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Document 62021CC0001

    Conclusões da advogada-geral J. Kokott apresentadas em 2 de junho de 2022.
    MC contra Direktor na Direktsia « Obzhalvane i danachno-osiguritelna praktika » Veliko Tarnovo pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Administrativen sad Veliko Tarnovo.
    Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 273.o — Medidas destinadas a garantir a cobrança exata do IVA — Artigo 325.o, n.o 1, TFUE — Obrigação de combater as atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União Europeia — Dívidas de IVA de uma pessoa coletiva que é sujeito passivo — Regulamentação nacional que prevê a responsabilidade solidária do gerente da pessoa coletiva que não é sujeito passivo — Atos de disposição praticados de má‑fé pelo gerente — Empobrecimento do património da pessoa coletiva que leva à insolvência — Não pagamento dos montantes de IVA devidos pela pessoa coletiva nos prazos previstos — Juros de mora — Proporcionalidade.
    Processo C-1/21.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:435

     CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

    JULIANE KOKOTT

    apresentadas em 2 de junho de 2022 ( 1 )

    Processo C‑1/21

    MC

    contra

    Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno‑osiguritelna praktika» Veliko Tarnovo pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Administrativen sad Veliko Tarnovo (Tribunal Administrativo de Veliko Tarnovo, Bulgária)]

    «Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado — Diretiva 2006/112/CE — Regulamentação nacional que prevê a responsabilidade solidária do administrador de uma sociedade, quando este tiver reduzido de má‑fé o património da sociedade, pelo que esta não pôde pagar as suas dívidas fiscais (incluindo as dívidas de IVA) — Responsabilidade igualmente pela dívida de juros da sociedade — Âmbito de aplicação do direito da União — Princípio da proporcionalidade»

    I. Introdução

    1.

    O presente pedido de decisão prejudicial suscita, uma vez mais, uma questão de competência bem conhecida, com novos moldes. A responsabilidade solidária de uma pessoa singular (que não é, ela mesma, um sujeito passivo de IVA) por dívidas fiscais e juros de outra pessoa, prevista pelo regime tributário geral, constitui uma aplicação do direito da União, para a qual a Diretiva IVA ou outras normas de direito da União poderão ser relevantes? Ou a responsabilidade solidária de uma pessoa, que contribuiu de forma causal para uma situação em que outra pessoa não pôde cumprir em tempo útil a sua obrigação de pagamento do imposto, trata‑se de um regime processual puramente nacional para proteger as receitas fiscais, que não são afetadas pelo direito da União?

    2.

    Tal traz um pouco à memória a situação do muito discutido ( 2 ) Acórdão Åkerberg Fransson ( 3 ), em que a condenação penal de um sujeito passivo de IVA por fraude em matéria de IVA foi considerada uma aplicação do direito da União. No entanto, a questão objeto do presente processo vai além da situação do referido acórdão.

    3.

    Com efeito, o caso em apreço não diz respeito à responsabilidade de um sujeito passivo de IVA, mas à responsabilidade de uma pessoa que não está sujeita ao IVA. Esta última não cometeu tão‑pouco nenhuma fraude ao IVA, tendo antes, na qualidade de administrador, aumentado manifestamente de forma inadequada a sua remuneração na sociedade e, assim, reduzido os ativos desta última. Como resultado, a sociedade não pôde, até à data, pagar na totalidade e em tempo útil as suas dívidas (incluindo dívidas de IVA e juros sobre estas dívidas).

    4.

    A responsabilidade solidária geral de um órgão por conduta danosa para a sociedade (uma forma de abuso de confiança) insere‑se no âmbito de aplicação da Diretiva IVA e, portanto, no direito da União, pelo simples facto de que, devido a esta conduta, a sociedade não pôde pagar em tempo útil e na totalidade, designadamente, as suas dívidas de IVA e os juros devidos sobre tais dívidas? Por outras palavras: Quais os limites do âmbito de aplicação do direito da União no caso de uma ligação meramente indireta com a cobrança do IVA?

    II. Quadro jurídico

    A.   Direito da União

    5.

    O quadro jurídico do direito da União é constituído pela Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado ( 4 ) (a seguir «Diretiva IVA»), pela Convenção, estabelecida com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, Relativa à Proteção dos Interesses Financeiros das Comunidades, assinada em Bruxelas em 26 de julho de 1995 ( 5 ) (a seguir «Convenção PIF») e pelo artigo 325.o TFUE.

    1. Direito primário

    6.

    Nos termos do artigo 325.o, n.o 1, TFUE, «[a] União e os Estados‑Membros combaterão as fraudes e quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União, por meio de medidas a tomar ao abrigo do presente artigo, que tenham um efeito dissuasor e proporcionem uma proteção efetiva nos Estados‑Membros, bem como nas instituições, órgãos e organismos da União».

    7.

    Em conformidade com o artigo 325.o, n.o 2, TFUE, «[p]ara combater as fraudes lesivas dos interesses financeiros da União, os Estados‑Membros tomarão medidas análogas às que tomarem para combater as fraudes lesivas dos seus próprios interesses financeiros».

    2. Convenção PIF

    8.

    O artigo 1.o («Disposições gerais») da Convenção PIF determina no seu n.o 1:

    «Para efeitos da presente convenção, constitui fraude lesiva dos interesses financeiros [da União]

    […]

    b)

    Em matéria de receitas, qualquer ato ou omissão intencionais relativos:

    à utilização ou apresentação de declarações ou de documentos falsos, inexatos ou incompletos, que tenha por efeito a diminuição ilegal de recursos do Orçamento Geral [da União] ou dos orçamentos geridos [pela União] ou por sua conta,

    à não comunicação de uma informação em violação de uma obrigação específica, que produza o mesmo efeito,

    ao desvio de um benefício legalmente obtido, que produza o mesmo efeito.»

    9.

    O artigo 2.o («Sanções») desta convenção prevê, no seu n.o 1:

    «Cada Estado‑Membro deve tomar as medidas necessárias para que os comportamentos referidos no artigo 1.o, bem como a cumplicidade, a instigação ou a tentativa relativas aos comportamentos referidos no n.o 1 do artigo 1.o, sejam passíveis de sanções penais efetivas, proporcionadas e dissuasoras, incluindo, pelo menos nos casos de fraude grave, penas privativas de liberdade que possam determinar a extradição, entendendo‑se que se deve considerar fraude grave qualquer fraude relativa a um montante mínimo, a fixar em cada Estado‑Membro. Esse montante mínimo não pode ser fixado em mais de 50000 [euros].»

    10.

    O artigo 9.o («Disposições de direito interno») desta convenção estabelece:

    «Nenhuma disposição da presente convenção obsta a que os Estados‑Membros adotem disposições de direito interno que estabeleçam obrigações mais amplas que as que decorrem da convenção.»

    3. Diretiva IVA

    11.

    O artigo 205.o da Diretiva IVA contém a seguinte disposição:

    «Nas situações previstas nos artigos 193.o a 200.o, 202.o, 203.o e 204.o, os Estados‑Membros podem prever que uma pessoa diversa do sujeito passivo seja solidariamente responsável pelo pagamento do IVA.»

    12.

    Os artigos referidos no título XI (capítulo 1) regulam a obrigação de pagamento ou a autoliquidação «dos sujeitos passivos e de determinadas pessoas que não sejam sujeitos passivos». Os administradores de sociedades ou o caso de atribuição inadequada de uma remuneração não são mencionados nestes artigos.

    13.

    O artigo 273.o da Diretiva IVA prevê:

    «Os Estados‑Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados‑Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados‑Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.

    A faculdade prevista no primeiro parágrafo não pode ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas no capítulo 3.»

    B.   Direito búlgaro

    14.

    O Danachno‑osiguritelen protsesualen kodeks (Código do Processo Tributário e da Segurança Social, a seguir «DOPK») dispõe o seguinte.

    15.

    O artigo 14.o do DOPK refere‑se ao devedor:

    «Os devedores são as pessoas singulares e coletivas que:

    1.

    são devedoras dos impostos ou das contribuições para a segurança social obrigatórias; […]»

    16.

    O artigo 19.o, n.o 2, do DOPK regula a responsabilidade de um órgão de direção pela redução dos ativos da sociedade e tem a seguinte redação:

    «Um gestor ou um membro de um órgão de direção que efetue de má‑fé prestações em espécie ou pecuniárias provenientes dos ativos de uma pessoa coletiva devedora na aceção do artigo 14.o, n.os 1 ou 2, que constituam uma distribuição encoberta de lucros ou de dividendos ou transfira bens do devedor a título gratuito ou a preços consideravelmente inferiores aos preços de mercado, reduzindo os ativos da devedora que, por isso, não tenha pagado impostos ou contribuições para a segurança social, é responsável pelas dívidas até ao montante das prestações efetuadas ou da diminuição dos ativos.»

    17.

    O artigo 20.o do DOPK diz respeito à ordem em que a execução é efetuada e prevê:

    «Nos casos previstos no n.o 19, a constituição de garantia e a execução coerciva realizam‑se, em primeiro lugar, contra o património do devedor que responde pela dívida fiscal ou para com a segurança social.»

    18.

    O artigo 21.o, n.o 3, do DOPK inclui observações quanto ao caráter acessório da dívida solidária face à dívida principal e tem a seguinte redação:

    «A responsabilidade de terceiros deixa de existir quando se extingue a dívida declarada por um ato jurídico com força de caso julgado. Nesse caso, as quantias pagas são reembolsadas segundo o procedimento previsto no capítulo 16, secção 1.»

    19.

    O artigo 3.o, n.o 1, da Zakon za danaka varhu dobavenata stoynost (Lei Relativa ao Imposto sobre o Valor Acrescentado) define o conceito de sujeito passivo:

    «Sujeito passivo é a pessoa que exerce uma atividade económica independente, sejam quais forem os fins e os resultados dessa atividade.»

    20.

    O artigo 89.o, n.o 1, da Lei Relativa ao Imposto sobre o Valor Acrescentado regula o momento da exigibilidade da dívida fiscal:

    «Se, relativamente a determinado período, se constatar que é devido o pagamento do imposto, a pessoa registada é obrigada a pagar o imposto ao erário público, no prazo fixado para a apresentação da declaração de IVA relativa a esse período de tributação, na conta da Teritorialna direktsia na Natsionalnata agentsia za prihodite (Direção Territorial da Agência Nacional das Receitas Públicas) competente.»

    21.

    A Zakon za lihvite varhu danatsi, taksi i drugi podobni darzhavni vzemania (Lei Relativa aos Juros de Impostos, Taxas e outros Créditos Públicos Semelhantes) prevê, no artigo 1.o, n.o 1, uma obrigação de cobrar juros:

    «Os impostos, taxas, deduções de lucros, quotizações para o orçamento e outros créditos públicos semelhantes não pagos nos prazos de pagamento voluntário, não retidos ou retidos, mas que não tenham sido pagos em tempo útil, são cobrados, acrescidos de juros legais.»

    22.

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a interpretação do artigo 19.o, n.o 2, do DOPK, em conjugação com o artigo 1.o da Lei Relativa aos Juros de Impostos, Taxas e outros Créditos Públicos Semelhantes, feita pela jurisprudência húngara não é uniforme. Em alguns casos, a responsabilidade do órgão que age de má‑fé deve abranger igualmente os juros, ao passo que, noutros casos, deve abranger apenas o crédito principal.

    III. Litígio no processo principal

    23.

    O processo pendente no órgão jurisdicional de reenvio tem por objeto o recurso de MC (a seguir «recorrente»), com o qual contesta a legalidade de uma declaração de responsabilidade. Esta declaração determinou a responsabilidade pessoal do recorrente por dívidas de terceiros para o período de tributação de dezembro de 2014. Esta dívida solidária baseia‑se aparentemente em dívidas de IVA ainda em atraso (acrescidas de juros) de outro sujeito fiscal, a saber, a sociedade «ZZ» AD (a seguir «sociedade»), da qual o recorrente foi administrador durante o período em causa.

    24.

    Para cobrar os montantes devidos pela sociedade, foi instaurado um processo de execução coerciva contra a mesma. Foram enviadas à sociedade várias notificações para pagamento voluntário, mas este nunca teve lugar. Por conseguinte, as dívidas da sociedade ao Estado, incluindo os juros acima referidos sobre o IVA não liquidado em tempo útil, foram classificadas de difícil cobrança pela autoridade de execução.

    25.

    A responsabilização do recorrente baseia‑se no facto de, por diversas vezes, este ter aumentado a sua remuneração, sem poder fornecer uma justificação válida desse aumento. A forma como a remuneração aumentada foi paga não estava tão‑pouco em conformidade com as exigências legais. Os montantes foram pagos ao advogado afeto à sociedade, que, por sua vez, os transferiu para a conta da esposa do recorrente, à qual o recorrente também tinha acesso.

    26.

    O recorrente contesta a cobrança. O seu argumento principal é que não existe um nexo de causalidade entre a remuneração que recebia na sua qualidade de gestor do sujeito passivo e a falta de fundos para pagamento dos créditos de direito público. A Administração Fiscal sustenta, em substância, que, na sua qualidade de órgão gestor do sujeito passivo (incluindo em matéria de IVA), o recorrente agiu de má‑fé, uma vez que recebeu, durante o período de tributação pertinente, uma remuneração de um montante que não se provou ter sido regularmente determinado.

    27.

    O órgão jurisdicional de reenvio considera, para efeitos do reenvio prejudicial, que o recorrente ordenou a transferência por um terceiro de uma soma proveniente do património da sociedade para uma pessoa singular que lhe está ligada ou, pelo menos, teve conhecimento disso, agindo de má‑fé segundo o direito nacional. Devido à redução do património da sociedade no montante dessa quantia, não foram pagos os juros sobre o IVA, vencidos em dezembro de 2014. Tendo em conta a questão prejudicial, parto do princípio de que também as dívidas de IVA não foram pagas por este motivo.

    28.

    Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio recorda que a responsabilidade pelos impostos não pagos é de natureza solidária por força do artigo 19.o, n.o 2, do DOPK, na medida em que, embora surja após a responsabilidade do sujeito passivo, subsiste até à extinção da dívida fiscal. Deste modo, esta responsabilidade não se baseia, de modo algum, em atos fraudulentos ou abusivos ligados à atividade económica autónoma do sujeito passivo (ou seja, da sociedade).

    IV. Pedido de decisão prejudicial e tramitação processual perante o Tribunal de Justiça

    29.

    Por Decisão de 18 de novembro de 2020, o Administrativen sad Veliko Tarnovo (Tribunal Administrativo de Veliko Tarnovo, Bulgária), no qual está pendente o recurso interposto contra a declaração de responsabilidade, submeteu à apreciação do Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1.

    Deve o artigo 9.o da Convenção estabelecida com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa à proteção dos interesses financeiros das Comunidades, lido em conjugação com o artigo 273.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, ser interpretado no sentido de que não se opõe a um instrumento jurídico nacional como o previsto no artigo 19.o, n.o 2, do [DOPK] cuja aplicação tem por efeito desencadear a subsequente responsabilidade solidária de uma pessoa singular que não é sujeito passivo, mas cujo comportamento de má‑fé implicou o não pagamento do IVA pela pessoa coletiva devedora do imposto?

    2.

    A interpretação destas disposições e a aplicação do princípio da proporcionalidade também não se opõem ao instrumento jurídico nacional regulado no artigo 19.o, n.o 2, do DOPK, no que respeita aos juros sobre o IVA não pago em tempo útil pelo sujeito passivo?

    3.

    É contrário ao princípio da proporcionalidade o instrumento jurídico nacional regulado no artigo 19.o, n.o 2, do DOPK, num caso em que o pagamento tardio do IVA que deu lugar ao vencimento de juros sobre a dívida de IVA não resulta do comportamento da pessoa singular que não é sujeito passivo, mas do comportamento de outra pessoa ou de circunstâncias objetivas?»

    30.

    O recorrente, a Bulgária, o Reino de Espanha e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas no processo perante o Tribunal de Justiça. Nos termos do artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça decidiu não realizar audiência.

    V. Apreciação jurídica

    31.

    As questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio destinam‑se a determinar se o direito da União se opõe a uma regulamentação nacional que prevê a responsabilidade solidária de uma pessoa singular (que não é sujeito passivo), quando o seu comportamento, na qualidade de órgão de uma pessoa coletiva, implicou o não pagamento, em tempo útil ou na totalidade, por parte desta pessoa coletiva, das suas dívidas fiscais, incluindo as dívidas de IVA. Estas questões pressupõem que essa responsabilidade de uma pessoa que não é sujeito passivo se insere no âmbito de aplicação do direito da União.

    A.   Quanto à competência do Tribunal de Justiça

    32.

    A Bulgária manifestou dúvidas quanto a este aspeto nas suas observações. No âmbito de um reenvio prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça só pode interpretar o direito da União nos limites das competências atribuídas à União ( 6 ). Por conseguinte, quando uma situação jurídica não está abrangida pelo direito da União, o Tribunal de Justiça não tem competência para dela conhecer ( 7 ).

    33.

    Assim sendo, o Tribunal de Justiça só é competente para responder às questões prejudiciais se a dívida solidária fixada ao recorrente nos termos do artigo 19.o, n.o 2, do DOPK, que é objeto do processo principal, resultar da aplicação do direito da União.

    34.

    Não está aqui em causa uma aplicação do direito da União sob a forma de uma transposição da Diretiva IVA. A legislação nacional prevê uma responsabilidade geral de caráter acessório, quando um órgão de uma sociedade reduz o património da mesma de tal maneira que a sociedade deixa de poder pagar atempadamente as suas dívidas fiscais. Tal dissocia‑se tanto do tipo de imposto, de que resulta a responsabilidade, como do facto de saber se o responsável é um sujeito passivo, sendo, portanto, independente da Diretiva IVA.

    35.

    No entanto, como o Tribunal de Justiça já declarou, está‑se igualmente perante uma aplicação do direito da União quando, com a aplicação da legislação nacional, se pretende punir uma violação das disposições da referida diretiva e se visa, consequentemente, dar execução à obrigação imposta pelo Tratado aos Estados‑Membros de punir de forma efetiva os comportamentos atentatórios dos interesses financeiros da União ( 8 ).

    36.

    Por conseguinte, há que analisar se a responsabilidade do recorrente nos termos do artigo 19.o, n.o 2, do DOPK visa dar execução a essa obrigação imposta pelo direito da União. Tal pode resultar do artigo 325.o TFUE (v., a este respeito, secção 1, infra), da Convenção PIF (v., a este respeito, secção 2, infra), do artigo 205.o (v., a este respeito, secção 3 infra) ou do artigo 273.o (v., a este respeito, secção 4, infra) da Diretiva IVA.

    1. Artigo 325.o TFUE

    37.

    O artigo 325.o TFUE obriga os Estados‑Membros a combater as atividades ilícitas lesivas dos interesses financeiros da União através de medidas dissuasivas e efetivas. Em particular, obriga‑os a adotar, para combater as fraudes lesivas dos interesses financeiros da União, as mesmas medidas que adotarem para combater as fraudes lesivas dos seus próprios interesses ( 9 ). Incumbe aos Estados‑Membros garantir uma cobrança eficaz dos recursos próprios da União. A este título, os Estados‑Membros devem proceder à cobrança das quantias correspondentes aos recursos próprios que, em razão de fraudes, foram subtraídas ao orçamento da União ( 10 ).

    38.

    No contexto da legislação aduaneira, o Tribunal de Justiça ( 11 ) alargou o âmbito de aplicação do artigo 325.o TFUE à obrigação de os Estados‑Membros «adotarem as medidas necessárias a fim de garantir a cobrança eficaz e integral dos direitos aduaneiros». No entanto, esta decisão dizia respeito à não realização de controlos aduaneiros eficazes apesar de um conhecido modelo de fraude aduaneira. No caso em apreço, não existe, todavia, um modelo de fraude ao IVA. Também não se constata, no presente caso, a não realização de controlos eficazes do IVA. O artigo 19.o, n.o 2, do DOPK não constitui tão‑pouco um controlo do IVA.

    39.

    A responsabilidade prevista no artigo 19.o, n.o 2, do DOPK também não se trata de uma medida que visa combater uma qualquer outra ação ilegal lesiva dos interesses financeiros da União. Pelo contrário, trata‑se de uma responsabilidade por uma redução inadequada dos ativos de uma sociedade que, em consequência, deixou de poder pagar na totalidade certas dívidas (dívidas fiscais). Deste modo, a sociedade, em si mesma, não infringe a lei, mas simplesmente já não está em condições de pagar os impostos.

    40.

    O órgão de direção, na qualidade de pessoa singular, age de má‑fé (é muito questionável que já se possa falar a este respeito de uma atividade ilegal), e, além disso, «apenas» em relação aos interesses financeiros da sociedade, uma vez que atribuiu a si próprio uma remuneração inadequada em detrimento dos ativos da sociedade. Em todo o caso, o órgão de direção não age, neste momento, de forma ilegal no que se refere aos interesses financeiros da União. Só indiretamente é que este comportamento poderá, tendo em conta outras circunstâncias — posteriormente, a sociedade já não está em condições de pagar os seus impostos —, ter impacto nas receitas fiscais (e, deste modo, também indiretamente nas receitas do IVA), o que dá, então, origem a consequências em termos de responsabilidade. No máximo, essa responsabilidade pode também indiretamente reduzir o risco de perda de receitas de IVA.

    41.

    Isto distingue a situação atual daquela em que se baseou o Acórdão Åkerberg Fransson ( 12 ). A consequência jurídica aqui adotada pelo Tribunal de Justiça, segundo a qual as sobretaxas fiscais e os processos‑crime por fraude fiscal, com fundamento na falsidade das informações fornecidas em matéria de IVA, constituem uma aplicação do artigo 325.o TFUE ( 13 ), referia‑se à luta direta contra a fraude ao IVA. No entanto, no caso em apreço, não é sancionada uma fraude ao IVA, mas sim um comportamento de má‑fé em detrimento da sociedade (possivelmente uma forma de abuso de confiança). Por outro lado, a responsabilidade solidária de um órgão de uma sociedade que age de má‑fé nos termos do artigo 19.o, n.o 2, do DOPK não está relacionada com a obrigação imposta aos Estados‑Membros pelo artigo 325.o TFUE.

    2. Convenção PIF

    42.

    A Convenção PIF não é aplicável por razões semelhantes. Com efeito, esta convenção está igualmente relacionada com a luta eficaz contra a fraude. Assim, o artigo 1.o desta convenção refere expressamente a utilização ou apresentação de declarações ou de documentos falsos, inexatos ou incompletos, que tenha por efeito a redução ilegal de fundos provenientes do orçamento da União ou dos orçamentos geridos pela União ou por sua conta. Por conseguinte, o conceito de «fraude lesiva dos interesses financeiros» na aceção do artigo 1.o, n.o 1, da Convenção PIF deve necessariamente ser interpretado no sentido de que abrange a utilização intencional de declarações falsas ou inexatas apresentadas posteriormente à execução do projeto que beneficia de financiamento ( 14 ).

    43.

    Não é o que se passa no caso em apreço. Como anteriormente referido, o recorrente não proferiu tais declarações, reduzindo assim ilegalmente os fundos provenientes do orçamento da União. O facto de o recorrente, na qualidade de um órgão de uma sociedade, ter atribuído a si próprio uma remuneração inadequada e, assim, ter lesado os interesses financeiros da sociedade ou dos seus ativos, não é objeto da Convenção PIF.

    3. Artigo 205.o Diretiva IVA

    44.

    No entanto, à primeira vista, a responsabilidade solidária prevista pelo artigo 19.o, n.o 2, do DOPK poderia basear‑se no artigo 205.o da Diretiva IVA. Com efeito, este artigo prevê que, em determinadas situações (previstas, nomeadamente, nos artigos 193.o a 200.o e 202.o, 203.o e 204.o), os Estados‑Membros podem prever que uma pessoa diversa do sujeito passivo seja solidariamente responsável pelo pagamento do IVA.

    45.

    Ao faze‑lo, essa disposição tem por objetivo assegurar ao Fisco uma cobrança eficaz do IVA à pessoa mais adequada à luz da situação em causa, particularmente quando as partes no contrato não estão situadas no mesmo Estado‑Membro ou quando a transação sujeita a IVA incide sobre operações cuja especificidade exige a identificação de uma pessoa diversa da referida no artigo 193.o dessa diretiva ( 15 ).

    46.

    Esta situação não se verifica no caso em apreço. Isto é igualmente salientado, com razão, pela Comissão e pela Espanha.

    47.

    O artigo 204.o da Diretiva IVA diz respeito à designação de um representante fiscal (externo), desde que o sujeito passivo não esteja estabelecido no Estado‑Membro do lugar em que efetuou as operações. O recorrente não é, todavia, um representante fiscal designado. O artigo 203.o da Diretiva IVA abrange a responsabilidade fiscal resultante de uma menção injustificada do IVA numa fatura. No presente caso, nem o recorrente, nem a sociedade emitiram essa fatura. O artigo 202.o da Diretiva IVA abrange os bens que se encontrem em entrepostos aduaneiros ou sejam expedidos entre tais entrepostos. Tal não está em causa no caso em apreço.

    48.

    Pelo contrário, os artigos 193.o a 200.o abrangem determinadas operações (entregas e outras prestações), que implicam uma responsabilidade fiscal por parte de um sujeito passivo ou de uma determinada pessoa que não seja sujeito passivo. No caso de uma tal operação, uma pessoa diversa do devedor pode ser designada como solidariamente responsável. Porém, a atribuição de uma remuneração inadequada não constitui uma entrega ou outra prestação tributável, que implique uma responsabilidade fiscal por parte de uma pessoa. Sem uma tal responsabilidade fiscal, não há devedor de imposto. Neste caso, também nenhuma pessoa diferente do devedor pode ser responsabilizada por isso.

    49.

    Por conseguinte, não estão reunidas as condições previstas no artigo 205.o da Diretiva IVA, que apenas se refere às situações descritas nos artigos 193.o a 204.o desta diretiva. A responsabilidade solidária prevista pelo artigo 19.o, n.o 2, do DOPK não se baseia no artigo 205.o da Diretiva IVA.

    4. Artigo 273.o Diretiva IVA

    50.

    Deste modo, resta ainda o artigo 273.o da Diretiva IVA. Segundo este artigo, os Estados‑Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados‑Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados‑Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.

    51.

    Por conseguinte, é, por um lado, determinante saber se a responsabilidade solidária de um órgão de uma sociedade prevista pelo artigo 19.o, n.o 2, do DOPK garante a «cobrança exata do IVA», na aceção do artigo 273.o da Diretiva IVA, para evitar a fraude [v., a este respeito, infra, b)] e, por outro, se as outras obrigações, de que trata o artigo 273.o da Diretiva IVA, também se podem referir a uma pessoa que não seja sujeito passivo, que até ao momento ainda não tinha de cumprir nenhumas obrigações ao abrigo da Diretiva IVA [v., a este respeito, infra, b)].

    a) Outras obrigações de uma pessoa que não seja sujeito passivo?

    52.

    Como resulta, desde logo, da redação do artigo 273.o da Diretiva IVA, a eventual extensão das obrigações refere‑se às obrigações dos sujeitos passivos na aceção da Diretiva IVA. Com efeito, a reserva da «igualdade de tratamento dos sujeitos passivos» apenas faz sentido se as obrigações adicionais se referirem a um sujeito passivo (diferente). As obrigações adicionais de uma pessoa que não seja sujeito passivo, que não tenha participado numa operação, não poderão per se constituir uma diferença de tratamento entre as operações internas e as operações intracomunitárias.

    53.

    Por conseguinte, o artigo 273.o da Diretiva IVA não permite que os Estados‑Membros estabeleçam obrigações adicionais para qualquer pessoa (trabalhador, familiar, vizinho, etc.) que apresente uma qualquer ligação indireta com a dívida de IVA de um terceiro e, assim, alarguem o âmbito de aplicação da Diretiva IVA a estas pessoas.

    54.

    Também a formulação «outras obrigações» (ou ainda «obrigações diferentes» noutras versões linguísticas) parece‑me pressupor obrigações já existentes na aceção da Diretiva IVA que, por razões específicas, ainda podem ser completadas pelo artigo 273.o da Diretiva IVA. Por conseguinte, esta formulação não permite, na minha opinião, a criação de obrigações novas, pela primeira vez, para pessoas que até ao momento não eram abrangidas pela Diretiva IVA.

    55.

    Esta conclusão está em conformidade com a sistemática e o telos [objetivo] da Diretiva IVA. Com feito, esta diretiva regula a legislação (substantiva) em matéria de IVA, ou seja, a exigibilidade da dívida de IVA no caso de um sujeito passivo de IVA. Por conseguinte, a condição de aplicação (artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva IVA) pressupõe entregas de bens ou prestações de serviços efetuadas por um sujeito passivo. Em seguida, o artigo 9.o da Diretiva IVA define quem é um sujeito passivo. Trata‑se apenas de pessoas que exercem de forma independente uma atividade económica. Este conceito não inclui, em princípio, os órgãos remunerados de uma sociedade ( 16 ).

    56.

    Do mesmo modo, o artigo 273.o insere‑se no capítulo 7 (Disposições diversas) do título XI, denominado «Obrigações dos sujeitos passivos e de determinadas pessoas que não sejam sujeitos passivos». Enquanto o artigo 272.o permite dispensar certos sujeitos passivos de determinadas obrigações referidas nos capítulos 2 a 6, o artigo 273.o alarga as obrigações a outras/diferentes obrigações. Assim, do ponto de vista sistemático, tal apenas pode referir‑se às obrigações, dos sujeitos passivos e de determinadas pessoas que não sejam sujeitos passivos, abrangidas pelo título XI.

    57.

    Se o âmbito de aplicação da Diretiva IVA não abrange, em princípio ( 17 ), pessoas que não sejam sujeitos passivos de IVA, então, o artigo 273.o da Diretiva IVA dificilmente poderá permitir que os Estados‑Membros estabeleçam obrigações específicas (outras/diferentes) para as pessoas que até ao momento não eram abrangidas pela Diretiva IVA apenas pelo facto de tal visar igualmente proteger as receitas de IVA e evitar a fraude fiscal. Assim, os pedidos de decisão prejudicial respondidos pelo Tribunal de Justiça no âmbito do artigo 273.o da Diretiva IVA disseram sempre respeito a casos em que eram impostas obrigações ou sanções adicionais a um sujeito passivo ( 18 ).

    58.

    Uma extensão das obrigações decorrentes do artigo 273.o da Diretiva IVA é, quando muito, possível no que se refere às pessoas que — embora não sejam sujeitos passivos — já são, não obstante, abrangidas pela Diretiva IVA. Exemplo desta situação são as pessoas coletivas que não são sujeitos passivos, que estão registadas para efeitos de IVA e, por conseguinte, podem ser igualmente devedoras do imposto [v. artigo 197.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA].

    59.

    Isto é também claramente demonstrado pelo artigo 273.o, segundo parágrafo, da Diretiva IVA. Com efeito, a faculdade prevista no primeiro parágrafo deste artigo não pode, não obstante, «ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas no capítulo 3» [(«Faturação»)» do título XI («Obrigações dos sujeitos passivos e determinadas pessoas que não sejam sujeitos passivos»)]. Também as obrigações aqui mencionadas se referem apenas aos sujeitos passivos e a determinadas pessoas que não sejam sujeitos passivos já abrangidas pela diretiva.

    60.

    Isto é especialmente válido tendo em conta o artigo 205.o da Diretiva IVA. Uma vez que este artigo abrange expressamente apenas determinadas situações, um alargamento a outras situações só dificilmente se poderá justificar com base no artigo 273.o da Diretiva IVA. Assim, uma dívida solidária paralela do cliente pela dívida de IVA da empresa prestadora seria inclusivamente útil para proteger as receitas fiscais e para evitar a fraude. O mesmo se aplica à responsabilidade de qualquer ladrão, cujo roubo implique que aquele que é roubado não pode pagar as suas dívidas de IVA. Contudo, a redação do artigo 273.o da Diretiva IVA não permite responsabilizar tais pessoas que não sejam sujeitos passivos.

    b) Responsabilidade solidária necessária para uma cobrança exata do IVA e para evitar a fraude?

    61.

    Além disso, é questionável se a responsabilidade solidária prevista nos termos do artigo 19.o, n.o 2, do DOPK é efetivamente adequada para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude.

    62.

    Com efeito, esta continua a ser uma responsabilidade solidária geral — no caso em apreço, até mesmo de uma pessoa que não é um sujeito passivo — por um imposto alheio. Deste modo, o montante devido pelo recorrente não se refere ao IVA, que continua a ser devido pelo sujeito passivo. Tal é demonstrado pelo artigo 21.o, n.o 3, do DOPK, segundo o qual a dívida solidária se extingue, logo que se extinga a dívida fiscal e os montantes já pagos sejam reembolsados ao responsável. Assim, o pagamento pelo responsável não permite sequer extinguir a dívida fiscal.

    63.

    Porém, não devendo o recorrente IVA, a responsabilidade solidária prevista nos termos do artigo 19.o, n.o 2, do DOPK não pode tão‑pouco garantir a cobrança exata do IVA. O que esta responsabilidade solidária pretende sancionar ou evitar é uma redução, de má‑fé, dos ativos em detrimento da sociedade, que, por esta razão, não pode pagar as suas dívidas (no caso em apreço, dívidas fiscais). Assim, a responsabilidade prevista nos termos do artigo 19.o, n.o 2, do DOKP não se opõe, nem favorece a cobrança exata do IVA. Com efeito, o IVA continua a dever ser cobrado exatamente no mesmo montante ao sujeito passivo de IVA.

    64.

    Além disso, esta responsabilidade de uma pessoa que não é sujeito passivo também não impede qualquer fraude por parte do sujeito passivo. A responsabilidade deriva unicamente do não pagamento do imposto devido à falta de ativos do sujeito passivo. Todavia, o simples não pagamento de um imposto regularmente declarado não consubstancia qualquer fraude ( 19 ). Também a este respeito não estão reunidos os critérios de aplicação do artigo 273.o da Diretiva IVA.

    B.   Conclusão intermédia

    65.

    Deste modo, o artigo 19.o, n.o 2, do DOPK — tal como foi salientado pela Bulgária — não aplica o direito da União. Não se pune, portanto, qualquer violação das disposições da Diretiva IVA, mas sim uma violação das obrigações fiduciárias para com a sociedade. Esta violação produz, quando muito, efeitos indiretos sobre o pagamento do imposto por um terceiro.

    66.

    Tal como já referi noutra sede, não bastam quaisquer incidências indiretas do direito do IVA para fundamentar a aplicabilidade do direito da União ( 20 ). Esta abordagem está em consonância com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à determinação do âmbito de aplicação da Carta ( 21 ). A aplicabilidade da Carta pressupõe igualmente a existência de um nexo de ligação entre um ato de direito da União e a medida nacional em causa, que ultrapassa a mera proximidade das matérias em causa ou as incidências indiretas de uma matéria na outra.

    67.

    Consequentemente, o Tribunal de Justiça não é competente para responder às questões submetidas no caso em apreço. A responsabilidade solidária geral de um órgão de uma sociedade (pessoa que não seja sujeito passivo na aceção da Diretiva IVA) por conduta danosa para a sociedade (no caso em apreço: a atribuição de uma remuneração num montante inadequado), conduta esta que apresenta um nexo de causalidade com o não pagamento das dívidas fiscais vencidas da sociedade, não é objeto da Diretiva IVA e não se insere no âmbito de aplicação do direito da União. O mesmo é válido caso entre as dívidas fiscais da sociedade, não pagas ou pagas demasiado tarde, se encontrem, em parte, dívidas de IVA ou juros por dívidas de IVA pagas demasiado tarde.

    C.   A título subsidiário: o direito da União opõe‑se a uma responsabilidade solidária por dívidas de IVA, incluindo juros?

    68.

    No caso de o Tribunal de Justiça entender, pelo contrário, que tem competência para responder às questões prejudiciais, uma vez que considera a responsabilidade solidária prevista pelo artigo 19.o, n.o 2, do DOPK como constituindo a aplicação da Diretiva IVA, as três questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio podem, então, ser respondidas do seguinte modo: o direito da União não exige tal responsabilidade solidária, porém, também não se opõe à mesma.

    69.

    Segundo o Tribunal de Justiça, no âmbito de uma responsabilidade em conformidade com o artigo 205.o da Diretiva IVA, não há nenhuma objeção a que a responsabilidade se estenda não só à dívida fiscal, mas também aos juros de mora de terceiros ( 22 ). Embora, segundo a redação do artigo 205.o da Diretiva IVA, a responsabilidade solidária prevista nesse artigo apenas diga respeito ao pagamento do IVA, esta disposição não exclui que os Estados‑Membros possam imputar ao devedor solidário todos os elementos relativos a esse imposto. Tal inclui igualmente os juros de mora devidos pela falta de pagamento do referido imposto pelo devedor deste último ( 23 ).

    70.

    A meu ver — em conformidade com a opinião da Comissão e da Espanha —, o mesmo é igualmente válido para o caso em apreço, se a responsabilidade solidária adicional se puder basear nos termos do artigo 273.o da Diretiva IVA. No caso de o órgão da sociedade ter causado, através das suas próprias ações (atribuição de uma remuneração inadequada), uma situação em que a sociedade não pôde pagar em tempo útil a sua dívida de IVA, a responsabilidade por estes impostos não pagos e o consequente enriquecimento de terceiros (benefícios em termos de juros) visa um objetivo legítimo (proteção dos ativos da sociedade por meio de responsabilidade pelos impostos a pagar e pelos danos de mora associados).

    71.

    Esta responsabilidade preenche igualmente os outros requisitos do princípio da proporcionalidade ( 24 ). Esta responsabilidade é adequada e necessária para a realização deste objetivo. Não se vislumbra um meio igualmente adequado menos gravoso. Na medida em que afeta o responsável, que enriqueceu através do empobrecimento da sociedade, sendo este empobrecimento a causa para a falta de pagamento da dívida fiscal e da dívida de juros, tal responsabilidade constitui igualmente um meio adequado.

    VI. Conclusão

    72.

    Assim, proponho que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma ao Administrativen sad Veliko Tarnovo (Tribunal Administrativo de Veliko Tarnovo, Bulgária):

    A responsabilidade solidária geral de um órgão de uma sociedade (pessoa que não seja sujeito passivo na aceção da Diretiva IVA) por conduta danosa para a sociedade (no caso em apreço: a atribuição de uma remuneração num montante inadequado), conduta esta que apresenta um nexo de causalidade com o não pagamento das dívidas fiscais vencidas da sociedade, não é objeto da Diretiva IVA e não se insere no âmbito de aplicação do direito da União. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não é competente para responder às questões submetidas.


    ( 1 ) Língua original: alemão.

    ( 2 ) V., por exemplo, as considerações do BVerfG [Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal, Alemanha)], Acórdão de 24 de abril de 2013, Antiterrordatei (1 BVR 1215/07, BVerfGE 133, 277, DE:BVerfG:2013:rs20130424.1bvr121507, n.o 91). Críticas claras podem igualmente encontrar‑se em Widmann, W., Geltung der EU‑Grundrechte‑Charta bei der Sanktion mehrwertsteuerlicher Verfehlungen, Umsatzsteuer‑Rundschau 2014, p. 5 (pp. 6 e 7).

    ( 3 ) Acórdão de 26 de fevereiro de 2013 (C‑617/10, EU:C:2013:105).

    ( 4 ) Diretiva do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (JO 2006, L 347, p. 1), na versão em vigor no ano controvertido (2014).

    ( 5 ) JO 1995, C 316, pp. 48 e segs.

    ( 6 ) Acórdãos de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 77), e de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten (C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 40).

    ( 7 ) Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 22), e Despacho de 12 de julho de 2012, Currà e o. (C‑466/11, EU:C:2012:465, n.o 26).

    ( 8 ) Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 28).

    ( 9 ) Acórdãos de 8 de março de 2022, Comissão/Reino Unido (Luta contra a fraude por subavaliação) (C‑213/19, EU:C:2022:167, n.os 208 e segs.); de 14 de outubro de 2021, Ministerul Lucrărilor Publice, Dezvoltării şi Administraţiei (C‑360/20, EU:C:2021:856, n.o 36); e de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 26).

    ( 10 ) Acórdão de 5 de dezembro de 2017, M.A.S. e M.B. (C‑42/17, EU:C:2017:936, n.o 32); v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2016, Degano Trasporti (C‑546/14, EU:C:2016:206, n.o 21).

    ( 11 ) Acórdão de 8 de março de 2022, Comissão/Reino Unido (Luta contra a fraude por subavaliação) (C‑213/19, EU:C:2022:167, n.o 211).

    ( 12 ) Acórdão de 26 de fevereiro de 2013 (C‑617/10, EU:C:2013:105).

    ( 13 ) Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 27), confirmado pelos Acórdãos de 8 de setembro de 2015, Taricco e o. (C‑105/14, EU:C:2015:555, n.os 39 e segs.), e de 5 de dezembro de 2017, M.A.S. e M.B. (C‑42/17, EU:C:2017:936, n.os 32 e segs.).

    ( 14 ) Acórdão de 14 de outubro de 2021, Ministerul Lucrărilor Publice, Dezvoltării şi Administraţiei (C‑360/20, EU:C:2021:856, n.o 29).

    ( 15 ) Neste sentido, Acórdão de 20 de maio de 2021, ALTI (C‑4/20, EU:C:2021:397, n.o 28).

    ( 16 ) V. mesmo relativamente a um Conselho Fiscal não remunerado: Acórdão de 13 de junho de 2019, IO (Imposto sobre o valor acrescentado — Atividade de membro do Conselho Fiscal) (C‑420/18, EU:C:2019:490).

    ( 17 ) Existem exceções, por exemplo, para as pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos, uma vez que estas também efetuam, por exemplo, aquisições intracomunitárias [v. artigo 2.o, n.o 1, alínea b), artigo 20.o, segundo parágrafo, da Diretiva IVA] ou podem ser devedoras do IVA [v. artigo 197.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA].

    ( 18 ) V. Despacho de 21 de outubro de 2021, EuroChem Agro Hungary (C‑583/20, não publicado, n.o 25), Acórdãos de 15 de abril de 2021, Grupa Warzywna (C‑935/19, EU:C:2021:287, n.o 24); de 8 de maio de 2019, EN.SA. (C‑712/17, EU:C:2019:374); de 26 de outubro de 2017, BB construct (C‑534/16, EU:C:2017:820, o n.o 22 dizia respeito à prestação de uma garantia através de novos sujeitos passivos); de 19 de outubro de 2017, Paper Consult (C‑101/16, EU:C:2017:775, n.o 55); de 5 de outubro de 2016, Maya Marinova (C‑576/15, EU:C:2016:740, n.o 42); e de 21 de junho de 2012, Mahagében (C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, o n.o 54 trata de operadores, o n.o 61 de sujeitos passivos).

    ( 19 ) Acórdão de 2 de maio de 2018, Scialdone (C‑574/15, EU:C:2018:295, n.os 39 e 40); v., a este respeito, também, em pormenor, as minhas Conclusões de 5 de maio de 2022no processo HA.EN. (C‑227/21, EU:C:2022:364, n.os 35 e segs.).

    ( 20 ) V. as minhas Conclusões nos processos apensos IN e JM (C‑469/18 e C‑470/18, EU:C:2019:597, n.o 65). V., também, a este respeito, Acórdão de 24 de outubro de 2019, Belgische Staat (C‑469/18 e C‑470/18, EU:C:2019:895, n.o 18).

    ( 21 ) Acórdãos de 6 de outubro de 2016, Paoletti e o. (C‑218/15, EU:C:2016:748, n.o 14), de 10 de julho de 2014, Julián Hernández e o. (C‑198/13, EU:C:2014:2055, n.o 34), e de 6 de março de 2014, Siragusa (C‑206/13, EU:C:2014:126, n.o 24).

    ( 22 ) Acórdão de 20 de maio de 2021, ALTI (C‑4/20, EU:C:2021:397, n.os 40 e segs.).

    ( 23 ) Acórdão de 20 de maio de 2021, ALTI (C‑4/20, EU:C:2021:397, n.o 42), em que o Tribunal de Justiça não seguiu a interpretação mais restritiva, por mim proposta, do artigo 205.o da Diretiva IVA — v. as minhas Conclusões no processo ALTI (C‑4/20, EU:C:2021:12, n.os 31 e segs.).

    ( 24 ) A título de exemplo: Acórdãos de 26 de outubro de 2010, Schmelz (C‑97/09, EU:C:2010:632, n.o 57), e de 27 de janeiro de 2009, Persche (C‑318/07, EU:C:2009:33, n.o 52).

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