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Document 62020CJ0267

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 22 de junho de 2022.
AB Volvo e DAF TRUCKS NV contra RM.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Audiencia Provincial de León.
Reenvio prejudicial — Acordos, decisões e práticas concertadas — Artigo 101.o TFUE — Diretiva 2014/104/UE — Artigos 10.o, 17.o e 22.o — Ações de indemnização por infração às disposições do direito da concorrência da União Europeia — Prazo de prescrição — Presunção ilidível de danos — Quantificação dos danos sofridos — Transposição tardia da Diretiva — Aplicação no tempo — Disposições substantivas e processuais.
Processo C-267/20.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:494

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

22 de junho de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Acordos, decisões e práticas concertadas — Artigo 101.o TFUE — Diretiva 2014/104/UE — Artigos 10.o, 17.o e 22.o — Ações de indemnização por infração às disposições do direito da concorrência da União Europeia — Prazo de prescrição — Presunção ilidível de danos — Quantificação dos danos sofridos — Transposição tardia da Diretiva — Aplicação no tempo — Disposições substantivas e processuais»

No processo C‑267/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Audiencia Provincial de León (Audiência Provincial de Leão, Espanha), por Decisão de 12 de junho de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de junho de 2020, no processo

Volvo AB (publ.),

DAF Trucks NV

contra

RM,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev (relator), presidente de secção, I. Ziemele, T. von Danwitz, P. G. Xuereb e A. Kumin, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

em representação da Volvo AB (publ.), por N. Gómez Bernardo e R. Murillo Tapia, abogados,

em representação da DAF Trucks NV, por C. Gual Grau, abogado, M. de Monchy e J. K. de Pree, advocaten, D. Sarmiento Ramírez‑Escudero e P. Vidal Martínez, abogados,

em representação de RM, por M. Picón González, procuradora, e I. San Primitivo Arias, abogado,

em representação do Governo espanhol, por L. Aguilera Ruiz e S. Centeno Huerta, na qualidade de agentes,

em representação do Governo estónio, por A. Kalbus, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por S. Baches Opi, M. Farley e G. Meessen, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de outubro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 101.o TFUE, dos artigos 10.o, 17.o e 22.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia (JO 2014, L 349, p. 1), bem como do princípio da efetividade.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Volvo AB (publ.) e a DAF Trucks NV a RM, a propósito de uma ação de indemnização intentada por RM e que tem por objeto a reparação do dano resultante de uma infração ao artigo 101.o TFUE, declarada pela Comissão Europeia, a qual foi cometida por vários construtores de camiões, entre os quais figuram a Volvo e a DAF Trucks.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O considerando 47 da Diretiva 2014/104 enuncia:

«Para corrigir a assimetria de informação e algumas das dificuldades associadas à quantificação dos danos em processos no domínio do direito da concorrência da União e para assegurar a efetividade dos pedidos de indemnização, convém presumir que as infrações cometidas por cartéis dão origem a danos, em especial através de um efeito sobre os preços. Em função das circunstâncias específicas de cada caso, os cartéis dão origem ao aumento de preços ou impedem a descida de preços que, de outro modo, ocorreriam na sua ausência. Essa presunção não deverá abranger o montante concreto dos danos. Os infratores deverão poder ilidir tal presunção. Convém limitar esta presunção ilidível a cartéis, tendo em conta a sua natureza secreta, que acentua a referida assimetria de informação e agrava a dificuldade, para os demandantes, de obterem os elementos de prova necessários para provar os danos.»

4

O artigo 10.o desta diretiva, sob a epígrafe «Prazos de prescrição», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros estabelecem, nos termos do presente artigo, as regras aplicáveis aos prazos de prescrição para intentar ações de indemnização. Essas regras determinam quando começa a correr o prazo de prescrição, a duração do mesmo e as circunstâncias em que este é interrompido ou suspenso.

2.   O prazo de prescrição não começa a correr antes de cessar a infração ao direito da concorrência e de o demandante ter conhecimento, ou se poder razoavelmente presumir que teve conhecimento:

a)

Do comportamento em causa e de que este constitui uma infração ao direito da concorrência;

b)

Do facto de a infração ao direito da concorrência lhe ter causado dano; e

c)

Da identidade do infrator.

3.   Os Estados‑Membros asseguram que o prazo de prescrição para intentar a ação de indemnização seja pelo menos de cinco anos.

4.   Os Estados‑Membros asseguram que o prazo de prescrição seja suspenso ou, consoante o direito nacional, interrompido, se a autoridade da concorrência tomar medidas no âmbito de uma investigação ou de um processo relativo a uma infração ao direito da concorrência com a qual a ação de indemnização esteja relacionada. A suspensão termina, no mínimo, um ano depois de a decisão em matéria de infração se ter tornado definitiva ou depois de o processo ter sido de outro modo concluído.»

5

O artigo 17.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Quantificação dos danos», prevê:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que nem o ónus da prova nem o grau de convicção do julgador exigidos para a quantificação dos danos tornem o exercício do direito à indemnização praticamente impossível ou excessivamente difícil. Os Estados‑Membros asseguram que os tribunais nacionais sejam competentes, de acordo com os processos nacionais, para calcular o montante dos danos, se for estabelecido que o demandante sofreu danos, mas seja praticamente impossível ou excessivamente difícil quantificar com precisão os danos sofridos, com base nos elementos de prova disponíveis.

2.   Presume‑se que as infrações de cartel causam danos. O infrator tem o direito de ilidir essa presunção.

3.   Os Estados‑Membros asseguram que, nas ações de indemnização, a autoridade nacional da concorrência possa, a pedido do tribunal nacional, prestar‑lhe assistência na quantificação dos danos, caso a autoridade nacional da concorrência considerar adequada a prestação dessa assistência.»

6

O artigo 21.o, n.o 1, da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros põem em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 27 de dezembro de 2016. Os Estados‑Membros comunicam imediatamente à Comissão o texto dessas disposições.

Quando os Estados‑Membros adotarem essas medidas, estas incluem uma referência à presente diretiva ou são acompanhadas dessa referência aquando da sua publicação oficial. As modalidades daquela referência incumbem aos Estados‑Membros.»

7

O artigo 22.o da Diretiva 2014/104, sob a epígrafe «Aplicação no tempo», enuncia:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que as disposições nacionais adotadas por força do artigo 21.o a fim de dar cumprimento às disposições substantivas da presente diretiva não se aplicam retroativamente.

2.   Os Estados‑Membros asseguram que quaisquer disposições nacionais adotadas por força do artigo 21.o, que não as referidas no n.o 1, não se aplicam às ações de indemnização intentadas nos tribunais nacionais antes de 26 de dezembro de 2014.»

8

O artigo 25.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002 relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), prevê:

«O prazo de prescrição começa a ser contado a partir do dia em que foi cometida a infração. Todavia, no que se refere às infrações continuadas ou repetidas, o prazo de prescrição apenas começa a ser contado a partir do dia em que tiverem cessado essas infrações.»

9

Nos termos do artigo 30.o deste regulamento, sob a epígrafe «Publicação das decisões»:

«1.   A Comissão publica as decisões que tomar nos termos dos artigos 7.o a 10.o, 23.o e 24.o

2.   A publicação menciona as partes interessadas e o conteúdo essencial da decisão, incluindo as sanções impostas. Deve acautelar o interesse legítimo das empresas na proteção dos seus segredos comerciais.»

Direito espanhol

10

Nos termos do artigo 74.o, n.o 1, da Ley 15/2007 de Defensa de la Competencia (Lei 15/2007, de Defesa da Concorrência), de 3 de julho de 2007 (BOE n.o 159, de 4 de julho de 2007, p. 28848), conforme alterada pelo Real Decreto‑ley 9/2017, por el que se transponen Diretivas de la Unión Europea en los ámbitos financiero, mercantil y sanitario, y sobre el desplazamiento de trajadores (Real Decreto‑Lei n.o 9/2017, Relativo à Transposição de Diretivas da União Europeia nos Domínios Financeiro, Comercial e Sanitário e do Destacamento de Trabalhadores), de 26 de maio de 2017 (BOE n.o 126, de 27 de maio de 2017, p. 42820) (a seguir «Lei 15/2007, conforme alterada pelo Real Decreto‑Lei n.o 9/2017»):

«O prazo de prescrição da ação de indemnização pelos danos resultantes de uma infração ao direito da concorrência é de cinco anos.»

11

O artigo 76.o, n.os 2 e 3, da Lei 15/2007, conforme alterada pelo Real Decreto‑Lei n.o 9/2017, prevê:

«2.   Se for demonstrado que o demandante sofreu danos, mas que é praticamente impossível ou excessivamente difícil quantificar com precisão os danos sofridos, com base nos elementos de prova disponíveis, os tribunais têm competência para calcular o correspondente montante da indemnização.

3.   Presume‑se, até prova em contrário, que as infrações cometidas no âmbito de um cartel causam danos.»

12

A primeira disposição transitória do Real Decreto‑Lei n.o 9/2017, que transpõe para o direito espanhol a Diretiva 2014/104, sob a epígrafe «Regime transitório aplicável a ações de indemnização resultantes de infrações ao direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia», dispõe:

«1. O disposto no artigo 3.o do presente real decreto‑lei não é aplicável com efeitos retroativos.

2. O disposto no artigo 4.o do presente real decreto‑lei só é aplicável aos processos iniciados após a sua entrada em vigor.»

13

O artigo 1902.o do Código Civil enuncia:

«Quem, por ação ou omissão, causar um dano a outrem, culposa ou negligentemente, é obrigado a reparar o dano causado.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14

Durante 2006 e 2007, RM comprou à Volvo e à DAF Trucks três camiões fabricados por estas sociedades.

15

Em 19 de julho de 2016, a Comissão adotou a Decisão C(2016) 4673 final relativa a um processo nos termos do artigo 101.o [TFUE] e do artigo 53.o do Acordo EEE (Processo AT.39824 — Camiões) e publicou um comunicado de imprensa a este respeito. Em 6 de abril de 2017, em conformidade com o artigo 30.o do Regulamento n.o 1/2003, esta instituição publicou o resumo desta decisão no Jornal Oficial da União Europeia.

16

Na referida decisão, a Comissão declarou que diversos construtores de camiões, entre os quais constam a Volvo e a DAF Trucks, infringiram o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3), ao acordarem, por um lado, os preços e o aumento de preços brutos para camiões com peso entre 6 toneladas e 16 toneladas, isto é, camiões médios, ou com mais de 16 toneladas, isto é, camiões pesados, no Espaço Económico Europeu e, por outro, o calendário e a repercussão dos custos para a introdução de tecnologias de emissões exigidos pelas normas Euro 3 a Euro 6. No que respeita à Volvo e à DAF Trucks, a infração verificou‑se entre 17 de janeiro de 1997 e 18 de janeiro de 2011.

17

Em 27 de maio de 2017, ou seja, cinco meses após o termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/104, entrou em vigor o Real Decreto‑Lei n.o 9/2017, que transpõe esta diretiva para o direito espanhol.

18

Em 1 de abril de 2018, RM intentou no Juzgado de lo Mercantil de León (Tribunal de Comércio de Leão, Espanha) uma ação contra a Volvo e a DAF Trucks. Esta ação destina‑se a obter a reparação dos danos que RM sofreu devido às práticas anticoncorrenciais dessas duas sociedades. A referida ação baseia‑se, a título principal, nas disposições pertinentes da Lei 15/2007, conforme alterada pelo Real Decreto‑Lei n.o 9/2017, e, a título subsidiário, no regime geral da responsabilidade civil extracontratual, designadamente no artigo 1902.o do Código Civil. Esta mesma ação constitui uma ação de indemnização intentada na sequência de uma decisão definitiva da Comissão que declara uma infração ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu.

19

A Volvo e a DAF Trucks opuseram‑se a esta ação alegando, nomeadamente, que estava prescrita e que RM não tinha provado que existia um nexo de causalidade entre a infração declarada na Decisão C(2016) 4673 final e o aumento do preço dos camiões.

20

Por Sentença de 15 de outubro de 2019, o Juzgado de lo Mercantil de León (Tribunal de Comércio de Leão) julgou parcialmente procedente a ação intentada por RM e condenou a Volvo e a DAF Trucks a pagar a RM uma indemnização correspondente a 15 % do preço de aquisição dos camiões, acrescido de juros legais, sem, no entanto, condenar essas sociedades nas despesas. Este órgão jurisdicional julgou improcedente a exceção de prescrição invocada pela Volvo e pela DAF Trucks, com o fundamento, nomeadamente, de que o prazo de cinco anos previsto no artigo 74.o da Lei 15/2007, conforme alterada pelo Real Decreto‑Lei n.o 9/2017, que transpõe o artigo 10.o, n.o 3, da Diretiva 2014/104, estava em vigor no momento da propositura da ação e era, portanto, aplicável no caso em apreço. Além disso, ao considerar que o artigo 76.o, n.os 2 e 3, dessa lei, que transpõe o artigo 17.o, n.os 1 e 2, dessa diretiva, é uma disposição processual, o referido órgão jurisdicional baseou‑se, em primeiro lugar, na presunção de danos prevista no artigo 76.o, n.o 3, da Lei 15/2007, conforme alterada pelo Real Decreto‑Lei n.o 9/2017, para concluir pela existência de danos causados a RM e, em segundo lugar, no artigo 76.o, n.o 2, desta lei, para quantificar o montante desses danos.

21

A Volvo e a DAF Trucks interpuseram recurso dessa sentença para a Audiencia Provincial de León (Audiência Provincial de Leão, Espanha). Estas duas empresas alegam que a Diretiva 2014/104 não é aplicável no caso em apreço, pois não estava em vigor na época em que foi cometida a infração em causa, uma vez que esta cessou em 18 de janeiro de 2011. Segundo as referidas empresas, é a data da prática desta infração que é pertinente para determinar o regime aplicável à ação de indemnização intentada por RM.

22

A Volvo e a DAF Trucks sustentam, portanto, que a ação de indemnização intentada por RM está prescrita. A este respeito, a DAF Trucks alega que não é aplicável o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 10.o da Diretiva 2014/104, transposto no artigo 74.o, n.o 1, da Lei 15/2007, conforme alterada pelo Real Decreto‑Lei n.o 9/2017, mas sim o prazo de um ano previsto no artigo 1968.o do Código Civil. Além disso, esse prazo de prescrição de um ano começou a correr a partir da publicação do comunicado de imprensa da Comissão relativo à Decisão C(2016) 4673 final. Por esta razão, esta sociedade alega que, na data em que RM propôs a sua ação de indemnização, a saber, em 1 de abril de 2018, o referido prazo de prescrição tinha expirado.

23

A Volvo e a DAF Trucks acrescentam que, uma vez que essa diretiva não é aplicável, é necessário provar, no caso em apreço, tanto a existência como o montante dos danos, sob pena de esta ação ser julgada improcedente.

24

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o âmbito de aplicação temporal do artigo 10.o e do artigo 17.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/104. Considera que esse âmbito de aplicação é especificado no artigo 22.o desta diretiva.

25

Para determinar se o artigo 10.o e o artigo 17.o, n.os 1 e 2, da referida diretiva, que estabelecem, respetivamente, regras que regulam o prazo de prescrição, a existência dos danos resultantes de um cartel e a quantificação desses danos, são aplicáveis ao litígio no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, por um lado, se essas disposições são de natureza substantiva ou de natureza processual.

26

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber qual é o momento pertinente em relação ao qual há que examinar a aplicação no tempo das referidas disposições a fim de determinar se são aplicáveis no caso em apreço.

27

Nestas circunstâncias, a Audiencia Provincial de León (Audiência Provincial de Leão) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem o artigo 101.o TFUE e o princípio da efetividade ser interpretados no sentido de que se opõem a uma interpretação da norma nacional que considera não aplicável retroativamente o prazo para intentar a ação de [cinco] anos previsto no artigo 10.o da diretiva [2014/104], bem como [no] artigo 17.o [desta direta], relativo à quantificação judicial dos danos, fixando a referência da retroatividade na data da sanção e não na data da propositura da ação?

2)

Devem o artigo 22.o, n.o 2, da Diretiva [2014/104] e o termo “retroativamente” ser interpretados no sentido de que o artigo 10.o dessa diretiva é aplicável a uma ação como a que está em causa no processo principal, que, embora tenha sido intentada após a entrada em vigor da diretiva e da norma de transposição, se refere, no entanto, a factos ou a sanções anteriores?

3)

No âmbito da aplicação de uma disposição como o artigo 76.o da [Lei 15/2007], deve o artigo 17.o da Diretiva [2014/104], relativo à quantificação judicial dos danos, ser interpretado no sentido de que se trata de uma norma de natureza processual aplicável ao processo principal cuja ação é intentada após a entrada em vigor da norma nacional de transposição?»

Quanto às questões prejudiciais

28

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas. A circunstância de um órgão jurisdicional nacional ter, num plano formal, formulado uma questão prejudicial com base em certas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça forneça a esse órgão jurisdicional todos os elementos de interpretação que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, tenha esse órgão jurisdicional feito ou não referência no enunciado das suas questões. A este respeito, cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.o 35 e jurisprudência referida).

29

No caso em apreço, tendo em conta todos os elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, para dar a esse órgão jurisdicional uma resposta útil, há que reformular as questões prejudiciais.

30

Com efeito, resulta da decisão de reenvio que, com as suas três questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre a aplicação no tempo do artigo 10.o e do artigo 17.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/104, em conformidade com o artigo 22.o da mesma, a uma ação de indemnização que, embora tenha por objeto uma infração ao direito da concorrência que cessou antes da entrada em vigor desta diretiva, foi proposta após a entrada em vigor das disposições que a transpõem para o direito nacional.

Observações preliminares

31

Há que recordar que, diferentemente das regras processuais que são geralmente aplicáveis na data em que entram em vigor (Acórdão de 3 de junho de 2021, Jumbocarry Trading, C‑39/20, EU:C:2021:435, n.o 28 e jurisprudência referida), as normas de direito substantivo da União devem ser interpretadas, com vista a garantir o respeito dos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, no sentido de que se referem a situações adquiridas anteriormente à sua entrada em vigor na medida em que resulte claramente dos seus próprios termos, da sua finalidade ou da sua sistemática que tal efeito lhes deve ser atribuído [Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Skarb Państwa (Cobertura do seguro automóvel), C‑428/20, EU:C:2021:1043, n.o 33 e jurisprudência referida].

32

Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, em princípio, uma norma jurídica nova é aplicável a partir da entrada em vigor do ato que a instaura. Embora não seja aplicável às situações jurídicas constituídas e definitivamente adquiridas na vigência da lei anterior, é aplicável aos efeitos futuros de uma situação constituída na vigência da regra anterior, bem como às situações jurídicas novas. Só assim não será, e com ressalva do princípio da não retroatividade dos atos jurídicos, se a norma nova for acompanhada de disposições especiais que determinam especificamente as condições para a sua aplicação no tempo [Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Skarb Państwa (Cobertura do seguro automóvel), C‑428/20, EU:C:2021:1043, n.o 31 e jurisprudência referida].

33

Mais especificamente, no que respeita, às diretivas, em regra, só as situações jurídicas adquiridas posteriormente ao termo do prazo de transposição de uma diretiva podem ser associadas ao âmbito de aplicação ratione temporis desta diretiva (Despacho de 16 de maio de 2019, Luminor Bank, C‑8/18, não publicado, EU:C:2019:429, n.o 32 e jurisprudência referida).

34

O mesmo se aplica, a fortiori, às situações jurídicas constituídas na vigência da norma anterior que continuam a produzir efeitos posteriormente à entrada em vigor dos atos nacionais adotados para a transposição de uma diretiva após o termo do prazo de transposição da mesma.

35

Neste contexto, no que diz respeito à aplicação ratione temporis da Diretiva 2014/104, há que salientar lembrar que esta diretiva contém uma disposição particular que determina expressamente as condições de aplicação das suas disposições substantivas e não substantivas no tempo (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.o 25).

36

Especialmente, por um lado, por força do artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104, os Estados‑Membros deviam assegurar que as disposições nacionais adotadas por força do artigo 21.o a fim de dar cumprimento às disposições substantivas da presente diretiva não fossem aplicadas retroativamente (Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.o 26).

37

Por outro lado, por força do artigo 22.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104, os Estados‑Membros deviam assegurar que quaisquer disposições nacionais adotadas a fim de dar cumprimento às disposições não substantivas desta diretiva não se aplicam às ações de indemnização intentadas nos tribunais nacionais antes de 26 de dezembro de 2014 (Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.o 27).

38

Por conseguinte, para determinar a aplicabilidade temporal das disposições da Diretiva 2014/104, há que determinar, em primeiro lugar, se a disposição em causa constitui ou não uma disposição substantiva.

39

A este respeito, há que precisar que a questão de saber quais são, entre as disposições desta diretiva, as que são substantivas e as que não o são, na ausência, no artigo 22.o da Diretiva 2014/104, de remissão para o direito nacional, deve ser apreciada à luz do direito da União e não à luz do direito nacional aplicável.

40

Além disso, embora esse artigo não especifique se cada disposição é ou não substantiva, resulta inequivocamente da redação deste artigo, cujo n.o 1 se refere às «disposições substantivas da presente diretiva», que são as disposições dessa diretiva e não as medidas nacionais adotadas para lhe dar cumprimento que são consideradas substantivas ou não substantivas.

41

De resto, conceder uma margem de apreciação aos Estados‑Membros no que respeita à determinação do caráter substantivo ou não das disposições da Diretiva 2014/104 seria suscetível de prejudicar a aplicação efetiva, coerente e uniforme dessas disposições no território da União.

42

Uma vez determinado o caráter substantivo ou não da disposição em causa, há que verificar, em segundo lugar, se, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, nas quais esta diretiva foi transposta de maneira tardia, a situação em causa, desde que não possa ser qualificada de nova, foi adquirida antes do termo do prazo de transposição da referida diretiva ou se continuou a produzir os seus efeitos após o termo desse prazo.

Quanto à aplicabilidade temporal do artigo 10.o da Diretiva 2014/104

43

No que respeita, em primeiro lugar, à natureza substantiva ou não do artigo 10.o da Diretiva 2014/104, há que recordar que, nos termos do seu n.o 1, este artigo estabelece as regras aplicáveis aos prazos de prescrição para intentar ações de indemnização por infrações ao direito da concorrência. Os n.os 2 e 4 do referido artigo determinam, especialmente, o momento em que o prazo de prescrição começa a correr e as circunstâncias em que pode ser interrompido ou suspenso.

44

O artigo 10.o, n.o 3, desta diretiva precisa a duração mínima do prazo de prescrição. Segundo esta disposição, os Estados‑Membros asseguram que o prazo de prescrição para intentar a ação de indemnização, por infração ao direito da concorrência, seja pelo menos de cinco anos.

45

O prazo de prescrição, previsto no artigo 10.o, n.o 3, da Diretiva 2014/104, tem designadamente a função, por um lado, de assegurar a proteção dos direitos do lesado, devendo este dispor de tempo suficiente para reunir as informações adequadas com vista à eventual propositura de ação, e, por outro, de evitar que o lesado possa retardar indefinidamente o exercício do seu direito à indemnização em detrimento do responsável pelo dano. Este prazo protege, por conseguinte, em definitivo, tanto o lesado como o responsável pelo dano (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Evropaïki Dynamiki/Comissão, C‑469/11 P, EU:C:2012:705, n.o 53).

46

Neste contexto, há que salientar que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, ao contrário dos prazos processuais, o prazo de prescrição, ao levar à extinção da ação judicial, está relacionado com o direito substantivo, uma vez que afeta o exercício de um direito subjetivo que o interessado não pode voltar efetivamente a invocar nos tribunais (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Evropaïki Dynamiki/Comissão, C‑469/11 P, EU:C:2012:705, n.o 52).

47

Por conseguinte, como o advogado‑geral salientou, em substância, nos n.os 66 e 67 das suas conclusões, há que considerar que o artigo 10.o da Diretiva 2014/104 é uma disposição substantiva, na aceção do artigo 22.o, n.o 1, desta diretiva.

48

Em segundo lugar, uma vez que, no caso em apreço, é facto assente que a Diretiva 2014/104 foi transposta para a ordem jurídica espanhola cinco meses após o termo do prazo de transposição previsto no artigo 21.o da mesma, tendo o Real Decreto‑Lei n.o 9/2017 que transpõe essa diretiva entrado em vigor em 27 de maio de 2017, há que verificar, a fim de determinar a aplicabilidade temporal do artigo 10.o da referida diretiva, se a situação em causa no processo principal foi adquirida antes do termo do prazo de transposição da mesma diretiva ou se continua a produzir efeitos após o termo desse prazo.

49

Para o efeito, tendo em conta as especificidades das regras de prescrição, a sua natureza e o seu mecanismo de funcionamento, nomeadamente no contexto de uma ação de indemnização intentada na sequência de uma decisão definitiva que declara uma infração ao direito da concorrência da União, há que averiguar se, à data do termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/104, a saber, 27 de dezembro de 2016, o prazo de prescrição aplicável à situação em causa no processo principal tinha expirado, o que implica determinar o momento em que esse prazo de prescrição começou a correr.

50

Ora, no que respeita ao momento a partir do qual o referido prazo de prescrição começou a correr, há que recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, quando nenhuma regulamentação da União na matéria é aplicável ratione temporis, cabe à ordem jurídica de cada Estado‑Membro regular as modalidades de exercício do direito de pedir a reparação dos danos resultantes de uma violação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, incluindo as relativas aos prazos de prescrição, desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efetividade, uma vez que este último princípio exige que as regras aplicáveis às ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que resultam do efeito direto do direito da União para os sujeitos de direito não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.os 42 e 43).

51

No caso, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, antes da transposição da referida diretiva para o direito espanhol, o prazo de prescrição aplicável às ações de indemnização por infrações ao direito da concorrência era regulado pelo regime geral da responsabilidade civil extracontratual e que, por força do artigo 1968.o, n.o 2, do Código Civil, esse prazo de prescrição com a duração de um ano apenas começava a correr a partir do momento em que o demandante em causa tinha conhecimento dos factos geradores de responsabilidade. Embora não resulte expressamente da decisão de reenvio quais são, segundo o direito espanhol, os factos geradores de responsabilidade cujo conhecimento faz correr o prazo de prescrição, os autos de que o Tribunal de Justiça dispõe parecem indicar que esses factos implicam o conhecimento das informações indispensáveis para a propositura de uma ação de indemnização. É ao órgão jurisdicional de reenvio que incumbe determiná‑lo.

52

Não deixa de ser verdade que, quando um órgão jurisdicional nacional deve decidir um litígio entre particulares, incumbe a esse órgão jurisdicional, se for caso disso, interpretar as disposições nacionais em causa no processo principal, na medida do possível, à luz do direito da União e, mais especificamente, da letra e da finalidade do artigo 101.o TFUE, sem, todavia, proceder a uma interpretação contra legem dessas disposições nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2021, Whiteland Import Export, C‑308/19, EU:C:2021:47, n.os 60 a 62).

53

A este respeito, há que recordar que uma legislação nacional que fixa a data em que começa a correr o prazo de prescrição, a sua duração e as suas regras de suspensão ou de interrupção deve ser adaptada às especificidades do direito da concorrência e aos objetivos da execução das regras desse direito pelas pessoas envolvidas, a fim de não suprimir a plena efetividade dos artigos 101.o e 102.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.o 47).

54

Com efeito, a propositura das ações de indemnização por infração ao direito da concorrência da União exige, em princípio, a realização de uma análise factual e económica complexa (Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.o 46).

55

Importa igualmente ter em conta que os litígios relativos a infrações ao direito da concorrência da União e ao direito da concorrência nacional se caracterizam, em princípio, por uma assimetria de informação em detrimento do lesado, como recordado no considerando 47 da Diretiva 2014/104, o que torna mais difícil para este obter as informações indispensáveis para intentar uma ação de indemnização do que para as autoridades da concorrência obterem as informações necessárias para efeitos do exercício dos seus poderes de aplicar o direito da concorrência.

56

Neste contexto, há que considerar que, diferentemente da regra aplicável à Comissão, que figura no artigo 25.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003, segundo a qual o prazo de prescrição para a aplicação de sanções começa a correr a partir do dia em que foi cometida a infração ou, para as infrações continuadas ou repetidas, do dia em que tiver cessado a infração, os prazos de prescrição aplicáveis às ações de indemnização por infrações às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União não podem começar a correr antes de a infração ter cessado e de o lesado ter conhecimento ou se poder razoavelmente considerar que teve conhecimento das informações indispensáveis para a propositura da sua ação de indemnização.

57

Caso contrário, o exercício do direito de pedir a reparação tornar‑se‑ia impossível ou excessivamente difícil.

58

No que respeita às informações indispensáveis para a propositura de uma ação de indemnização, há que recordar que resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que qualquer pessoa tem o direito de pedir a reparação dos danos sofridos quando haja um nexo de causalidade entre os referidos danos e uma infração ao direito da concorrência da União (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de junho de 2014, Kone e o., C‑557/12, EU:C:2014:1317, n.o 22 e jurisprudência referida, e de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.o 40).

59

Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que o lesado possa intentar uma ação de indemnização, é indispensável que saiba quem é a pessoa responsável pela infração ao direito da concorrência (Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.o 50).

60

Daqui resulta que a existência de uma infração ao direito da concorrência, a existência de danos, o nexo de causalidade entre esses danos e essa infração, bem como a identidade do autor da mesma, fazem parte dos elementos indispensáveis de que o lesado deve dispor para intentar uma ação de indemnização.

61

Nestas condições, há que considerar que os prazos de prescrição aplicáveis às ações de indemnização por infrações às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União não podem começar a correr antes de a infração ter cessado e de o lesado ter conhecimento ou se poder razoavelmente considerar que teve conhecimento do facto de que sofreu um dano devido a essa infração e da identidade do autor da mesma.

62

No caso em apreço, a infração terminou em 18 de janeiro de 2011. Ora, no que respeita à data em que se pode razoavelmente considerar que RM teve conhecimento dos elementos indispensáveis que lhe permitem intentar uma ação de indemnização, a Volvo e a DAF Trucks consideram que a data pertinente é a da publicação do comunicado de imprensa relativo à Decisão C(2016) 4673 final, a saber, 19 de julho de 2016 e que, por conseguinte, o prazo de prescrição previsto no artigo 1968.o do Código Civil começou a correr no dia dessa publicação.

63

Em contrapartida, RM, o Governo espanhol e a Comissão sustentam que é necessário considerar como data pertinente o dia da publicação do resumo da Decisão C(2016) 4673 final no Jornal Oficial da União Europeia, a saber, 6 de abril de 2017.

64

Embora não esteja excluída a possibilidade de o lesado ter conhecimento dos elementos indispensáveis para a propositura da ação de indemnização muito antes da publicação no Jornal Oficial da União Europeia do resumo de uma decisão da Comissão, ou mesmo antes da publicação do comunicado de imprensa relativo a essa decisão, mesmo num processo de cartel, não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que seja esse o caso presente.

65

Por conseguinte, há que determinar qual destas duas publicações constitui a que permite razoavelmente considerar que RM teve conhecimento dos elementos indispensáveis que lhe permitiam intentar uma ação de indemnização.

66

Para este efeito, há que ter em conta o objeto e a natureza dos comunicados de imprensa relativos às decisões da Comissão e dos resumos dessas decisões que são publicados no Jornal Oficial da União Europeia.

67

Como salientou o advogado‑geral, em substância, nos n.os 125 a 127 das suas conclusões, antes de mais, os comunicados de imprensa contêm, em princípio, informações menos detalhadas sobre as circunstâncias do processo em causa e sobre as razões pelas quais um comportamento restritivo da concorrência pode ser qualificado de infração do que os resumos das decisões da Comissão publicados no Jornal Oficial da União Europeia que, segundo o artigo 30.o do Regulamento n.o 1/2003, mencionam as partes interessadas e o conteúdo essencial da decisão em causa, incluindo as sanções aplicadas.

68

Em seguida, os comunicados de imprensa não se destinam a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros, nomeadamente aos lesados. Em contrapartida, constituem documentos curtos destinados, em princípio, à imprensa e aos meios de comunicação social. Por conseguinte, não se pode considerar que existe um dever geral de diligência dos lesados de uma infração ao direito da concorrência que lhes imponha que acompanhem a publicação desses comunicados de imprensa.

69

Por último, contrariamente aos resumos das decisões da Comissão, que, segundo o n.o 148 da Comunicação da Comissão sobre boas práticas para a instrução de processos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, são publicados no Jornal Oficial da União Europeia em todas as línguas oficiais da União pouco tempo após a adoção da decisão em causa, os comunicados de imprensa não são necessariamente publicados em todas as línguas oficiais da União.

70

No caso em apreço, como, em substância, refere o advogado‑geral nos n.os 129 a 131 das suas conclusões, o comunicado de imprensa não parece identificar com a precisão do resumo da Decisão C(2016) 4673 final a identidade dos autores da infração em causa, a sua duração exata e os produtos abrangidos por essa infração.

71

Nestas condições, não se pode razoavelmente considerar que, no caso em apreço, RM teve conhecimento dos elementos indispensáveis que lhe permitiam propor a sua ação de indemnização na data da publicação do comunicado de imprensa relativo à Decisão C(2016) 4673 final, a saber, 19 de julho de 2016. Em contrapartida, pode razoavelmente considerar‑se que RM teve esse conhecimento na data da publicação do resumo da Decisão C(2016) 4673 final no Jornal Oficial da União Europeia, ou seja, em 6 de abril de 2017.

72

Consequentemente, a plena eficácia do artigo 101.o TFUE exige que se considere que, no caso em apreço, o prazo de prescrição começou a correr no dia dessa publicação.

73

Assim, na medida em que o prazo de prescrição começou a correr após o termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/104, ou seja, depois de 27 de dezembro de 2016, e continuou a correr mesmo após a data de entrada em vigor do Real Decreto‑Lei n.o 9/2017, adotado para a transposição dessa diretiva, ou seja, depois de 27 de maio de 2017, esse prazo decorreu necessariamente após essas duas datas.

74

Verifica‑se, portanto, que a situação em causa no processo principal continuava a produzir efeitos após o termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/104 e mesmo após a data de entrada em vigor do Real Decreto‑Lei n.o 9/2017 que a transpõe.

75

Na medida em que seja esse o caso no litígio no processo principal, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, o artigo 10.o da referida diretiva é aplicável ratione temporis ao caso em apreço.

76

Há que recordar neste contexto que, segundo jurisprudência constante, uma diretiva não pode, por si só, criar obrigações para um particular, não podendo, portanto, enquanto tal, ser‑lhe oponível. Com efeito, alargar a invocabilidade de uma disposição de uma diretiva não transposta, ou incorretamente transposta, ao domínio das relações entre particulares equivaleria a reconhecer à União o poder de criar, com efeito imediato, obrigações para os particulares, quando esta só tem essa competência nas áreas em que lhe é atribuído o poder de adotar regulamentos (Acórdão de 7 de agosto de 2018, Smith, C‑122/17, EU:C:2018:631, n.o 42 e jurisprudência referida).

77

Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, no âmbito de um litígio entre particulares como o que está em causa no processo principal, o órgão jurisdicional nacional deve, se for caso disso, interpretar o direito nacional, a partir do termo do prazo de transposição de uma diretiva não transposta, de modo a tornar a situação em causa imediatamente compatível com as disposições dessa diretiva, sem todavia proceder a uma interpretação contra legem do direito nacional (v., neste sentido, Acórdão de 17 de outubro de 2018, Klohn, C‑167/17, EU:C:2018:833, n.os 45 e 65).

78

Em todo o caso, tendo em conta o facto de terem decorrido menos de doze meses entre a data da publicação do resumo da Decisão C(2016) 4673 final no Jornal Oficial da União Europeia e a propositura da ação de indemnização de RM, esta ação não parece, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, estar prescrita no momento da sua propositura.

79

Em face destas considerações, há que considerar que o artigo 10.o da Diretiva 2014/104 deve ser interpretado no sentido de que constitui uma disposição substantiva, na aceção do artigo 22.o, n.o 1, dessa diretiva, e que está abrangida pelo seu âmbito de aplicação temporal uma ação de indemnização por uma infração ao direito da concorrência que, embora tenha por objeto uma infração ao direito da concorrência que cessou antes da entrada em vigor da referida diretiva, foi proposta após a entrada em vigor das disposições que a transpõem para o direito nacional, na medida em que o prazo de prescrição aplicável a essa ação ao abrigo das anteriores regras não decorreu antes da data do termo do prazo de transposição da mesma diretiva.

Quanto à aplicabilidade temporal do artigo 17.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/104

80

No que respeita, em primeiro lugar, à aplicabilidade temporal do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104 no caso em apreço, há que recordar que resulta da redação desta disposição que os Estados‑Membros asseguram que nem o ónus nem o nível de prova exigidos para a quantificação dos danos tornem o exercício do direito à indemnização praticamente impossível ou excessivamente difícil. Esses Estados asseguram igualmente que os tribunais nacionais sejam competentes, de acordo com os processos nacionais, para calcular os danos resultante de uma infração às normas do direito da concorrência, se se demonstrar que o demandante sofreu danos mas seja praticamente impossível ou excessivamente difícil quantificar com precisão os danos sofridos, com base nos elementos de prova disponíveis.

81

Assim, a referida disposição visa garantir a efetividade das ações de indemnização por infrações ao direito da concorrência, nomeadamente em situações particulares em que seria praticamente impossível ou excessivamente difícil quantificar com precisão o montante exato dos danos sofridos.

82

Com efeito, a mesma disposição tem por objetivo aligeirar o nível de prova exigido para efeitos de determinação do montante dos danos sofridos e sanar a assimetria de informação existente em detrimento da parte demandante em causa, bem como às dificuldades resultantes do facto de a quantificação dos danos sofridos exigir que se avalie de que forma teria evoluído o mercado em causa se não tivesse existido a infração.

83

Como salientou o advogado‑geral no n.o 73 das suas conclusões, o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104 não institui novas obrigações materiais a cargo de qualquer das partes no litígio em causa. Esta disposição e, mais especificamente, o segundo período da mesma, visa, em contrapartida, de acordo com os «processos nacionais» a que se refere, conferir aos órgãos jurisdicionais nacionais uma faculdade especial no âmbito dos litígios relativos a ações de indemnização por infrações ao direito da concorrência.

84

Neste contexto, há que recordar que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as normas relativas ao ónus da prova e ao nível da prova exigido são, em princípio, qualificadas de normas processuais (v., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Eturas e o., C‑74/14, EU:C:2016:42, n.os 30 a 32).

85

Por conseguinte, há que considerar que o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104 constitui uma disposição processual, na aceção do artigo 22.o, n.o 2, desta diretiva.

86

A este respeito, como resulta da jurisprudência recordada no n.o 31 do presente acórdão, as normas processuais são geralmente aplicáveis na data em que entram em vigor.

87

Há que recordar igualmente que, por força do artigo 22.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104, os Estados‑Membros deviam assegurar que quaisquer disposições nacionais adotadas a fim de dar cumprimento às disposições não substantivas dessa diretiva não se aplicam às ações de indemnização intentadas nos tribunais nacionais antes de 26 de dezembro de 2014.

88

No caso em apreço, a ação de indemnização foi proposta em 1 de abril de 2018, ou seja, após 26 de dezembro de 2014 e após a data da transposição da Diretiva 2014/104 para a ordem jurídica espanhola. Consequentemente, sem prejuízo das considerações que figuram nos n.os 76 e 77 do presente acórdão, o artigo 17.o, n.o 1, desta diretiva é aplicável ratione temporis a essa ação.

89

Nestas condições, há que considerar que o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104 deve ser interpretado no sentido de que constitui uma disposição processual, na aceção do artigo 22.o, n.o 2, desta diretiva, e que está abrangida pelo seu âmbito de aplicação temporal uma ação de indemnização que, embora tenha por objeto uma infração ao direito da concorrência que cessou antes da entrada em vigor da referida diretiva, foi proposta após 26 de dezembro de 2014 e após a entrada em vigor das disposições nacionais que a transpõem para o direito nacional.

90

No que respeita, em segundo lugar, à aplicabilidade temporal do artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104, há que recordar, antes de mais, que, nos termos desta disposição, se presume que as infrações de cartel causam danos. Todavia, o infrator tem o direito de ilidir essa presunção.

91

Resulta da redação da referida disposição que a mesma estabelece uma presunção ilidível relativa à existência de danos resultantes de um cartel. Como resulta do considerando 47 da Diretiva 2014/104, o legislador da União limitou esta presunção ilidível aos processos de cartel, tendo em conta a sua natureza secreta, que acentua a assimetria de informação e agrava a dificuldade, para os lesados, de obterem os elementos de prova necessários para provar os danos.

92

Como o advogado‑geral salientou, em substância, nos n.os 78, 79 e 81 das suas conclusões, embora o artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104 regule necessariamente a repartição do ónus da prova uma vez que estabelece uma presunção, esta disposição não tem finalidade meramente probatória.

93

A este respeito, como resulta dos n.os 58 a 60 do presente acórdão, a existência de danos, o nexo de causalidade entre esses danos e a infração ao direito da concorrência cometida, bem como a identidade do autor dessa infração, fazem parte dos elementos indispensáveis de que o lesado deve dispor para intentar uma ação de indemnização.

94

Além disso, uma vez que o artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104 prevê que não é necessário que os lesados por um cartel proibido pelo artigo 101.o TFUE demonstrem a existência de um dano resultante dessa infração e/ou um nexo de causalidade entre o referido dano e esse cartel, há que considerar que esta disposição tem por objeto os elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual.

95

Ao presumir a existência de um dano sofrido devido a um cartel, a presunção ilidível estabelecida pela referida disposição está diretamente ligada à atribuição da responsabilidade civil extracontratual ao infrator em causa e, consequentemente, afeta diretamente a sua situação jurídica.

96

Por conseguinte, há que considerar que o artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104 corresponde a uma regra estreitamente ligada à constituição, à atribuição e ao alcance da responsabilidade civil extracontratual das empresas que infringiram o artigo 101.o TFUE pela sua participação num cartel.

97

Ora, como salientou o advogado‑geral no n.o 81 das suas conclusões, essa norma pode ser qualificada de norma substantiva.

98

Por conseguinte, há que considerar que o artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104 reveste natureza substantiva, na aceção do artigo 22.o, n.o 1, desta diretiva.

99

Como resulta do n.o 42 do presente acórdão, para determinar a aplicabilidade temporal do artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104, há que verificar, no caso em apreço, se a situação em causa no processo principal foi adquirida antes do termo do prazo de transposição dessa diretiva ou se continua a produzir efeitos após o termo desse prazo.

100

Para este efeito, há que ter em conta a natureza e o mecanismo de funcionamento do artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104.

101

Esta disposição estabelece uma presunção ilidível segundo a qual, na medida em que exista um cartel, se presume automaticamente a existência de danos resultantes desse cartel.

102

Uma vez que o facto identificado pelo legislador da União como o facto que permite presumir a existência de danos é a existência de um cartel, há que verificar se a data em que o cartel em causa cessou precede a data do termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/104, uma vez que esta não foi transposta para o direito espanhol nesse prazo.

103

No caso, o cartel durou de 17 de janeiro de 1997 a 18 de janeiro de 2011. Assim, esta infração terminou antes do termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/104.

104

Nestas condições, tendo em conta o artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104, há que considerar que a presunção ilidível estabelecida no artigo 17.o, n.o 2, desta diretiva não pode ser aplicável ratione temporis a uma ação de indemnização que, embora intentada após a entrada em vigor das disposições nacionais que transpõem tardiamente a referida diretiva para o direito nacional, tem por objeto uma infração ao direito da concorrência que terminou antes da data do termo do prazo de transposição da mesma.

105

Em face destas considerações, há que responder às questões submetidas que:

O artigo 10.o da Diretiva 2014/104 deve ser interpretado no sentido de que constitui uma disposição substantiva, na aceção do artigo 22.o, n.o 1, desta diretiva, e que está abrangida pelo seu âmbito de aplicação temporal uma ação de indemnização que, embora tenha por objeto uma infração ao direito da concorrência que cessou antes da entrada em vigor da referida diretiva, foi proposta após a entrada em vigor das disposições que a transpõem para o direito nacional, na medida em que o prazo de prescrição aplicável a essa ação ao abrigo das anteriores regras não decorreu antes da data do termo do prazo de transposição da mesma diretiva.

O artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104 deve ser interpretado no sentido de que constitui uma disposição processual, na aceção do artigo 22.o, n.o 2, desta diretiva, e que está abrangida pelo seu âmbito de aplicação temporal uma ação de indemnização que, embora tenha por objeto uma infração ao direito da concorrência que cessou antes da entrada em vigor da referida diretiva, foi proposta após 26 de dezembro de 2014 e após a entrada em vigor das disposições nacionais que a transpõem para o direito nacional.

O artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104 deve ser interpretado no sentido de que constitui uma disposição substantiva, na aceção do artigo 22.o, n.o 1, desta diretiva, e que não está abrangida pelo seu âmbito de aplicação temporal uma ação de indemnização que, embora intentada após a entrada em vigor das disposições que transpõem tardiamente a referida diretiva para o direito nacional, tenha por objeto uma infração ao direito da concorrência que cessou antes da data do termo do prazo de transposição da mesma.

Quanto às despesas

106

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 10.o da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que constitui uma disposição substantiva, na aceção do artigo 22.o, n.o 1, desta diretiva, e que está abrangida pelo seu âmbito de aplicação temporal uma ação de indemnização que, embora tenha por objeto uma infração ao direito da concorrência que cessou antes da entrada em vigor da referida diretiva, foi intentada após a entrada em vigor das disposições que a transpõem para o direito nacional, na medida em que o prazo de prescrição aplicável a essa ação ao abrigo das anteriores regras não decorreu antes da data do termo do prazo de transposição da mesma diretiva.

 

O artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104 deve ser interpretado no sentido de que constitui uma disposição processual, na aceção do artigo 22.o, n.o 2, desta diretiva, e que está abrangida pelo seu âmbito de aplicação temporal uma ação de indemnização que, embora tenha por objeto uma infração ao direito da concorrência que cessou antes da entrada em vigor da referida diretiva, foi proposta após 26 de dezembro de 2014 e após a entrada em vigor das disposições nacionais que a transpõem para o direito nacional.

 

O artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104 deve ser interpretado no sentido de que constitui uma disposição substantiva, na aceção do artigo 22.o, n.o 1, desta diretiva, e que não está abrangida pelo seu âmbito de aplicação temporal uma ação de indemnização que, embora intentada após a entrada em vigor das disposições que transpõem tardiamente a referida diretiva para o direito nacional, tenha por objeto uma infração ao direito da concorrência que cessou antes da data do termo do prazo de transposição da mesma.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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