Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62020CJ0152

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 15 de julho de 2021.
    DG e EH contra SC Gruber Logistics SRL e Sindicatul Lucrătorilor din Transporturi contra SC Samidani Trans SRL.
    Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Tribunalul Mureş.
    Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Lei aplicável às obrigações contratuais — Regulamento (CE) n.o 593/2008 — Artigos 3.o e 8.o — Lei escolhida pelas partes — Contratos individuais de trabalho — Trabalhadores que prestam trabalho em vários Estados‑Membros — Existência de uma conexão mais estreita com um país diferente daquele em que ou a partir do qual o trabalhador presta o seu trabalho ou daquele em que está situado o estabelecimento que contratou o trabalhador — Conceito de “disposições não derrogáveis por acordo” — Salário mínimo.
    Processos apensos C-152/20 e C-218/20.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:600

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    15 de julho de 2021 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Lei aplicável às obrigações contratuais — Regulamento (CE) n.o 593/2008 — Artigos 3.o e 8.o — Lei escolhida pelas partes — Contratos individuais de trabalho — Trabalhadores que prestam trabalho em vários Estados‑Membros — Existência de uma conexão mais estreita com um país diferente daquele em que ou a partir do qual o trabalhador presta o seu trabalho ou daquele em que está situado o estabelecimento que contratou o trabalhador — Conceito de “disposições não derrogáveis por acordo” — Salário mínimo»

    Nos processos apensos C‑152/20 e C‑218/20,

    que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial ao abrigo do artigo 267.o TFUE, apresentados pelo Tribunalul Mureş (Tribunal Regional de Mureş, Roménia), por Decisões de 1 de outubro e 10 de dezembro de 2019, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 30 de março e 27 de maio de 2020, nos processos

    DG,

    EH

    contra

    SC Gruber Logistics SRL (C‑152/20),

    e

    Sindicatul Lucrătorilor din Transporturi, TD

    contra

    SC Samidani Trans SRL (C‑218/20),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, L. Bay Larsen, C. Toader, M. Safjan (relator) e N. Jääskinen, juízes,

    advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação do Governo romeno, por E. Gane e L. Liţu, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo finlandês, por M. Pere, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, inicialmente, por M. Wilderspin e M. Carpus Carcea, em seguida por esta última, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 22 de abril de 2021,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação dos artigos 3.o e 8.o do Regulamento (CE) n.o 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (JO 2008, L 177, p. 6, a seguir «Regulamento Roma I»).

    2

    Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem motoristas de camião romenos aos seus empregadores, sociedades comerciais estabelecidas na Roménia, a respeito do montante da sua remuneração.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    Os considerandos 11, 23 e 35 do Regulamento Roma I enunciam:

    «(11)

    A liberdade das partes de escolherem o direito aplicável deverá constituir uma das pedras angulares do sistema de normas de conflitos de leis em matéria de obrigações contratuais.

    […]

    (23)

    No caso dos contratos celebrados com partes consideradas vulneráveis, é oportuno protegê‑las através de normas de conflitos de leis que sejam mais favoráveis aos seus interesses do que as normas gerais.

    […]

    (35)

    Os trabalhadores não deverão ser privados da proteção que lhes é conferida pelas disposições não derrogáveis por acordo ou que só podem sê‑lo a seu favor.»

    4

    O artigo 3.o deste regulamento dispõe:

    «1.   O contrato rege‑se pela lei escolhida pelas partes. A escolha deve ser expressa ou resultar de forma clara das disposições do contrato, ou das circunstâncias do caso. Mediante a sua escolha, as partes podem designar a lei aplicável à totalidade ou apenas a parte do contrato.

    2.   Em qualquer momento, as partes podem acordar em subordinar o contrato a uma lei diferente da que precedentemente o regulava, quer por força de uma escolha anterior nos termos do presente artigo, quer por força de outras disposições do presente regulamento. Qualquer modificação quanto à determinação da lei aplicável, ocorrida posteriormente à celebração do contrato, não afeta a validade formal do contrato, nos termos do artigo 11.o, nem prejudica os direitos de terceiros.

    3.   Caso todos os outros elementos relevantes da situação se situem, no momento da escolha, num país que não seja o país da lei escolhida, a escolha das partes não prejudica a aplicação das disposições da lei desse outro país não derrogáveis por acordo.

    4.   Caso todos os outros elementos relevantes da situação se situem, no momento da escolha, num ou em vários Estados‑Membros, a escolha pelas partes de uma lei aplicável que não seja a de um Estado‑Membro não prejudica a aplicação, se for caso disso, das disposições de direito comunitário não derrogáveis por acordo, tal como aplicadas pelo Estado‑Membro do foro.

    5.   A existência e a validade do consentimento das partes quanto à escolha da lei aplicável são determinadas nos termos dos artigos 10.o, 11.o e 13.o»

    5

    Nos termos do artigo 8.o do referido regulamento:

    «1.   O contrato individual de trabalho é regulado pela lei escolhida pelas partes nos termos do artigo 3.o Esta escolha da lei não pode, porém, ter como consequência privar o trabalhador da proteção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos n.os 2, 3 e 4 do presente artigo.

    2.   Se a lei aplicável ao contrato individual de trabalho não tiver sido escolhida pelas partes, o contrato é regulado pela lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato ou, na sua falta, a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato. Não se considera que o país onde o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho mude quando o trabalhador estiver temporariamente empregado noutro país.

    3.   Se não for possível determinar a lei aplicável nos termos do n.o 2, o contrato é regulado pela lei do país onde se situa o estabelecimento que contratou o trabalhador.

    4.   Se resultar do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com um país diferente do indicado nos n.os 2 ou 3, é aplicável a lei desse outro país.»

    Direito romeno

    6

    O artigo 2.o, n.o 1, do Ordinul nr. 64 pentru aprobarea modelului‑cadru al contractului individual de muncă (Despacho n.o 64 Que Aprova o Modelo‑Quadro do Contrato Individual de Trabalho), de 28 de fevereiro de 2003 (Monitorul Oficial al României, n.o 139, de 4 de março de 2003; a seguir «Despacho n.o 64/2003»), tinha a seguinte redação:

    «O contrato individual de trabalho celebrado entre o empregador e o assalariado incluirá obrigatoriamente os elementos que figuram no modelo‑quadro.»

    7

    O modelo‑quadro referido no artigo 2.o, n.o 1, deste despacho, que figurava em anexo a este, previa, na sua secção N:

    «As disposições do presente contrato individual de trabalho são completadas pelas disposições da [Legea nr. 53/2003 ‑ Codul muncii (Lei n.o 53/2003, Relativa ao Código do Trabalho), de 24 de janeiro de 2003 (Monitorul Oficial al României, n.o 72 de 5 de fevereiro de 2003),] e pelas da convenção coletiva aplicável […]»

    Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

    Processo C‑152/20

    8

    O litígio no processo principal C‑152/20 tem por objeto a remuneração de dois motoristas de camião romenos, DG e EH, que eram empregados da sociedade SC Gruber Logistics SRL. Os seus contratos individuais de trabalho, redigidos simultaneamente em língua romena e em língua italiana, previam que as cláusulas contidas nesses contratos fossem completadas pelas disposições da Lei n.o 53/2003. Além disso, os referidos contratos previam que os litígios relativos aos mesmos eram dirimidos pelo órgão jurisdicional competente ratione materiae e ratione loci. No que respeita ao local de trabalho, os contratos previam que «[o]s trabalhos [eram] efetuados (na secção/na oficina/no escritório/no serviço) da garagem da sociedade/do local de exercício da atividade/de outro local de atividade, no município de Oradea [(Roménia)] e em conformidade com as delegações/destacamentos nos escritórios ou nos locais de exercício das atividades dos clientes, dos fornecedores atuais e futuros, em qualquer local do país e no estrangeiro, sendo caso disso, incluindo o veículo que o trabalhador utiliza[va] no exercício das suas funções e em qualquer outro local onde este efetua[va] atividades de transporte».

    9

    DG e EH intentaram no Tribunalul Mureș (Tribunal Regional de Mureș, Roménia) um processo contra a SC Gruber Logistics a fim de que esta sociedade fosse condenada a pagar a diferença entre os salários efetivamente recebidos e os salários mínimos aos quais consideram que teriam tido direito por força da legislação italiana relativa ao salário mínimo no sector do transporte rodoviário, uma vez que esse salário era fixado pela convenção coletiva do sector dos transportes em Itália.

    10

    DG e EH sustentam que a legislação italiana relativa ao salário mínimo é aplicável aos seus contratos individuais de trabalho por força do artigo 8.o do Regulamento Roma I. Ainda que esses contratos tenham sido celebrados na Roménia, foi em Itália que habitualmente exerceram as suas funções. Sustentam que o local a partir do qual cumpriram as suas missões, de onde receberam as suas instruções e ao qual regressaram no termo das suas missões se encontrava em Itália. Além disso, a maior parte das suas tarefas de transporte foram efetuadas em Itália. Atendendo ao Acórdão de 15 de março de 2011, Koelzsch (C‑29/10, EU:C:2011:151), DG e EH sustentam que têm direito ao salário mínimo aplicável em Itália.

    11

    Segundo a SC Gruber Logistics, DG e EH trabalhavam por sua conta a bordo de camiões matriculados na Roménia e com base em licenças de transporte emitidas em conformidade com a legislação romena aplicável, sendo todas as instruções dadas pela SC Gruber Logistics e sendo a atividade de DG e EH organizada na Roménia. Esta sociedade sustenta em consequência que os contratos de trabalho em causa no processo principal devem estar sujeitos à legislação romena.

    12

    Foi nestas circunstâncias que o Tribunalul Mureș (Tribunal Regional de Mureș) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

    «1)

    Deve o artigo 8.o do Regulamento [Roma I] ser interpretado no sentido de que a escolha da lei aplicável ao contrato individual de trabalho exclui a aplicação da lei do país em que o trabalhador assalariado prestou habitualmente o seu trabalho ou no sentido de que a existência de escolha da lei aplicável exclui a aplicação do artigo 8.o, n.o 1, segundo período, do referido regulamento?

    2)

    Deve o artigo 8.o do Regulamento [Roma I] ser interpretado no sentido de que o salário mínimo aplicável no país em que o trabalhador assalariado prestou habitualmente o seu trabalho constitui um direito abrangido pelas “disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável”, nos termos do artigo 8.o, n.o 1, segundo período, do regulamento?

    3)

    Deve o artigo 3.o do Regulamento [Roma I] ser interpretado no sentido de que se opõe a que a indicação, no contrato individual de trabalho, das disposições do Código do Trabalho romeno seja equivalente à escolha da lei romena, na medida em que é notório, na Roménia, que existe a obrigação legal de inserir essa cláusula de escolha no contrato individual de trabalho? Por outras palavras, deve o artigo 3.o do Regulamento [Roma I] ser interpretado no sentido de que se opõe a normas e práticas nacionais internas que incluem obrigatoriamente nos contratos individuais de trabalho a cláusula de escolha da lei [nacional]?»

    Processo C‑218/20

    13

    O litígio no processo principal C‑218/20 tem por objeto a lei aplicável à remuneração de um condutor de camião romeno, DT, empregado na sociedade romena SC Samidani Trans SRL. DT exerceu a sua atividade exclusivamente na Alemanha.

    14

    O contrato individual de trabalho de DT continha uma cláusula que previa que as estipulações desse contrato eram completadas pelas disposições da Lei n.o 53/2003. Continha, além disso, uma cláusula que especificava que os litígios relativos ao referido contrato de trabalho deviam ser resolvidos pelo órgão jurisdicional competente ratione materiae e ratione loci.

    15

    Este mesmo contrato de trabalho não mencionava explicitamente o local onde o trabalhador devia exercer a sua atividade. DT sustenta que o local a partir do qual executou as suas tarefas e de onde recebeu as suas instruções era a Alemanha. Além disso, os camiões que utilizava estavam estacionados na Alemanha e as missões de transporte por ele efetuadas decorriam no interior das fronteiras alemãs.

    16

    Através de um recurso interposto no órgão jurisdicional de reenvio, o Sindicatul Lucrătorilor din Transporturi (Sindicato dos Trabalhadores do Sector dos Transportes, Roménia), um sindicato de que DT é membro, pediu, em nome e por conta de DT, que a SC Samidani Trans fosse condenada a pagar a DT a diferença entre os salários que este efetivamente recebeu e o salário mínimo a que teria direito por força do direito alemão relativo ao salário mínimo. Além disso, este sindicato sustenta que DT tem direito ao pagamento dos salários correspondentes ao «décimo terceiro» e «décimo quarto» meses previstos pelo direito alemão.

    17

    Este sindicato sustenta que a lei alemã relativa ao salário mínimo é aplicável ao contrato de trabalho de DT por força do artigo 8.o do Regulamento Roma I. Ainda que o seu contrato de trabalho individual tenha sido celebrado na Roménia, foi na Alemanha que DT exerceu habitualmente as suas funções. Tendo em conta o Acórdão de 15 de março de 2011, Koelzsch (C‑29/10, EU:C:2011:151), DT tem, em seu entender, direito ao salário mínimo previsto pela legislação alemã.

    18

    A SC Samidani Trans contesta esta afirmação e sustenta que as partes no contrato de trabalho em causa no processo principal demonstraram especificamente que a legislação aplicável ao contrato individual de trabalho devia ser o direito do trabalho romeno.

    19

    Foi nestas circunstâncias que o Tribunalul Mureș (Tribunal Regional de Mureș) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

    «1)

    Deve o artigo 8.o do Regulamento [Roma I] ser interpretado no sentido de que a escolha da lei aplicável ao contrato individual de trabalho exclui a aplicação da lei do país em que o trabalhador assalariado prestou habitualmente o seu trabalho ou no sentido de que a existência de escolha da lei aplicável exclui a aplicação do artigo 8.o, n.o 1, segundo período, do referido regulamento?

    2)

    Deve o artigo 8.o do Regulamento [Roma I] ser interpretado no sentido de que o salário mínimo aplicável no país em que o trabalhador assalariado prestou habitualmente o seu trabalho constitui um direito abrangido pelas “disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável”, nos termos do artigo 8.o, n.o 1, segundo período, do regulamento?

    3)

    Deve o artigo 3.o do Regulamento [Roma I] ser interpretado no sentido de que se opõe a que a indicação, no contrato individual de trabalho, das disposições do Código do Trabalho romeno seja equivalente à escolha da lei romena, na medida em que é notório, na Roménia, que o empregador determina antecipadamente o conteúdo do contrato individual de trabalho?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira e segunda questões nos processos C‑152/20 e C‑218/20

    20

    Com as suas primeira e segunda questões nos processos C‑152/20 e C‑218/20, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 8.o do Regulamento Roma I deve ser interpretado no sentido de que, quando a lei que rege o contrato individual de trabalho tiver sido escolhida pelas partes nesse contrato, e seja diferente da aplicável por força dos n.os 2, 3 ou 4 deste artigo, há que excluir e, sendo caso disso, em que medida, a aplicação desta última.

    21

    A título preliminar, constate‑se que não resulta das decisões de reenvio se os motoristas de camião em causa nos processos principais são trabalhadores destacados na aceção da Diretiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços (JO 1997, L 18, p. 1), ou trabalhadores que, sem terem essa qualidade, exercem habitualmente a sua atividade num país diferente do da sede do empregador. Na medida em que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio estabelecer as circunstâncias factuais dos litígios de que conhece, as questões desse órgão jurisdicional serão analisadas exclusivamente à luz do Regulamento Roma I.

    22

    O artigo 8.o do Regulamento Roma I estabelece regras especiais de conflitos de leis relativas ao contrato individual de trabalho que se aplicam quando, em execução desse contrato, o trabalho for prestado em, pelo menos, um Estado diferente do da lei escolhida.

    23

    Este artigo prevê, no seu n.o 1, que o contrato individual de trabalho é regulado pela lei escolhida pelas partes nos termos do artigo 3.o desse regulamento e que essa escolha não pode levar a privar o trabalhador da proteção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que seria aplicável ao contrato na falta dessa escolha, nos termos dos n.os 2, 3 e 4 do referido artigo.

    24

    Embora estas disposições confiram ao trabalhador em causa uma melhor proteção do que as da lei escolhida, elas prevalecem sobre estas últimas quando, como sublinhou o advogado‑geral no n.o 43 das suas Conclusões, a lei escolhida continua a ser aplicável ao resto da relação contratual.

    25

    A este respeito, há que salientar que o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento Roma I remete para a lei do país no qual ou, se assim não for, a partir do qual o trabalhador, em execução do contrato de trabalho, presta habitualmente o seu trabalho.

    26

    O artigo 8.o desse regulamento visa assim garantir, na medida do possível, o respeito das disposições que asseguram a proteção do trabalhador previstas pelo direito do país em que este exerce as suas atividades profissionais (v., neste sentido, Acórdão de 18 de outubro de 2016, Nikiforidis, C‑135/15, EU:C:2016:774, n.o 48 e jurisprudência referida).

    27

    Como o advogado‑geral salientou no n.o 44 das suas conclusões, a aplicação correta do artigo 8.o do Regulamento Roma I implica, em consequência, num primeiro momento, que o órgão jurisdicional nacional identifique a lei que teria sido aplicável na falta de escolha e determine, segundo esta, as regras não derrogáveis por acordo e, num segundo momento, que esse órgão jurisdicional compare o nível de proteção de que beneficia o trabalhador por força dessas regras com o previsto pela lei escolhida pelas partes. Se o nível previsto pelas referidas regras assegurar uma melhor proteção, há que aplicar essas mesmas regras.

    28

    No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio parece considerar que, em razão dos locais onde os motoristas em causa no processo principal habitualmente prestaram trabalho, certas disposições da lei italiana e da lei alemã relativas ao salário mínimo poderiam, por força do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento Roma I, aplicar‑se em vez da lei romena escolhida pelas partes nos contratos de trabalho em causa no processo principal.

    29

    Quanto à questão de saber se essas regras constituem disposições não derrogáveis por acordo na aceção desta disposição, importa salientar que resulta da própria redação da referida disposição que esta questão deve ser apreciada em conformidade com a lei que seria aplicável por falta de escolha. O próprio órgão jurisdicional de reenvio deverá, portanto, interpretar a norma nacional em causa.

    30

    Importa igualmente precisar que, na falta de critérios no Regulamento Roma I que permitam determinar se uma regra nacional constitui uma disposição ou uma lei, na aceção do artigo 8.o, n.o 1, deste regulamento, quando resulta de um direito nacional que regras constantes de convenções não necessariamente abrangidas pelo domínio da lei têm caráter imperativo, cabe ao juiz respeitar essa escolha mesmo que seja diferente da operada pelo seu direito nacional.

    31

    No que respeita especificamente às regras relativas ao salário mínimo do país em que o trabalhador assalariado exerceu habitualmente a sua atividade, estas podem, em princípio, ser qualificadas de «disposições não derrogáveis por acordo por força da lei que, na falta de escolha, seria aplicável», na aceção do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento Roma I, como salientou o advogado‑geral nos n.os 72 e 107 das suas Conclusões.

    32

    Tendo em conta o que precede, há que responder às primeiras e segundas questões nos processos C‑152/20 e C‑218/20 que o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento Roma I deve ser interpretado no sentido de que, quando a lei que rege o contrato individual de trabalho tiver sido escolhida pelas partes nesse contrato, e seja diferente da aplicável por força dos n.os 2, 3 ou 4 deste artigo, há que excluir a aplicação desta última, com exceção das «disposições não derrogáveis por acordo» por força da mesma, na aceção do artigo 8.o, n.o 1, deste regulamento, das quais podem, em princípio, fazer parte as normas relativas ao salário mínimo.

    Quanto às terceiras questões nos processos C‑152/20 e C‑218/20

    33

    A título preliminar, importa referir que, uma vez que o Tribunal de Justiça é competente para extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que exigem uma interpretação tendo em conta o objeto do litígio (v., neste sentido, Acórdão de 22 de abril de 2021, Profi Credit Slovakia, C‑485/19, EU:C:2021:313, n.o 50 e jurisprudência referida), há que entender as terceiras questões nos presentes processos no sentido de que visam o artigo 8.o do Regulamento Roma I.

    34

    Com efeito, embora o órgão jurisdicional de reenvio vise nestas questões a regra geral contida no artigo 3.o deste regulamento, há que salientar que, como foi recordado no n.o 22 do presente acórdão, o referido artigo 8.o contém regras especiais de conflito de leis relativas ao contrato de trabalho.

    35

    Consequentemente, há que entender as terceiras questões nos processos C‑152/20 e C‑218/20, tal como submetidas em termos ligeiramente divergentes nesses dois processos, no sentido de que visam, em substância, saber se o artigo 8.o do Regulamento Roma I deve ser interpretado no sentido de que:

    por um lado, se considera que as partes num contrato individual de trabalho podem escolher livremente a lei aplicável a esse contrato mesmo quando uma disposição nacional impõe a inserção no referido contrato de uma cláusula segundo a qual as estipulações contratuais são completadas pelo direito do trabalho nacional, e

    por outro, se considera que as partes num contrato individual de trabalho podem escolher livremente a lei aplicável a esse contrato mesmo que a cláusula contratual relativa a essa escolha seja redigida pela entidade patronal, limitando‑se o trabalhador a aceitá‑la.

    36

    Importa começar por recordar que o artigo 3.o do Regulamento Roma I, para o qual remete o artigo 8.o do mesmo regulamento, consagra o princípio da autonomia da vontade em matéria de conflito de leis (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de outubro de 2016, Nikiforidis, C‑135/15, EU:C:2016:774, n.o 42, e de 17 de outubro de 2013, Unamar, C‑184/12, EU:C:2013:663, n.o 49). Esta disposição permite às partes num contrato escolher livremente a lei que regula o seu contrato. Em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, do referido regulamento, a escolha da lei aplicável pode ser expressa ou resultar de forma clara das disposições do contrato ou das circunstâncias da causa. Essa escolha deverá resultar inequivocamente das estipulações contratuais ou das circunstâncias da causa.

    37

    No que respeita, em seguida, à exigência segundo a qual a escolha da lei aplicável deve ser livre, na aceção do artigo 3.o do Regulamento Roma I, o órgão jurisdicional de reenvio indica que uma leitura conjugada do artigo 2.o, n.o 1, do Despacho n.o 64/2003 e do modelo‑quadro do contrato individual de trabalho a este anexado sugere que as partes nos contratos em causa no processo principal estão, contrariamente a esta exigência, obrigadas a escolher a lei romena.

    38

    Nas suas observações escritas, o Governo romeno sustenta, no entanto, que o direito nacional não prevê uma obrigação de escolher a lei romena como sendo a lei aplicável ao contrato. Só no caso de as partes, por sua própria vontade, fazerem essa escolha é que devem conformar‑se ao Despacho n.o 64/2003 e redigir o seu contrato em conformidade com o modelo‑quadro que está anexado a este despacho, o que implica a aplicação complementar do Código do Trabalho romeno. Por conseguinte, a inserção de uma cláusula como a referida pelo órgão jurisdicional de reenvio é uma consequência da escolha pelas partes da lei aplicável ao contrato.

    39

    Cabe exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se esta última leitura do direito nacional é exata e, portanto, verificar se a presença no contrato de uma cláusula que prevê a aplicação do Código do Trabalho romeno reflete não uma obrigação para as partes de escolherem a lei romena, mas confirma a escolha implícita e livre desta lei pelas mesmas, em conformidade com o artigo 3.o do Regulamento Roma I.

    40

    Por último, no que respeita à questão de saber se a inserção, pelo empregador, num contrato de trabalho previamente redigido, de uma cláusula que preveja a escolha da lei aplicável permite concluir pela inexistência de livre escolha, contrária ao artigo 3.o do Regulamento Roma I, há que salientar que este regulamento não proíbe a utilização de cláusulas‑tipo previamente redigidas pela entidade patronal. A liberdade de escolha, na aceção desta disposição, pode ser exercida consentindo nessa cláusula e não é posta em causa pelo simples facto de essa escolha ser feita com base numa cláusula redigida e inserida no contrato pelo empregador.

    41

    Tendo em conta o que precede, há que responder às terceiras questões nos processos C‑152/20 e C‑218/20 que o artigo 8.o do Regulamento Roma I deve ser interpretado no sentido de que:

    por um lado, se considera que as partes num contrato individual de trabalho podem escolher livremente a lei aplicável a esse contrato mesmo quando as estipulações contratuais são completadas pelo direito do trabalho nacional por força de uma disposição nacional, desde que a disposição nacional em causa não obrigue as partes a escolherem a lei nacional como lei aplicável ao contrato, e

    por outro, se considera que as partes num contrato individual de trabalho podem, em princípio, escolher livremente a lei aplicável a esse contrato mesmo que a cláusula contratual relativa a essa escolha seja redigida pelo empregador, limitando‑se o trabalhador a aceitá‑la.

    Quanto às despesas

    42

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I), deve ser interpretado no sentido de que, quando a lei que rege o contrato individual de trabalho tiver sido escolhida pelas partes nesse contrato, e seja diferente da aplicável por força dos n.os 2, 3 ou 4 deste artigo, há que excluir a aplicação desta última, com exceção das «disposições não derrogáveis por acordo» por força da mesma, na aceção do artigo 8.o, n.o 1, deste regulamento, das quais podem, em princípio, fazer parte as normas relativas ao salário mínimo.

     

    2)

    O artigo 8.o do Regulamento n.o 593/2008 deve ser interpretado no sentido de que:

    por um lado, se considera que as partes num contrato individual de trabalho podem escolher livremente a lei aplicável a esse contrato mesmo quando as estipulações contratuais são completadas pelo direito do trabalho nacional por força de uma disposição nacional, desde que a disposição nacional em causa não obrigue as partes a escolherem a lei nacional como lei aplicável ao contrato, e

    por outro, se considera que as partes num contrato individual de trabalho podem, em princípio, escolher livremente a lei aplicável a esse contrato mesmo que a cláusula contratual relativa a essa escolha seja redigida pelo empregador, limitando‑se o trabalhador a aceitá‑la.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: romeno.

    Top