transfronteiriços e internos. Este aspeto deve ser tido em conta na interpretação do quadro de referência.

    2) Vínculo entre o artigo 164.o e o artigo 166.o da LIR no direito luxemburguês (designado princípio da correspondência)

    107.

    Além disso, o recurso interposto pela Engie e pelo Luxemburgo tem por objeto o vínculo obrigatório estabelecido pela Comissão entre o artigo 164.o e o artigo 166.o da LIR. Se tal vínculo existisse efetivamente, o direito luxemburguês sujeitaria o benefício da isenção dos rendimentos de participações a uma tributação a nível da filial. A aplicação do regime das sociedades‑mãe poderia nesse caso constituir um erro de aplicação do direito, uma vez que os acréscimos sobre o ZORA a nível da filial não são incluídos no rendimento tributável da margem acordada.

    108.

    Por conseguinte, coloca‑se a questão de saber se a legislação fiscal do Grão‑Ducado do Luxemburgo exige efetivamente essa tributação correspondente. Só nesse caso é que o Tribunal Geral não teria cometido um erro de direito (v., a este respeito, n.os 78 e seguintes, supra), ao considerar que é esse o quadro de referência correto. Aplicando o critério de apreciação restrito acima proposto, a resposta é claramente negativa, porque, de qualquer modo, tal vínculo não é manifesto.

    109.

    A redação do direito nacional (artigos 164.o e 166.o da LIR) não estabelece um vínculo entre as duas disposições. Pelo contrário, estas dizem respeito a contribuintes diferentes. Não é claro se uma distribuição dissimulada de lucros na aceção do artigo 164.o, n.o 3, da LIR, por exemplo, como um aumento do pagamento dos juros de um empréstimo de um acionista (que é reintegrado na matéria coletável da filial), deve ser tratada como um rendimento isento de uma participação segundo o artigo 166.o da LIR, nem, inversamente, se um rendimento isento de imposto nos termos do artigo 166.o da LIR deve ser tratado como uma utilização de lucros na aceção do artigo 164.o

    110.

    Esta interpretação dos artigos 164.o e 166.o da LIR, que a Comissão «propõe» e que o Tribunal Geral acolheu, pode ser possível, mas não resulta da letra da legislação nacional. A tese oposta (ausência de um princípio de correspondência, como defendem o Luxemburgo e a Engie) também é possível e corresponde mais à letra. Tendo em conta que o artigo 166.o da LIR transpõe a Diretiva sobre sociedades‑mães e sociedades afiliadas e que esta também não previa uma cláusula de correspondência no momento da adoção das decisões fiscais antecipadas, uma interpretação conforme com a diretiva milita igualmente contra a interpretação do artigo 166.o da LIR feita pelo Tribunal Geral.

    111.

    Esta conclusão é confirmada inclusivamente pela decisão da Comissão e pelo acórdão do Tribunal Geral. Ambos fundamentaram e admitiram, em alternativa, a existência de uma vantagem seletiva decorrente da aplicação errada da disposição nacional antiabuso (artigo 6.o da StAnpG) ( 38 ). Ora, essa fundamentação e esse resultado só podem existir logicamente se as condições legais da «dupla não tributação» estiverem preenchidas a nível da filial e a nível da sociedade‑mãe. Por conseguinte, afigura‑se que, tanto a Comissão como o Tribunal Geral, tinham dúvidas quanto à questão de saber se a sua própria interpretação dos artigos 164.o e 166.o da LIR era necessariamente (e, portanto, manifestamente) correta.

    112.

    Além disso, uma aplicação errada dos artigos 164.o e 166.o da LIR pela Administração Fiscal nunca pode constituir um mecanismo abusivo por parte do contribuinte por força do artigo 6.o da StAnpG.

    113.

    Assim, a interpretação adotada pelo Luxemburgo nas decisões fiscais antecipadas não constitui, de qualquer modo, uma interpretação manifestamente errada do direito nacional. Por conseguinte, a Comissão e o Tribunal Geral partiram de um quadro de referência errado, uma vez que o quadro de referência que adotaram não resulta manifestamente do direito luxemburguês.

    114.

    Segundo jurisprudência constante, um erro na determinação do sistema de referência vicia necessariamente toda a análise do critério da seletividade ( 39 ). Por conseguinte, desde logo por essa razão, os recursos da Engie e do Luxemburgo são procedentes.

    d)   A título subsidiário: Existência de um princípio de correspondência baseado numa interpretação do artigo 164.o em conjunção com o artigo 166.o da LIR?

    115.

    Em contrapartida, se o critério de apreciação não fosse limitado a um erro manifesto das decisões fiscais antecipadas, o Tribunal de Justiça teria de se pronunciar detalhadamente sobre o modo como devem ser interpretados corretamente os artigos 164.o e 166.o da LIR para apreciar se o Tribunal Geral se baseou no quadro de referência correto. Isto pressupõe um conhecimento aprofundado da legislação fiscal luxemburguesa, que não me arrogo possuir. No entanto, duvido que possa resultar efetivamente, como a Comissão e o Tribunal Geral fizeram nos n.os 292 e seguintes, da leitura conjugada dos artigos 164.o e 166.o da LIR, um princípio de correspondência. Estas dúvidas são demonstradas pela minha interpretação apresentada a título alternativo do direito fiscal luxemburguês.

    116.

    Como já foi referido (n.o 109), a redação milita contra o princípio da correspondência. O artigo 166.o, n.o 1, da LIR, não remete diretamente para o artigo 164.o da LIR. Há que partir do princípio de que o artigo 166.o, n.o 1, da LIR, regula de forma exaustiva as condições em que é concedida a isenção dos rendimentos de participações. Todavia, este artigo visa apenas um período mínimo de detenção e um montante mínimo de participação, e não uma tributação a montante dos lucros distribuídos. Além disso, não resulta do artigo 164.o da LIR que os rendimentos distribuídos devam ser tributados a nível da filial. Em particular, o artigo 164.o da LIR apenas diz respeito à matéria coletável (v., a este respeito, n.o 95, supra) da filial. A matéria coletável e a obrigação fiscal são duas coisas diferentes no direito fiscal.

    117.

    Por outro lado, o sentido e a finalidade, das duas disposições também não exigem necessariamente essa correspondência. Isto é demonstrado pela própria Diretiva sobre sociedades‑mães e sociedades afiliadas, que também não incluía esta condição até à sua alteração em 2014 ( 40 ). Sem essa regra de correspondência, a Diretiva sobre sociedades‑mães e sociedades afiliadas pode não ter sido perfeita, mas as suas disposições faziam sentido e não eram incoerentes. Uma vez que o artigo 166.o da LIR transpõe também a Diretiva sobre sociedades‑mães e sociedades afiliadas no Luxemburgo, sem distinguir entre distribuições transfronteiriças e distribuições internas, esta afirmação da Diretiva sobre sociedades‑mães e sociedades afiliadas (ou seja, a inexistência de um princípio de correspondência no momento da adoção das decisões fiscais antecipadas) é transponível para a interpretação do artigo 166.o da LIR.

    118.

    Infelizmente, na audiência, o Luxemburgo apenas parcialmente conseguiu explicar de forma precisa a finalidade do artigo 166.o da LIR. No entanto, a afirmação da Comissão de que o artigo 166.o da LIR é incoerente e não tem um objetivo próprio não é convincente. Normalmente, um regime das sociedades‑mãe (como previsto no artigo 166.o da LIR) tem dois objetivos. Por um lado, evita a dupla tributação económica dos rendimentos já tributados. Por outro lado, garante igualmente a manutenção de uma isenção fiscal (pessoal ou material) a nível da filial, quando esta redistribui o seu lucro (então isento) pelo titular da participação social (sociedade‑mãe). Desta forma, é possível alcançar uma certa igualdade de tratamento entre as estruturas sociais de um e as de vários níveis e, por conseguinte, uma certa neutralidade tendo em conta a forma organizativa ou a forma jurídica. Este parece‑me ser também o sentido da disposição de direito luxemburguês que figura no artigo 166.o da LIR. Por conseguinte, este também milita contra um princípio geral e não escrito de correspondência.

    119.

    O mesmo é válido se se tiver em conta o princípio da sujeição ao imposto, que, em geral, está subjacente a um imposto sobre o rendimento. A tributação de um contribuinte não depende, em geral, da tributação concreta de outro contribuinte. É certo que o legislador pode introduzir essa correspondência dentro de certos limites. Porém, nesse caso, a reserva da lei em direito fiscal (que é, um direito de intervenção clássico) exige que essa correspondência se reflita na letra da lei.

    120.

    Um princípio de correspondência não escrito também não resulta necessariamente, contrariamente às declarações da Comissão, e, posteriormente, do Tribunal Geral, da resposta do Grão‑Ducado do Luxemburgo de 31 de janeiro de 2018, referida no considerando 202 da decisão da Comissão. Daqui resulta que, todas as participações cujos rendimentos beneficiam do regime de isenção previsto no artigo 166.o da LIR são igualmente abrangidas pelo artigo 164.o da LIR. No entanto, isto não diz nada sobre a carga fiscal a montante a nível das filiais, mas apenas confirma que a própria distribuição não deve conduzir a uma redução da matéria coletável.

    121.

    Por último, do parecer — consultivo — do Conseil d’État (Conselho de Estado), de 2 de abril de 1965 também não se pode inferir um vínculo obrigatório, sobre o projeto de lei relativo ao artigo 166.o da LIR. É possível que o sentido e a finalidade do regime das sociedades‑mãe em direito luxemburguês seja evitar a tributação múltipla. No entanto, contrariamente ao que o Tribunal Geral afirma, isso não significa que o direito luxemburguês não admita uma dupla não tributação no caso concreto. A Diretiva sobre sociedades‑mães e sociedades afiliadas também pretendeu evitar a dupla tributação e, até à sua alteração em 2014, aceitou uma dupla não tributação devido à inexistência de uma cláusula de correspondência.

    122.

    Tudo isto demonstra que o princípio não escrito da correspondência, no qual a Comissão e o Tribunal Geral se basearam, não pode ser interpretado como o sistema de referência em direito luxemburguês. É certo que isso permitiria colmatar as lacunas de tributação decorrentes, por exemplo, de meios de financiamento híbridos. Porém, como o Tribunal de Justiça já declarou em várias ocasiões ( 41 ), as instituições da União, como a Comissão ou o Tribunal Geral, não podem, através do direito em matéria de auxílios de Estado, conceber um direito fiscal ideal. Num direito fiscal não harmonizado, essa função incumbe, em última instância, ao legislador nacional.

    123.

    Por último, ao definir e aplicar o quadro de referência, a Comissão e, posteriormente, o Tribunal Geral não tiveram em conta o facto de a alegada dupla não tributação não resultar de forma alguma da aplicação dos artigos 164.o e 166.o da LIR. Por um lado, as filiais são tributadas, embora a um nível muito reduzido. Por outro lado, mesmo que os acréscimos sobre o ZORA a nível da filial devessem ser considerados distribuições de lucros (abertas ou dissimuladas), o artigo 164.o da LIR não seria aplicável no caso em apreço. Tal só aconteceria se os acréscimos sobre o ZORA tivessem reduzido o rendimento tributável. Tal poderia ter sido o caso no âmbito de uma tributação normal das sociedades. No entanto, o resultado bastante estranho (tributação muito reduzida das filiais operacionais) resulta apenas da tributação da margem, acordada com a Administração Fiscal luxemburguesa.

    124.

    Resulta daqui que a Comissão e o Tribunal Geral adotaram um quadro de referência errado (artigos 164.o e 166.o da LIR em vez da base jurídica do acordo de margens) e, a seguir, definiram esse quadro de forma errada (ao presumirem um princípio de correspondência não escrito). Por conseguinte, toda a análise do critério da seletividade padece de um vício. Também a este respeito, os recursos da Engie e do Luxemburgo são procedentes.

    e)   Incoerência do direito fiscal luxemburguês devido à inexistência de uma cláusula substantiva de correspondência?

    125.

    Por último, a Comissão deu ainda a entender que, na falta dessa cláusula de correspondência, o direito fiscal luxemburguês é incoerente e, por conseguinte, constitui, como tal, um auxílio ( 42 ).

    126.

    No entanto, isso não teria nenhum impacto na conclusão acima referida (n.o 124) por duas razões. Por um lado, a decisão controvertida da Comissão e o acórdão recorrido do Tribunal Geral não dizem respeito à lei luxemburguesa enquanto regime de auxílios de Estado, mas apenas às decisões antecipadas enquanto auxílios individuais (v., a este respeito, também n.os 86 e seguintes). Por conseguinte, a inexistência de uma cláusula de correspondência legal não é objeto do litígio.

    127.

    Por outro lado, uma lei fiscal nacional que pode conduzir a uma não tributação através da aplicação de instrumentos de financiamento híbridos não é, em si, incoerente.

    128.

    É certo que, no n.o 293 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou, com razão, que, segundo o direito fiscal luxemburguês, a interpretação acima exposta pode conduzir a uma dupla não tributação dos lucros. Com efeito, a nível da sociedade beneficiária da distribuição, a isenção fiscal ao abrigo do artigo 166.o, n.o 1, ponto 2, da LIR, parece ser independente do destino fiscal dos lucros distribuídos a nível da sociedade que os distribui. No entanto, isso não ultrapassa a linha da incoerência.

    129.

    Por um lado, este regime das sociedades‑mãe (isenção das distribuições de lucros no interior de um grupo) é um regime habitual que está, em larga medida, difundido e é habitual à escala internacional. No contexto transfronteiriço, isso já se reflete na existência da Diretiva sobre sociedades‑mães e sociedades afiliadas, que se baseia numa ideia semelhante e que, até 2014, também não continha nenhuma cláusula material de correspondência. Por outro lado, os Estados‑Membros têm, em princípio, liberdade para definir as modalidades precisas desse regime das sociedades‑mãe. A este respeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às regras nacionais de imputação é transponível para um contexto transfronteiriço, cabendo a sua configuração precisa igualmente aos Estados‑Membros ( 43 ).

    130.

    É verdade que, numa perspetiva de política jurídica e no contexto dos esforços realizados a nível mundial para promover um sistema fiscal equitativo, impõe‑se evitar, sempre que possível, os chamados «rendimentos brancos». A neutralização dessas incongruências fiscais, em especial transfronteiriças, é uma preocupação tanto da OCDE ( 44 ) como da UE ( 45 ).

    131.

    No entanto, no caso presente, por um lado, é duvidoso que se possa sequer falar de rendimentos brancos, uma vez que os lucros da filial não são totalmente isentos de imposto. Pelo contrário, as decisões tributam‑nos de uma forma diferente (tributação especial sobre a margem). Por outro lado, as medidas da OCDE e da UE visam exclusivamente mecanismos híbridos resultantes das interações (não concertadas) entre os sistemas de tributação das sociedades de vários Estados‑Membros ou de países terceiros. Em contrapartida, não são visadas as assimetrias que têm origem em sistemas fiscais puramente nacionais. A este respeito, é certamente possível que, do ponto de vista de uma política jurídica, seja legítimo e, entretanto, também amplamente alargado à escala internacional, evitar a criação de rendimentos brancos através de cláusulas concretas de correspondência material.

    132.

    Ao que parece, uma cláusula deste tipo foi também introduzida para o futuro no Luxemburgo a fim de transpor a Diretiva sobre sociedades‑mães e sociedades afiliadas, alterada em 2014. Mas isso só altera o quadro de referência para o futuro.

    133.

    Por conseguinte, continua a ser uma decisão da competência do legislador nacional. Cabe ao legislador nacional, e não à Comissão ou aos órgãos jurisdicionais da União, decidir se e em que situações deve ser introduzida uma cláusula material de correspondência.

    3.   Resumo do primeiro fundamento de recurso

    134.

    Por conseguinte, apenas o legislador fiscal luxemburguês podia garantir, por via legislativa, que uma tributação correspondente entre a entidade de distribuição e a entidade beneficiária constitui o quadro de referência para a tributação normal no Luxemburgo. Como isso não foi feito, ou apenas foi feito mais tarde, a Comissão, em vez da legislação fiscal nacional em vigor, optou por um sistema fiscal eventualmente preferível, mas, em última análise, fictício. Tal como acima referido (n.os 72 e seguintes), isto não é permitido pelo direito em matéria de auxílios de Estado.

    135.

    O primeiro fundamento de recurso é, por conseguinte, procedente. O Tribunal Geral cometeu um erro de direito na medida em que, ao determinar o quadro de referência, presumiu que existia um vínculo obrigatório entre o artigo 164.o e o artigo 166.o da LIR, ou seja, um princípio de correspondência. Este vínculo não é evidente (n.os 107 e seguintes) nem resulta, após uma análise mais aprofundada, da letra, do espírito e da finalidade das regulamentações nacionais ou da jurisprudência constante dos órgãos jurisdicionais luxemburgueses (n.os 115 e seguintes).

    B. Quanto ao segundo fundamento de recurso relativo a uma interpretação errada do artigo 107.o TFUE ao utilizar o artigo 6.o da StAnpG como quadro de referência

    136.

    No entanto, o Tribunal Geral julgou igualmente improcedente, a título subsidiário, um outro fundamento pelo facto de as autoridades fiscais luxemburguesas não terem aplicado a regra geral antiabuso do artigo 6.o da StAnpG, apesar de estarem preenchidos os respetivos requisitos.

    137.

    Com o segundo fundamento, a Engie e o Luxemburgo alegam, por conseguinte, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao julgar improcedente o seu fundamento de primeira instância, relativo à inexistência de violação do artigo 107.o TFUE. A não aplicação do artigo 6.o da StAnpG no caso concreto não constitui uma derrogação ao quadro de referência definido pelo direito luxemburguês.

    138.

    Nos termos da regra geral luxemburguesa antiabuso constante do artigo 6.o da StAnpG, uma dívida fiscal não pode ser contornada ou reduzida através do recurso abusivo às formas e às possibilidades do direito civil. Em caso de abuso, os impostos devem ser cobrados em condições iguais às que seriam aplicáveis numa estrutura jurídica adaptada às operações, factos e circunstâncias económicas.

    139.

    No caso em apreço, o Tribunal de Justiça deve, pela primeira vez, pronunciar‑se sobre a questão de saber se a aplicação incorreta ou a não aplicação de uma regra geral nacional antiabuso no direito fiscal (neste caso, o artigo 6.o da StAnpG) constitui um auxílio na aceção do artigo 107.o TFUE.

    1.   Conclusões do Tribunal Geral

    140.

    O Tribunal Geral considerou, nos n.os 384 e seguintes, que a Comissão tinha demonstrado que estavam reunidos os quatro requisitos constitutivos de abuso previstos no artigo 6.o da StAnpG, desenvolvidos pela jurisprudência luxemburguesa em matéria financeira. A interpretação da disposição relativa ao abuso de direito constante do artigo 6.o da StAnpG também não apresenta dificuldades de interpretação, pelo que não era necessário examinar a prática da Administração luxemburguesa (n.o 409 do acórdão recorrido).

    141.

    A Comissão e, em seguida, o Tribunal Geral (n.o 388) consideram, em especial, que outros instrumentos de financiamento (instrumentos ligados a capitais próprios ou a capitais externos puros) estavam disponíveis e que sem que os lucros realizados a nível das filiais não tivessem sido tributados. Assim, o ZORA poderia ter sido emitido diretamente pela respetiva sociedade‑mãe à sua filial. Teria havido uma tributação adequada, mesmo que tivesse sido utilizado um empréstimo convertível sem a intervenção de uma sociedade intermediária.

    142.

    Por conseguinte, as decisões fiscais antecipadas não deveriam ter sido adotadas sob esta forma. Pelo contrário, a Administração Fiscal luxemburguesa deveria ter aplicado a regra geral antiabuso constante do artigo 6.o da StAnpG. Ao não aplicar esta disposição, o Grão‑Ducado do Luxemburgo concedeu à Engie uma vantagem fiscal seletiva.

    2.   Apreciação

    143.

    A Engie e o Luxemburgo alegam, por conseguinte, que o Tribunal Geral considerou erradamente, ao determinar o quadro de referência, que não era necessário a Comissão ter em conta a prática administrativa luxemburguesa. Alegaram, além disso, que a Comissão e o Tribunal Geral cometeram vários erros manifestos de interpretação e de aplicação ao interpretarem os quatro requisitos cumulativos necessários à verificação da existência de um abuso e ao considerarem que os factos concretos do caso presente preenchiam esses requisitos.

    144.

    Uma vez que a Comissão e, em seguida, o Tribunal Geral invocam uma violação da proibição de auxílios devido à não aplicação de uma regra geral antiabuso, começo por me pronunciar sobre esta abordagem e sobre o critério de apreciação aplicável (v., a este respeito, a., infra), a fim de determinar o quadro de referência correto. Em seguida, há que examinar se o Tribunal Geral aplicou o quadro de referência correto no caso em apreço (v., a este respeito, b., infra).

    a)   Exame, à luz das regras em matéria de auxílios de Estado, da aplicação das disposições gerais antiabuso em matéria fiscal

    145.

    Só se a Administração Fiscal luxemburguesa devesse ter aplicado a regra geral antiabuso constante do artigo 6.o da StAnpG quando da adoção das decisões antecipadas é que se colocaria a questão de uma derrogação ao quadro de referência (artigo 6.o da StAnpG). Porém, também a este respeito, a Comissão e o Tribunal Geral limitam‑se, em última análise, a invocar um simples erro na aplicação do direito luxemburguês. Mas isso não basta para constituir uma vantagem seletiva (v. n.os 89 e seguintes, supra).

    146.

    Por outro lado, no que respeita às regras gerais antiabuso (as denominadas GAAR ( 46 )) existe necessariamente uma margem de manobra na aplicação da lei, semelhante à que existe para a Administração Fiscal na determinação do preço de transferência «correto» ( 47 ).

    147.

    Não é apenas o conceito de abuso que está particularmente sujeito às apreciações da ordem jurídica de cada Estado‑Membro. A constatação de um abuso está, além disso em si mesma, fortemente dependente do caso concreto.

    148.

    A este respeito, a afirmação do Tribunal Geral, no n.o 409 do acórdão recorrido, segundo a qual «a disposição relativa ao abuso de direito não apresentava, no caso em apreço, dificuldades de interpretação», suscita dúvidas. Não parece existir uma regra geral antiabuso no direito fiscal que não apresente dificuldades de interpretação ( 48 ). Tanto mais que o Tribunal Geral já deparou com dificuldades de interpretação das normas fiscais luxemburguesas pretensamente aplicadas de forma abusiva (v. n.os 94 e seguintes, supra).

    149.

    Só num número muito reduzido de casos é que a aplicação de uma regra antiabuso deverá ser obrigatória. Só pode tratar‑se de situações que sejam evidentes por já terem sido clarificadas pela jurisprudência financeira dos Estados‑Membros (e não pela Comissão ou pelo Tribunal Geral). Isto é tanto mais assim quanto, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, no direito da União, o contribuinte pode mesmo escolher livremente, dentro dos limites legais, o regime fiscal que lhe é mais favorável ( 49 ).

    150.

    Tendo em conta as especificidades das regras gerais antiabuso, o controlo da aplicação das regras gerais antiabuso à luz do direito em matéria de auxílios de Estado deve limitar‑se, por maioria de razão, ao critério de um mero controlo da plausibilidade. Por conseguinte, deve tratar‑se de uma aplicação manifestamente errada da regra antiabuso. Esse pode ser o caso quando não for possível explicar de modo plausível por que razão o caso concreto não é constitutivo de abuso.

    b)   Aplicação destes princípios ao caso concreto

    151.

    A Comissão e, em seguida, o Tribunal Geral (n.os 398 e seguintes) baseiam‑se, acertadamente, num quadro de referência constituído pelo artigo 6.o da StAnpG. Nos termos do artigo 6.o da StAnpG, existe abuso quando estão preenchidos quatro critérios cumulativos, a saber, a utilização de formas ou de instituições de direito privado, a redução da carga fiscal, a utilização de uma via jurídica inadequada ou a inexistência de motivos não fiscais.

    152.

    Por conseguinte, o quadro de referência só pode ser definido de forma concreta se estiver estabelecido o que se deve entender por «abuso» ao abrigo do direito fiscal luxemburguês. O artigo 6.o da StAnpG não define o conceito de abuso. Uma definição do conceito de abuso no direito fiscal luxemburguês e, por conseguinte, do quadro de referência, teria necessariamente implicado uma confrontação tanto com a jurisprudência luxemburguesa como com a prática administrativa luxemburguesa. A este respeito, o Tribunal Geral já cometeu um erro de direito, no n.o 409 do acórdão recorrido, ao considerar que não era necessário ter em conta a prática administrativa, uma vez que a regra antiabuso não suscita dificuldades de interpretação no caso em apreço.

    153.

    É certo que, no n.o 409 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral recordou que, na sua decisão, a Comissão fez referência a uma circular da Administração luxemburguesa e à prática jurisprudencial luxemburguesa. Contudo, das passagens relevantes da decisão da Comissão (n.os 293 a 298), para as quais o Tribunal Geral remete, resulta apenas que a Comissão se debruçou, de forma geral, sobre os quatro requisitos de aplicação do artigo 6.o da StAnpG, e não sobre o modo como a Administração Fiscal luxemburguesa lida com mecanismos fiscais comparáveis.

    154.

    Além disso, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao substituir a interpretação da Administração Fiscal luxemburguesa pela sua própria interpretação. Em contrapartida, impõe‑se uma fiscalização da decisão da Administração Fiscal luxemburguesa para detetar se esta contém erros manifestos (v. n.o 150, supra).

    155.

    No entanto, no caso em apreço, não é evidente que a regra antiabuso devesse ter sido aplicada. Em especial, não é evidente que a interpretação da Comissão e do Tribunal Geral resulte efetivamente assim do direito luxemburguês. Isto pode ser exemplificado nas observações relativas ao critério da via jurídica inadequada. Segundo a jurisprudência luxemburguesa, para a qual remete a Comissão, esta característica deve ser interpretada no sentido de que permite um tratamento fiscal em contradição direta com a intenção manifesta do legislador, conforme com o objetivo ou com o espírito da lei. Segundo as observações do Luxemburgo, devem existir pelo menos duas possibilidades de alcançar o resultado económico pretendido, uma das quais seria inadequada e conferiria uma vantagem fiscal que não teria sido possível obter através da possibilidade adequada.

    156.

    O Tribunal Geral (n.os 445 e seguintes) analisa, partindo desta base, se o recurso a instrumentos de financiamento alternativos teria permitido evitar uma dupla não tributação. Para o efeito, o Tribunal Geral considera o financiamento através de um instrumento de fundos próprios, de um empréstimo não convertível e de um ZORA direto, celebrado diretamente entre a sociedade‑mãe e a filial. Segundo o Tribunal Geral, em todos estes casos, teria sido alcançada uma tributação única, o que, no entanto, o Luxemburgo e a Engie continuaram a pôr em causa na audiência.

    157.

    A este respeito, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito sob dois aspetos. Em primeiro lugar, à semelhança da Comissão, aplicou de forma manifestamente errada as regras luxemburguesas que esta tinha utilizado como quadro de referência, baseando‑se assim num quadro de referência errado. A condição imposta pelo artigo 6.o da StAnpG é que a estrutura escolhida constitua uma via jurídica inadequada. No entanto, o Tribunal Geral e a Comissão examinaram, pelo contrário, se outras possibilidades de financiamento teriam sido adequadas. Porém, não se concluí necessariamente daí a contrario que a estrutura escolhida pela Engie é efetivamente inadequada.

    158.

    Além disso, existe discórdia quanto à questão de saber se a utilização de um ZORA direto, ou seja, sem recurso a uma sociedade intermediária, também pode conduzir a uma dupla não tributação, uma vez que a Comissão e, posteriormente, o Tribunal Geral (n.os 441 e seguintes) afirmam que a inadequação resulta precisamente da complexidade da estrutura. Na minha opinião, isto não é claro e exclui, portanto, um abuso manifesto. Em particular, a Engie e a Comissão estão em desacordo quanto ao papel do artigo 22bis da LIR. Segundo esta disposição, a conversão de um empréstimo não conduz, sob certas condições, à realização de mais‑valias. A este respeito, como também foi demonstrado na audiência, afigura‑se duvidoso que esteja verdadeiramente aberto o âmbito de aplicação do artigo 22bis da LIR e, em última instância, quais seriam os seus efeitos. O próprio Tribunal de Justiça não o pode apreciar no presente processo. Em caso de dificuldades de interpretação do direito nacional, não se pode falar de um abuso manifesto.

    159.

    No caso em apreço, não é evidente que exista uma contradição evidente com a intenção do legislador pelo simples facto de haver um financiamento através de um instrumento de financiamento convertível com uma estrutura acionista a vários níveis, tanto mais que ambos os elementos são comuns nas estruturas das empresas. Acresce que resulta de um exame mais detalhado que não se verifica uma dupla não tributação devido à tributação da margem das filiais. Pelo contrário, verifica‑se um nível de tributação muito reduzido devido à tributação da margem acordada, mas que a Comissão não retomou na decisão controvertida (v. n.os 84 e 85, supra).

    160.

    Por último, só se pode considerar que se está perante um auxílio proibido no contexto de uma regra geral antiabuso se o mecanismo em questão não estiver aberto de modo igual a todas as empresas, porque a Administração Fiscal do Estado‑Membro teria, em casos semelhantes, aplicado a regra antiabuso.

    161.

    Por conseguinte, a Comissão deve demonstrar que a Administração Fiscal luxemburguesa teria aplicado o artigo 6.o da StAnpG noutros casos semelhantes do ponto de vista factual ou jurídico. Não basta constatar que a regra antiabuso foi aplicada de modo geral a outros contribuintes. Como a Engie salientou com razão, daqui não resulta que a não aplicação da regra antiabuso seja, no caso concreto, discriminatória.

    162.

    Por conseguinte, a não aplicação do artigo 6.o da StAnpG na adoção das decisões fiscais antecipadas não constitui uma vantagem seletiva a favor da Engie.

    3.   Resumo

    163.

    Por conseguinte, o segundo fundamento de recurso também deve ser julgado procedente. A Comissão e o Tribunal Geral que a apoia adotaram um critério de apreciação errado ao procederem à sua própria interpretação da regra geral antiabuso constante do artigo 6.o da StAnpG para determinar o seu pretenso âmbito de aplicação. Em vez disso, deviam ter tido em conta a prática administrativa luxemburguesa e a interpretação no Luxemburgo. A este respeito, a existência de um abuso segundo o direito luxemburguês não é manifesta e também não foi provada pela Comissão, o que o Tribunal Geral não teve em conta no n.o 472 do acórdão recorrido.

    C. A título subsidiário: quanto ao terceiro fundamento de recurso relativo à violação dos princípios gerais da proteção da confiança legítima

    164.

    Com o seu terceiro fundamento, a Engie alega que a ordem de recuperação do auxílio viola os princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica. O Luxemburgo formula igualmente a mesma acusação no seu segundo fundamento de recurso. Contudo, não é necessário examinar em profundidade este fundamento de recurso. Com efeito, a anulação do acórdão recorrido resulta desde logo da procedência dos dois primeiros fundamentos de recurso.

    165.

    No entanto, se o Tribunal de Justiça não aplicar o critério de apreciação moderado no contexto da regra geral antiabuso e concluir pela existência de uma montagem abusiva na aceção do artigo 6.o da StAnpG luxemburguês, colocar‑se‑ia a questão da proteção da confiança legítima. Por conseguinte, a este respeito, importa, novamente, fazer algumas observações a título subsidiário.

    166.

    Segundo jurisprudência constante, a supressão de um auxílio ilegal através da recuperação é a consequência lógica da declaração da sua ilegalidade ( 50 ).

    167.

    A obrigação de recuperação é, em particular, limitada pelo princípio da proteção da confiança legítima, que constitui um princípio geral do direito da União na aceção do artigo 16.o do Regulamento 2015/1589. No entanto, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que só em casos excecionais é que aa recuperação está excluída por razões ligadas à proteção da confiança legítima. Assim, o Tribunal de Justiça declarou que o princípio da proteção da confiança legítima só é extensivo a uma pessoa a respeito da qual uma instituição da União, fornecendo‑lhe garantias precisas, lhe tenha criado expectativas legítimas ( 51 ).

    168.

    Em contrapartida, garantias dadas pelo Estado‑Membro não devem ser consideradas suficientes à luz do princípio da efetividade ( 52 ). Isso significaria que o simples facto de uma decisão fiscal antecipada prever um tratamento fiscal específico por parte das autoridades nacionais não pode, do ponto de vista do direito da União, criar uma confiança legítima.

    169.

    Porém, as decisões fiscais antecipadas são um instrumento clássico para garantir a segurança jurídica por parte da Administração Fiscal nacional, o que a Comissão também reconhece (v. n.os 88 e seguintes, supra). Se qualquer aplicação errada da lei por uma autoridade pública a favor do sujeito passivo impedisse a proteção da confiança legítima, o caráter definitivo dessas decisões seria gravemente limitado, o que, por sua vez, criaria uma tensão com o princípio da segurança jurídica.

    170.

    Porém, se o Tribunal de Justiça seguir o critério de apreciação reduzido que aqui se propõe para os erros de aplicação do direito, esta problemática desaparece. Se o erro na aplicação do direito fiscal nacional não for manifesto, não existe auxílio. Em contrapartida, pode existir um auxílio quando um erro de aplicação do direito é manifesto e não pode ser explicado de forma plausível a um terceiro. Se fosse esse o caso, a «violação do direito» também seria reconhecida pelo contribuinte, pelo que este contribuinte não poderia ter qualquer confiança digna de proteção. Nesse caso, a garantia sob a forma de um ato administrativo (que seria manifestamente ilegal) poderia, também ela, alterar esta conclusão.

    D. Quanto aos outros fundamentos de recurso do Luxemburgo

    171.

    Com o seu terceiro fundamento de recurso, o Luxemburgo alega a violação dos artigos 4.o e 5.o TUE, na medida em que o Tribunal Geral violou a autonomia fiscal dos Estados‑Membros. Com o quarto fundamento de recurso, o Luxemburgo alega que o Tribunal Geral violou o dever de fundamentação. Não é necessário aprofundar o exame destes fundamentos de recurso. Com efeito, a anulação do acórdão recorrido resulta desde logo da procedência dos dois primeiros fundamentos de recurso.

    E. Quanto ao recurso interposto no Tribunal Geral

    172.

    Em conformidade com o artigo 61.o, n.o 1, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Justiça, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, pode decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para que este se pronuncie.

    173.

    No presente caso, é duvidoso se o litígio está em condições de ser julgado, porque a Comissão, na sua decisão, conclui pela seletividade através de quatro vias diferentes. Nos seus recursos, a Engie e o Luxemburgo contestam todas essas linhas de argumentação. No seu acórdão (n.o 382, em conjugação com os n.os 230 e 231), o Tribunal Geral considerou que, quando o dispositivo de uma decisão da Comissão assenta em vários argumentos de raciocínio, sendo cada uma deles, por si só, suficiente para fundamentar o dispositivo, em princípio, só haverá que anular esse ato jurídico se cada um desses argumentos estiver viciado de erro.

    174.

    Por conseguinte, no seu acórdão, o Tribunal Geral apreciou apenas as linhas de argumentação da Comissão relativas aos artigos 164.o e 166.o da LIR e à aplicação errada do artigo 6.o da StAnpG, concluindo pela existência de seletividade segundo as duas abordagens. O Tribunal Geral não analisou as outras duas vias que permitem estabelecer a seletividade ( 53 ). No entanto, a anulação da decisão da Comissão só é possível se estas duas linhas de argumentação também não conduzirem a uma seletividade do tratamento fiscal concedido pelas decisões fiscais antecipadas.

    175.

    Segundo o Tribunal de Justiça, nesse caso, o litígio pode, todavia, estar em condições de ser julgado se os outros fundamentos tiverem sido objeto de debate contraditório no Tribunal Geral e a sua análise não exigir nenhuma medida de organização do processo ou diligências de instrução suplementares ( 54 ).

    176.

    Esta é a situação no caso presente. Todos os fundamentos invocados pela Engie relativos à seletividade do tratamento fiscal concedido pelas decisões fiscais antecipadas foram debatidos, no mínimo, no decurso do processo no Tribunal Geral, uma vez que a Engie impugnou, através de recurso, todas as possibilidades de concluir pela seletividade. Além disso, é verdade que as partes estão em desacordo quanto à interpretação do direito nacional do Grão‑Ducado do Luxemburgo. No entanto, não é necessária nenhuma instrução para resolver o litígio. Por último, as duas formas de seletividade que não foram apreciadas pelo Tribunal Geral são, em substância, regidas pelas mesmas considerações de princípio e pelos mesmos factos que o quadro de referência restrito, que, de qualquer modo, deve ser examinado detalhadamente pelo Tribunal de Justiça. Se, por estes motivos, a decisão for considerada legal, o recurso será, em última análise, improcedente.

    177.

    Por conseguinte, passo a expor alguns aspetos relativos à seletividade do tratamento fiscal conferido pelas decisões fiscais antecipadas, na medida em que, na opinião da Comissão, esse tratamento deve ser deduzido de um quadro de referência alargado, constituído por todo o sistema do imposto sobre as sociedades (v., a este respeito, 1., infra). Por último, analisarei igualmente se a Comissão demonstrou de forma compreensível a existência de uma seletividade à luz do quadro de referência alargado no que respeita ao grupo Engie, que, no caso em apreço, inclui as sociedades‑mãe em questão, as sociedades intermediárias e as filiais (v., a este respeito, 2., infra).

    1.   Seletividade apreciada tendo em conta um quadro de referência alargado

    178.

    Na sua decisão (n.os 171 e seguintes), a Comissão começa por partir do princípio de que o quadro de referência é constituído pelo sistema geral luxemburguês de tributação das sociedades resulta igualmente numa seletividade da não tributação dos rendimentos de capitais a nível da LNG Holding.

    179.

    Segundo a Comissão, a isenção dos rendimentos de participações resulta de uma aplicação errada do regime das sociedades‑mãe previsto no artigo 166.o da LIR. Por conseguinte, a crítica da Comissão consiste novamente no facto de os rendimentos de participações terem sido isentos de imposto, apesar de o equivalente económico sob a forma de acréscimos sobre o ZORA ser fiscalmente dedutível do rendimento tributável da LNG Supply.

    180.

    Como já foi explicado, um princípio de correspondência deste tipo não resulta do direito nacional do Grão‑Ducado (v. n.os 102 e seguintes e n.os 115 e seguintes). Por conseguinte, a utilização de todo o sistema luxemburguês de tributação das sociedades como quadro de referência também não altera a conclusão acima apresentada.

    181.

    O regime das sociedades‑mãe (isenção fiscal da distribuição de lucros à sociedade‑mãe) deve ser entendido, mesmo que se recorra ao regime luxemburguês de tributação das sociedades no seu conjunto, como parte integrante do próprio quadro de referência. Por conseguinte, é abrangido pela soberania fiscal do Luxemburgo. Assim, o Luxemburgo podia decidir se previa ou não esse regime para evitar a dupla tributação económica nas estruturas de grupo ou de que modo determinar as modalidades precisas desse regime.

    182.

    Se, conforme referido acima, esta disposição for pertinente, não se pode considerar que a sua aplicação confere um tratamento seletivo e vantajoso, mesmo tendo em conta o sistema global de tributação das sociedades.

    2.   Seletividade apreciada tendo em conta o impacto do tratamento fiscal no grupo de sociedades em conjunto

    183.

    Por último, na decisão controvertida (n.os 237 e seguintes), a Comissão deduz a seletividade do tratamento fiscal da ENGIE a partir de uma perspetiva de grupo. O ponto de partida desta linha de argumentação é idêntico ao empregado para utilizar todo o sistema de tributação das sociedades como quadro de referência. No entanto, a Comissão amplia a perspetiva na medida em que, no caso em apreço, se refere à matéria coletável total do grupo ENGIE.

    184.

    A Comissão argumenta que os regimes de auxílio não se aplicam a sociedades individuais de um grupo, devendo antes aplicar‑se o conceito de sociedade no âmbito do direito da concorrência. Todas as sociedades em causa fazem parte de uma empresa na aceção do direito da concorrência. O tratamento fiscal resultante, tal como acima descrito, não tem, contrariamente às decisões da Comissão relativas ao Groepsrentebox ( 55 ) e à Fiat ( 56 ), nenhuma componente transfronteiriça pelo que não é incoerente que a Comissão adote uma abordagem de grupo.

    185.

    Por sua vez, a Comissão identifica como sistema de referência (n.os 245 e seguintes) o sistema de tributação das sociedades do Grão Ducado do Luxemburgo. Limita então a sua análise ao tratamento fiscal das operações de financiamento no interior de um grupo de sociedades. Segundo esta análise, o direito fiscal luxemburguês não prevê uma redução do rendimento tributável combinado, independentemente do modo de financiamento. Explica‑o com base nas alternativas já descritas para assegurar um financiamento que resultaria numa tributação única. Além disso, o objetivo do sistema luxemburguês de tributação das sociedades é tributar os lucros das sociedades. Daqui resulta diretamente que não é permitida uma redução da matéria coletável total de um grupo de sociedades. Todos os grupos de sociedades que efetuam operações de financiamento dentro de um grupo de sociedades são comparáveis. Além disso, a estrutura de financiamento não está aberta a todas as sociedades. Para a Comissão, uma justificação também não é possível.

    186.

    A argumentação da Comissão só se afasta das suas outras observações na medida em que a Comissão parte da pertinência de uma matéria coletável combinada e identificou o grupo Engie como beneficiário da medida de auxílio em aplicação do conceito de sociedade em matéria de direito da concorrência. Esta última tese não é, também ela, convincente, quando a legislação fiscal nacional em causa não prevê a tributação de grupos ou não se recorreu a essa tributação. Neste sentido, é contrária ao princípio do imposto sobre as sociedades normalmente aplicável em direito fiscal.

    187.

    Por último, a Comissão deduz a existência de uma vantagem seletiva do simples facto de o direito luxemburguês em matéria de imposto sobre as sociedades ter como objetivo tributar os lucros das sociedades. É possível que assim seja, mas igualmente neste contexto há que recordar que o regime das sociedades‑mãe é um elemento inerente ao direito fiscal luxemburguês (v. n.os 180 e seguintes, supra) que, em certa medida, modifica este objetivo. Por outro lado, os lucros de exploração das filiais também são tributados, só que o são segundo um método diferente. Porém, a Comissão não analisou mais aprofundadamente esse outro método.

    188.

    Em conclusão, a Comissão também não demonstrou, a este respeito, que o tratamento fiscal concedido ao grupo Engie através dos acréscimos sobre o ZORA é seletivo na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

    3.   Conclusão quanto ao recurso interposto no Tribunal Geral

    189.

    Dado que a Comissão não cumpriu o ónus da prova que lhe incumbia igualmente no que se refere aos pressupostos, não abordados no acórdão, da existência de uma vantagem seletiva, a decisão controvertida pode ser anulada na íntegra, sem remessa do processo para o Tribunal Geral.

    VI. Quanto às despesas

    190.

    Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

    191.

    Ao abrigo do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal de Geral por força do seu artigo 184.o, n.o 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Engie e o Luxemburgo apresentado esse pedido, há que condenar a Comissão nas despesas efetuadas pela Engie e pelo Luxemburgo no presente recurso.

    192.

    Tendo a Comissão sido vencida em ambas as instâncias, há que condená‑la nas despesas das duas instâncias, em conformidade com os pedidos dos recorrentes.

    193.

    Em conformidade com o artigo 184.o, conjugado com o artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. A Irlanda, interveniente no litígio, deve, portanto, suportar as suas próprias despesas efetuadas no contexto do presente recurso.

    VII. Conclusão

    194.

    À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça decida o seguinte no processo C‑454/21 P:

    1.

    Anular o Acórdão do Tribunal Geral de 12 de maio de 2021, Luxemburgo e o./Comissão (T‑516/18 e T‑525/18, EU:T:2021:251).

    2.

    Anular a Decisão (UE) 2019/421 da Comissão, de 20 de junho de 2018, relativa ao auxílio estatal SA.44888 (2016/C) (ex 2016/NN) concedido pelo Luxemburgo à Engie (JO 2019, L 78, p. 1).

    3.

    A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas e as despesas incorridas pela Engie Global LNG Holding S.à.r.l., pela Engie Invest International S.A. e pela Engie S.A. nas duas instâncias. A Irlanda suportará as suas próprias despesas em ambas as instâncias.

    195.

    Além disso, proponho que o Tribunal de Justiça decida o seguinte no processo C‑451/21 P:

    1.

    Anular o Acórdão do Tribunal Geral de 12 de maio de 2021, Luxemburgo e o./Comissão (T‑516/18 e T‑525/18, EU:T:2021:251).

    2.

    Anular a Decisão (UE) 2019/421 da Comissão, de 20 de junho de 2018, relativa ao auxílio estatal SA.44888 (2016/C) (ex 2016/NN) concedido pelo Luxemburgo à Engie (JO 2019, L 78, p. 1).

    3.

    A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas e as despesas incorridas pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo em ambas as instâncias. A Irlanda suportará as suas próprias despesas em ambas as instâncias.


    ( 1 ) Língua original: alemão.

    ( 2 ) V., a este respeito, em particular, Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859), e Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe no processo Irlanda/Comissão (C‑898/19 P, EU:C:2021:1029).

    ( 3 ) V., a este respeito, Acórdãos de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859); de 15 de julho de 2020, Irlanda e o./Comissão (T‑778/16 e T‑892/16, EU:T:2020:338 — objeto do processo C‑465/20 P); de 24 de setembro de 2019, Países Baixos e o./Comissão (T‑760/15, EU:T:2019:669).

    ( 4 ) Decisão (UE) 2019/421 da Comissão, de 20 de junho de 2018, relativa ao auxílio estatal SA.44888 (2016/C) (ex 2016/NN) concedido pelo Luxemburgo à Engie, JO 2019, L 78, p. 1.

    ( 5 ) Regulamento do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (JO 2015, L 248, p. 9).

    ( 6 ) Não é claro o significado exato deste acrónimo. A Comissão parte do princípio que significa «Zero‑intérêts Obligation Remboursable en Actions» — v. nota de rodapé 6 da decisão controvertida.

    ( 7 ) Considerando 36 da Decisão.

    ( 8 ) Considerando 38 da Decisão. A exposição dos factos do acórdão recorrido (n.o 22) é, a este respeito, imprecisa ou pouco clara.

    ( 9 ) Acórdãos de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia (C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.o 27); de 28 de junho de 2018, Andres (insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão (C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 82); de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 53); e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck (C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 40).

    ( 10 ) Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 57), e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck (C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.os 53 e 55).

    ( 11 ) Acórdãos de 19 de dezembro de 2018, A‑Brauerei (C‑374/17, EU:C:2018:1024, n.o 36); de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 57); e de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos (C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 49).

    ( 12 ) Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe no processo Irlanda/Comissão (C‑898/19 P, EU:C:2021:1029, n.os 60 e segs.); v., também, as minhas Conclusões no processo Fossil (Gibraltar) (C‑705/20, EU:C:2022:181, n.o 57), no processo Comissão/Polónia (C‑562/19 P, EU:C:2020:834, n.o 39) e no processo Comissão/Hungria (C‑596/19 P, EU:C:2020:835, n.o 43).

    Confirmado por: Acórdãos de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 73); de 15 de setembro de 2022, Fossil (Gibraltar) (C‑705/20, EU:C:2022:680, n.o 59); de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia (C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.os 38 e 39); e de 16 de março de 2021, Comissão/Hungria (C‑596/19 P, EU:C:2021:202, n.os 44 e 45).

    ( 13 ) Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe no processo Irlanda/Comissão (C‑898/19 P, EU:C:2021:1029, n.o 64).

    Neste sentido, também o Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 74 — daqui resulta que, para determinar o sistema de referência em matéria de fiscalidade direta, só deve ser tido em conta o direito nacional aplicável no Estado‑Membro em causa).

    ( 14 ) Acórdãos de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 71), e de 6 de outubro de 2021, World Duty Free Group e Espanha/Comissão (C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:793, n.o 61 e jurisprudência referida).

    ( 15 ) V. Acórdãos de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 82); de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão (C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 78); de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217, n.o 79); e de 24 de outubro de 2002, Aéroports de Paris/Comissão (C‑82/01 P, EU:C:2002:617, n.o 63).

    ( 16 ) V. Acórdãos de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 82), e de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão (C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 78 e jurisprudência referida).

    ( 17 ) Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão (C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 78); v. também, neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck,C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.os 61 a 63); e de 3 de abril de 2014, França/Comissão, C‑559/12 P, EU:C:2014:217, n.o 83).

    ( 18 ) V. (quanto a um alegado princípio de plena concorrência previsto no direito nacional) o recente Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 85); v., por analogia, Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão [C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.os 80 e 81, quanto à interpretação errada do § 8c da KStG (Lei relativa ao Imposto sobre as Sociedades) pelo Tribunal Geral].

    ( 19 ) Comunicação da Comissão sobre a noção de auxílio estatal nos termos do artigo 107.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (JO 2016, C 262, p. 1), n.os 169 e segs.

    ( 20 ) Acórdãos de 15 de fevereiro de 1996, Duff e o. (C‑63/93, EU:C:1996:51, n.o 20 com outras referências), e de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão (C‑81/10 P, EU:C:2011:811, n.o 100).

    ( 21 ) Acórdão de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia (C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.o 37); v., igualmente, neste sentido, no que respeita às liberdades fundamentais, Acórdãos de 3 de março de 2020, Vodafone Magyarország (C‑75/18, EU:C:2020:139, n.o 49), e de 3 de março de 2020Tesco Ruházak (C‑323/18, EU:C:2020:140, n.o 69 e jurisprudência referida).

    ( 22 ) Acórdãos de 15 de setembro de 2022, Fossil (Gibraltar) (C‑705/20, EU:C:2022:680, n.o 59), e de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia (C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.o 37); v., neste sentido, nomeadamente, Acórdão de 26 de abril de 2018, ANGED (C‑233/16, EU:C:2018:280, n.o 50 e jurisprudência referida).

    ( 23 ) Acórdãos de 15 de setembro de 2022, Fossil (Gibraltar) (C‑705/20, EU:C:2022:680, n.os 59 e60), de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia (C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.o 38), e de 16 de março de 2021, Comissão/Hungria (C‑596 19 P, EU:C:2021:202, n.o 44).

    ( 24 ) Como indica expressamente o Acórdão de 15 de setembro de 2022, Fossil (Gibraltar) (C‑705/20, EU:C:2022:680, n.o 60).

    ( 25 ) O Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.os 95 e segs.), aponta igualmente nesse sentido.

    ( 26 ) V. Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 72).

    ( 27 ) Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.os 101 e segs.). Neste acórdão, o Reino Unido também não conseguiu explicar o sentido dos parâmetros fiscais subjacentes (n.o 149).

    ( 28 ) Acórdãos de 15 de setembro de 2022, Fossil (Gibraltar) (C‑705/20, EU:C:2022:680, n.o 61); de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia (C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.os 42 e segs., em particular n.o 44); e de 16 de março de 2021, Comissão/Hungria (C‑596/19 P, EU:C:2021:202, n.os 48 e segs., em especial, n.o 50). Já no Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 101), o Tribunal de Justiça evoca as bases jurídicas que «provoca[m], de facto uma discriminação» (o sublinhado é meu), entre os contribuintes.

    ( 29 ) Este é explicitamente o título que precede aos n.os 288 e segs. do acórdão recorrido.

    ( 30 ) Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe no processo Irlanda/Comissão (C‑898/19 P, EU:C:2021:1029, n.o 106).

    ( 31 ) Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe no processo Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P, EU:C:2021:1028, n.o 118).

    ( 32 ) Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.os 96 e segs.).

    ( 33 ) Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 97), e de 8 de maio de 2019, Związek Gmin Zagłębia Miedziowego (C‑566/17, EU:C:2019:390, n.o 39).

    ( 34 ) Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 95).

    ( 35 ) Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o caráter definitivo de um ato administrativo não suscita, em princípio, quaisquer objeções à luz do direito da União — v. Acórdãos de 10 de março de 2022, Grossmania (C‑177/20, EU:C:2022:175, n.o 52); de 12 de fevereiro de 2008, Kempter (C‑2/06, EU:C:2008:78, n.o 37); de 19 de setembro de 2006i‑21 Germany und Arcor (C‑392/04 e C‑422/04, EU:C:2006:586, n.o 51); e de 13 de janeiro de 2004, Kühne & Heitz (C‑453/00, EU:C:2004:17, n.o 24).

    ( 36 ) V. Comunicação da Comissão sobre a noção de auxílio estatal nos termos do artigo 107.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (JO 2016, C 262, p. 1), n.os 169 e segs.

    ( 37 ) V. artigo 1.o da Diretiva 2014/86/UE do Conselho, de 8 de julho de 2014, que altera a Diretiva 2011/96/UE (JO 2014, L 219, p. 40), com prazo de transposição de 31 de dezembro de 2015.

    ( 38 ) O Tribunal Geral, nos n.os 384 e segs. do acórdão recorrido, e a Comissão, nos considerandos 289 e segs. da decisão impugnada.

    ( 39 ) Acórdãos de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia (C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.o 46), de 28 de junho de 2018, Andres (insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão (C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 107). Em conclusão, também Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 105).

    ( 40 ) V. artigo 1.o da Diretiva 2014/86/UE do Conselho, de 8 de julho de 2014, que altera a Diretiva 2011/96/EU (JO 2014, L 219, p. 40), com prazo de transposição de 31 de dezembro de 2015.

    ( 41 ) Neste sentido, por exemplo, Acórdãos de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.os 93 e segs.), de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia (C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.os 38 e segs.), e de 16 de março de 2021, Comissão/Hungria (C‑596/19 P, EU:C:2021:202, n.os 44 e segs.).

    ( 42 ) V. considerandos 184 e 185 da decisão controvertida e observações apresentadas na audiência.

    ( 43 ) Acórdão de 15 de setembro de 2022, Fossil (Gibraltar) (C‑705/20, EU:C:2022:680, n.o 60).

    ( 44 ) V. relatório final da OCDE intitulado «Neutralisierung der Effekte hybrider Gestaltungen, Aktionspunkt 2», disponível em https://read.oecd‑ilibrary.org/taxation/neutralisierung‑der‑effekte‑hybrider‑gestaltungen‑aktionspunkt‑2‑abschlussbericht‑2015_9789264263185‑de#page1.

    ( 45 ) V. artigo 9.o da Diretiva (UE) 2016/1164 do Conselho, de 12 de julho de 2016, que estabelece regras contra as práticas de elisão fiscal que tenham incidência direta no funcionamento do mercado interno (JO 2016, L 193, p. 1) e o considerando 2 da Diretiva 2014/86/UE do Conselho, de 8 de julho de 2014, que altera a Diretiva 2011/96/UE (JO 2014, L 219, p. 40).

    ( 46 ) General Anti‑Abuse Rule, como atualmente também está prevista no direito da União — v. apenas artigo 6.o da ATAD I [Diretiva (UE) 2016/1164 do Conselho, de 12 de julho de 2016, que estabelece regras contra as práticas de elisão fiscal que tenham incidência direta no funcionamento do mercado interno] (JO 2016, L 193, p. 1).

    ( 47 ) V., a este respeito, Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 95), e, mais especificamente, as Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe no processo Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P, EU:C:2021:1028, n.o 118, segundo o qual, as autoridades fiscais nacionais dispõem de uma margem de apreciação devido à natureza aproximada dos métodos de determinação dos preços de transferência).

    ( 48 ) Assim, Estados‑Membros como a República Federal da Alemanha, que já tem uma longa tradição com tais disposições, continuam a ter dificuldades na sua correta interpretação. Este facto demonstra a multiplicidade de decisões judiciais e a extensão dos comentários sobre as mesmas — v. apenas Peter Fischer em Hübschmann/Hepp/Spitaler (ed.), AO/FGO‑Kommentar, § 42 AO (versão: novembro de 2022 — 200 páginas); Klaus‑Dieter Drüen em Tipke/Kruse (ed.), AO/FGO‑Kommentar, § 42 AO (versão: setembro de 2022 — 85 páginas).

    Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça é constantemente chamado a pronunciar‑se sobre questões relativas à interpretação da proibição geral de vias abusivas no direito da União, cuja resposta é de tal modo complexa que a Grande Secção se debruçou sobre o assunto — v. apenas Acórdãos de 26 de fevereiro de 2019, T Danmark e Y Denmark (C‑116/16 e C‑117/16, EU:C:2019:135), de 26 de fevereiro de 2019, N Luxembourg 1 e o. (C‑115/16, C‑118/16, C‑119/16 e C‑299/16, EU:C:2019:134) e de 12 de setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (C‑196/04, EU:C:2006:544).

    ( 49 ) V. Acórdãos de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses (C‑419/14, EU:C:2015:832, n.o 42); de 22 de dezembro de 2010, Weald Leasing (C‑103/09, EU:C:2010:804, n.o 27); de 12 de setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Open verseas (C‑196/04, EU:C:2006:544, n.o 36); e de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o. (C‑255/02, EU:C:2006:121, n.o 73).

    ( 50 ) Fundamentalmente, Acórdão de 21 de março de 1990, Bélgica/Comissão (C‑142/87, EU:C:1990:125, n.o 66).

    ( 51 ) V., por exemplo, Acórdãos de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 147); de 16 de dezembro de 2010, Kahla/Thüringen Porzellan/Comissão (C‑537/08 P, EU:C:2010:769, n.o 63 com outras referências); e de 5 de março de 2019, Eesti Pagar (C‑349/17, EU:C:2019:172, n.o 97).

    ( 52 ) V., por exemplo, Acórdão de 20 de março de 1997, Alcan Deutschland (C‑24/95, EU:C:1997:163, n.os 34 e segs.), e, em grande medida, Acórdão de 26 de abril de 2018, ANGED (C‑233/16, EU:C:2018:280, n.os 75 e segs.).

    ( 53 ) V., a este respeito, n.o 177 e n.os 46 e segs.

    ( 54 ) V. Acórdão de 8 de setembro de 2020, Comissão e Conselho/Carreras Sequeros e o. (C‑119/19 P e C‑126/19 P, EU:C:2020:676, n.o 130).

    ( 55 ) Decisão 2009/809/CE da Comissão, de 8 de julho de 2009, relativa ao regime groepsrentebox que os Países Baixos pretendem executar (C 4/07 (ex N 465/06) (JO 2009, L 288, p. 26).

    ( 56 ) Decisão (UE) 2016/2326 da Comissão, de 21 de outubro de 2015, relativa ao auxílio estatal SA.38375 (2014/C ex 2014/NN) concedido pelo Luxemburgo à Fiat (JO 2016, L 351, p. 1).

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