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Document 62021CC0364

    Conclusões do advogado-geral M. Campos Sánchez-Bordona apresentadas em 12 de janeiro de 2023.
    Ferrovienord SpA contra Istituto Nazionale di Statistica – ISTAT e Federazione Italiana Triathlon contra Istituto Nazionale di Statistica – ISTAT e Ministero dell’Economia e delle Finanze.
    Pedidos de decisão prejudicial apresentados pela Corte dei Conti.
    Reenvio prejudicial — Artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE — Obrigação de os Estados‑Membros estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União — Política económica — Regulamento (UE) n.o 549/2013 — Sistema europeu de contas nacionais e regionais na União Europeia (SEC) — Diretiva 2011/85/UE — Requisitos aplicáveis aos quadros orçamentais dos Estados‑Membros — Regulamentação nacional que limita a competência do juiz do Tribunal de Contas — Princípios da efetividade e da equivalência — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
    Processos apensos C-363/21 e C-364/21.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:7

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

    apresentadas em 12 de janeiro de 2023 ( 1 )

    Processos apensos C‑363/21 e C‑364/21

    Ferrovienord SpA

    contra

    Istituto Nazionale di Statistica — ISTAT (C‑363/21),

    sendo intervenientes:

    Procura generale della Corte dei conti,

    Ministero dell’Economia e delle Finanze

    e

    Federazione Italiana Triathlon

    contra

    Istituto Nazionale di Statistica — ISTAT,

    Ministero dell’Economia e delle Finanze (C‑364/21),

    sendo interveniente:

    Procura generale della Corte dei conti

    [pedidos de decisão prejudicial apresentados pela Corte dei conti (Tribunal de Contas, Itália)]

    «Reenvio prejudicial — Regulamento (UE) n.o 549/2013 — Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais na União Europeia (SEC 2010) — Classificação de unidades institucionais no setor S.13 (Administrações Públicas) — Legislação estatística da União — Mecanismos de controlo — Efeito direto — Diretiva 2011/85/CEE — Quadros orçamentais nacionais — Efeito direto — Proteção jurisdicional efetiva — Fiscalização jurisdicional por um Tribunal de Contas ou por Tribunais Administrativos»

    1.

    Estes pedidos (apensados) de decisão prejudicial oferecem ao Tribunal de Justiça ( 2 ) a possibilidade de clarificar o âmbito de aplicação da regulamentação do sistema europeu de contas 2010, instituído pelo Regulamento (UE) n.o 549/2013 ( 3 ). Com eles procura‑se clarificar, em especial:

    Se esse regulamento e a Diretiva 2011/85/UE ( 4 ) podem ser invocados em litígios que opõem diferentes entidades públicas entre si ou que opõem particulares e autoridades estatísticas.

    Que modalidade de proteção jurisdicional efetiva devem os Estados‑Membros instituir no âmbito da previsão das vias de recurso que permitam fiscalizar a aplicação das regras da União nesta matéria.

    I. Quadro jurídico

    A.   Direito da União

    1. Regulamento n.o 549/2013

    2.

    O artigo 1.o prevê:

    «1.   O presente regulamento institui o sistema europeu de contas 2010 (“SEC 2010” ou “SEC”).

    2.   O SEC 2010 prevê:

    a)

    Uma metodologia (anexo A) relativa às normas, definições, nomenclaturas e regras contabilísticas comuns que devem ser utilizadas para elaborar contas e quadros em bases comparáveis, tendo em vista as necessidades da União, bem como para apurar resultados, como se requer no artigo 3.o;

    b)

    Um programa (anexo B) que fixa os prazos em que os Estados‑Membros devem transmitir à Comissão (Eurostat) as contas e os quadros que serão elaborados de acordo com a metodologia referida na alínea a).

    […]

    4.   O presente regulamento não obriga os Estados‑Membros a recorrerem ao SEC 2010 para elaborar contas para os seus próprios fins.»

    3.

    O capítulo 1 (Arquitetura geral do sistema e princípios fundamentais) do anexo A (SEC 2010) dispõe:

    «1.01

    O Sistema Europeu de Contas […] é um quadro contabilístico, compatível a nível internacional, que descreve de forma sistemática e pormenorizada o total de uma economia (isto é, uma região, um país ou um grupo de países), as suas componentes e as suas relações com outras economias na sua totalidade.

    […]

    1.57

    Por unidades institucionais entende‑se entidades económicas com capacidade de possuir bens e ativos, contrair passivos e realizar atividades e operações económicas com outras unidades, em seu próprio nome. Para fins do sistema SEC 2010, as unidades institucionais encontram‑se agrupadas em cinco setores institucionais nacionais mutuamente exclusivos:

    a)

    Sociedades não financeiras;

    b)

    Sociedades financeiras;

    c)

    Administrações Públicas;

    d)

    Famílias;

    e)

    Instituições sem fim lucrativo ao serviço das famílias.

    O conjunto dos cinco setores constitui o total da economia interna. Cada setor encontra‑se igualmente dividido em subsetores. O sistema SEC 2010 permite a elaboração de um conjunto completo de contas de fluxos e contas de património para cada setor e subsetor, bem como para o total da economia. As unidades não residentes podem interagir com estes cinco setores internos, sendo indicadas as interações entre os cinco setores internos e um sexto setor institucional: o setor do resto do mundo.

    […]»

    4.

    O capítulo 2 (Unidades e conjuntos de unidades) do referido anexo (SEC 2010) prevê:

    «[…]

    2.12

    Definição: uma unidade institucional é uma entidade económica caracterizada por ter autonomia de decisão no exercício da sua função principal. […]

    […]

    2.32

    Os setores e subsetores agrupam as unidades institucionais que têm um comportamento económico análogo.

    […]

    Administrações Públicas (S.13)

    2.111

    Definição: o setor “Administrações Públicas” (S.13) inclui as unidades institucionais que correspondem a produtores não mercantis cuja produção se destina ao consumo individual e coletivo e que são financiadas por pagamentos obrigatórios feitos por unidades pertencentes a outros setores, bem como todas as unidades institucionais cuja função principal é a redistribuição do rendimento e da riqueza nacional.

    […]»

    5.

    O capítulo 20 (As contas das Administrações Públicas) deste anexo estabelece:

    «[…]

    20.05

    O setor das Administrações Públicas (S.13) é constituído por todas as unidades das Administrações Públicas e por todas as instituições sem fim lucrativo (ISFL) não mercantis que são controladas por unidades das Administrações Públicas. Inclui igualmente outros produtores não mercantis como identificados nos pontos 20.18 a 20.39.

    […]»

    2. Diretiva 2011/85

    6.

    Nos termos do artigo 1.o da Diretiva 2011/85:

    «A presente diretiva estabelece regras específicas relativas às características dos quadros orçamentais dos Estados‑Membros. Essas regras são necessárias para garantir que os Estados‑Membros cumprem as obrigações previstas no TFUE, tendo em vista evitar défices orçamentais excessivos.»

    7.

    Em conformidade com o artigo 2.o da Diretiva 2011/85:

    «Para efeitos da presente diretiva, são aplicáveis as definições de “orçamental”, “défice” e “investimento” estabelecidas no artigo 2.o do Protocolo (n.o 12) sobre o procedimento relativo aos défices excessivos, anexo ao TEU e ao TFUE [ ( 5 )]. É também aplicável a definição dos subsetores da Administração Pública constante do anexo A, ponto 2.70, do Regulamento (CE) n.o 2223/96.

    Além disso, é aplicável a seguinte definição:

    Entende‑se por “quadro orçamental” o conjunto de medidas, procedimentos, regras e instituições em que assenta a condução das políticas orçamentais da Administração Pública, em especial:

    […]

    f)

    Os procedimentos de controlo e análise independentes destinados a reforçar a transparência dos elementos do processo orçamental;

    […]».

    8.

    O artigo 3.o, n.o 1, dispõe:

    «No que diz respeito aos sistemas nacionais de contabilidade pública, os Estados‑Membros devem criar sistemas contabilísticos que abranjam, de forma integral e coerente, todos os subsetores da Administração Pública e contenham as informações necessárias para gerar dados de exercício, com vista à elaboração dos dados baseados no SEC 95. Estes sistemas de contabilidade pública estão sujeitos a procedimentos internos de controlo e auditoria.»

    3. Regulamento (UE) n.o 473/2013 ( 6 )

    9.

    O artigo 2.o prevê:

    «1.   Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

    a)

    “Organismos independentes”, organismos estruturalmente independentes ou organismos dotados de autonomia funcional em relação às autoridades orçamentais do Estado‑Membro, relativamente aos quais a legislação nacional aplicável garante um grau elevado de autonomia funcional e de responsabilização, […]

    2.   São igualmente aplicáveis ao presente regulamento as definições de “setor das Administrações Públicas” e de “subsetores do setor das Administrações Públicas” estabelecidas no anexo A, ponto 2.70, do Regulamento (CE) n.o 2223/96, de 25 de junho de 1996, relativo ao Sistema europeu de contas nacionais e regionais na Comunidade […]

    […]»

    10.

    Nos termos do artigo 5.o:

    «1.   Os Estados‑Membros devem dispor de organismos independentes para fiscalizar o cumprimento:

    a)

    Das regras orçamentais numéricas que incorporam nos processos orçamentais nacionais o seu objetivo orçamental de médio prazo, estabelecido no artigo 2.o‑A do Regulamento (CE) n.o 1466/97;

    b)

    Das regras orçamentais numéricas a que se refere o artigo 5.o da Diretiva 2011/85/UE.

    […]»

    B.   Direito nacional

    1. Lei n.o 196/2009 ( 7 )

    11.

    O artigo 1.o tem a seguinte redação:

    «1.   As Administrações Públicas concorrem para a prossecução dos objetivos de finanças públicas definidos no âmbito nacional em conformidade com os procedimentos e os critérios estabelecidos pela União Europeia e partilham as responsabilidades que daí resultam. […]

    2.   […] [P]or Administrações Públicas entende‑se […], a partir de 2012, os organismos e entidades indicados para efeitos estatísticos pelo [Istituto Nazionale di Statistica (Instituto Nacional de Estadística, Italia; a seguir, «ISTAT»)] na lista […] publicada […] na Gazzetta ufficiale della Repubblica italiana […], e posteriores atualizações na aceção do n.o 3 do presente artigo, efetuadas com base nas definições constantes dos regulamentos específicos da União Europeia […].

    3.   O reconhecimento das Administrações Públicas a que se refere o n.o 2 será efetuado anualmente pelo ISTAT mediante decisão publicada na Gazzetta Ufficiale até 30 de setembro.

    […]»

    2. Lei n.o 243/2012 ( 8 )

    12.

    Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), definem‑se como «“Administrações Públicas” os organismos identificados através dos procedimentos e atos previstos, em conformidade com o direito da União Europeia, pela regulamentação em matéria de contabilidade e de finanças públicas, articulados nos subsetores das Administrações centrais, das Administrações locais e dos organismos nacionais de segurança social».

    13.

    Em conformidade com o artigo 20.o, a Corte dei conti (Tribunal de Contas, Itália) realiza a fiscalização sucessiva da gestão orçamental das Administrações Públicas, para efeitos da coordenação das finanças públicas e do equilíbrio orçamental, segundo as formas e modalidades previstas na lei.

    3. Lei n.o 161/2014 ( 9 )

    14.

    O artigo 30.o («Execução das disposições não diretamente aplicáveis da Diretiva 2011/85/UE e do Regulamento n.o 473/2013»), n.o 1, prevê que, a fim de dar pleno efeito às partes não diretamente aplicáveis da Diretiva 2011/85 e do Regulamento n.o 473/2013, no que diz respeito à atividade de fiscalização do cumprimento das regras orçamentais, a Corte dei conti (Tribunal de Contas) verifica a conformidade dos dados orçamentais das Administrações Públicas com a regulamentação contabilística.

    4. Codice della giustizia contabile ( 10 )

    15.

    O artigo 11.o, n.o 6, alínea b), na sequência da alteração introduza pelo Decreto‑Lei n.o 137/2020, convertido na Lei n.o 176/2020 ( 11 ), prevê:

    «As secções reunidas [da Corte dei conti (Tribunal de Contas)], em composição especial, no exercício da sua competência exclusiva em matéria de contas públicas, decidem em única instância sobre os processos […] em matéria de reconhecimento das Administrações Públicas efetuada pelo ISTAT, apenas para efeitos da aplicação da legislação nacional sobre redução da despesa pública ( 12 ).»

    II. Matéria de facto, litígios e questões prejudiciais

    16.

    Em 30 de setembro de 2020, o ISTAT incluiu a Ferrovienord SpA (a seguir, «Ferrovienord») e a Federazione Italiana Triathlon (a seguir «FITRI») na lista das Administrações Públicas (a seguir «lista ISTAT 2020») inscritas na demonstração de resultados consolidada do Estado italiano ( 13 ).

    17.

    A Ferrovienord e a FITRI intentaram uma ação na Corte dei conti (Tribunal de Contas), pedindo a anulação dessa decisão. Na sua opinião, os requisitos para constar da lista ISTAT 2020 não estavam preenchidos.

    18.

    O ISTAT contestou o pedido alegando que a inclusão na lista era correta. A Procura generale della Corte dei conti (Ministério Público junto do Tribunal de Contas, Itália) pediu que se suscitasse uma questão de constitucionalidade do artigo 23.o‑C do Decreto‑Lei n.o 137/2020 ( 14 ).

    19.

    A Corte dei conti (Tribunal de Contas) ordenou a intervenção do Ministero dell’Economia e delle Finanze (Ministério da Economia e das Finanças, Itália), referindo ainda os problemas de compatibilidade da nova norma com o direito da União. Pediu às partes que se pronunciassem especificamente sobre a questão.

    20.

    Para a Corte dei conti (Tribunal de Contas):

    O artigo 11.o, n.o 6, alínea b), do CCP atribuía‑lhe competência para apreciar as decisões do ISTAT relativas ao reconhecimento das Administrações Públicas.

    Todavia, esta disposição foi alterada pelo artigo 23.o‑C, n.o 2, do Decreto‑Lei n.o 137/2020, limitando a fiscalização do Tribunal de Contas sobre a lista ISTAT «apenas para efeitos da aplicação da legislação nacional sobre redução da despesa pública» ( 15 ).

    A coerência entre o direito orçamental interno e as obrigações que resultam do direito da União constitui um princípio de direito constitucional italiano, conjuntamente com os da transparência e do equilíbrio orçamentais (artigos 81.o e 97.o da Constituição).

    Essa coerência, no direito interno, é assegurada através de um saldo, denominado «equilíbrio orçamental», que limita o recurso ao endividamento pelas diferentes Administrações do Estado (artigo 4.o, n.o 4, e artigos 9.o e 10.o da Lei n.o 243/2012). A determinação dos saldos e das suas eventuais correções posteriores decorrem dos dados transmitidos pelas Administrações Públicas que fazem parte da demonstração de resultados consolidada.

    Daqui resulta que a formação correta da lista ISTAT (no que diz respeito às Administrações Públicas obrigadas à execução do equilíbrio orçamental) condiciona o cumprimento dos objetivos de convergência das políticas económicas nos termos do artigo 121.o TFUE.

    No ordenamento italiano (artigos 24.o, primeiro parágrafo, e 113.o, primeiro parágrafo, da Constituição), a inscrição de uma entidade na lista ISTAT é impugnável nos tribunais. Até 2012, o «juiz natural» dessas decisões era o do contencioso administrativo e, a partir desse ano, a competência foi atribuída à Corte dei conti (Tribunal de Contas). Esta última exerce uma fiscalização jurisdicional do respeito do direito nacional e da União em matéria orçamental, assegura a verificação, do ponto de vista subjetivo, da fiabilidade da demonstração de resultados, sob pena de sanções na aceção do artigo 8.o do Regulamento (UE) n.o 1173/2011 ( 16 ). Por conseguinte, garante o cumprimento efetivo dos objetivos de finanças públicas.

    Na sequência da reforma efetuada pelo artigo 23.o‑C do Decreto‑Lei n.o 137/2020, essa fiscalização já não pode determinar (ou negar) dois efeitos tácitos necessários que antes estavam concentrados nesse órgão jurisdicional, ou seja: a declaração (positiva ou negativa) da obrigação de comunicar dados e informações relevantes em matéria de finanças públicas, em aplicação da Lei n.o 243/2012 e da Lei n.o 196/2009 (obrigação de execução do Regulamento n.o 549/2013 e da Diretiva 2011/85); e a consequente aplicação (ou não aplicação) das disposições em matéria de equilíbrio orçamental e sustentabilidade da dívida das Administrações Públicas, nos termos dos artigos 3.o e 4.o da Lei n.o 243/2012 (também de execução do Regulamento n.o 549/2013 e da Diretiva 2011/85).

    21.

    A reforma legislativa de 2020 teria determinado uma ausência absoluta de competência e, em consequência, a falta de proteção, sobre a delimitação exata das entidades que integram o setor S.13 (Administrações Públicas não territoriais) e, por conseguinte, sobre os saldos de finanças públicas, impedindo o SEC 2010 e a Diretiva 2011/85 de atingir o seu efeito. Na verdade, através da lista ISTAT, o Estado italiano também determina o âmbito de aplicação do SEC 2010 aos efeitos do regime do artigo 126.o TFUE, e do Protocolo n.o 12 relativo aos défices excessivos.

    22.

    Em seu entender, verificou‑se uma violação do princípio da cooperação leal (artigo 4.o TUE) e é recusada às entidades qualificadas pelo ISTAT como Administração Pública a possibilidade de recorrerem dessa qualificação, em violação do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

    23.

    Acrescenta que, mesmo que se considerasse, como alegam o ISTAT e o Ministério da Economia e das Finanças, que a nova norma determina uma nova expansão da competência geral do órgão jurisdicional administrativo, subsistem dúvidas quanto às questões relativas a saber se essa legislação:

    Se opõe ao princípio da proteção jurisdicional efetiva, ao do efeito útil e ao da segurança jurídica da União ( 17 ).

    Viola os princípios da equivalência das vias de recurso e do Estado de Direito (artigos 2.o e 19.o TUE), à luz da articulação entre este último e a proteção dos interesses financeiros da União consagrada pelo Regulamento n.o 2020/2092 ( 18 ).

    24.

    Nesse contexto, a Corte dei conti (Tribunal de Contas) submete ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    A regra da aplicabilidade direta do [Sistema Europeu de Contas (SEC)] 2010 e o princípio do efeito útil do Regulamento [n.o 549/2013] e da Diretiva [2011/85/UE] opõem‑se a uma legislação nacional que limita a competência do órgão jurisdicional nacional para [verificar] a correta aplicação do SEC 2010 apenas ao âmbito da legislação nacional sobre a redução da despesa pública, obstando ao principal efeito útil do regime [do direito da União], a saber, a verificação da transparência e da fiabilidade dos saldos orçamentais, através da qual se verifica a convergência da Itália para o [objetivo orçamental a médio prazo (OMP)]?

    2)

    A regra da aplicabilidade direta do SEC 2010 e o princípio do efeito útil do Regulamento [n.o 549/2013] e da Diretiva [2011/85/UE], no que respeita à separação orgânica entre autoridades orçamentais e organismos de fiscalização, opõem‑se a uma legislação nacional que limita os efeitos da decisão do órgão jurisdicional nacional competente para [verificar] a correta aplicação do [SEC] 2010 apenas ao âmbito da legislação nacional sobre a redução da despesa pública, excluindo qualquer fiscalização independente da delimitação subjetiva das contas da Administração Pública italiana [como qualificada para efeitos (do direito da União)], através da qual se verifica a convergência da Itália em relação ao OMP?

    3)

    O princípio do Estado de direito, na sua vertente da proteção jurisdicional efetiva e da equivalência das vias de recurso jurisdicionais, opõe‑se a uma legislação nacional que:

    a)

    impede qualquer fiscalização jurisdicional da aplicação exata do SEC 2010 pelo ISTAT para efeitos da delimitação do setor S.13, e, portanto, sobre a correção, a transparência e a fiabilidade dos saldos orçamentais, através dos quais se verifica a convergência da Itália para o OMP (violação do princípio da proteção efetiva)?

    b)

    expõe o recorrente, caso deva considerar‑se correta a leitura da norma proposta pelas Administrações recorridas, mesmo através de uma interpretação autêntica da lei, a um duplo ónus de impugnação judicial e aos consequentes riscos de decisões contraditórias sobre a existência de um estatuto jurídico [da União], o que torna impossível, de facto, a proteção efetiva do seu direito no tempo útil exigido para o cumprimento das obrigações daí decorrentes (ou seja, o exercício financeiro) e afeta a segurança jurídica quanto à existência do estatuto de Administração Pública?

    c)

    prevê, caso deva considerar‑se correta a leitura da norma proposta pelas Administrações recorridas, mesmo através de uma interpretação autêntica da lei, que o órgão jurisdicional que decide sobre a correção da delimitação orçamental deve ser diferente daquele ao qual a Constituição italiana reserva a competência em matéria de direito orçamental?»

    III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    25.

    Os pedidos de decisão prejudicial foram registados no Tribunal de Justiça em 9 de junho de 2021. O pedido de aplicação da tramitação acelerada foi indeferido.

    26.

    Apresentaram observações escritas a Ferrovienord, a FITRI, o Ministério Público junto da Corte dei conti (Tribunal de Contas), o Governo italiano e a Comissão Europeia. Todos compareceram na audiência realizada em 19 de outubro de 2022.

    IV. Apreciação

    A.   Observação preliminar

    27.

    Como foi já referido, as questões prejudiciais têm por objeto a compatibilidade com o direito da União de uma única disposição (a seguir «disposição controvertida») da legislação italiana, a saber, o artigo 23.o‑C, n.o 2, do Decreto‑Lei n.o 137/2020.

    28.

    Nos termos dessa disposição, a fiscalização da Corte dei conti (Tribunal de Contas) exercida sobre as decisões do ISTAT quanto à qualificação das «unidades institucionais» como Administrações Públicas é possível «apenas para efeitos da aplicação da legislação nacional sobre redução da despesa pública». A parte indicada em itálico foi acrescentada ao CCP pelo Decreto‑Lei n.o 137/2020.

    29.

    O Governo italiano considera que o órgão de reenvio não faz uma interpretação correta da disposição controvertida, ao considerar que suprime a fiscalização jurisdicional das decisões do ISTAT relativas à inclusão de entidades na lista das Administrações Públicas.

    30.

    O Governo italiano argumenta que, pelo contrário, essa disposição se limita a devolver a fiscalização aos tribunais administrativos, mantendo a revisão jurisdicional quanto às consequências jurídicas da inclusão dessas unidades institucionais na lista ISTAT no âmbito das competências da Corte dei conti (Tribunal de Contas).

    31.

    No âmbito de um pedido de decisão prejudicial, o Tribunal de Justiça não é competente para interpretar as normas de direito interno. Cabe exclusivamente ao juiz nacional determinar o exato alcance das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas nacionais ( 19 ).

    32.

    Todavia, o Tribunal de Justiça pode interpretar as normas do direito da União dando respostas em função de uma ou outra interpretação do direito interno. É o que acontece, nomeadamente, quando o próprio órgão jurisdicional de reenvio reflete, como sucede no presente processo, a tese das «Administrações recorridas» (isto é, do Governo italiano) como hipótese que poderia ser acolhida ( 20 ).

    B.   Admissibilidade

    1. Qualidade de órgão jurisdicional

    33.

    Antes de mais, importa examinar se é um «órgão jurisdicional de um dos Estados‑Membros» na aceção do artigo 267.o TFUE que submete ao Tribunal de Justiça estes dois reenvios prejudiciais.

    34.

    O Tribunal de Justiça declarou inadmissíveis pedidos de decisão prejudicial apresentados por secções regionais de fiscalização do Tribunal de Contas italiano atuando na qualidade de autoridades administrativas ( 21 ), ou pela Corte dei conti (Tribunal de Contas) no âmbito de processos de controlo a posteriori da gestão financeira de diferentes entidades públicas ( 22 ).

    35.

    Todavia, o Tribunal de Justiça respondeu a pedidos de decisão prejudicial apresentados pela Corte dei conti (Tribunal de Contas) no Acórdão FIG e FISE ( 23 ), sem pôr em causa a sua qualidade de «órgão jurisdicional» em situações semelhantes à presente.

    36.

    Neste processo, esse órgão jurisdicional é chamado a resolver um litígio no exercício das funções jurisdicionais que lhe são atribuídas pela legislação italiana, e não das suas funções de fiscalização e de controlo a posteriori. O objeto do litígio está precisamente ligado ao âmbito das suas funções jurisdicionais, após a limitação que lhes é imposta pelo artigo 23.o‑C do Decreto‑Lei n.o 137/2020.

    37.

    Na audiência foi precisado que a alteração legislativa não elimina a competência jurisdicional da Corte dei conti (Tribunal de Contas), limitando‑se apenas a restringi‑la: atualmente, embora não esteja em condições de anular as listas ISTAT com efeitos erga omnes, pode não as aplicar num litígio concreto, com efeitos unicamente para a entidade recorrente no que respeita à legislação nacional sobre redução da despesa pública.

    38.

    Em definitivo, a Corte dei conti (Tribunal de Contas) exerce atribuições jurisdicionais no âmbito das quais pode submeter ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais, se for chamada a decidir litígios como o que está na origem destes reenvios.

    2. Inadmissibilidade decorrente de uma eventual interpretação incorreta do direito interno?

    39.

    Com base nestas considerações ( 24 ), o Governo italiano contesta a admissibilidade das primeira e segunda questões prejudiciais, bem como da alínea a) da terceira questão, na medida em que partem do «premissa incorreta de que, na sequência da alteração do artigo 11.o do CCP, não será possível recorrer a um juiz nacional para contestar a correta formação da lista S13 do ISTAT».

    40.

    A objeção não pode ser aceite:

    Por um lado, se, como acontece no presente processo, as questões submetidas têm por objeto a interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se, uma vez que existe uma presunção de pertinência do reenvio prejudicial ( 25 ).

    Por outro lado, já expliquei como é que a resposta do Tribunal de Justiça às dúvidas do órgão de reenvio deve partir da interpretação das normas nacionais por este defendida, sem prejuízo de lhe fornecer indicações para outra leitura dessas normas, tanto mais que o mesmo admite, como hipótese, adotar essa leitura alternativa a título hipotético.

    41.

    Em suma, o Tribunal de Justiça pode dar uma resposta útil ao órgão de reenvio com as informações disponíveis sobre o direito interno italiano, ao interpretar o Regulamento n.o 549/2013, a Diretiva 2011/85 e o Regulamento n.o 473/2013.

    C.   Primeira questão prejudicial

    42.

    O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a disposição nacional controvertida é compatível com a aplicabilidade direta do Regulamento n.o 549/2013 e com o efeito útil desse regulamento e da Diretiva 2011/85.

    43.

    Para responder a esta questão, entendo ser necessário analisar previamente: a) a obrigatoriedade e o eventual efeito direto das obrigações de transmissão de dados contabilísticos pelos Estados‑Membros à Comissão, previstas pelo Regulamento n.o 549/2013; e b) se a Diretiva 2011/85 apenas impõe obrigações às autoridades estatísticas e aos governos, mas não a outras entidades públicas, e se cria direitos e obrigações para os particulares e pode produzir efeito direto.

    44.

    Quanto à eventual falta da fiscalização jurisdicional, que a Corte dei conti (Tribunal de Contas) invoca igualmente nessas duas questões prejudiciais, abordá‑la‑ei no contexto da análise da terceira.

    1. Invocabilidade do Regulamento n.o 549/2013

    45.

    A aplicação da disciplina que proíbe os défices orçamentais excessivos ( 26 ) efetua‑se segundo um procedimento que envolve a Comissão e o Conselho. No seu âmbito é vigiada a situação orçamental dos Estados‑Membros e o montante da sua dívida pública.

    46.

    Para que essa supervisão seja realizada, a União necessita de estatísticas fiáveis ( 27 ) sobre a situação financeira dos Estados‑Membros, nomeadamente o seu défice orçamental e a sua dívida pública.

    47.

    Os poderes da Comissão para verificar os dados estatísticos foram reforçados pelo Regulamento (CE) n.o 479/2009 ( 28 ), que concretizou a obrigação de os Estados‑Membros lhe notificarem os seus níveis de défice e de dívida (artigo 3.o do Protocolo n.o 12 relativo aos défices excessivos) e conferiu ao Eurostat certos poderes de fiscalização ( 29 ) quanto aos dados estatísticos fornecidos pelos Estados‑Membros.

    48.

    A execução do dever de notificação exige, enquanto elemento de homogeneidade indispensável, a utilização de uma nomenclatura uniforme e única para toda a União. Atualmente, essa nomenclatura é o SEC 2010, ao qual o Regulamento n.o 479/2009 foi adaptado.

    49.

    Em princípio, o SEC 2010 aplica‑se a todos os atos da União em que é feita referência ao SEC ou às suas definições. Todavia, nenhum Estado‑Membro é obrigado a recorrer ao SEC 2010 para elaborar contas para os seus próprios fins (artigo 1.o, n.os 3 e 4, do Regulamento n.o 549/2013).

    50.

    Nos termos do Regulamento n.o 549/2013, os Estados‑Membros transmitem à Comissão (Eurostat) as contas e os quadros constantes do anexo B nos prazos nele fixados para cada quadro (artigo 3.o, n.o 1) e o Eurostat avalia a qualidade dos dados transmitidos (artigo 4.o, n.o 4).

    51.

    Como afirmou o Tribunal de Justiça, «o SEC 2010 estabelece um quadro de referência destinado, em prol tanto dos cidadãos da União como da própria União, à elaboração das contas dos Estados‑Membros. Esta elaboração deve ser efetuada com base num único conjunto de princípios que não deem azo a interpretações divergentes, de forma que permita a obtenção de resultados comparáveis» ( 30 ).

    52.

    Em especial, os Estados‑Membros devem determinar o setor S.13 (Administrações Públicas) em conformidade com o anexo A, ponto 2.111, do SEC 2010 ( 31 ), subdividindo‑o em quatro subsetores, dos quais fazem parte as unidades institucionais correspondentes. Devem recolher os dados contabilísticos dessas entidades e elaborá‑los em conformidade com a metodologia do SEC 2010, a fim de os transmitir à Comissão.

    53.

    A fim de assegurar a correta aplicação do SEC 2010 ao setor S.13, as normas da União preveem diversos mecanismos de controlo que operam nas relações entre o Eurostat e os Estados‑Membros (nomeadamente os seus institutos nacionais de estatística):

    O procedimento consultivo entre a Comissão (Eurostat) e os Estados‑Membros (artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 549/2013 e artigo 10.o do Regulamento n.o 479/2009).

    O mecanismo de diálogo permanente entre o Eurostat e os institutos nacionais de estatística (artigos 11.o, 11.o‑A e 11.o‑B do Regulamento n.o 479/2009).

    A publicação dos dados estatísticos nacionais com reservas (artigo 15.o do Regulamento n.o 479/2009). Sendo caso disso, o Eurostat pode alterar os dados notificados pelo Estado‑Membro e fornecer os dados alterados, quando os primeiros não cumpram os requisitos desse regulamento.

    O procedimento de sanção em caso de manipulação das estatísticas (artigo 8.o do Regulamento 1173/2011).

    54.

    A Comissão alega ( 32 ) que a classificação correta das unidades institucionais no setor S.13 é assegurada por esses mecanismos de controlo. Com esses mecanismos, o Eurostat assegura que os Estados‑Membros respeitem a sua obrigação de recolha e de transmissão dos dados contabilísticos em conformidade com o SEC 2010 e com uma qualidade suficiente.

    55.

    Consequentemente, acrescenta a Comissão,

    — Perante uma eventual classificação incorreta de uma unidade institucional no setor da Administração Pública pelas autoridades nacionais, o Eurostat pode corrigir o erro e publicar os dados corretos.

    — O Regulamento n.o 549/2013 limita‑se a impor obrigações de comunicação de dados estatísticos às autoridades nacionais, nomeadamente aos institutos nacionais de estatística, mas não aos particulares.

    56.

    A Comissão deduz destas premissas que o Regulamento n.o 549/2013 não pode ser invocado diretamente pelos particulares. Por conseguinte, as unidades institucionais (como a Ferrovienord e a FITRI) que se considerem incorretamente incluídas pelo ISTAT no setor S.13 não poderiam recorrer das decisões deste instituto invocando a sua incompatibilidade com o Regulamento n.o 549/2013. Poderiam apenas alegar a violação das normas internas italianas.

    57.

    A posição da Comissão não me convence.

    58.

    Em primeiro lugar, o Regulamento n.o 549/2013 é, em todo o caso, aplicável a litígios como estes, quer diretamente quer por remissão incondicional do direito interno italiano. O Tribunal de Justiça é competente para o interpretar, mesmo em situações puramente internas, quando «[…] as disposições deste direito [da União] passaram a ser aplicáveis por força da legislação nacional, a qual é conforme, nas soluções dadas a situações em que todos os elementos estão confinados a um só Estado‑Membro, às soluções do direito da União» ( 33 ).

    59.

    O órgão jurisdicional de reenvio explica suficientemente a aplicação da legislação estatística da União às relações das autoridades italianas com as entidades nacionais, na sequência da remissão efetuada pelo direito italiano.

    60.

    Nos litígios que deram origem a estes dois reenvios prejudiciais, o ISTAT qualifica de Administrações Públicas a Ferrovienord e a FITRI e inclui‑as na lista ISTAT 2020. Ao fazê‑lo, aplica certas disposições do Regulamento n.o 549/2013, e dessa inclusão decorrem consequências jurídicas para essas entidades.

    61.

    Em segundo lugar, importa distinguir duas hipóteses que, todavia, conduzem à mesma solução.

    Se a Ferrovienord e a FITRI fossem entidades privadas (particulares, para efeitos da invocação do Regulamento n.o 549/2013), circunstância que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, poderiam invocar o efeito direto do referido regulamento contra o ISTAT, que é claramente uma autoridade do Estado italiano. Tratar‑se‑ia de uma relação vertical em que um particular invoca um regulamento da União perante uma entidade pública.

    Se o órgão jurisdicional de reenvio considerasse que a Ferrovienord e a FITRI são entidades públicas, como o Regulamento n.o 549/2013 é obrigatório em todos os seus elementos para o Estado italiano e todas as suas entidades públicas têm de o cumprir, uma unidade institucional do setor público com legitimidade para impugnar uma decisão do ISTAT poderia invocá‑lo no âmbito de um litígio contra este.

    62.

    Quando o ISTAT, enquanto autoridade italiana em matéria estatística, determina quais as entidades que devem ser incluídas no setor S.13, aplica a nomenclatura do SEC 2010 e, por conseguinte, o Regulamento n.o 549/2013.

    63.

    As entidades destinatárias dessas decisões do ISTAT, às quais é aplicável o Regulamento n.o 549/2013, poderão, se o direito interno as habilitar a agir para esse efeito, impugná‑las nos tribunais nacionais quando considerem que o ISTAT as adotou de forma incorreta.

    64.

    Por outras palavras, as unidades institucionais que dispõem do direito processual de recorrer aos seus órgãos jurisdicionais nacionais poderão invocar as normas do Regulamento n.o 549/2013 para argumentar que o ISTAT aplicou erradamente o SEC 2010.

    65.

    Em definitivo, no momento da interposição dos recursos respetivos das decisões do ISTAT, será possível invocar o Regulamento n.o 549/2013 quer o órgão jurisdicional de reenvio qualifique a Ferrovienord e a FITRI de entidades privadas, quer as qualifique de entidades públicas.

    66.

    O Tribunal de Justiça admitiu implicitamente a aplicabilidade e o efeito direto do Regulamento n.o 549/2013 nos litígios em que se discutia a possibilidade de qualificar, de uma maneira ou de outra, diferentes entidades nos capítulos respetivos do anexo A desse regulamento:

    No processo objeto do Acórdão FIG e FISE ( 34 ) procurava esclarecer‑se se existia ou não um controlo público por parte do Comité Olímpico italiano sobre as federações italianas de golfe e de desporto equestre. Ninguém contestou a possibilidade de invocação direta nem o caráter obrigatório das disposições do Regulamento n.o 549/2013 e as duas federações desportivas puderam recorrer, nos processos principais, da sua qualificação como Administrações Públicas na lista ISTAT.

    No processo que deu origem ao Acórdão Fonds du Logement de la Région de Bruxelles‑Capitale ( 35 ), este fundo recorreu da sua classificação pela autoridade de contabilidade belga no setor das Administrações Públicas, em aplicação do SEC 2010. Para decidir o litígio, o caráter obrigatório e o efeito direto do Regulamento n.o 549/2013 foram aceites implicitamente e sem discussão.

    O mesmo aconteceu no processo que foi decidido pelo recente Acórdão SeGEC e o ( 36 ), em que as associações de ensino na Bélgica contestavam a sua classificação como Administrações Públicas.

    67.

    As entidades (unidades institucionais) de um Estado‑Membro, e não apenas as suas autoridades estatísticas, são afetadas pela aplicação que estas últimas fazem das regras do SEC 2010 ( 37 ). Tanto o órgão jurisdicional de reenvio como o Governo italiano ( 38 ) reconhecem que a inclusão na lista ISTAT 2020 implica que a pessoa coletiva em causa deverá respeitar as normas nacionais destinadas a limitar as despesas públicas.

    68.

    É certo que o SEC 2010 rege as estatísticas das Administrações Públicas, mas tem igualmente em conta a atividade económica dos particulares, em cujas situações jurídicas podem ter incidência as qualificações correspondentes do ISTAT.

    69.

    Assim, qualquer unidade institucional privada pode invocar diretamente os pontos pertinentes da nomenclatura SEC 2010 para que um juiz nacional decida se as autoridades nacionais, ao qualificá‑la de uma maneira ou de outra, os aplicaram corretamente. Do mesmo modo, uma entidade pública pode invocar o caráter obrigatório das disposições do Regulamento n.o 549/2013 num litígio contra o ISTAT, se o direito interno lhe permitir agir contra ele ( 39 ).

    70.

    Não obstante o exposto, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento n.o 549/2013, os Estados‑Membros podem utilizar uma nomenclatura estatística diferente do SEC 2010 para as «contas para os seus próprios fins». Se recorrerem a essa possibilidade, as suas autoridades estatísticas deverão reformular posteriormente os dados recolhidos a fim de os submeter à Comissão em conformidade com o SEC 2010.

    71.

    O ISTAT deverá elaborar a lista do setor S.13 aplicando a nomenclatura do Regulamento n.o 549/2013. Se uma entidade for qualificada de unidade institucional desse setor, deverá fornecer ao ISTAT os seus dados financeiros segundo a nomenclatura determinada pelo Estado. Como já referi, a Itália alargou às unidades institucionais da sua Administração Pública a utilização da nomenclatura do SEC 2010 ( 40 ). Este alargamento favorece que o Regulamento n.o 549/2013 deva ser aplicado diretamente pelo ISTAT para qualificar na epígrafe «Administração Pública» entidades como a Ferrovienord ou a FITRI ( 41 ).

    2. Invocabilidade da Diretiva 2011/85

    72.

    No que aqui importa, a Diretiva 2011/85:

    «[…][E]stabelece regras específicas relativas às características dos quadros orçamentais dos Estados‑Membros. Essas regras são necessárias para garantir que os Estados‑Membros cumprem as obrigações previstas no TFUE, tendo em vista evitar défices orçamentais excessivos» (artigo 1.o).

    Acolhe as definições do SEC 2010 sobre a Administração Pública e os seus diferentes subsetores para as utilizar no contexto dos quadros orçamentais dos Estados‑Membros (artigo 2.o) ( 42 ).

    Especifica que «[…] os Estados‑Membros devem criar sistemas contabilísticos que abranjam, de forma integral e coerente, todos os subsetores da Administração Pública e contenham as informações necessárias para gerar dados de exercício, com vista à elaboração dos dados baseados no [SEC 2010]. Estes sistemas de contabilidade pública estão sujeitos a procedimentos internos de controlo e auditoria» (artigo 3.o).

    73.

    Os quadros orçamentais a médio prazo, bem como as previsões e as regras orçamentais numéricas reguladas pela Diretiva 2011/85, são estabelecidos pelas autoridades nacionais dos Estados‑Membros para a sua comunicação à Comissão e dizem essencialmente respeito aos institutos de estatística e aos Ministérios da Economia. Não encontro nesta diretiva regras que visem outras entidades públicas ou que sejam suscetíveis de ter uma incidência direta na situação jurídica dos particulares.

    74.

    Por conseguinte, a Diretiva 2011/85 não contém disposições adequadas para produzir efeito direto e para conferir direitos e obrigações aos particulares ou às entidades públicas diferentes das autoridades estatísticas ou dos Ministérios da Economia.

    75.

    A esta consideração não se opõe o facto de as normas italianas elaboradas com vista a integrar no seu direito interno as obrigações impostas pela Diretiva 2011/85 terem incluído medidas suplementares além das suas estipulações. É aos órgãos jurisdicionais nacionais que, sendo caso disso, caberá interpretar e aplicar essas normas suplementares contidas nas disposições internas de aplicação da Diretiva 2011/85.

    3. Conclusão intercalar

    76.

    Em suma, entendo que:

    O Regulamento n.o 549/2013 pode ser invocado por uma unidade institucional (entidade pública ou privada) a respeito da sua inclusão, pelo ISTAT no setor S.13 (Administrações Públicas), do SEC 2010.

    A Diretiva 2011/85, na medida em que regula apenas relações das autoridades nacionais em matéria estatística e de planificação económica com as instituições da União, sem conter disposições aplicáveis a outro tipo de entidades públicas ou privadas, não pode ser invocada por estas últimas.

    D.   Segunda questão prejudicial

    77.

    A Corte dei conti (Tribunal de Contas) pretende saber se a limitação da sua fiscalização jurisdicional da lista ISTAT 2020 é compatível com a Diretiva 2011/85 e com o Regulamento n.o 473/2013. Na sua opinião, a disposição nacional controvertida põe em causa a fiscalização independente sobre as autoridades orçamentais prevista por esses diplomas da União e impede‑a de proceder à verificação da aplicação das regras orçamentais.

    78.

    A Diretiva 2011/85 impõe que os Estados‑Membros:

    Estabeleçam quadros orçamentais que incluam, nomeadamente, «procedimentos de controlo e análise independentes destinados a reforçar a transparência dos elementos do processo orçamental» [artigo 2.o, alínea f)].

    Criem «sistemas de contabilidade pública […] sujeitos a procedimentos internos de controlo e auditoria» (artigo 3.o, n.o 1, in fine).

    Disponham de «regras orçamentais numéricas, específicas para cada país, [que] devem conter especificações sobre […] [o] controlo efetivo e atempado do cumprimento das regras, com base numa análise fiável e independente efetuada por organismos independentes ou organismos dotados de autonomia funcional em relação às autoridades orçamentais dos Estados‑Membros» [artigo 6.o, n.o 1, alínea b)].

    79.

    No que diz respeito ao Regulamento n.o 473/2013, o seu artigo 2.o, n.o 1, alínea a), e o seu artigo 5.o preveem a obrigação de os Estados‑Membros disporem de organismos independentes da autoridade orçamental para assegurar a fiscalização efetiva do cumprimento das regras da União em matéria orçamental. Estes organismos nacionais independentes devem igualmente intervir na elaboração das previsões orçamentais [artigo 2.o, n.o 1, alínea b)].

    80.

    A Diretiva 2011/85 e o Regulamento n.o 473/2013 conferem aos Estados‑Membros a liberdade de determinar quais os organismos independentes que supervisionarão o cumprimento efetivo das regras da União em matéria orçamental.

    81.

    O considerando 3 da Diretiva 2011/85 faz referência à possibilidade de a ação de auditoria independente ser exercida por instituições públicas como o Tribunal de Contas ( 43 ). Todavia, nada impede que um Estado‑Membro escolha outro tipo de entidades ou que proceda à repartição dessa tarefa entre o seu Tribunal de Contas e outros órgãos. Isto resulta igualmente do considerando 17 do Regulamento n.o 473/2013 ( 44 ).

    82.

    Sem prejuízo da leitura das normas nacionais feitas pelos seus órgãos jurisdicionais, tudo parece indicar que, em Itália, as funções controvertidas são exercidas pelo Tribunal de Contas e pelo Ufficio Parlamentare di Bilancio (Gabinete Parlamentar do Orçamento) ( 45 ).

    83.

    A instituição dos organismos independentes de fiscalização é imposta pela Diretiva 2011/85 e pelo Regulamento n.o 473/2013 apenas no que respeita à supervisão do cumprimento das regras orçamentais da União.

    84.

    Todavia, nem essas regras da União nem o Regulamento n.o 549/2013 impõem aos Estados‑Membros a obrigação de disporem de organismos independentes para a preparação dos dados estatísticos a comunicar à Comissão (Eurostat). Como já expliquei, esta tarefa é desempenhada pelos institutos nacionais de estatística, cuja independência não é exigida por nenhuma norma da União.

    85.

    Em suma, a Diretiva 2011/85 e o Regulamento n.o 473/2013 conferem aos Estados‑Membros a liberdade de limitarem a intervenção dos seus tribunais de contas sobre a aplicação do SEC 2010 às Administrações Públicas e de confiar essa tarefa, no todo ou em parte, a outro organismo independente.

    E.   Terceira questão prejudicial

    86.

    A Corte dei conti (Tribunal de Contas) pretende saber se «[o] princípio do Estado de direito, na sua vertente da proteção jurisdicional efetiva e da equivalência das vias de recurso jurisdicionais» se opõe à disposição nacional controvertida.

    87.

    Resulta dos elementos dos autos, das observações das partes e das respostas às questões colocadas na audiência que os órgãos jurisdicionais administrativos controlavam as decisões do ISTAT relativas à designação das Administrações Públicas em aplicação do SEC 95 (antecessor do SEC 2010) até a Lei n.o 228/2012 ( 46 ) ter atribuído esta competência à Corte dei conti (Tribunal de Contas).

    88.

    A Lei n.o 228/2012 acrescentou o n.o 6 ao artigo 11.o do CCP com a seguinte redação: «As secções reunidas [do Tribunal de Contas] em composição especial, no exercício da sua competência exclusiva em matéria de contas públicas, decidem em única instância sobre os processos […] em matéria de reconhecimento das Administrações Públicas efetuada pelo ISTAT».

    89.

    Um novo diploma legal (o Decreto‑Lei n.o 137/2020, confirmado pela Lei n.o 176 de 2020) acrescentou ao final dessa disposição a frase «apenas para efeitos da aplicação da legislação nacional sobre redução da despesa pública».

    90.

    A disposição controvertida, na opinião do órgão de reenvio:

    «Impede qualquer fiscalização jurisdicional da aplicação exata do SEC 2010 para efeitos da delimitação do setor S.13.»

    Impõe ao recorrente um duplo ónus de impugnação judicial, o que impossibilita, de facto, a proteção efetiva do seu direito no tempo útil exigido e afeta a segurança jurídica quanto à existência do estatuto de Administração Pública.

    Tem por efeito (se a tese defendida pelo ISTAT e pelo Ministério da Economia e das Finanças fosse correta), que «o órgão jurisdicional […] diferente daquele ao qual a Constituição italiana reserva a competência em matéria de direito orçamental» decide «sobre a correção da delimitação orçamental».

    91.

    Em contrapartida, o Governo italiano alega que a limitação da competência da Corte dei conti (Tribunal de Contas) para fiscalizar as decisões do ISTAT relativas à designação das Administrações Públicas implica apenas a sua atribuição (deslocação) aos juízes do contencioso administrativo. Por conseguinte, retrocede‑se à situação anterior a 2012 e não existiria falta de proteção jurisdicional efetiva dos direitos conferidos pelas normas da União.

    92.

    O Tribunal de Justiça não pode intervir no debate relativo ao âmbito da alteração legislativa de 2020, que cabe aos órgãos jurisdicionais italianos competentes esclarecer. E certamente não poderia participar na discussão relativa à questão de saber se viola ou não a Constituição italiana. Todavia, pode determinar se uma ou outra interpretação é contrária ao direito da União.

    93.

    O artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, obriga os Estados‑Membros a estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar aos particulares, nos domínios abrangidos pelo direito da União, o respeito do seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva ( 47 ), protegido pelo artigo 47.o da Carta.

    94.

    Logicamente, esse artigo da Carta só pode ser ativado nos termos do seu artigo 51.o, n.o 1. No presente processo, como já analisei, o direito da União aplicável é concretizado pelo Regulamento n.o 549/2013. Tratando‑se de uma situação jurídica que regula, no plano material, o direito da União que as autoridades italianas são chamadas a aplicar, as disposições da Carta são aplicáveis.

    95.

    Ora, nem esse regulamento nem nenhuma outra norma da União determina quais os órgãos jurisdicionais nacionais que especificamente devem assegurar a proteção jurisdicional efetiva. Todavia, as escolhas (livres) de cada Estado‑Membro a este respeito devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade ( 48 ).

    96.

    Neste contexto, importa analisar as duas hipóteses previstas pelo próprio órgão jurisdicional de reenvio.

    97.

    Se a legislação nacional apenas tivesse confiado a um dos seus órgãos jurisdicionais a competência para assegurar a proteção jurisdicional efetiva dos direitos conferidos pela legislação da União, o artigo 47.o da Carta e o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, não teriam sido violados.

    98.

    Com efeito, quando um Estado‑Membro opta por atribuir a fiscalização jurisdicional das decisões de aplicação do SEC 2010 ao seu Tribunal de Contas ou aos seus órgãos jurisdicionais administrativos, exerce a sua autonomia processual num domínio em que o direito da União não impõe nem proíbe uma ou outra solução. Desde que respeite os princípios da equivalência e da efetividade, essa escolha não viola o direito a uma proteção jurisdicional efetiva.

    99.

    Em contrapartida, se a alteração legislativa de 2020 implicasse o desaparecimento absoluto da fiscalização jurisdicional das decisões do ISTAT relativas à inclusão de unidades institucionais no setor S.13 do SEC 2010, haveria uma lacuna na proteção jurisdicional efetiva quanto à aplicação do Regulamento n.o 549/2013. Nessa situação, essas unidades institucionais não poderiam recorrer a um juiz para que fiscalizasse a atuação do ISTAT que aplica esse regulamento.

    100.

    Na audiência, a maioria das partes e dos intervenientes defenderam que a alteração legislativa se tinha limitado a modificar o modo de proteção jurisdicional disponível para as entidades incluídas na lista ISTAT 2020. Desde este último ano, os tribunais administrativos têm competência para decidir diretamente sobre a validade das decisões do ISTAT que incluem unidades institucionais no setor S.13 ( 49 ).

    101.

    O órgão jurisdicional de reenvio mantém, em todo o caso, a competência para se pronunciar sobre a designação das entidades classificadas pelo ISTAT, embora para efeitos da aplicação da legislação nacional sobre redução da despesa pública. O Governo italiano afirma que, no âmbito dessa competência, a Corte dei conti (Tribunal de Contas) poderia apreciar incidentalmente a validade das decisões do ISTAT, não as aplicando no caso concreto ( 50 ).

    102.

    Esta dupla possibilidade de impugnação respeita os princípios da equivalência e da efetividade?

    103.

    O princípio da equivalência poderia ser afetado se, em casos análogos, o direito processual interno previsse apenas recursos diretos. Todavia, na audiência, o Governo italiano comunicou a existência de recursos incidentais semelhantes previstos na sua legislação (por exemplo, em matéria fiscal) ( 51 ). Por conseguinte, não se afigura que o princípio da equivalência seja afetado.

    104.

    No que respeita ao princípio da efetividade, recordo que, para o Tribunal de Justiça,

    — «[O] direito da União, em princípio, não obrig[a] os Estados‑Membros a instituírem, para os respetivos órgãos jurisdicionais nacionais, tendo em vista assegurar a salvaguarda dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União, meios processuais diferentes dos previstos no direito nacional […]» ( 52 ).

    — Ora, «isso não sucede quando resulte da sistemática da ordem jurídica nacional em causa que não existe nenhum meio processual que permita, ainda que a título incidental, assegurar o respeito dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União, ou se a única via de acesso aos tribunais exigir que os litigantes violem a lei» ( 53 ).

    105.

    O órgão jurisdicional de reenvio critica a disposição controvertida porque imporia um duplo ónus de impugnação judicial [nos tribunais administrativos e na Corte dei conti (Tribunal de Contas)]. A duplicidade poderia conduzir a decisões contraditórias, pondo em causa o princípio da segurança jurídica.

    106.

    Como o Governo italiano informou na audiência, as entidades inscritas na lista ISTAT 2020 que pretendam contestar a sua qualificação de Administração Pública não são obrigadas a interpor um duplo recurso. Têm à sua disposição a via processual que preferirem, em função dos seus interesses:

    Nos órgãos jurisdicionais administrativos, podem intentar uma ação e obter a anulação erga omnes da decisão do ISTAT.

    Na Corte dei conti (Tribunal de Contas) podem contestar as consequências (quanto às medidas de redução da despesa pública) da sua classificação como Administração Pública na lista ISTAT, obtendo, se for caso disso, ainda que incidenter tantum, a não aplicação dessa classificação.

    107.

    Se a situação assim descrita corresponder à realidade (o que competirá ao tribunal a quo decidir), não penso que ponha em causa a efetividade do sistema de vias de recurso instituído após a adoção da disposição controvertida. No âmbito da ordem jurídica italiana, as unidades institucionais afetadas podem obter uma proteção jurisdicional efetiva, pelo menos incidentalmente, que parece ser compatível com o padrão imposto pelo direito da União, uma vez que não são obrigadas, em todo o caso, a esgotar uma dupla via jurisdicional para satisfazer as suas pretensões.

    108.

    É certo que, como tal, o sistema assim configurado não garante que não sejam proferidas decisões jurisdicionais contraditórias, cuja coexistência poria em causa a segurança jurídica. Todavia, caso ainda não os preveja, compete à ordem processual italiana estabelecer os mecanismos adequados para dirimir esses eventuais conflitos entre jurisdições internas. No entanto, a simples eventualidade de tais conflitos se verificarem não me parece suficiente para considerar que esse sistema é contrário ao artigo 47.o da Carta.

    V. Conclusão

    109.

    Atendendo ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda à Corte dei conti (Tribunal de Contas, Itália) nos seguintes termos:

    «1)

    O Regulamento (UE) n.o 549/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, relativo ao sistema europeu de contas nacionais e regionais na União Europeia (SEC 2010), é obrigatório e produz efeito direto, pelo que pode ser invocado por uma unidade institucional (entidade pública ou privada) a respeito da sua inclusão, pelo instituto nacional de estatística, no setor S.13 (Administrações Públicas), do SEC 2010.

    A Diretiva 2011/85/UE do Conselho, de 8 de novembro de 2011, que estabelece requisitos aplicáveis aos quadros orçamentais dos Estados‑Membros, regula apenas relações das autoridades nacionais em matéria estatística e de planificação orçamental com as instituições da União, sem conter disposições aplicáveis a outro tipo de entidades públicas ou privadas, pelo que para elas não produz efeito direto.

    2)

    A Diretiva 2011/85 e o Regulamento (UE) n.o 473/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, que estabelece disposições comuns para o acompanhamento e a avaliação dos projetos de planos orçamentais e para a correção do défice excessivo dos Estados‑Membros da área do euro, conferem aos Estados‑Membros a liberdade de determinarem que organismos independentes devem fiscalizar o cumprimento efetivo das regras orçamentais da União.

    3)

    Uma legislação nacional que reduz a uma via incidental a fiscalização jurisdicional do Tribunal de Contas nacional sobre a lista elaborada por um instituto nacional de estatística, que inclui as unidades institucionais qualificadas de Administrações Públicas em aplicação do SEC 2010 e que atribui a fiscalização jurisdicional direta dessa decisão aos órgãos jurisdicionais administrativos, não viola o direito a uma proteção jurisdicional efetiva protegido pelo artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.»


    ( 1 ) Língua original: espanhol.

    ( 2 ) A jurisprudência do Tribunal de Justiça nesta matéria é ainda escassa e incipiente, destacando‑se sobretudo o Acórdão de 11 de setembro de 2019, FIG e FISE (C‑612/17 e C‑613/17, EU:C:2019:705); a seguir «Acórdão FIG e FISE».

    ( 3 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, relativo ao sistema europeu de contas nacionais e regionais na União Europeia (JO 2013, L 174, p. 1).

    ( 4 ) Diretiva do Conselho, de 8 de novembro de 2011, que estabelece requisitos aplicáveis aos quadros orçamentais dos Estados‑Membros (JO 2011, L 306, p. 41).

    ( 5 ) A seguir «Protocolo n.o 12 relativo aos défices excessivos».

    ( 6 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, que estabelece disposições comuns para o acompanhamento e a avaliação dos projetos de planos orçamentais e para a correção do défice excessivo dos Estados‑Membros da área do euro (JO 2013, L 140, p. 11).

    ( 7 ) Legge n.o 196 del 31 dicembre 2009, di contabilità e finanza pubblica (Lei n.o 196, de 31 de dezembro de 2009, relativa às Contas e às Finanças Públicas) (GURI n.o 303, de 31 de dezembro de 2009, Suplemento ordinário n.o 245).

    ( 8 ) Legge n.o 243, del 24 dicembre 2012, disposizioni per l’attuazione del principio del pareggio di bilancio ai sensi dell’articolo 81, sesto comma, della Costituzione (Lei n.o 243, de 24 de dezembro de 2012, que regula a Aplicação do Princípio do Equilíbrio Orçamental na Acessão do Artigo 81.o, Sexto Parágrafo, da Constituição) (GURI n.o 12, de 15 de janeiro de 2013).

    ( 9 ) Legge n.o 161 — Disposizioni per l’adempimento degli obblighi derivanti dall’appartenenza dell’Italia all’Unione europea — Legge europea 2013‑bis, del 30 ottobre 2014 (Lei n.o 161, que regula a Execução das Obrigações Decorrentes do Facto de a Itália Pertencer à União — Lei Europeia 2013‑A) (GURI n.o 261, de 10 de novembro de 2014 — Suplemento ordinário n.o 83).

    ( 10 ) Decreto legislativo n.o 174, del 26 agosto 2016, Codice di giustizia contabile adottato ai sensi dell’articolo 20 della legge 7 agosto 2015, n. 124 (Código da Contabilidade Pública, Adotado nos Termos da Lei de 7 de agosto de 2015, a seguir, «CCP».Itália) (GURI n.o 209, de 7 setembro 2016 — Suplemento ordinário n.o 41).

    ( 11 ) Decreto legge no 137 del 28 ottobre 2020, Ulteriori misure urgenti in materia di tutela della salute, sostegno ai lavoratori e alle imprese, giustizia e sicurezza, connesse all’emergenza epidemiologica da COVID‑19, convertito con modificazioni dalla Legge n.o 18 dicembre 2020, n.o 176, del 18 dicembre 2020 [Decreto‑Lei n.o 137, de 28 de outubro de 2020, Medidas Urgentes em Matéria de Proteção da Saúde, de Apoio aos Trabalhadores e às Empresas, de Justiça e de Segurança, Associadas à Emergência Epidemiológica da COVID‑19 (GURI n.o 269, de 28 de outubro de 2020), conforme alterado pela Lei n.o 176, de 18 de dezembro de 2020) (GURI n.o 319, de 24 de dezembro de 2020 — Suplemento. ordinário n.o 43) (a seguir «Decreto‑Lei n.o 137/2020»)].

    ( 12 ) O sublinhado é meu.

    ( 13 ) O ISTAT estabelece anualmente essa lista em conformidade com o artigo 1.o, n.o 3, da Lei n.o 196/2009, em aplicação do Regulamento n.o 549/2013.

    ( 14 ) Esse pedido foi indeferido.

    ( 15 ) O órgão jurisdicional de reenvio indica que a mesma alteração tinha sido introduzida pelo artigo 5.o, n.o 2, de outro decreto‑lei (n.o 154 de 2020, de 23 de novembro). Esse artigo foi revogado pela Lei n.o 176/2020, de conversão em lei do Decreto‑Lei n.o 137/20, que, todavia, incluiu o seu conteúdo no artigo 23.o‑C do Decreto‑Lei n.o 137/2020.

    ( 16 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2011, relativo ao exercício eficaz da supervisão orçamental na área do euro (JO 2011, L 306, p. 1).

    ( 17 ) Na sua opinião, se ambos os órgãos jurisdicionais (o Tribunal de Contas e o Tribunal Administrativo) devem declarar a aplicação correta do SEC 2010 em relação ao mesmo organismo, existe o risco de decisões contraditórias sobre o mesmo pedido e a delimitação correta das entidades que integram o setor S.13, o que diminui a eficácia do direito da União.

    ( 18 ) Regulamento (UE, Euratom) 2020/2092 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de dezembro de 2020 relativo a um regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da União (JO 2020, L 433I, p. 1).

    ( 19 ) Acórdãos de 28 de abril de 2022, SeGEC e o. (C‑277/21, EU:C:2022:318, n.o 21); e de 4 de março de 2020, Schenker (C‑655/18, EU:C:2020:157, n.o 19 e jurisprudência referida).

    ( 20 ) Terceira questão prejudicial, alíneas b) e c).

    ( 21 ) Despacho de 4 de outubro de 2021, Comune di Camerota (C‑161/21, não publicado, EU:C:2021:833).

    ( 22 ) Despachos de 26 de novembro de 1999, RAI (C‑440/98, EU:C:1999:590, n.o 14); e ANAS (C‑192/98, EU:C:1999:589, n.o 23).

    ( 23 ) Os litígios de origem tinham então por objeto a inclusão, para o ano de 2017, de duas entidades (a Federazione Italiana Golf e a Federazione Italiana Sport Equestri) na lista das Administrações Públicas abrangidas na demonstração de resultados consolidada dos poderes públicos, determinada pelo ISTAT.

    ( 24 ) N.os 30 e segs. das presentes conclusões.

    ( 25 ) Acórdãos de 17 de março de 2022, Daimler (C‑232/20, EU:C:2022:196, n.o 44); e de 25 de novembro de 2021, job‑medium (C‑233/20, EU:C:2021:960, n.o 17).

    ( 26 ) Em substância, os Estados‑Membros não devem exceder um défice orçamental de 3 % do seu PIB nem emitir dívida pública que ultrapasse 60 % do seu PIB (artigo 126.o TFUE e Protocolo n.o 12 relativo aos défices excessivos).

    ( 27 ) O diploma normativo geral da União em matéria estatística é o Regulamento (CE) n.o 223/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2009, relativo às Estatísticas Europeias e que revoga o Regulamento (CE, Euratom) n.o 1101/2008 relativo à transmissão de informações abrangidas pelo segredo estatístico ao Serviço de Estatística das Comunidades Europeias, o Regulamento (CE) n.o 322/97 do Conselho relativo às estatísticas comunitárias e a Decisão 89/382/CEE, Euratom do Conselho que cria o Comité do Programa Estatístico das Comunidades Europeias (JO 2009, L 87, p. 164). Este regulamento determina que o Sistema Estatístico Europeu é uma parceria entre a autoridade estatística comunitária, que é a Comissão (Eurostat), e os institutos nacionais de estatística e outras autoridades nacionais responsáveis em cada Estado‑Membro pelo desenvolvimento, produção e divulgação de estatísticas europeias.

    ( 28 ) Regulamento do Conselho, de 25 de maio de 2009, relativo à aplicação do Protocolo sobre o procedimento relativo aos défices excessivos anexo ao Tratado que institui a Comunidade Europeia (JO 2009, L 145, p. 1).

    ( 29 ) Em nome da Comissão, o Eurostat exerce o papel de autoridade estatística nos termos da Decisão 97/281/CE da Comissão, de 21 de abril de 1997, sobre o papel do Eurostat na produção de estatísticas comunitárias (JO 1997, L 112, p. 56). O Eurostat, também em nome da Comissão, é responsável pela avaliação da qualidade dos dados e pelo fornecimento dos que devam ser utilizados no contexto do procedimento relativo aos défices excessivos.

    ( 30 ) Acórdãos FIG e FISE, n.o 32; de 3 de outubro de 2019, Fonds du Logement de la Région de Bruxelles‑Capitale (C‑632/18, EU:C:2019:833, n.o 32); e de 28 de abril de 2022, SeGEC e o. (C‑277/21, EU:C:2022:318, n.o 23).

    ( 31 ) V. sua transcrição no n.o 4 das presentes conclusões.

    ( 32 ) Observações escritas da Comissão, n.o 29.

    ( 33 ) V., neste sentido, Acórdãos de 18 de outubro de 1990, Dzodzi (C‑297/88 e C‑197/89, EU:C:1990:360, n.os 36, 37 e 41); de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten (C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 53); e de 27 de junho de 2018, SGI e Valériane (C‑459/17 e C‑460/17, EU:C:2018:501, n.o 28).

    ( 34 ) Em especial, a metodologia de classificação resulta da leitura conjunta dos pontos 1.35, 2.34, 2.130, 3.31, 20.05, 20.13 e 20.17 do anexo A do Regulamento n.o 549/2013. O conceito geral de «controlo» é definido de forma semelhante nos pontos 1.36, 20.15, 20.18, 20.306 e 20.309 do anexo A do mesmo regulamento.

    ( 35 ) Acórdão de 3 de outubro de 2019 (C‑632/18, EU:C:2019:833).

    ( 36 ) Acórdão de 28 de abril de 2022 (C‑277/21, EU:C:2022:318).

    ( 37 ) Acórdão FIG e FISE, n.o 32: «[c]omo resulta dos considerandos 1 e 3, bem como do anexo A, pontos 1.01 e 1.19, do Regulamento n.o 549/2013, o SEC 2010 estabelece um quadro de referência destinado, em prol tanto dos cidadãos da União como da própria União, à elaboração das contas dos Estados‑Membros» (o sublinhado é meu).

    ( 38 ) Observações escritas do Governo italiano, n.os 13 e 14. Sublinham que a entidade incluída na lista ISTAT 2020 não poderá, por exemplo, conceder aos seus trabalhadores certos benefícios sociais ou estará sujeita a restrições quanto à venda de determinados bens.

    ( 39 ) Em alguns Estados‑Membros, os conflitos entre Administrações ou Instituições Públicas têm necessariamente vias de resolução diferentes das jurisdicionais.

    ( 40 ) A Comissão informa que há Estados‑Membros que previram regras semelhantes às italianas, impondo a nomenclatura do SEC 2010 no fornecimento de dados aos seus institutos de estatística, ao passo que outros utilizam nomenclaturas distintas.

    ( 41 ) V. n.os 39 a 41 das presentes conclusões.

    ( 42 ) Os quadros orçamentais incluem, em especial: os sistemas de contabilidade orçamental e de informação estatística; as regras e os procedimentos que regem a preparação das previsões para efeitos de planeamento orçamental; as regras orçamentais numéricas, específicas para cada país; os procedimentos orçamentais; os quadros orçamentais a médio prazo; os procedimentos de controlo e análise independentes destinados a reforçar a transparência dos elementos do processo orçamental; e os mecanismos e regras que regem as relações orçamentais entre as autoridades públicas em todos os subsetores da Administração Pública.

    ( 43 )

    ( 44 )

    ( 45 ) A Lei n.o 243/2012, capítulo VII, regula as funções deste organismo independente encarregado da análise e da fiscalização da evolução das finanças públicas e da avaliação do cumprimento das regras orçamentais.

    ( 46 ) Legge n, 228 del 24 dicembre 2012, disposizioni per la formazione del bilancio annuale e pluriennale dello Stato (Legge di stabilità 2013), [Lei n.o 228 de 24 de dezembro de 2012, Disposições relativas à Elaboração do Orçamento Anual e Plurianual do Estado (Lei de Estabilidade 2013)] (GURI n.o 302, 29 dezembro de 2012, Suplemento ordinário n.o 212).

    ( 47 ) Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 32 e jurisprudência referida).

    ( 48 ) «[S]em prejuízo da existência de regras da União na matéria, cabe, ao abrigo do princípio da autonomia processual, à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as modalidades processuais das vias judiciais […] desde que, no entanto, estas modalidades não sejam, nas situações abrangidas pelo direito da União, menos favoráveis do que aquelas que regulam situações semelhantes submetidas ao direito interno (princípio da equivalência) e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (princípio da efetividade)». Acórdãos de 21 de dezembro de 2021, Randstad Italia (C‑497/20, EU:C:2021:1037, n.o 58); e de 10 de março de 2021, Konsul Rzeczypospolitej Polskiej w N. (C‑949/19, EU:C:2021:186, n.o 43).

    ( 49 ) Como foi salientado na audiência, os tribunais administrativos recuperaram a competência geral que lhes é atribuída, salvo regra especial aplicável, pelo artigo 7.o do Codice del processo amministrativo, Decreto‑Lei, n.o 104, de 2 de julho de 2010 (GURI de 7 de julho de 2010, p. 1) (Código do Processo Administrativo). Como já referi, a Corte dei conti (Tribunal de Contas) detinha este poder de anulação entre 2012 e 2020.

    ( 50 ) Tratar‑se‑ia de um incidente processual semelhante à exceção de ilegalidade do artigo 277.o TFUE.

    ( 51 ) V. artigo 7.o, n.o 5 do Decreto Legislativo n.o 546, di 31 dicembre 1992, Disposizioni sul processo tributario in attuazione della delega al Governo contenuta nell’art. 30 della legge 30 dicembre 1991, n.o 413 (Decreto‑Lei n.o 546, de 31 de dezembro de 1992, que regula o Processo Tributário em Aplicação da Delegação Conferida ao Governo pelo Artigo 30.o da Lei de 30 de dezembro de 1991, n.o 413) (GU n.o 9 de 13 de janeiro de 1993 — Suplemento ordinário n.o 8).

    ( 52 ) Acórdãos de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság (C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.o 143); de 21 de dezembro de 2021, Randstad Italia (C‑497/20, EU:C:2021:1037, n.o 62); e de 7 de julho de 2022, Hoffmann‑La Roche e o. (C‑261/21, EU:C:2022:534, n.o 47).

    ( 53 ) Ibidem (o sublinhado é meu).

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