EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62020CC0155

Conclusões do advogado-geral G. Hogan apresentadas em 15 de julho de 2021.
UK e o. contra Volkswagen Bank GmbH e o.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Landgericht Ravensburg.
Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 2008/48/CE — Crédito aos consumidores — Artigo 10.o, n.o 2 — Menções obrigatórias do contrato — Obrigação de mencionar o tipo de crédito, a duração do contrato de crédito a taxa de juros de mora e o mecanismo de adaptação da taxa de juros de mora aplicável no momento da celebração do contrato — Taxa de juros de mora aplicável no momento da celebração do contrato de crédito — Alteração da taxa de juros de mora em função da alteração da taxa de juros de mora determinada pelo banco central de um Estado‑Membro — Indemnização devida em caso de reembolso antecipado do empréstimo — Obrigação de especificar o método de cálculo da alteração da taxa de juros de mora e da indemnização — Não obrigação de mencionar as possibilidades de rescisão do contrato de crédito previstas pela regulamentação nacional, mas não previstas na Diretiva 2008/48 — Artigo 14.o, n.o 1 — Direito de retratação exercido pelo consumidor com base na falta de uma menção obrigatória por força do artigo 10.o, n.o 2 — Exercício fora do prazo — Proibição de o mutuante se opor a uma exceção de caducidade ou de abuso de direito.
Processos apensos C-33/20, C-155/20 e C-187/20.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:629

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GERARD HOGAN

apresentadas em 15 de julho de 2021 ( 1 )

Processos apensos C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20

UK

contra

Volkswagen Bank GmbH (C‑33/20)

e

RT,

SV,

BC

contra

Volkswagen Bank GmbH,

Skoda Bank, sucursal da Volkswagen Bank GmbH (C‑155/20)

e

JL,

DT

contra

BMW Bank GmbH,

Volkswagen Bank GmbH (C‑187/20)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Defesa do consumidor — Crédito ao consumo — Diretiva 2008/48/CE — Artigo 10.o, n.o 2 — Requisitos relativos às informações a prestar no âmbito do contrato — Taxa de juros de mora — Artigo 14.o — Direito de resolução»

I. Introdução

1.

Os presentes pedidos de decisão prejudicial têm essencialmente por objeto a obrigação das instituições credoras de prestar determinadas informações relativas às condições de crédito aos consumidores e as consequências que decorrem do eventual incumprimento de prestar essas informações. Todos estes pedidos têm um contexto factual amplamente semelhante, na medida em que dizem respeito à correta interpretação dos artigos 10.o, n.o 2, alíneas a), d), l), r), s) e t), e 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho (JO 2008, L 133, p. 66).

2.

Os presentes pedidos foram apresentados pelo Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg, Alemanha) no âmbito de litígios que opõem vários consumidores a sociedades de crédito automóvel a respeito da validade dos pedidos de retratação apresentados pelos referidos consumidores. Embora estes pedidos tenham sido apresentados depois de expirado o prazo de 14 dias a contar da data de assinatura do contrato de crédito previsto no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2008/48, os consumidores em questão afirmam que lhes assiste o direito de adotar esta medida com base no facto de os contratos não conterem todos os elementos de informação exigidos pelo artigo 10.o da referida diretiva. Estes processos abordam, assim, a difícil — porém essencial — questão relativa ao grau de precisão dos dados que o artigo 10.o exige que sejam mencionados no contrato, juntamente com a questão relativa à forma como os órgãos jurisdicionais nacionais devem atuar quando os consumidores procuram explorar em benefício próprio a eventual insuficiência de informações ( 2 ). Antes de proceder à análise destas questões, importa, no entanto, apresentar previamente o quadro jurídico aplicável.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

3.

Os considerandos 4 a 9, 18, 19, 30, 31 e 35 da Diretiva 2008/48 dispõem:

«(4)

A situação de facto e de direito que resulta destas disparidades nacionais [entre as legislações dos diferentes Estados‑Membros em matéria de crédito ao consumo] em determinados casos provoca distorções de concorrência entre os mutuantes na Comunidade e levanta obstáculos ao mercado interno, caso os Estados‑Membros tenham aprovado disposições obrigatórias mais restritivas do que as previstas na Diretiva 87/102/CEE [do Conselho, de 22 de dezembro de 1986, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao crédito ao consumo (JO 1987, L 42, p. 48)]. Isto limita as possibilidades de os consumidores recorrerem diretamente ao crédito transfronteiriço, cuja disponibilidade tem vindo a aumentar. Por sua vez, estas distorções e restrições podem ter consequências em termos de procura de bens e de serviços.

(5)

Nos últimos anos, os tipos de crédito oferecidos aos consumidores e por estes utilizados evoluíram significativamente. Surgiram novos instrumentos de crédito, cuja utilização continua a aumentar. Importa, por conseguinte, alterar as disposições em vigor e, se necessário, alargar o seu âmbito de aplicação.

(6)

Nos termos do Tratado, o mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas no qual é assegurada a livre circulação das mercadorias e dos serviços e a liberdade de estabelecimento. O desenvolvimento de um mercado de crédito mais transparente e mais eficaz num espaço sem fronteiras internas é essencial para favorecer a expansão das atividades transfronteiriças.

(7)

A fim de facilitar a emergência de um mercado interno do crédito aos consumidores que funcione corretamente, é necessário prever um quadro comunitário harmonizado em determinados domínios essenciais. Tendo em conta a permanente evolução do mercado do crédito aos consumidores e a crescente mobilidade dos cidadãos europeus, uma legislação comunitária prospetiva, capaz de se adaptar a novas formas de crédito e que permita aos Estados‑Membros a flexibilidade adequada à sua execução, deverá contribuir para estabelecer um acervo legislativo moderno em matéria de crédito aos consumidores.

(8)

É importante que o mercado proporcione um nível suficiente de defesa dos consumidores, a fim de garantir a confiança por parte destes. Assim, a livre circulação das ofertas de crédito deverá poder decorrer nas melhores condições, tanto do lado da oferta, como do lado da procura, tendo na devida conta as situações específicas dos vários Estados‑Membros.

(9)

A harmonização plena é necessária para garantir que todos os consumidores da Comunidade beneficiem de um nível elevado e equivalente de defesa dos seus interesses e para instituir um verdadeiro mercado interno. Por conseguinte, os Estados‑Membros não deverão ser autorizados a manter nem a introduzir outras disposições para além das estabelecidas na presente diretiva. Todavia, esta restrição só será aplicável nos casos em que existam disposições harmonizadas na presente diretiva. Caso não existam essas disposições harmonizadas, os Estados‑Membros deverão continuar a dispor da faculdade de manter ou introduzir legislação nacional. Assim, os Estados‑Membros podem, por exemplo, manter ou introduzir disposições nacionais relativas à responsabilidade solidária do vendedor ou fornecedor dos serviços e do mutuante. Os Estados‑Membros poderão também, por exemplo, manter ou introduzir disposições nacionais relativas à resolução do contrato de compra e venda de bens ou de prestação de serviços se o consumidor exercer o direito de retratação que lhe assiste nos termos do contrato de crédito. A este respeito, os Estados‑Membros, no caso de contratos de crédito por período indeterminado, deverão ser autorizados a fixar um prazo mínimo a decorrer entre o momento em que o mutuante solicita o reembolso e o dia em que o crédito tem de ser reembolsado.

[…]

(18)

[…] Contudo, a presente diretiva deverá prever disposições específicas em matéria de publicidade relativa aos contratos de crédito, bem como determinadas informações normalizadas que deverão ser prestadas aos consumidores para que estes possam, nomeadamente, comparar diferentes ofertas. Essas informações deverão ser dadas de modo claro, conciso e visível por meio de um exemplo representativo. […]

(19)

Para que possam tomar as suas decisões com pleno conhecimento de causa, os consumidores deverão receber informações adequadas, que possam levar consigo e apreciar, sobre as condições e o custo do crédito, bem como sobre as suas obrigações, antes da celebração do contrato de crédito. Para garantir a maior transparência possível e para permitir a comparabilidade das ofertas, estas informações deverão incluir, nomeadamente, a taxa anual de encargos efetiva global [TAEG] aplicável ao crédito e determinada da mesma forma em toda a Comunidade. […]

[…]

(30)

A presente diretiva não regula as questões de direito dos contratos relacionadas com a validade dos contratos de crédito. Por conseguinte, nesse domínio, os Estados‑Membros podem manter ou introduzir disposições nacionais conformes com o direito comunitário. […]

(31)

Para que o consumidor possa conhecer os seus direitos e obrigações decorrentes do contrato de crédito, este deverá conter toda a informação necessária, apresentada de forma clara e concisa.

[…]

(35)

Quando o consumidor exercer o direito de retratação do contrato de crédito em virtude do qual tenha recebido bens, nomeadamente no caso de uma compra a prestações ou de contratos de aluguer ou de locação financeira que prevejam uma obrigação de compra, a presente diretiva não deverá prejudicar as regulamentações dos Estados‑Membros relativas à devolução dos bens ou a eventuais questões conexas.»

4.

O artigo 3.o da Diretiva 2008/48, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

n)

“Contrato de crédito ligado”: um contrato de crédito nos termos do qual:

i)

o crédito em questão serve exclusivamente para financiar um contrato de fornecimento de bens ou de prestação de um serviço específico; e

ii)

estes dois contratos constituem uma unidade comercial de um ponto de vista objetivo; considera‑se que existe uma unidade comercial quando o crédito ao consumidor for financiado pelo próprio fornecedor ou prestador de serviços ou, no caso de financiamento por terceiros, quando o mutuante recorrer aos serviços do fornecedor ou prestador de serviços para preparar ou celebrar o contrato de crédito ou caso os bens específicos ou a prestação de um serviço específico estejam expressamente previstos no contrato de crédito.»

5.

Nos termos do artigo 5.o da Diretiva 2008/48, sob a epígrafe «Informações pré‑contratuais»:

«1.   Em tempo útil, antes de o consumidor se encontrar obrigado por um contrato de crédito ou uma oferta, o mutuante e, se for caso disso, o intermediário de crédito devem, com base nos termos e nas condições do crédito oferecidas pelo mutuante e, se for caso disso, nas preferências expressas pelo consumidor e nas informações por este fornecidas, dar ao consumidor as informações necessárias para comparar diferentes ofertas, a fim de tomar uma decisão com conhecimento de causa quanto à celebração de um contrato de crédito. Tais informações, em papel ou noutro suporte duradouro, devem ser prestadas através do formulário sobre “Informação Normalizada Europeia em matéria de Crédito aos Consumidores” constante do anexo II. Considera‑se que o mutuante cumpriu os requisitos de informação previstos no presente número e nos n.os 1 e 2 do artigo 3.o da Diretiva 2002/65/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de setembro de 2002 relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores e que altera as Diretivas 90/619/CEE do Conselho, 97/7/CE e 98/27/CE (JO 2002, L 271, p. 16)] se tiver fornecido a “Informação Normalizada Europeia em matéria de Crédito aos Consumidores”.

2.   As informações em causa devem especificar:

[…]

l)

A taxa de juros de mora, bem como as regras para a respetiva adaptação e, se for caso disso, os custos devidos em caso de incumprimento;

[…]»

6.

O artigo 10.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Informação a mencionar nos contratos de crédito», prevê:

«1.   Os contratos de crédito são estabelecidos em papel ou noutro suporte duradouro.

Todas as partes contratantes devem receber um exemplar do contrato de crédito. O presente artigo não prejudica as normas nacionais relativas à validade da celebração dos contratos, que sejam conformes com o direito comunitário.

2.   O contrato de crédito deve especificar de forma clara e concisa:

[…]

l)

A taxa de juros de mora aplicável à data da celebração do contrato de crédito, bem como as regras para a respetiva adaptação e, se for caso disso, os custos devidos em caso de incumprimento;

[…]

t)

A existência ou inexistência de processos extrajudiciais de reclamação e de recurso acessíveis ao consumidor e, quando existam, o respetivo modo de acesso;

[…]»

7.

O artigo 14.o da Diretiva 2008/48, sob a epígrafe «Direito de retratação», tem a seguinte redação:

«1.   O consumidor dispõe de um prazo de 14 dias de calendário para exercer o direito de retratação do contrato de crédito sem indicar qualquer motivo.

O prazo para o exercício do direito de retratação começa a correr:

a)

A contar da data da celebração do contrato de crédito; ou

b)

A contar da data de receção, pelo consumidor, dos termos do contrato e das informações a que se refere o artigo 10.o, se essa data for posterior à data referida na alínea a) do presente parágrafo.

[…]

3.   Se exercer o seu direito de retratação, o consumidor deve:

[…]

b)

Pagar ao mutuante o capital e os juros vencidos sobre este capital a contar da data de levantamento do crédito até à data de pagamento do capital, sem atrasos indevidos e no prazo de 30 dias de calendário após ter enviado a comunicação de retratação ao mutuante. Os juros são calculados com base na taxa devedora estipulada. O mutuante não tem direito a qualquer outra indemnização por parte do consumidor em caso de retratação, com exceção da indemnização de eventuais despesas não reembolsáveis pagas pelo mutuante a qualquer órgão da administração pública.»

8.

O artigo 15.o, n.o 1, da diretiva, sob a epígrafe «Contratos de crédito ligados», prevê:

«Caso tenha exercido um direito de retratação com base na legislação comunitária referente a um contrato de fornecimento de bens ou de prestação de serviços, o consumidor deixa de estar vinculado por um contrato de crédito ligado.»

9.

O artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, sob a epígrafe «Harmonização e caráter imperativo da presente diretiva», dispõe:

«Na medida em que a presente diretiva prevê disposições harmonizadas, os Estados‑Membros não podem manter ou introduzir no respetivo direito interno disposições divergentes daquelas que vêm previstas na presente diretiva para além das nela estabelecidas.»

B.   Direito alemão

10.

O § 247, n.os 3 a 7, da Einführungsgesetz zum Bürgerlichen Gesetzbuch (Lei Introdutória do Código Civil) de 21 de setembro de 1994 (BGBl. 1994 I, p. 2494; retificação no BGBl. 1997 I, p. 1061), na versão aplicável aos factos do processo principal (a seguir «EGBGB»), sob a epígrafe «Requisitos de informação para contratos de mútuo, contratos de crédito ao consumo e contratos de compra e venda», dispõe:

«§ 3   Conteúdo das informações pré‑contratuais

(1) As informações prestadas antes da celebração do contrato devem mencionar:

[…]

2. O tipo de crédito,

[…]

9. As condições de disponibilização dos fundos,

[…]

11. Taxa de juro de mora e as regras para a respetiva adaptação, bem como, se aplicável, os custos devidos em caso de incumprimento.

[…]

§ 6   Conteúdo do contrato

(1) O contrato de crédito ao consumo deve conter as seguintes informações, apresentadas de forma clara e inteligível:

1.

As informações referidas no artigo 3.o, n.o 1, pontos 1 a 14, e n.o 4,

[…]

5.

O procedimento a seguir para rescindir o contrato

[…]

§ 7   Outras informações constantes do contrato

(1) O contrato de crédito ao consumo deve conter, de forma clara e inteligível, as seguintes informações, na medida em que sejam pertinentes para o contrato:

[…]

3.

O método de cálculo do direito a compensação pelo reembolso antecipado, caso o mutuante pretenda invocar este direito se o mutuário pagar antecipadamente o mútuo,

4.

O acesso do mutuário a um procedimento extrajudicial de reclamação e de recurso, bem como, se for caso disso, as respetivas condições de acesso.

[…]»

11.

O § 247 do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil; a seguir «BGB»), na versão aplicável aos factos do processo principal, sob a epígrafe «Taxa de juro de base», prevê:

«(1)   A taxa de juros de base é de 3,62 %. Esta taxa é adaptada, em 1 de janeiro e 1 de julho de cada ano, em função da percentagem de aumento ou redução do valor de referência desde a última adaptação registada. O valor de referência corresponde à taxa de juro fixada pelo Banco Central Europeu [(BCE)] aplicada à mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do primeiro dia de calendário do semestre em causa.

(2)   O Deutsche Bundesbank [Banco Central alemão] publica a taxa de juros de base no Bundesanzeiger [Jornal Oficial alemão] imediatamente após as datas previstas no segundo período do n.o 1.»

12.

O § 288 do BGB, sob a epígrafe «Juros de mora e outras indemnizações» dispõe, no seu n.o 1:

«As dívidas pecuniárias vencerão juros durante o período de mora. A taxa anual dos juros de mora corresponde à taxa de juros de base acrescida de cinco pontos percentuais.»

13.

O § 355 do BGB, sob a epígrafe «Direito de retratação nos contratos celebrados com consumidores», tem a seguinte redação:

«(1)   O consumidor e o comerciante deixam de estar vinculados pela declaração de vontade referente à celebração do contrato se, nos casos em que a lei atribua ao consumidor o direito de retratação do contrato nos termos da presente disposição, este tiver retratado a sua declaração nesse sentido no prazo previsto. […]

(2)   O prazo de retratação é de 14 dias. Salvo disposição em contrário, o prazo começa a contar a partir do momento da celebração do contrato.»

14.

O § 356b do BGB, sob a epígrafe «Direito de retratação nos contratos de crédito ao consumo», prevê, no seu n.o 2:

«Se o documento entregue ao mutuário nos termos do n.o 1 não contiver as informações obrigatórias previstas no § 492, n.o 2, o prazo não começa a correr até que esta irregularidade seja sanada em conformidade com o § 492, n.o 6 […]»

15.

O § 357 do BGB, sob a epígrafe «Efeitos jurídicos da retratação de contratos celebrados fora dos estabelecimentos comerciais e à distância que não sejam contratos de serviços financeiros», dispõe, no seu n.o 1:

«As prestações recebidas devem ser restituídas num prazo máximo de 14 dias».

16.

Nos termos do § 357a, n.o 1, do BGB, sob a epígrafe «Efeitos jurídicos da retratação de contratos de serviços financeiros»:

«As prestações recebidas devem ser restituídas num prazo máximo de 30 dias.»

17.

O § 358 do BGB, sob a epígrafe «Contrato conexo com o contrato retratado», tem a seguinte redação:

«[…]

(2)   Se o consumidor tiver retratado eficazmente a sua declaração de vontade destinada à celebração de um contrato de crédito ao consumo com base no § 495, n.o 1, ou no § 514, n.o 2, primeiro período, deixa igualmente de estar vinculado pela sua declaração de vontade referente à intenção de celebrar o contrato de fornecimento de bens ou de outras prestações de serviços conexo com esse contrato de crédito ao consumo.

(3)   O contrato que tenha por objeto o fornecimento de bens ou outras prestações de serviços é conjugado com o contrato de crédito nos termos dos n.os 1 e 2 se o crédito se destinar a financiar o outro contrato, no todo ou em parte, e se ambos formarem uma unidade económica. Esta unidade deve ser assumida, nomeadamente, se o próprio profissional financiar a contraprestação do consumidor ou, em caso de financiamento por terceiro, se o mutuante recorrer à cooperação do profissional para a preparação ou celebração do contrato de crédito.

(4)   O § 355, n.o 3, e, em função do tipo de contrato conexo, os §§ 357 a 357b, aplicam‑se mutatis mutandis à resolução do contrato conexo, independentemente do modo de comercialização […]. O mutuante assume, nas relações com o consumidor, os direitos e obrigações do comerciante decorrentes do contrato conexo no que diz respeito aos efeitos jurídicos da retratação se o montante do crédito já tiver sido pago ao comerciante à data de entrada em vigor da retratação.»

18.

O § 491a do BGB, sob a epígrafe «Obrigações de informações pré‑contratuais no âmbito de contratos de crédito celebrados com consumidores», prevê no seu n.o 1:

«No âmbito de um contrato de crédito celebrado com um consumidor, o mutuante deve informar o mutuário dos factos decorrentes do § 247 [da EGBGB] na forma aí prevista.»

19.

O § 492 BGB, sob a epígrafe «Forma escrita, conteúdo do contrato», dispõe:

«(1)   Os contratos de crédito ao consumidor devem ser celebrados por escrito, salvo se for estipulada uma forma mais rigorosa. […]

(2)   Os contratos de crédito celebrados com consumidores deverão conter as informações previstas no § 247, n.os 6 a 13 [da EGBGB].

[…]

(5)   As informações que o mutuante deve prestar ao mutuário após a celebração do contrato são apresentadas em suporte duradouro.»

20.

O § 495 do BGB, sob a epígrafe «Direito de retratação; prazo de reflexão», dispõe, no seu n.o 1:

«No âmbito de um contrato de crédito celebrado com um consumidor, o mutuário tem o direito de retratação em conformidade com o § 355 [do BGB].»

III. Matéria de facto nos processos principais e pedido de decisão prejudicial

A.   Processo C‑33/20

21.

Em dezembro de 2015, UK, na qualidade de consumidor, adquiriu um veículo automóvel. Para financiar esta aquisição, o consumidor procedeu ao pagamento inicial de uma quantia e celebrou um contrato de crédito ao consumo com seguro do capital em dívida. O contrato de crédito ao consumo contém a seguinte declaração:

«Em caso de rescisão do contrato, serão devidos juros de mora à taxa legal. A taxa anual dos juros de mora corresponde à taxa de juros de base acrescida de cinco pontos percentuais.»

22.

Todavia, este contrato de crédito não quantifica a taxa de juros de mora aplicável, nem menciona a taxa de referência utilizada para determinar a taxa de juros de mora aplicável no momento da assinatura do contrato, a saber, a taxa a que se refere o § 247 do BGB. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a redação constante do contrato de crédito não cumpre a obrigação que incumbe aos prestadores de contratos de crédito ao consumo de indicarem as modalidades de adaptação da taxa de juros de mora.

23.

O órgão jurisdicional de reenvio afirma, no entanto, que UK recebeu, antes da celebração do contrato, um documento intitulado «Informação Normalizada Europeia em matéria de Crédito aos Consumidores», elaborado em conformidade com o modelo constante do anexo II da Diretiva 2008/48, segundo o qual a taxa de juros de base é determinada pelo Deutsche Bundesbank e fixada semestralmente, em 1 de janeiro e 1 de julho de cada ano, respetivamente. Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio considera que essas informações não constituem parte integrante do contrato em virtude do incumprimento, por parte da instituição de crédito em causa, de uma regra formal prevista no § 492, n.o 1, do BGB, sem qualquer outra precisão sobre o âmbito de aplicação dessa regra.

24.

UK efetuou regularmente os pagamentos mensais. No entanto, depois de expirado o prazo de 14 dias após a celebração do contrato de mútuo, mas antes que o valor do mútuo tivesse sido totalmente reembolsado, UK pediu para exercer o seu direito de retratação do contrato em questão. Afirmou que, embora extemporâneo, o pedido de retratação seria procedente, uma vez que o Volkswagen Bank não lhe tinha prestado todas as informações exigidas pela legislação alemã que transpôs a Diretiva 2008/48. O Volkswagen Bank recusou a retratação.

25.

Em resposta, UK intentou uma ação mediante a qual pretende que, em troca da devolução do veículo adquirido, seja declarado que, enquanto comprador, não estava obrigado a pagar as restantes prestações mensais. UK pede igualmente o reembolso de todas as prestações mensais, incluindo os respetivos juros, bem como do pagamento inicial efetuado à vendedora.

26.

O órgão jurisdicional de reenvio manifesta dúvidas quanto à conformidade das informações constantes do contrato com os requisitos do § 492 do BGB, conjugado com o § 247 do EGBGB, tal como interpretado à luz da Diretiva 2008/48. Nestas condições, o Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da [Diretiva 2008/48] ser interpretado no sentido de que, no contrato de crédito

a)

A taxa de juros de mora em vigor à data da celebração do contrato de crédito deve ser comunicada como número absoluto, ou deve, pelo menos, ser indicada como número absoluto a taxa de referência em vigor [no presente caso, a taxa de juros de base nos termos do § 247, do BGB (Código Civil alemão)], com base na qual se define a taxa de juros de mora aplicável mediante uma majoração (no presente caso, de cinco pontos percentuais em conformidade com o § 288, n.o 1, segundo período, do BGB)?

b)

O mecanismo de cálculo da taxa de juros de mora deve ser explicado em concreto, ou deve, pelo menos, ser feita referência para as normas nacionais das quais resulta o cálculo da taxa de juros de mora (§§ 247 e 288, n.o 1, segundo período, do BGB)?

2)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da [Diretiva 2008/48] ser interpretado no sentido de que, no contrato de crédito, se deve indicar um método, concreto e compreensível para o consumidor, de cálculo da compensação em caso de pagamento antecipado do crédito, de modo a que o consumidor consiga calcular, pelo menos, aproximadamente, o montante da compensação devida em caso de rescisão antecipada?

3)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea s), da [Diretiva 2008/48] ser interpretado no sentido de que, no contrato de crédito,

a)

Também devem ser indicados os direitos de rescisão das partes no contrato de crédito, previstos no direito nacional e, em especial, também o direito de rescisão do mutuário por justa causa, ao abrigo do § 314 do BGB, no caso de contratos de mútuo por tempo determinado?

b)

Devem ser indicados o prazo e a forma pela qual deve ser feita a declaração de rescisão de todos os direitos de rescisão das partes no contrato de crédito?»

B.   Processo C‑155/20

27.

Em 24 de julho de 2014, 3 de janeiro de 2015 e 23 de maio de 2015, respetivamente, três diferentes consumidores, a saber BC, RT e SV, celebraram com o Volkswagen Bank e com o Skoda Bank, sucursal do Volkswagen Bank, contratos de crédito relativos à compra de veículos para uso particular a concessionárias automóveis. A matéria de facto é semelhante à do processo C‑33/20, exceto o facto de SV e BC terem exercido o seu direito de retratação após o reembolso integral do valor do mútuo. No caso de SV, esta já tinha vendido o veículo ao comerciante ao qual o tinha adquirido antes de exercer o seu direito de rescisão. Neste contexto, SV alega que, em resultado do seu exercício do direito de retratação, tem legitimidade para obter o reembolso da diferença entre o preço de compra, juros incluídos, e o preço de revenda.

28.

Relativamente aos contratos em causa, o órgão jurisdicional de reenvio considera, em primeiro lugar, que os documentos fornecidos a RT, SV e BC, intitulados «Informação Normalizada Europeia em matéria de Crédito aos Consumidores», não são suscetíveis, nos termos do direito alemão, de constituir parte integrante do contrato de crédito, porquanto tais documentos não cumprem os requisitos formais do § 492, n.o 1, do BGB no que respeita à paginação.

29.

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, no que se refere às condições em que o mutuante pode rescindir o contrato em causa por motivos graves, estes contratos não especificam a forma como tal rescisão deve ocorrer nem o prazo em que o mutuante deve rescindir o contrato, e também não mencionam o direito do mutuante de rescindir o contrato em conformidade com o § 314 do BGB.

30.

Nestas condições, o Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da [Diretiva 2008/48], ser interpretado no sentido de que, no contrato de crédito:

a)

A taxa de juros de mora em vigor à data da celebração do contrato de crédito deve ser comunicada como número absoluto, ou deve, pelo menos, ser indicada como número absoluto a taxa de referência em vigor [no presente caso, a taxa de juros de base nos termos do § 247, do BGB (Código Civil alemão)], com base na qual é definida a taxa de juros de mora aplicável mediante uma majoração (no presente caso, de cinco pontos percentuais em conformidade com o § 288, n.o 1, segundo período, do BGB)?

b)

O mecanismo de cálculo da taxa de juros de mora deve ser explicado em concreto, ou deve, pelo menos, ser feita uma remissão para as normas nacionais das quais resulta o cálculo da taxa de juros de mora (§§ 247 e 288, n.o 1, segundo período, do BGB)?

2)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da [Diretiva 2008/48] ser interpretado no sentido de que, no contrato de crédito, se deve indicar um método, concreto e compreensível para o consumidor, de cálculo da compensação em caso de pagamento antecipado do crédito, de modo a que o consumidor consiga calcular, pelo menos, aproximadamente, o montante da compensação devida em caso de rescisão antecipada?

3)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea s), da [Diretiva 2008/48] ser interpretado no sentido de que:

a)

No contrato de crédito também devem ser indicados os direitos de rescisão das partes no contrato, previstos no direito nacional, em especial o direito de rescisão do mutuário por justa causa, ao abrigo do § 314 do BGB, no caso de contratos de mútuo por tempo determinado?

b)

[Em caso de resposta negativa à questão a) anterior], o mesmo não se opõe a uma legislação nacional que considera informação obrigatória, na aceção do artigo 10.o, n.o 2, alínea s), da [Diretiva 2008/48], a referência a um direito especial de rescisão?

c)

No contrato de crédito devem ser indicados o prazo e a forma como deve ser feita a declaração de rescisão de todos os direitos de rescisão das partes no contrato de crédito?

4)

Está excluída a possibilidade de o mutuante invocar, no âmbito de um contrato de crédito aos consumidores, a caducidade do direito de retratação do consumidor nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da [Diretiva 2008/48]:

a)

Quando uma das informações a mencionar nos termos do artigo 10.o, n.o 2, da [Diretiva 2008/48] não foi devidamente incluída no contrato nem foi prestada posteriormente de forma adequada e, por conseguinte, o prazo para a retratação ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, da [Diretiva 2008/48] ainda não começou a correr?

b)

[Em caso de resposta negativa à questão a) anterior] quando a caducidade se baseie essencialmente no tempo decorrido desde a celebração do contrato e/ou no cumprimento integral do contrato por ambas as partes e/ou na disposição do mutuante sobre o valor do empréstimo recuperado ou na restituição de seguros de crédito e/ou (no caso de um contrato de compra e venda associado ao contrato de crédito) na utilização ou na alienação do bem objeto do financiamento por parte do consumidor, mas o consumidor, no período em questão e quando ocorreram circunstâncias relevantes, ignora que o seu direito de retratação se mantém e esta falta de conhecimento não lhe é imputável, e o mutuante também não pode presumir que o consumidor tem conhecimento de tal facto?

5)

Está excluída a possibilidade de o mutuante invocar, no âmbito de um contrato de crédito aos consumidores, a exceção de abuso de direito no exercício do direito de retratação do consumidor nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da [Diretiva 2008/48]:

a)

Quando uma das informações a mencionar nos termos do artigo 10.o, n.o 2, da [Diretiva 2008/48] não está devidamente incluída no contrato de crédito nem foi prestada posteriormente de forma adequada e, por conseguinte, o prazo para a retratação ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, da [Diretiva 2008/48] ainda não começou a correr?

b)

[Em caso de resposta negativa à questão a) anterior] quando o exercício abusivo do direito se baseie essencialmente no tempo decorrido desde a celebração do contrato e/ou no cumprimento integral do contrato por ambas as partes e/ou na disposição do mutuante sobre o valor do empréstimo recuperado ou na restituição de seguros de crédito e/ou (no caso de um contrato de compra e venda associado ao contrato de crédito) na utilização ou na alienação do bem objeto do financiamento por parte do consumidor, mas o consumidor, no período em questão e quando ocorreram as circunstâncias relevantes, ignora que o seu direito de retratação se mantém e esta falta de conhecimento não lhe é imputável, e o mutuante também não pode presumir que o consumidor tem conhecimento de tal facto?»

C.   Processo C‑187/20

31.

Em 4 de maio de 2017 e 23 de março de 2019, dois diferentes consumidores, JL e DT, celebraram com o BMW Bank e o Audi Bank (sucursal do Volkswagen Bank), respetivamente, contratos de crédito para a aquisição de um veículo para uso privado. Tal como no caso de UK no processo C‑33/20 e de RT no processo C‑155/20, estes consumidores pretenderam exercer o seu direito de retratação do crédito muito depois de expirado o prazo de 14 dias a contar da sua celebração, mas antes do seu reembolso integral. Mais uma vez, para justificar a extemporaneidade do pedido, estes consumidores alegaram que o prazo de retratação não tinha começado a correr devido à insuficiência de informações prestadas nos contratos em causa.

32.

Quanto aos contratos em causa nestes dois processos, o órgão jurisdicional de reenvio destaca os elementos seguintes.

33.

Em primeiro lugar, estes contratos não especificam a natureza exata do crédito. No entanto, em ambos os casos, a Informação Normalizada Europeia em matéria de Crédito aos Consumidores ( 3 ) que, por força das disposições do direito alemão, faz parte integrante do contrato, refere que se trata de um crédito a prestações com prestações mensais iguais e taxa de juro fixa ( 4 ).

34.

Em segundo lugar, ambos os contratos estabelecem que o montante do crédito é pago no momento da entrega do veículo ao vendedor. No entanto, nenhum dos contratos especifica que, uma vez disponibilizados os fundos, cessa a obrigação de pagar o preço de venda ao vendedor por esse valor e o comprador pode exigir ao vendedor, após o pagamento integral do preço de venda, a entrega do veículo adquirido.

35.

Em terceiro lugar, no que diz respeito às informações sobre as taxas de juros de mora, o contrato celebrado por JL refere o seguinte: «Em caso de atraso no pagamento […] por parte do mutuário, serão calculados juros de mora à taxa anual de cinco pontos percentuais sobre a respetiva taxa de base. A taxa de base é calculada, respetivamente, a 1 de janeiro e a 1 de julho de cada ano e publicada pelo Deutsche Bundesbank (Banco Federal Alemão) no Bundesanzeiger (Boletim Federal)». Relativamente a DT, o contrato de crédito contém as seguintes informações sobre a taxa de juros de mora: «Após a resolução do contrato serão liquidados juros de mora à taxa legal. A taxa anual dos juros é de cinco pontos percentuais sobre a respetiva taxa de base». Além disso, a «Informação Normalizada Europeia em matéria de Crédito aos Consumidores», disponibilizada ao consumidor, refere o seguinte: «A taxa anual dos juros de mora é de cinco pontos percentuais sobre a respetiva taxa de base. A taxa de base é calculada pelo Deutsche Bundesbank e é fixada a 1 de janeiro e a 1 de julho de cada ano».

36.

Contudo, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, em ambos os processos, os documentos apresentados não especificam que a taxa de juro de base publicada pelo Deutsche Bundesbank corresponde à taxa de juro da mais recente operação de refinanciamento efetuada pelo BCE, nem fazem referência ao § 247, n.o 1, do BGB, que menciona estas informações.

37.

Em quarto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio observa que os documentos fornecidos aos consumidores estabelecem os principais critérios que serão tidos em conta para determinar a indemnização devida em caso de reembolso antecipado, mas não a fórmula exata para o cálculo dessa indemnização.

38.

Em quinto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, embora os contratos em causa mencionem que o mutuário dispõe de um direito de rescisão por motivos graves, não contêm qualquer referência ao § 314 do BGB nem qualquer indicação sobre a forma e o prazo para pedir tal resolução.

39.

Em sexto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio observa que os contratos em causa referem a possibilidade de se recorrer ao Ombudsmann der privaten Banken (Provedor dos bancos privados) para a resolução dos litígios com o Banco e que o Verfahrensordnung für die Schlichtung von Kundenbeschwerden im deutschen Bankgewerbe (Regulamento para a resolução das reclamações dos clientes no setor bancário alemão) que rege o tratamento dado por esse organismo a tais reclamações, é disponibilizado mediante pedido ou pode ser consultado na página de Internet do Bundesverband der Deutschen Banken eV (Federação dos Bancos Alemães), www.bdb.de. Esses contratos especificam igualmente que a reclamação deve ser apresentada por escrito junto do serviço de reclamações de clientes da Federação dos Bancos Alemães. No caso do contrato assinado por DT, também são mencionados o número de fax e o endereço eletrónico para o qual as reclamações podem ser enviadas. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que não são indicadas no contrato as condições de admissibilidade relativas ao conteúdo que essa reclamação deve ter, conforme previstas no n.o 3 do Regulamento de Processo deste organismo.

40.

Nestas condições, o Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea a), da [Diretiva 2008/48] ser interpretado no sentido de que, ao especificar o tipo de crédito, o contrato deve eventualmente referir que está em causa um contrato de crédito ligado e/ou um contrato de crédito por tempo determinado?

2)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea d), da [Diretiva 2008/48] ser interpretado no sentido de que, no que respeita às condições de levantamento do crédito, os contratos de crédito ligados destinados ao financiamento de um bem de consumo devem especificar que o mutuário fica exonerado da sua obrigação de pagamento do preço da compra e venda até ao valor do levantamento efetuado, e que, com o pagamento integral desse preço, o vendedor lhe deve entregar o bem comprado?

3)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da [Diretiva 2008/48] ser interpretado no sentido de que:

a)

A taxa de juros de mora em vigor à data da celebração do contrato de crédito deve ser comunicada como número absoluto, ou deve, pelo menos, ser indicada como número absoluto a taxa de referência em vigor [no presente caso, a taxa de juros de base nos termos do § 247 do BGB (Código Civil alemão)], com base na qual se define a taxa de juros de mora aplicável mediante uma majoração (no presente caso, de cinco pontos percentuais, em conformidade com o § 288, n.o 1, segundo período, do BGB)?

b)

O mecanismo de cálculo da taxa de juros de mora deve ser explicado em concreto, ou deve, pelo menos, ser feita referência para as normas nacionais das quais resulta o cálculo da taxa de juros de mora (§§ 247 e 288, n.o 1, segundo período, do BGB)?

4)

a)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da [Diretiva 2008/48] ser interpretado no sentido de que, no contrato de crédito, se deve indicar um método, concreto e compreensível para o consumidor, de cálculo da compensação em caso de pagamento antecipado do crédito, de modo a que o consumidor consiga calcular, pelo menos, aproximadamente, o montante da compensação devida em caso de rescisão antecipada?

b)

[Em caso de resposta afirmativa à questão a) anterior]:

Os artigos 10.o, n.o 2, alínea r), e 14.o, n.o 1, segundo período, da [Diretiva 2008/48] opõem‑se a uma legislação nacional nos termos da qual, no caso de ser prestada informação incompleta na aceção do artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da [Diretiva 2008/48], o prazo para o exercício do direito de retratação começa a correr a partir da data da celebração do contrato e o direito do mutuante a indemnização apenas se extingue pelo reembolso antecipado do crédito?

5)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea s), da [Diretiva 2008/48] ser interpretado no sentido de que:

a)

Também devem ser especificados os direitos de rescisão das partes no contrato de crédito, previstos no direito nacional e, em especial, o direito de rescisão do mutuário por justa causa, ao abrigo do § 314 do BGB, no caso de contratos de mútuo por tempo determinado, e que o parágrafo que regula este direito de rescisão deve ser referido expressamente?

b)

[Em caso de resposta negativa à questão a) anterior]:

Não se opõe a uma legislação nacional que considera que a existência de um direito especial de resolução é uma informação a mencionar na aceção do artigo 10.o, n.o 2, alínea s), da [Diretiva 2008/48]?

c)

No contrato de crédito, devem ser indicados o prazo e a forma segundo os quais devem ser exercidos todos os direitos de resolução das partes no contrato de crédito?

6)

Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da [Diretiva 2008/48] ser interpretado no sentido de que, no contrato de crédito, devem ser comunicados os requisitos formais essenciais da reclamação e/ou do recurso no âmbito do processo extrajudicial de reclamação e/ou de recurso? Não basta fazer referência, a este respeito, à possibilidade de consulta na Internet das normas processuais aplicáveis ao processo extrajudicial de reclamação e/ou de recurso?

7)

Está excluída a possibilidade de o mutuante invocar, no âmbito de um contrato de crédito aos consumidores, a caducidade do direito de retratação do consumidor nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da [Diretiva 2008/48]:

a)

Quando uma das informações a mencionar nos termos do artigo 10.o, n.o 2, da [Diretiva 2008/48] não tiver sido devidamente incluída no contrato de crédito nem tiver sido prestada posteriormente de forma adequada e, por conseguinte, o prazo para a retratação ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, da [Diretiva 2008/48] ainda não tiver começado a correr?

b)

[Em caso de resposta negativa à questão a) anterior]:

Quando a caducidade se baseia essencialmente no tempo decorrido desde a celebração do contrato e/ou no cumprimento integral do contrato por ambas as partes e/ou na disposição do mutuante sobre o valor do empréstimo recuperado ou na restituição de seguros de crédito e/ou (no caso de um contrato de compra e venda ligado ao contrato de crédito) na utilização ou na alienação do bem objeto do financiamento por parte do consumidor, mas o consumidor, no período em questão e quando ocorreram as circunstâncias relevantes, ignorava que o seu direito de retratação se mantinha e esta falta de conhecimento não lhe é imputável e o mutuante também não podia presumir que o consumidor tinha conhecimento de tal facto?

8)

Está excluída a possibilidade de o mutuante invocar, no âmbito de um contrato de crédito aos consumidores, o abuso de direito no exercício do direito de retratação do consumidor nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da [Diretiva 2008/48]:

a)

Quando uma das informações a mencionar nos termos do artigo 10.o, n.o 2, da [Diretiva 2008/48] não foi devidamente incluída no contrato de crédito nem foi prestada posteriormente de forma adequada e, por conseguinte, o prazo para a retratação ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, da [Diretiva 2008/48] ainda não começou a correr?

b)

[Em caso de resposta negativa à questão a) anterior]:

Quando o exercício abusivo do direito se baseia essencialmente no tempo decorrido desde a celebração do contrato e/ou no cumprimento integral do contrato por ambas as partes e/ou na disposição do mutuante sobre o valor do empréstimo recuperado ou na restituição de seguros de crédito e/ou (no caso de um contrato de compra e venda associado ao contrato de crédito) na utilização ou na alienação do bem objeto do financiamento por parte do consumidor, mas o consumidor, no período em questão e quando ocorreram as circunstâncias relevantes, ignorava que o seu direito de retratação se mantinha e esta falta de conhecimento não lhe é imputável e o mutuante também não podia presumir que o consumidor tinha conhecimento de tal facto?»

IV. Análise

41.

Em conformidade com o pedido do Tribunal de Justiça, proponho limitar as presentes conclusões às seguintes questões:

primeira questão no processo C‑33/20, primeira questão no processo C‑155/20 e terceira questão no processo C‑187/20;

sexta questão no processo C‑187/20;

quarta questão no processo C‑155/20 e sétima questão no processo C‑187/20;

quinta questão no processo C‑155/20 e oitava questão no processo C‑187/20.

A.   Observações preliminares

42.

A título preliminar, importa recordar, em primeiro lugar, que uma diretiva não pode, por si só, criar obrigações na esfera jurídica de um particular, nem pode, por conseguinte, ser invocada enquanto tal contra esse particular. É certo que, para assegurar a proteção jurídica ao abrigo das disposições do direito da União, os órgãos jurisdicionais nacionais chamados a interpretar o seu direito nacional são obrigados a fazê‑lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva em causa, para alcançar o resultado por ela prosseguido ( 5 ). Esta obrigação de interpretação em conformidade com o direito da União é limitada, no entanto, pelos princípios gerais de direito, designadamente pelo princípio da segurança jurídica, na medida em que não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional ( 6 ). Consequentemente, as respostas às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio só podem ser invocadas pelos recorrentes nos processos principais contra as respetivas instituições de crédito se, mediante a aplicação dos métodos de interpretação reconhecidos, a legislação nacional que transpõe a Diretiva 2008/48 puder ser interpretada em conformidade com estas respostas. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é esse o caso.

43.

Em segundo lugar, gostaria de salientar que não considero que a jurisprudência atual do Tribunal de Justiça referente aos requisitos de informação estabelecidos por outras medidas legislativas da União que visam proteger os direitos dos consumidores seja necessariamente transponível simplesmente por analogia para a Diretiva 2008/48. Com efeito, segundo os métodos de interpretação reconhecidos pelo Tribunal de Justiça, essas soluções só podem ser efetivamente transpostas se a redação, o contexto e os objetivos das disposições legislativas em causa forem idênticos ou, pelo menos, muito semelhantes. No caso em apreço, considero que deve ser dada especial atenção ao facto de a Diretiva 2008/48 prever requisitos de informação mais abrangentes do que os constantes, por exemplo, da Diretiva 93/13/CEE ( 7 ).

44.

Em terceiro lugar, no que respeita aos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2008/48, decorre dos considerandos 4 a 9 desta diretiva que a mesma visa facilitar a emergência de um mercado interno eficaz em matéria de crédito ao consumo, harmonizando os requisitos relativos às informações que os mutuantes são obrigados a prestar, e assegurando simultaneamente que tal mercado inspira confiança aos consumidores, proporcionando‑lhes um nível de proteção elevado e equivalente ( 8 ).

45.

Os requisitos de informação constantes da Diretiva 2008/48 assentam, portanto, em parte, na premissa de que, para atingir esse objetivo, é necessário um certo grau de normalização contratual, pelo menos no que respeita às informações a incluir nos contratos, e, em parte, na constatação de que o consumidor se encontra numa posição inferior à do mutuante no que diz respeito às informações relativas aos efeitos do contrato e à legislação aplicável ( 9 ). Para a consecução dos seus objetivos, a Diretiva 2008/48 prevê uma harmonização plena das obrigações de informação que incumbem aos mutuantes ( 10 ) e, para o efeito, distingue entre as informações que devem ser comunicadas pelo mutuante na sua publicidade (artigo 4.o), na fase pré‑contratual (artigo 5.o) e nos próprios contratos (artigo 10.o) ( 11 ).

46.

Uma vez que a Diretiva 2008/48 prevê obrigações de prestar informações em diferentes fases, tais obrigações, embora relacionadas, prosseguem objetivos ligeiramente diferentes. Assim, decorre dos considerandos 18 e 19 desta diretiva que a obrigação de prestar determinadas informações aos consumidores na fase pré‑contratual — conforme prevista no artigo 5.o — visa, em primeiro lugar, permitir‑lhes comparar as diferentes ofertas recebidas e optar pela mais adequada. Já quanto à obrigação de mencionar determinadas informações aos consumidores na fase contratual, prevista no artigo 10.o da Diretiva 2008/48, resulta do considerando 31 que esta visa permitir que os consumidores conheçam os seus direitos e obrigações decorrentes do contrato ( 12 ). Mais precisamente, conforme o Tribunal de Justiça já declarou, esta disposição visa garantir que os consumidores tenham todas as informações necessárias para a boa execução do contrato e, em especial, nessa perspetiva, para o exercício dos seus direitos ( 13 ).

47.

Na medida em que determinadas informações a que se refere o artigo 10.o da Diretiva 2008/48 são necessariamente comunicadas ao consumidor na fase pré‑contratual, ao passo que outras dizem respeito não ao conteúdo do contrato mas à legislação que lhe é aplicável, há que constatar que o legislador da União pretendeu prosseguir o objetivo que consiste em permitir aos consumidores conhecer os seus direitos e obrigações decorrentes do contrato, garantindo que, em caso de dificuldades, estes possam recorrer a esse contrato para encontrar a resposta às suas questões, sem ter de suportar o custo da procura pela respetiva informação ( 14 ).

48.

Por último, importa referir que, uma vez que a Diretiva 2008/48 visa nomeadamente facilitar a emergência de um mercado interno eficaz em matéria de crédito ao consumo e, para o efeito, conduz a uma plena harmonização dos requisitos de informação, independentemente das soluções que o Tribunal de Justiça se proponha adotar nos presentes processos, essas soluções devem ser o mais precisas possível, de forma a garantir a eficácia da segurança jurídica dos operadores europeus, necessária à emergência desse mercado.

49.

À luz das considerações que precedem, proponho‑me agora responder às questões submetidas.

B.   Quanto à primeira questão no processo C‑33/20, à primeira questão no processo C‑155/20 e à terceira questão no processo C‑187/20

50.

Com a primeira questão no processo C‑33/20, a primeira questão no processo C‑155/20 e a terceira questão no processo C‑187/20, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o contrato de crédito deve, por um lado, indicar a taxa de juros de mora aplicável à data da sua celebração sob a forma de um «número exato» e, por outro, explicar concretamente o mecanismo de cálculo dessa taxa.

51.

No que se refere à primeira parte da questão, há que recordar desde logo que, segundo a jurisprudência, uma simples remissão, no contrato em questão, para um texto legislativo ou regulamentar não preenche as obrigações de informação previstas na Diretiva 2008/48 ( 15 ).

52.

Ora, a versão alemã do artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48 prevê que os contratos de crédito ao consumo devem indicar «der Satz der Verzugszinsen gemäß der zum Zeitpunkt des Abschlusses des Kreditvertrags geltenden Regelung und die Art und Weise seiner etwaigen Anpassung sowie gegebenenfalls anfallende Verzugskosten», sendo que a utilização do termo «Regelung» pode criar uma certa ambiguidade. Com efeito, este pode referir‑se às cláusulas contratuais ou às disposições legislativas em vigor à data da celebração do contrato, o que significaria que, para observar essas disposições legislativas, é necessário reproduzir no contrato o conteúdo da legislação aplicável. Nesta hipótese, que é a defendida pelo Governo alemão, o valor deveria ser referido apenas se a disposição legislativa fizesse referência à taxa de juro aplicável como valor absoluto.

53.

A este respeito, admito que o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 não é suficientemente explícito. Parece‑me, no entanto, que a redação, o contexto e os objetivos desta disposição são mais favoráveis a uma interpretação no sentido de que a mesma exige a indicação do valor real correspondente à taxa conforme aplicável à data da assinatura do contrato. Defendo este ponto de vista pelas razões que se seguem.

54.

Em primeiro lugar, importa observar que a própria redação do artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48 refere que as informações exigidas por este artigo dizem respeito a uma taxa de juro. Em conformidade com a sua definição geral, este conceito refere‑se a uma percentagem, ou seja, uma fração de uma centena ( 16 ). Com efeito, a fórmula, o parâmetro ou índice de referência utilizados para calcular uma taxa não coincidem com a própria taxa ( 17 ). Poder‑se‑ia acrescentar que, quando a versão em língua alemã da Diretiva 2008/48 faz referência às normas legislativas em vigor à data da celebração do contrato, utiliza termos mais explícitos, como no artigo 14.o, n.o 2 («das […] geltende innerstaatliche Recht») e nos artigos 14.o, n.o 6, ou 15.o, n.o 2 («nach den geltende Rechtsvorschriften»).

55.

Mais importante ainda, na versão em língua inglesa, o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48 refere «the interest rate applicable in the case of late payments as applicable at the time of the conclusion of the credit agreement and the arrangements for its adjustment». Da mesma forma, a versão em língua francesa menciona «taux d’intérêt applicable en cas de retard de paiement applicable au moment de la conclusion du contrat de crédit et [aux] modalités d’adaptation de ce taux».

56.

Considero que o facto de esta disposição referir claramente, pelo menos em algumas versões linguísticas, que, por um lado, a taxa de juros a especificar deve ser a aplicável «à data da celebração do contrato de crédito» e, por outro, que esta informação deve ser prestada paralelamente à informação relativa às condições de adaptação desta taxa, demonstra que o conceito de «taxa de juro» deve ser entendido no sentido de que se refere não à definição dessa taxa ou à fórmula de cálculo utilizada para esse efeito, mas antes à percentagem correspondente à taxa aplicável à data da assinatura do contrato. Com efeito, a definição da taxa ou a fórmula de cálculo utilizada (nos presentes processos, X + 5, em que X é igual ao valor dos juros de base alemães) não é suscetível de qualquer alteração sem que o próprio contrato seja alterado.

57.

Por conseguinte, se o conceito de «taxa de juros» devesse ser entendido no sentido de que se refere à fórmula de cálculo utilizada, não teria sido necessário especificar que esta taxa devia ser a taxa aplicável à data da celebração do contrato, ou exigir, além disso, a indicação dos mecanismos para o seu ajustamento. Em especial, no que diz respeito a este segundo tipo de informações, ainda que o conceito de «taxa de juros» deva ser entendido como referindo‑se à definição ou à fórmula de cálculo utilizada, a respetiva adaptação já estaria contida na definição da taxa ou na sua fórmula de cálculo, sob a forma de uma variável ou, como no caso em apreço, de uma remissão para um índice de referência ( 18 ).

58.

É certo que, como algumas partes sublinharam, algumas taxas de juros, — como as que estão em causa nos processos principais — são suscetíveis de variar, mas, na minha opinião, este argumento serve antes para confirmar a conclusão anterior. Em especial, pode explicar a razão pela qual o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48 especifica que não basta mencionar a taxa aplicável à data da celebração do contrato, sendo também necessário indicar os mecanismos para a respetiva adaptação.

59.

Por conseguinte, a redação do artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48 já visa demonstrar que esta disposição deve ser interpretada no sentido de que obriga o mutuante a indicar, nomeadamente, a taxa que seria efetivamente aplicada em caso de falta de pagamento do mutuário na data de celebração do contrato.

60.

Esta conclusão é confirmada pelos objetivos e pela economia geral da presente diretiva.

61.

Em primeiro lugar, observo que sempre que o artigo 3.o da Diretiva 2008/48 define o que se deve entender por taxa, a referida disposição estabelece que esta taxa deve ser expressa sob a forma de uma percentagem. Na minha opinião, estas precisões não constituem exceções à definição habitual do conceito de «taxa», conforme sustenta o Governo alemão, mas sim uma evocação de que o objetivo dessas definições é especificar como deve ser calculada a percentagem atendendo à natureza da taxa em questão ( 19 ).

62.

Neste contexto, parece‑me, no que se refere à definição do conceito de «taxa», que, se o legislador tivesse pretendido obrigar os mutuantes a não indicar a percentagem real correspondente à taxa de juros aplicável à data da celebração do contrato mas a fórmula a usar no seu cálculo, teria provavelmente tido o cuidado de o especificar.

63.

Em segundo lugar, no que se refere aos objetivos prosseguidos pelo artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48, observo que esta disposição visa permitir que os consumidores europeus conheçam os seus direitos e obrigações. Nesta perspetiva, pode‑se admitir — como algumas partes já assinalaram — que, do ponto de vista da execução do contrato, a menção da taxa efetivamente aplicável à data da celebração do contrato, quando considerada isoladamente, tem pouco interesse, porque é muito provável que mude em seguida.

64.

No entanto, é dificilmente contestável que o facto de exigir a indicação da percentagem correspondente à taxa de juros de mora aplicável à data da celebração do contrato permite que os consumidores tenham conhecimento das consequências de uma falta de pagamento ( 20 ) e tal afigura‑se mais importante do que a utilização de uma fórmula de cálculo ou a menção de algum índice ou taxa de referência de natureza abstrata. Além disso, esta não é a única informação exigida pelo artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48. Em especial, o problema da atualização dessa informação reside precisamente no facto de esta disposição exigir igualmente a indicação dos mecanismos para a respetiva adaptação. Em conformidade, não se pode considerar que a menção desta percentagem é insuficiente para permitir aos consumidores da União compreender as consequências que podem decorrer de uma falta de pagamento.

65.

Por último, pode‑se observar que a obrigatoriedade da indicação da taxa de juros de mora está incluída não só entre as informações a prestar no contrato mas também entre as informações a prestar na fase pré‑contratual, nos termos do artigo 5.o da Diretiva 2008/48. Consequentemente, o conceito de «taxa de juros de mora» deve ser interpretado de forma a cumprir os objetivos prosseguidos tanto pelo artigo 10.o, n.o 2, alínea l), como pelo artigo 5.o, n.o 1, alínea l), da Diretiva 2008/48.

66.

Deste modo, no que respeita ao objetivo prosseguido pelas obrigações de prestar informações pré‑contratuais enunciadas no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, decorre do considerando 18 desta diretiva que tais objetivos visam, nomeadamente, inspirar confiança aos consumidores, prevendo «disposições específicas em matéria de publicidade relativa aos contratos de crédito, bem como determinadas informações normalizadas que deverão ser prestadas aos consumidores para que estes possam, nomeadamente, comparar diferentes ofertas. Essas informações deverão ser dadas de modo claro, conciso e visível por meio de um exemplo representativo» ( 21 ).

67.

A esse respeito, cumpre recordar que, segundo jurisprudência constante, as disposições do direito da União em matéria de defesa do consumidor devem ser interpretadas tendo como referência não a situação dos recorrentes nos casos em apreço, mas a de um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado ( 22 ). No presente caso, decorre do considerando 6 da Diretiva 2008/48 que esta diretiva prossegue o objetivo de desenvolvimento de um mercado de crédito mais transparente e mais eficaz num espaço sem fronteiras internas. Por outro lado, sendo a base jurídica escolhida para a sua adoção o artigo 95.o CE (atual artigo 114.o TFUE) — que só pode justificar a adoção de medidas de harmonização se estas procurarem melhorar as condições de funcionamento do mercado interno ( 23 ) — pode deduzir‑se daqui que a comparabilidade das ofertas que o artigo 5.o da Diretiva 2008/48 visa facilitar deve ser entendida por referência não à situação de um consumidor nacional, mas à de um consumidor europeu ( 24 ).

68.

Em qualquer caso, não podemos deixar de constatar que o consumidor médio carece das competências técnicas de um especialista financeiro. É, pois, correto assumir que o consumidor médio, que além disso pode residir noutro Estado‑Membro, não tem a possibilidade de compreender — e, portanto, de comparar — facilmente as diferentes taxas de juros de mora que podem ser aplicadas se a única informação que lhe é prestada for a fórmula de cálculo utilizada para determinar essa taxa num dado momento, nomeadamente quando essa fórmula diz respeito a uma taxa, parâmetro ou índice de referência nacional. A meu ver, é precisamente com o intuito de dar um termo de comparação ao consumidor europeu que a Diretiva 2008/48 prevê que os contratos de mútuo celebrados com consumidores devem mencionar a taxa de juro aplicável e não simplesmente o método de cálculo ou de adaptação dessa taxa.

69.

Nestas circunstâncias, embora a Diretiva 2008/48 pudesse ter sido mais explícita a este respeito, considero, nomeadamente à luz da redação do seu artigo 10.o, n.o 2, alínea l), que a obrigação de mencionar as «taxas de juros de mora» deve ser entendida no sentido de que os contratos devem indicar a percentagem correspondente à taxa de juros que seria aplicada em caso de falta de pagamento por parte do mutuário à data da assinatura do contrato ( 25 ).

70.

No que diz respeito à segunda parte da questão relativa ao mecanismo de cálculo da taxa de juros de mora, resulta da redação do artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48 que também devem ser mencionadas no contrato de crédito as regras para a respetiva adaptação.

71.

Atendendo ao exposto nos pedidos de decisão prejudicial, considero que as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio devem ser entendidas no sentido de que se referem ao grau de precisão com que a informação relativa a esta questão deve constar do contrato. Talvez o que esteja em causa, mais concretamente, seja a questão de saber se a instituição de crédito deve indicar, nos casos em que a taxa de juros tem por base uma taxa de referência, quando e por quem essa taxa é determinada, e quais os critérios aplicados.

72.

A este respeito, importa observar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um mutuante não poderá respeitar integralmente as obrigações de informação enunciadas no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 ao prever no contrato simplesmente uma remissão para as disposições legislativas aplicáveis ( 26 ). Todavia, não considero que o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48 deva ser interpretado no sentido de que exige ao mutuante que especifique, nos casos em que é utilizada uma taxa de referência para calcular a taxa de juro, de que modo essa taxa de referência deve ser adaptada, ou ainda, se for o caso, como nos presentes processos, que a taxa de referência utilizada corresponde a uma taxa publicada pelo BCE.

73.

Chego a esta conclusão pelas razões seguintes.

74.

Em primeiro lugar, se uma taxa de juros é calculada com base numa fórmula que contém uma variável, a utilização dessa variável será a forma, ou uma das formas, pelas quais a taxa de juros pode ser adaptada. Se, como nos casos em apreço, não houver outra forma de proceder à adaptação da taxa, de modo a cumprir as exigências do artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48, basta que o contrato indique essa fórmula de cálculo da taxa aplicável e precise, se esta variável for uma taxa de referência, quem é o emissor da taxa, onde é publicada e com que frequência é publicada.

75.

Em segundo lugar, observo que, posteriormente aos factos em causa nos processos principais, o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 foi alterado para especificar que, quando um contrato de crédito ao consumo remete para um índice de referência na aceção do artigo 3.o, n.os 1 e 3, do Regulamento (UE) 2016/1011 ( 27 ), o mutuante e, se for caso disso, o intermediário de crédito devem comunicar ao mutuário o nome desse índice de referência e o do seu administrador, bem como as eventuais consequências para o consumidor (o que implica, a meu ver, especificar a frequência com que esse índice é publicado) ( 28 ). No entanto, não é expectável que o mutuante explique como esse índice de referência é estabelecido.

76.

Por último, não se afigura necessário precisar o modo como a taxa de referência é fixada para atingir os objetivos prosseguidos pelos artigos 5.o e 10.o da diretiva, podendo até revelar‑se incompatível com os mesmos. Com efeito, uma vez que se trata de uma taxa de referência publicada por um banco central, pode depender, em parte, de dados macroeconómicos e, em parte, de considerações de política monetária (entre as quais, nomeadamente, questões de estabilidade dos preços e de inflação). Qualquer tentativa de explicar o modo como esta taxa é adaptada implicaria um esforço desproporcionado por parte do mutuante em comparação com as outras informações referidas no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48. O volume de tais informações pode comportar o risco de sobrecarregar o consumidor com um amplo leque de informações e dados financeiros e económicos ( 29 ). Uma tal obrigação poderia ser muito onerosa para o mutuante e é duvidoso que, na falta de uma disposição expressa em contrário, esta obrigação tenha sido alguma vez contemplada pelo legislador da União.

77.

Nos casos vertentes, as cláusulas em causa nos processos principais especificam que a taxa de referência utilizada na fórmula de cálculo da taxa de juros de mora é publicada pelo Banco Central alemão e que essa taxa é fixada em 1 de janeiro e 1 de julho de cada ano, respetivamente. Por se tratar de uma taxa oficial, disponível gratuitamente na página de Internet do Banco Central Alemão, considero que esta indicação é suficiente para permitir ao consumidor europeu médio — que, presume‑se, está razoavelmente bem informado e atento — compreender por quem, onde e quando esta taxa é publicada.

78.

É certo que estas remissões contratuais não especificam que a taxa de referência utilizada corresponde a uma taxa publicada pelo BCE. No entanto, nada na redação do artigo 5.o ou do artigo 10.o da Diretiva 2008/48 sugere que essa indicação seja necessária. Aliás, não vejo de que forma esta informação seria necessária para a comparabilidade das ofertas, nem em que medida ajudaria o consumidor a conhecer os seus direitos e obrigações. O que interessa ao consumidor é perceber as consequências do contrato ( 30 ) e, deste ponto de vista, basta, a meu ver, saber que a taxa aplicada é uma taxa legalmente válida e onde pode ser encontrada.

79.

À luz do que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão no processo C‑33/20, à primeira questão no processo C‑155/20 e à terceira questão no processo C‑187/20, que o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o contrato de crédito deve indicar, por um lado, a taxa de juros de mora aplicável à data da celebração do contrato de crédito expressa em percentagem e, por outro, quando essa taxa é suscetível de variar, a fórmula de cálculo que será utilizada, quando for necessário, para determinar a taxa aplicável, bem como, caso se recorra, como variável, a uma taxa ou índice de referência, o momento, o autor e o local da sua publicação.

C.   Quanto à sexta questão no processo C‑187/20

80.

Com a sexta questão no processo C‑187/20, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber se o artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o contrato de crédito deve indicar os requisitos formais essenciais para instaurar um processo extrajudicial de reclamação ou de recurso ou se basta que o contrato faça referência, a este respeito, à possibilidade de consulta na Internet das normas processuais aplicáveis.

81.

Desde logo, pode‑se observar que, por força do artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48, os contratos de crédito ao consumo devem mencionar «[a] existência ou inexistência de processos extrajudiciais de reclamação e de recurso acessíveis ao consumidor e, quando existam, o respetivo modo de acesso». Por conseguinte, para responder a esta questão, é necessário determinar o que se entende por «modos de acesso a um processo extrajudicial de reclamação e de recurso», na aceção desta disposição.

82.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, se as disposições do direito da União não remeterem para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance, devem ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme, que tenha em conta não só os termos dessas disposições mas também o seu contexto e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa ( 31 ). Uma vez que a Diretiva 2008/48 não remete para o direito dos Estados‑Membros para determinar o sentido da expressão «modos de acesso a um processo extrajudicial de reclamação e de recurso», esta deve ser considerada um conceito autónomo do direito da União e ser, por conseguinte, objeto de uma interpretação uniforme em toda a União Europeia.

83.

A este respeito, observo, por um lado, que os modos de acesso que o artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48 exige que sejam mencionados no contrato são os relativos aos «processos extrajudiciais de reclamação e de recurso» que incluem não só procedimentos internos de reclamação mas também procedimentos que podem ser instaurados perante uma instância diferente ( 32 ). Por outro lado, tal como parece ser o caso do procedimento de reclamação perante o Provedor de Justiça dos Bancos Privados Alemães, o processo extrajudicial de reclamação e de recurso previsto no artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48 pode estar sujeito a requisitos especiais de admissibilidade e, além disso, ser alterado pela entidade responsável.

84.

Contudo, ao contrário do que alegam algumas partes, este facto por si só não pode justificar a interpretação do artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48 no sentido de que um contrato pode simplesmente remeter para uma página de Internet sobre essas questões com o fundamento de que, em substância, seria impossível gerir de outra forma eventuais alterações das regras processuais aplicáveis. É certo que exigir que os mutuantes incluam no contrato outras informações para além do endereço da página de Internet consagrada a esses processos significará necessariamente que, no caso de alteração na lista de processos extrajudiciais de reclamação e de recurso disponíveis ou nas condições para instaurar um processo num dos órgãos competentes, o conteúdo do contrato deverá ser atualizado. Com efeito, seria contrário aos objetivos da Diretiva 2008/48 interpretar o artigo 10.o no sentido de que não impõe ao mutuante a realização dessa atualização, uma vez que, conforme já expliquei, as informações a que se refere esta disposição são as que foram consideradas pelo legislador da União como suscetíveis de ser essenciais para a execução do contrato ( 33 ).

85.

No entanto, essa obrigação de atualização não constitui um encargo excessivo para os mutuantes. Por um lado, o desenvolvimento de instrumentos de gestão de contratos ao longo dos últimos 20 anos tornou muito mais simples e menos oneroso para o mutuante fazer um acompanhamento contratual. Por outro lado, a aplicação dessa atualização não apresenta nenhuma dificuldade de ordem jurídica. Com efeito, uma cláusula que apenas menciona a existência ou inexistência de processos extrajudiciais de reclamação e de recurso à disposição do consumidor, bem como os modos de acesso, tem um valor informativo e não normativo, uma vez que não determina o alcance dos direitos e obrigações das partes. Por conseguinte, a atualização dessas informações não constitui uma alteração do contrato à qual, por exemplo, o consumidor se possa opor.

86.

De qualquer forma, pode‑se observar que o artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 exige que os consumidores recebam um exemplar do contrato de crédito. A utilização da palavra «receber» implica que o consumidor não precisa de seguir uma ligação de Internet ou de realizar qualquer ação para ter acesso às cláusulas do contrato ( 34 ). Aliás, o Tribunal de Justiça já declarou que uma simples remissão no contrato para o sítio onde as informações podem ser encontradas não preenche a obrigação que incumbe aos mutuantes de prestar informações nos termos do artigo 10.o da Diretiva 2008/48 ( 35 ).

87.

Na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio parece já estar ciente disso, considero que as questões submetidas devem ser entendidas no sentido de que dizem respeito mais especificamente à questão de saber o que se deve entender por «modos de acesso» na aceção do artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48 e, mais uma vez, qual o grau de precisão que se espera das informações constantes do contrato a esse respeito.

88.

A esse propósito, recorde‑se mais uma vez que, segundo jurisprudência constante, para interpretar uma disposição do direito da União, importa ter em conta não só os termos dessa disposição mas também o contexto em que a mesma se insere e os objetivos prosseguidos pela regulamentação da qual faz parte ( 36 ).

89.

No que diz respeito à redação do artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48, pode deduzir‑se dos termos escolhidos pelo legislador, a saber, em alemão, «die Voraussetzungen für diesen Zugang» (em inglês, «methods for having access» ou em francês, «modalités d'accès à ces dernières» ( 37 )), que a informação a prestar aos consumidores implica algo mais do que a simples menção dos diversos procedimentos existentes. No entanto, também observo que esses mesmos termos se referem apenas ao «acesso» a esses procedimentos e não ao seu funcionamento. Não pressupõem um nível de precisão tal que o mutuante deva reproduzir integralmente todas as regras processuais aplicáveis nos documentos contratuais fornecidos ao consumidor.

90.

Parece‑me que esta apreciação é corroborada pelo contexto em que a disposição se insere, na medida em que o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 dispõe logo no início que as informações devem ser especificadas de forma clara e concisa, o que implica que apenas devem ser mencionadas informações essenciais.

91.

Por último, no que respeita ao objetivo prosseguido pelo artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48, observo que «a existência ou inexistência de processos extrajudiciais de reclamação e de recurso acessíveis ao consumidor e, quando existam, o respetivo modo de acesso» não figuram entre os elementos de informação que o artigo 5.o da Diretiva 2008/48 exige que sejam prestados aos consumidores na fase pré‑contratual. Daqui decorre que o legislador da União considerou esta informação essencial não para a comparação de ofertas, mas sim para a resolução de problemas que possam surgir durante a execução do contrato ( 38 ). Esta disposição visa, portanto, incitar o consumidor a recorrer a estes processos. Tudo isto implica, a meu ver, que as informações prestadas são suficientes para evitar qualquer deceção a este respeito.

92.

É, pois, possível concluir que as informações relativas aos modos de acesso aos processos extrajudiciais de reclamação ou de recurso aplicáveis, que devem constar do contrato nos termos do artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48, se limitam ao estritamente necessário, por um lado, para garantir que o mutuário está em condições de decidir, com pleno conhecimento de causa, se é oportuno recorrer a um desses procedimentos e, por outro, para que possa apresentar a reclamação ou interpor o recurso sem receio de ficar definitivamente privado da possibilidade de invocar os seus direitos.

93.

Este último aspeto afigura‑se da maior importância uma vez que o artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48 se refere a qualquer processo extrajudicial de reclamação ou de recurso, independentemente de ser opcional ou obrigatório. No entanto, considero que tal objetivo não implica precisar as regras processuais aplicáveis, incluindo quanto à admissibilidade, desde que o seu incumprimento não prive definitivamente o consumidor da possibilidade de invocar os seus direitos.

94.

Mais especificamente, daqui resulta que o contrato de crédito ao consumo deve mencionar os aspetos seguintes:

todos os processos extrajudiciais de reclamação e de recurso acessíveis ao consumidor (e não apenas aqueles que seriam implicitamente da preferência do mutuante), com exceção dos processos ad hoc;

se aplicável, os custos processuais (e, se assim for, a necessidade de representação por um advogado) ( 39 );

se a reclamação ou o recurso devem ser apresentados ou interpostos em papel ou em suporte eletrónico;

o endereço físico ou eletrónico para onde a reclamação ou o recurso devem ser remetidos;

os requisitos formais que devem ser respeitados, mas apenas se a sua inobservância for suscetível de conduzir ao indeferimento definitivo do pedido, sem possibilidade de regularização.

95.

Considero que esta conclusão não é posta em causa pela Diretiva 2013/11. É certo que esta diretiva prevê no artigo 13.o, n.o 2, que os comerciantes, sejam quais forem, devem indicar no seu sítio Web, caso exista, e, se for caso disso, nos termos e nas condições gerais aplicáveis aos contratos de venda ou de serviços entre o comerciante e o consumidor, a principal entidade ou entidades de resolução alternativa de litígios (RAL) de que dependem, quando os referidos comerciantes se comprometem ou são obrigados a recorrer a essas entidades para a resolução de litígios que os oponham aos consumidores, bem como o endereço do respetivo sítio web. Contudo, o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2013/11 estabelece que as suas disposições prevalecem apenas nos casos em que uma delas entrar em conflito com uma disposição estabelecida noutra legislação da União relativa a procedimentos extrajudiciais de reparação iniciados por um consumidor contra um comerciante. Dado que a Diretiva 2013/11 efetua uma harmonização mínima ( 40 ), para estar em conflito com outra diretiva, a Diretiva 2013/11 deve estabelecer padrões superiores a essa outra diretiva ( 41 ). No presente caso, uma vez que a Diretiva 2008/48 claramente prevê requisitos de informação mais exigentes do que a Diretiva 2013/11 — e não o inverso — ( 42 ) não há nenhuma razão para fazer prevalecer o dever de informação previsto no artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2013/11 sobre as exigências do artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48 ( 43 ).

96.

No processo principal que deu origem ao processo C‑187/20, os contratos de crédito ao consumo em causa mencionam a possibilidade de iniciar um processo de reclamação junto do Ombudsmann der privaten Banken (Provedor dos bancos privados). Afirmam também que as regras processuais para o tratamento das reclamações de clientes no setor bancário alemão são disponibilizadas mediante pedido ou podem ser consultadas na página de Internet, sendo que tais reclamações devem ser enviadas por escrito para o endereço indicado.

97.

Considero que estas indicações devem ser consideradas suficientes para cumprir os requisitos do artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48, desde que, em primeiro lugar, não existam outros processos extrajudiciais de reclamação ou de recurso aplicáveis a este tipo de contrato, em segundo lugar, o processo de reclamação junto do Ombudsmann der privaten Banken (Provedor dos bancos privados) não tenha custos e não necessite da intervenção de um representante legal e, em terceiro lugar, a apresentação da reclamação junto desse organismo não exija outros requisitos formais além do envio da referida reclamação por escrito para o endereço indicado cujo incumprimento possa definitivamente impedir o autor da reclamação de ter acesso a este procedimento específico.

98.

À luz do que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à sexta questão no processo C‑187/20 que o artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o contrato de crédito deve enumerar todos os processos extrajudiciais de reclamação e de recurso acessíveis aos consumidores e, se for caso disso, os custos desses processos, se a reclamação deve ser apresentada ou o recurso interposto em papel ou em suporte eletrónico, o endereço físico ou eletrónico para o qual tal reclamação ou recurso devem ser remetidos e os requisitos formais a respeitar quando a sua inobservância for suscetível de conduzir à perda de qualquer possibilidade de o consumidor invocar os seus direitos.

D.   Quanto à quarta questão no processo C‑155/20 e a sétima questão no processo C‑187/20

99.

Com a quarta questão no processo C‑155/20 e a sétima questão no processo C‑187/20, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o mutuante pode invocar a caducidade do direito de retratação se o consumidor tiver exercido esse direito muito depois de decorrido o prazo de 14 dias após a celebração do contrato, previsto no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), por não ter sido prestada, no contrato ou posteriormente, uma das informações previstas no artigo 10.o, n.o 2, da mesma diretiva. O órgão jurisdicional de reenvio pretende também saber se, em caso de resposta afirmativa a esta questão, o facto de o mutuário ignorar que o seu direito de retratação se mantém para além do prazo de 14 dias previsto no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 é suscetível de obstar à invocação dessa caducidade.

100.

O ponto de partida desta análise é a redação do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, que prevê que «[o] consumidor dispõe de um prazo de 14 dias de calendário para exercer o direito de retratação do contrato de crédito sem indicar qualquer motivo». Nos termos do segundo período desta disposição, este prazo começa a correr a contar da data da celebração do contrato de crédito, conforme mencionado na alínea a), ou a contar da data «de receção, pelo consumidor, dos termos do contrato e das informações a que se refere o artigo 10.o, se essa data for posterior», conforme indicado na alínea b).

101.

Contrariamente ao que sustenta a Comissão, a questão da existência de um eventual prazo não é deixada ao critério dos Estados‑Membros, mas antes pertence aos domínios harmonizados pela Diretiva 2008/48. Com efeito, considero que, se os Estados‑Membros pudessem determinar a duração desse prazo no seu direito nacional, a harmonização efetuada pelo artigo 14.o, n.o 1, alínea a) poderia ficar comprometida pela invocação das disposições do artigo 14.o, n.o 1, alínea b), em relação ao prazo para o exercício do direito de retratação. Parece evidente que, ao não atribuir um prazo a esta regra, o legislador da União pretendeu deliberadamente permitir que os consumidores exerçam o direito de retratação desde que não tenham recebido todas as informações, independentemente da natureza (e, portanto, da relevância económica) das informações omitidas.

102.

Nestas condições, a inexistência de um prazo de caducidade é precisamente o resultado a que o legislador da União pretendeu chegar a fim de punir os mutuantes que não cumpram as obrigações em matéria de informação nos termos do artigo 10.o da Diretiva 2008/48. Trata‑se, portanto, de uma sanção adicional à que os Estados‑Membros devem prever nos termos do artigo 23.o da referida diretiva, mas para a qual não dispõem de qualquer margem de manobra.

103.

Nestas circunstâncias, o facto de os credores não poderem invocar um prazo de caducidade deve ser entendido como constituindo um aspeto das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de contratos de crédito ao consumo que deve ser considerado abrangido pela harmonização completa efetuada por esta diretiva.

104.

Trata‑se simplesmente de outra maneira de dizer que resulta necessariamente deste dispositivo legislativo que o mesmo se opõe implicitamente a que o mutuante possa invocar o nível de conhecimento real do consumidor para justificar o seu próprio incumprimento dos requisitos de informação previstos pelo artigo 10.o da Diretiva 2008/48.

105.

É tanto assim que, se compararmos as disposições desta diretiva com as de outras diretivas que conferem aos consumidores um direito de retratação, verificar‑se‑á que, nos casos em que o legislador da União pretendeu permitir a um comerciante profissional invocar um prazo de caducidade, referiu‑o expressamente, como é o caso, por exemplo, no artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2011/83/UE ( 44 ). Embora esta diretiva seja posterior à Diretiva 2008/48, o legislador da União optou por não alterar a Diretiva 2008/48 de modo a adotar uma solução semelhante.

106.

Assim sendo, refira‑se que o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 consagra um direito de retratação e não um direito de resolução ( 45 ). Uma vez que a execução de um contrato é a forma habitual de extinção de uma obrigação contratual deste tipo, concluo, portanto, que o artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva deve ser interpretado no sentido de que deixa de ser possível exercer o direito de retratação que a referida disposição prevê se o contrato de crédito tiver sido integralmente executado por ambas as partes.

107.

Esta conclusão é confirmada, por um lado, pelo considerando 34 da Diretiva 2008/48, que especifica que esta diretiva instituiu um direito de retratação em condições similares às previstas na Diretiva 2002/65, enquanto o artigo 6.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2002/65 prevê um direito de rescisão que não é aplicável «[a]os contratos integralmente cumpridos por ambas as partes a pedido expresso do consumidor antes de este exercer o direito de rescisão» ( 46 ).

108.

Por outro lado, recorde‑se que o objetivo das obrigações de informação previstas no artigo 10.o da Diretiva 2008/48 é permitir aos consumidores conhecer o alcance dos seus direitos e obrigações durante a execução do contrato. Estas obrigações deixam, pois, de fazer sentido a partir do momento que o contrato tenha sido integralmente executado. Consequentemente, não se afigura necessário para a realização dos objetivos prosseguidos por esta disposição permitir que os consumidores exerçam o seu direito de retratação quando o contrato já tenha sido efetivamente executado.

109.

Nestas condições, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à quarta questão do processo C‑155/20 e à sétima questão do processo C‑187/20 que o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o mutuante não pode impedir o consumidor de exercer o seu direito de retratação se não tiverem sido ainda incluídas no contrato de crédito todas as informações referidas no artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva. Todavia, deixa de ser possível exercer este direito quando todas as obrigações abrangidas pelo contrato tiverem sido integralmente cumpridas.

E.   Quanto à quinta questão no processo C‑155/20 e à oitava questão no processo C‑187/20

110.

Com a quinta questão do processo C‑155/20 e a oitava questão do processo C‑187/20, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o princípio da proibição do abuso de direito pode ser invocado pelo mutuante para impedir o consumidor de exercer o seu direito de retratação nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 2008/48, quando já tenha decorrido um período significativo de tempo desde a celebração do contrato.

111.

Antes de mais, deve observar‑se que a Diretiva 2008/48 não contém regras relativas ao eventual abuso dos direitos que confere. Além disso, os Estados‑Membros não podem invocar disposições ou princípios, mesmo de ordem constitucional, para afastar a aplicação do direito da União ( 47 ).

112.

Constata‑se, no entanto, que o direito da União consagra o princípio geral de direito segundo o qual os particulares não podem fraudulenta ou abusivamente prevalecer‑se das normas da União ( 48 ). Consequentemente, nos domínios regulados pelo direito da União, a possibilidade de invocar o caráter abusivo do exercício, por um particular, de um direito que a ordem jurídica da União lhe confere deve ser apreciada exclusivamente à luz desse princípio e não dos requisitos do direito nacional.

113.

No âmbito do processo de reenvio prejudicial, compete, por um lado, ao Tribunal de Justiça clarificar o alcance de qualquer princípio geral de direito da União, precisando, se for caso disso, elementos da interpretação a dar a esse princípio nas circunstâncias descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio na questão submetida ( 49 ), e, por outro, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se tal situação corresponde aos factos do caso em apreço e, consequentemente, chegar a uma conclusão definitiva quanto à aplicação adequada do referido princípio num determinado processo ( 50 ).

114.

No que diz respeito ao princípio geral da proibição do abuso de direito, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de sublinhar que a aplicação deste princípio exige a reunião de um elemento objetivo e de um elemento subjetivo ( 51 ).

115.

No que se refere ao elemento objetivo, o mesmo implica que deve decorrer de um conjunto de circunstâncias objetivas que, apesar do respeito formal das condições previstas na regulamentação da União, o exercício do direito em causa produz efeitos que violam manifestamente os objetivos prosseguidos por essa regulamentação ( 52 ).

116.

No que respeita ao elemento subjetivo, impõe‑se que decorra de um conjunto de elementos objetivos que o objetivo essencial das transações em causa é a obtenção de um benefício indevido resultante da aplicação do direito da União. Por conseguinte, o princípio da proibição de práticas abusivas não é aplicável quando as transações em causa — e, mais especificamente, a possibilidade de exercer determinadas opções jurídicas ou de recorrer a determinados contratos — são suscetíveis de ter uma justificação autónoma que não a simples obtenção de tal vantagem ( 53 ).

117.

No caso em apreço, é pacífico que o objetivo do direito de retratação previsto no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 é permitir aos consumidores que revertam a sua decisão se, após terem recebido todas as informações referidas no artigo 10.o desta diretiva, considerarem, em última análise, que é preferível não contrair o crédito proposto ( 54 ).

118.

No entanto, importa assinalar que o que está em causa no processo principal não é o exercício do direito de retratação enquanto tal, mas o facto de se poder invocar o artigo 14.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2008/48, segundo o qual esse direito pode ser invocado sem limite temporal enquanto as informações indicadas no artigo 10.o da referida diretiva não tiverem sido comunicadas ao consumidor. Conforme expliquei anteriormente, considero que o objetivo desta disposição é precisamente penalizar os mutuantes por não prestarem as informações exigidas.

119.

Neste contexto, considero que, nos casos em que se tenha verificado a omissão da comunicação de informações necessárias, o simples facto de o consumidor exercer o seu direito de retratação vários anos após a celebração do contrato nunca poderá ser contrário a este objetivo, revelando‑se, na verdade, perfeitamente conforme ao mesmo ( 55 ).

120.

Uma vez que o primeiro elemento necessário para demonstrar a existência de um abuso de direito não se verificará nessas circunstâncias, considero que um mutuante não pode invocar o princípio da proibição do abuso de direito para impedir o consumidor de exercer o seu direito de retratação tardia se o mutuante não lhe tiver comunicado previamente todas as informações previstas no artigo 10.o da Diretiva 2008/48.

121.

Isto não significa, no entanto, que os recorrentes, mesmo aqueles em relação aos quais o contrato de crédito ainda não foi integralmente executado no momento em que foi exercido o direito de retratação, possam sustentar que, em virtude dessa retratação, o mutuante estava obrigado a reembolsá‑los integralmente pelas prestações mensais pagas, incluindo juros, como contrapartida pela transferência do veículo para o vendedor. Com efeito, o facto de o exercício do direito de retratação pelos consumidores não ser abusivo não significa que deva, ou mesmo que possa, ter consequências como as alegadas pelos recorrentes.

122.

Neste contexto, pode‑se observar, em primeiro lugar, que o artigo 14.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2008/48 impõe aos Estados‑Membros que prevejam que, em caso de exercício do direito de retratação, o consumidor deve pagar ao mutuante não apenas o capital devido mas também os juros vencidos sobre esse capital, calculados com base na taxa devedora estipulada, a contar da data de «levantamento» do crédito pelo consumidor (isto é, na linguagem corrente, «utilizado») ( 56 ) até à data de pagamento do capital.

123.

É certo que os Estados‑Membros podem prever, no âmbito das sanções que devem aplicar nos termos do artigo 23.o da Diretiva 2008/48, que a omissão de determinadas informações obrigatórias no contrato de crédito pode resultar na perda dos juros devedores. No entanto, como resulta dos termos desta disposição, as sanções a aplicar em caso de violação do direito da União devem ser proporcionadas. Isto significa, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que o rigor das sanções deve ser adequado à gravidade das violações que reprimem, designadamente assegurando um efeito realmente dissuasivo, ao mesmo tempo que respeitam o princípio geral da proporcionalidade ( 57 ).

124.

Deste ponto de vista, importa salientar que, por um lado, os juros pagos pelos mutuários não se limitam a remunerar o serviço do mútuo contraído, mas também compensam, se for caso disso, a desvalorização monetária. Por outro lado, a omissão de qualquer das informações a que se refere o artigo 10.o da Diretiva 2008/48 já implica uma prorrogação do prazo para o exercício do direito de retratação. Assim, no que se refere às informações relativas não ao conteúdo do contrato mas apenas ao seu enquadramento jurídico — como é o caso das informações relativas aos processos extrajudiciais —, a sua omissão no contrato não parece justificar a perda total desses juros ( 58 ). Tal omissão é muito menos grave do que, por exemplo, a inexistência de uma avaliação da solvabilidade do mutuário ( 59 ) ou a não indicação da TAEG ou de determinadas informações relativas ao custo do mútuo para o consumidor ( 60 ). Considero que os Estados‑Membros dispõem de um certo poder de apreciação a este respeito e podem prever que a falta de comunicação de determinados elementos de informação não relacionados com os compromissos assumidos pelas partes seja compensada pela concessão de indemnizações.

125.

Do mesmo modo, nos casos em que a taxa de juros de mora aplicável à data da celebração do contrato sob a forma de um número específico — conforme referido na primeira questão — não tenha sido expressamente indicada, então, na medida em que tal elemento de informação não diz respeito ao custo do crédito em si, mas a um eventual atraso, parece‑me mais conforme ao princípio da proporcionalidade que tal omissão seja sanada impedindo o mutuante de reclamar os juros de mora previstos no contrato (e não os juros do empréstimo), incluindo, se necessário, a concessão de uma indemnização.

126.

Em segundo lugar, observo, no que diz respeito às consequências da retratação de um contrato de crédito para financiar um contrato de fornecimento de bens ou de prestação de serviços, que a Diretiva 2008/48 não menciona quais devem ou podem ser essas consequências ( 61 ). É certo que, nesse caso, o crédito contraído pode ser qualificado de crédito ligado, desde que estejam reunidas as condições previstas no artigo 3.o, alínea n), da Diretiva 2008/48. Todavia, a única disposição da Diretiva 2008/48 que se refere às consequências do exercício do direito de retratação em caso de crédito ligado, a saber, o artigo 15.o, n.o 1, diz respeito à situação em que o consumidor exerce esse direito em relação ao um contrato de fornecimento de bens ou de prestação de serviços. No entanto, nenhuma disposição se refere à situação em que o direito de retratação exercido diz respeito ao crédito.

127.

Pode‑se, portanto, concluir que compete aos Estados‑Membros precisar os efeitos do exercício do direito de retratação relativamente ao crédito ao consumo para os contratos de compra e venda financiados por esse crédito. Tal é confirmado pelo considerando 35, que afirma que «[q]uando o consumidor exercer o direito de retratação do contrato de crédito em virtude do qual tenha recebido bens, […] a presente diretiva não deverá prejudicar as [disposições do direito] dos Estados‑Membros relativas à devolução dos bens ou a eventuais questões conexas».

128.

Embora o poder de apreciação dos Estados‑Membros a este respeito não seja ilimitado — uma vez que estes não devem prejudicar a eficácia do direito de retratação previsto na Diretiva 2008/48 —, os mesmos podem, no entanto, regular as consequências do exercício desse direito sobre o contrato de compra e venda. Em especial, não vejo o que impediria um Estado‑Membro de permitir que o vendedor, quando o exercício do direito de retratação conduz à anulação retroativa da venda, tenha em conta a depreciação do valor dos bens restituídos resultante da sua utilização pelo consumidor.

129.

Considero mesmo que os Estados‑Membros estão obrigados, em determinadas circunstâncias, a prever o pagamento pelo consumidor ao vendedor dessa indemnização, prevista, aliás, nos respetivos âmbitos de aplicação, pelo artigo 7.o da Diretiva 2002/65 e pelo artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2011/83 ( 62 ). Com efeito, a proibição do enriquecimento sem causa é um princípio comum às legislações dos Estados‑Membros, que foi reconhecido, pelo menos implicitamente, pelo Tribunal de Justiça como um dos princípios gerais do direito da União ( 63 ). Segundo este princípio, a pessoa que tenha sofrido uma perda que beneficie o património de outrem sem que exista qualquer fundamento jurídico para esse enriquecimento tem direito à restituição, até ao montante da perda, por parte da pessoa enriquecida ( 64 ).

130.

Uma vez que o direito de retratação em causa nos presentes processos é uma questão de direito da União, os Estados‑Membros devem ter em conta o princípio da proibição do enriquecimento consagrado pelo Tribunal de Justiça quando precisam as consequências do exercício desse direito.

131.

Neste contexto, pode‑se observar que, quando o direito nacional prevê que, em caso de retratação do contrato de crédito, qualquer contrato de venda ligado se considera rescindido, o vendedor pode sofrer prejuízos, enquanto o comprador pode ver o seu património aumentar. Normalmente, é o caso da venda de um veículo financiado por crédito, uma vez que o valor de um carro diminui entre 10 e 30 % no mercado dos produtos em segunda mão a partir do primeiro quilómetro percorrido, dependendo da marca e do modelo. Por conseguinte, o vendedor a quem for restituído o veículo terá necessariamente prejuízo. Quanto ao comprador, aumentará necessariamente o valor do seu património, uma vez que não terá de suportar essa desvalorização.

132.

É verdade que o princípio da proibição do enriquecimento sem causa não pode ser aplicado em caso de existência de culpa e que, portanto, não o será se o vendedor tiver efetivamente violado as disposições da Diretiva 2008/48. Contudo, para que o vendedor de bens possa ser considerado coautor da violação do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 devido a informações insuficientes no contrato de crédito assinado, é necessário que este tenha participado na celebração ou preparação do contrato de crédito, que é apenas uma das situações abrangidas pelo conceito de «crédito ligado», definido no artigo 3.o, alínea n), da Diretiva 2008/48 ( 65 ). Em qualquer outra situação, o vendedor deve poder invocar o princípio do enriquecimento sem causa.

133.

Por conseguinte, entendo que, no caso de o consumidor exercer o seu direito de retratação, os Estados‑Membros dispõem, pelo menos, da faculdade de prever que o vendedor pode deduzir do reembolso a amortização da depreciação do valor do veículo. Embora tal solução possa dissuadir os consumidores de exercer o seu direito de retratação, considero‑a uma consequência normal do facto de terem usufruído dos produtos ou serviços em causa durante um determinado período ( 66 ). Por conseguinte, mesmo que o exercício por parte de alguns recorrentes do seu direito de retratação não se afigure abusivo, o vendedor só pode ser obrigado a reembolsar integralmente o valor dos veículos ao comprador se a legislação nacional prever expressamente essa solução como uma sanção pela violação de determinadas obrigações por parte do vendedor, como é o caso da obrigação de oferecer aos compradores apenas os serviços das instituições de crédito cujos contratos estejam em conformidade com as disposições da Diretiva 2008/48. Cabe aos tribunais nacionais determinar qual é o direito aplicável.

134.

À luz do que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à quinta questão no processo C‑155/20 e à oitava questão no processo C‑187/20 que o princípio do direito da União da proibição do abuso de direito não pode ser invocado pelo mutuante para impedir o consumidor de exercer o seu direito de retratação, previsto no artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 2008/48, pelo simples facto de ter decorrido um período significativo de tempo desde a celebração do contrato. Pelas razões que acabei de expor, daí não decorre, no entanto, que os Estados‑Membros não tenham a faculdade, ou mesmo a obrigação, de tomar as medidas adequadas nas suas próprias ordens jurídicas para evitar que as instituições de crédito sofram perdas financeiras devido ao exercício do direito de retratação por parte do consumidor.

V. Conclusão

135.

À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg, Alemanha), da seguinte forma:

1)

O artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que o contrato de crédito deve indicar, por um lado, a taxa de juros de mora aplicável à data da celebração do contrato de crédito expressa em percentagem e, por outro, quando essa taxa é suscetível de variar, a fórmula de cálculo que será utilizada, quando for necessário, para determinar a taxa aplicável, bem como, caso se recorra, como variável, a uma taxa ou índice de referência, o momento, o autor e o local da sua publicação.

2)

O artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o contrato de crédito deve enumerar todos os processos extrajudiciais de reclamação e de recurso acessíveis aos consumidores e, se for caso disso, os custos de cada um, e se a reclamação deve ser apresentada ou o recurso interposto em papel ou em suporte eletrónico, o endereço físico ou eletrónico para o qual tal reclamação ou recurso devem ser remetidos e os requisitos formais a respeitar quando a sua inobservância for suscetível de conduzir à perda de qualquer possibilidade de o consumidor invocar os seus direitos.

3)

O artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o mutuante não pode impedir o consumidor de exercer o seu direito de retratação se não tiverem sido ainda incluídas no contrato de crédito todas as informações referidas no artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva. Todavia, deixa de ser possível exercer este direito quando todas as obrigações abrangidas pelo contrato tiverem sido integralmente cumpridas.

4)

O princípio do direito da União da proibição do abuso de direito não pode ser invocado pelo mutuante para impedir o consumidor de exercer o seu direito de retratação, previsto no artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 2008/48, pelo simples facto de ter decorrido um período significativo de tempo desde a celebração do contrato. Daí não decorre, no entanto, que os Estados‑Membros não tenham a faculdade, ou mesmo a obrigação, de tomar as medidas adequadas nas suas próprias ordens jurídicas para evitar que as instituições de crédito sofram perdas financeiras devido ao exercício do direito de retratação por parte do consumidor.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Estes processos sublinham igualmente, de forma indireta, as abordagens por vezes divergentes que existem no direito da União em matéria de proteção do consumidor no que diz respeito ao âmbito de certas obrigações de informação ou ao direito de retratação, em função da natureza da atividade exercida e, portanto, da possível necessidade de uma reformulação completa das regras existentes de modo a tornar as diferentes disposições mais coerentes entre si.

( 3 ) Relativamente a estes documentos, o órgão jurisdicional de reenvio parece considerar que não são afetados pela questão da paginação identificada nos processos C‑33/20 e C‑155/20 e que, por conseguinte, à luz do direito alemão, podem ser considerados parte do contrato.

( 4 ) Do contrato celebrado por DT também consta que o crédito deve ser reembolsado sob a forma de prestações mensais iguais e de uma prestação final mais elevada.

( 5 ) Acórdão de 7 de agosto de 2018, Smith (C‑122/17, EU:C:2018:631, n.o 39). V., igualmente, a este respeito, Acórdãos de 19 de abril de 2016, DI (C‑441/14, EU:C:2016:278, n.o 31), e de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation (C‑193/17, EU:C:2019:43, n.o 73).

( 6 ) V., a este respeito, Acórdãos de 19 de abril de 2016, DI (C‑441/14, EU:C:2016:278, n.o 32); de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation (C‑193/17, EU:C:2019:43, n.o 74); e de 5 de setembro de 2019, Pohotovosť (C‑331/18, EU:C:2019:665, n.o 56).

( 7 ) Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).

( 8 ) V., igualmente, Acórdãos de 5 de setembro de 2019, Pohotovosť (C‑331/18, EU:C:2019:665, n.o 41), e de 26 de março de 2020, Kreissparkasse Saarlouis (C‑66/19, EU:C:2020:242, n.o 36).

( 9 ) A questão da inferioridade do consumidor em relação ao poder de negociação é abordada de forma mais pertinente noutras disposições do direito da União, nomeadamente nas constantes da Diretiva 93/13.

( 10 ) V, a este respeito, Acórdão de 12 de julho de 2012, SC Volksbank România (C‑602/10, EU:C:2012:443, n.o 38).

( 11 ) Nesta perspetiva, é importante ter presente que a Diretiva 2008/48 se centra nas exigências em matéria de informação contratual e não em questões de conteúdo contratual ou de compromissos que as partes deveriam ou não ter assumido. Por conseguinte, conforme assinala o artigo 10.o, n.o 1, determinados requisitos formais exigidos pelo direito nacional para que o mútuo consentimento seja considerado válido não são forçosamente pertinentes para a apreciação da questão de saber se são cumpridas as obrigações em matéria de informação previstas na presente diretiva.

( 12 ) V. Acórdãos de 9 de novembro de 2016, Home Credit Slovakia (C‑42/15, EU:C:2016:842, n.o 31), e de 26 de março de 2020, Kreissparkasse Saarlouis (C‑66/19, EU:C:2020:242, n.o 35).

( 13 ) V., neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2020, Kreissparkasse Saarlouis (C‑66/19, EU:C:2020:242, n.o 45).

( 14 ) Na prática, muito poucos consumidores, com exceção dos que se interessam pelo direito, leem atentamente os contratos que assinam. V., em especial, Office of Fair Trading «Consumer contracts», fevereiro de 2011, pp. 1 a 116. Apenas na fase de execução do contrato, quando surgem os problemas, é que os consumidores começam a interessar‑se pelo conteúdo do contrato.

( 15 ) V. Acórdãos de 21 de março de 2013, RWE Vertrieb (C‑92/11, EU:C:2013:180, n.o 50), e de 26 de março de 2020, Kreissparkasse Saarlouis (C‑66/19, EU:C:2020:242, n.os 47 e 48). É certo que, segundo a jurisprudência, um «contrato», na aceção da Diretiva 2008/48, e não na aceção das disposições que regem a sua validade, não deve necessariamente ser consagrado num único ato. Todavia, na medida em que o objetivo principal da Diretiva 2008/48 é o de harmonizar o âmbito das obrigações de informação que podem ser impostas nos diversos Estados‑Membros, tal não pode depender da questão de saber se, num Estado‑Membro, as disposições que estabelecem as regras de ordem pública fazem parte do contrato na aceção da Diretiva 2008/48, porquanto tal seria contrário a esse objetivo. Considero que, na medida em que a Diretiva 2008/48 é orientada para a informação, é claro que o conceito de «contrato» deve ser entendido no sentido de que se refere a um ou mais documentos tangíveis. Isso é confirmado pelo artigo 10.o, n.o 1, que especifica que todas as partes contratantes devem receber um exemplar do contrato de crédito.

( 16 ) V., por exemplo, o Cambridge Dictionary. Tanto na linguagem utilizada na esfera financeira como na linguagem corrente, existe uma diferença entre uma taxa de juro e uma taxa de referência: enquanto a primeira se refere à percentagem utilizada para calcular uma quantia a ser paga como contrapartida de um serviço ou como indemnização por danos, a segunda refere‑se à utilização de um índice de referência sob a forma de uma taxa para o cálculo dessa remuneração. V. definição do conceito de taxa de referência dada pela página Internet de referência para as finanças Investopedia. É apenas através de imprecisões linguísticas que o conceito de «taxa de juros» é por vezes utilizado para designar não uma fração de uma centena, mas a fórmula de cálculo dessa taxa num dado momento.

( 17 ) É certo que o artigo 3.o, alínea j), da Diretiva 2008/48 especifica que a «taxa devedora» pode referir‑se a uma taxa de juros que pode ser variável. No entanto, na ótica da matemática ou das finanças, uma taxa de juros pode ser variável quando há uma variação percentual. Por conseguinte, o facto de uma taxa de juros poder ser variável não implica que o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48 deva ser interpretado no sentido de que se refere a uma fórmula de cálculo.

( 18 ) Não considero muito pertinente o argumento avançado pelo Governo alemão segundo o qual, se o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48 devesse ser interpretado como referindo‑se a um valor específico, isso teria a consequência, à luz do artigo 14.o, n.o 1, alínea b), de alargar o prazo para o exercício do direito de retratação para cada alteração desta taxa, visto que é precisamente o referido artigo 10.o, n.o 2, alínea l), que especifica que apenas é obrigatória a menção da taxa aplicável à data da celebração do contrato.

( 19 ) Esta tese não é desmentida pelo último período do artigo 3.o, alínea k), da Diretiva 2008/48, segundo o qual, se não forem determinadas no contrato de crédito todas as taxas devedoras, se considera que a taxa devedora é fixada apenas para os períodos parciais relativamente aos quais as taxas devedoras são determinadas exclusivamente através de uma percentagem fixa específica na celebração do contrato. Com efeito, resulta do artigo 3.o, alínea j), que as taxas devedoras fixas são um subconjunto das taxas devedoras, que são sempre percentagens, de acordo com esta mesma disposição: «a taxa de juros expressa numa percentagem fixa ou variável» (o sublinhado é meu). Assim, o artigo 3.o, alínea j), da referida diretiva deve ser interpretado no sentido de que, se nem todas as percentagens que indicam a taxa devedora aplicável estiverem definidas no contrato, essas taxas devem ser consideradas como fixas apenas nos períodos relativamente aos quais foram determinadas, exclusivamente através de uma percentagem fixa específica acordada à data da celebração do contrato, em oposição às percentagens calculadas, num dado momento, através da aplicação de uma fórmula ou de um índice de referência.

( 20 ) Na prática, a taxa de juros de mora é fixada em geral por lei. Neste contexto, o que continua a ser importante, à luz do objetivo prosseguido pela diretiva, que consiste em garantir um nível elevado de proteção dos consumidores, é que estes possam ter uma ideia precisa dessa taxa.

( 21 ) O sublinhado é meu.

( 22 ) V., por exemplo, Acórdão de 3 de setembro de 2020, Profi Credit Polska e o. (C‑84/19, C‑222/19 e C‑252/19, EU:C:2020:631, n.o 74).

( 23 ) V. Acórdão de 5 de outubro de 2000, Alemanha/Parlamento e Conselho (C‑376/98, EU:C:2000:544, n.o 95).

( 24 ) V., neste sentido, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Schyns (C‑58/18, EU:C:2019:120, n.o 43) e, por analogia, a fundamentação do Tribunal de Justiça no Acórdão de 2 de maio de 2019, Fundación Consejo Regulador de la Denominación de Origen Protegida Queso Manchego (C‑614/17, EU:C:2019:344, n.os 46 a 50).

( 25 ) A este respeito, recordo que esta conclusão não é contrariada pelo facto de alguns contratos poderem ter taxas de juro variáveis. Por um lado, esta circunstância não impede a determinação da taxa de juro de base aplicável à data da assinatura do contrato. Por outro lado, podem ser utilizados instrumentos de gestão de contratos para gerir quaisquer atualizações das informações prestadas ao consumidor.

( 26 ) V., por analogia, Acórdão de 26 de março de 2020, Kreissparkasse Saarlouis (C‑66/19, EU:C:2020:242, n.o 48).

( 27 ) Regulamento (UE) 2016/1011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, relativo aos índices utilizados como índices de referência no quadro de instrumentos e contratos financeiros ou para aferir o desempenho de fundos de investimento e que altera as Diretivas 2008/48 e 2014/17/UE e o Regulamento (UE) n.o 596/2014 (JO 2016, L 171, p. 1). O artigo 3.o, n.os 1 e 3, do referido regulamento define índice de referência como «um índice em relação ao qual o montante a pagar ao abrigo de um instrumento financeiro ou de um contrato financeiro, ou o valor de um instrumento financeiro, é determinado, ou um índice que é utilizado para aferir o desempenho de um fundo de investimento a fim de acompanhar a rendibilidade desse índice, de definir a afetação dos ativos de uma carteira ou de calcular as comissões de desempenho».

( 28 ) No caso de uma taxa de juros de mora calculada com base num índice de referência publicado por um banco central, informar o consumidor das possíveis repercussões desse índice implica informá‑lo da forma como o referido índice se reflete, o que implica a fórmula de cálculo da taxa de mora incorporando este índice, bem como a periodicidade com que o referido índice é publicado, uma vez que este, por sua vez, determinará a volatilidade da taxa de juros aplicável.

( 29 ) Além disso, os direitos nacionais, em geral, determinam, como é o caso do direito alemão, o índice de referência ou a taxa que pode ser utilizada para calcular uma taxa de juros de mora.

( 30 ) Acórdão de 3 de setembro de 2020, Profi Credit Polska e o. (C‑84/19, C‑222/19 e C‑252/19, EU:C:2020:631, n.o 75).

( 31 ) V. Acórdão de 21 de outubro de 2020, Möbel Kraft (C‑529/19, EU:C:2020:846, n.o 21). Isto é reforçado pelo facto de, nos domínios que abrange, a Diretiva 2008/48 efetuar uma harmonização plena.

( 32 ) V., neste sentido, artigo 24.o da Diretiva 2008/48: «recorrendo, se necessário, a organismos existentes» (o sublinhado é meu).

( 33 ) Conforme já expliquei, pode deduzir‑se do facto de a diretiva prever obrigações de informação em várias fases distintas do processo contratual e de algumas das informações referidas, como as relativas à existência de procedimentos extrajudiciais, não estarem diretamente relacionadas com o contrato, que o artigo 10.o da Diretiva 2008/48 visa, pelo menos em parte, tornar o contrato num documento ao qual o consumidor, durante a sua execução, possa reportar‑se se tiver alguma questão.

( 34 ) Acórdão de 5 de julho de 2012, Content Services (C‑49/11, EU:C:2012:419, n.os 36 e 37).

( 35 ) V., por exemplo, Acórdãos de 21 de março de 2013, RWE Vertrieb (C‑92/11, EU:C:2013:180, n.o 50), e de 26 de março de 2020, Kreissparkasse Saarlouis (C‑66/19, EU:C:2020:242, n.os 46 a 49).

( 36 ) V., por exemplo, Acórdãos de 12 de junho de 2014, Lukoyl Neftohim Burgas (C‑330/13, EU:C:2014:1757, n.o 59), e de 27 de março de 2019, slewo (C‑681/17, EU:C:2019:255, n.o 31).

( 37 ) É certo que a existência de processos extrajudiciais de reclamação ou de recurso é mencionada no anexo II da Diretiva 2008/48 entre os elementos a incluir na «Informação normalizada europeia em matéria de crédito ao consumo», que deve ser transmitida na fase pré‑contratual. No entanto, observo que, nos termos do artigo 5.o, n.o 1, dessa diretiva, a utilização deste documento permite presumir que o mutuante cumpriu não só as obrigações de informação previstas na referida diretiva mas também as constantes da Diretiva 2002/65 relativa à comercialização à distância de serviços financeiros a consumidores […] (JO 2002, L 271, p. 16), cujo artigo 3.o, n.o 1, ponto 4, alínea a), exige que estas informações sejam prestadas antes da celebração do contrato à distância. Deduzo, pois, daí que esta informação só deve ser mencionada no referido documento se o contrato em causa estiver igualmente abrangido por esta segunda diretiva.

( 38 ) V., neste sentido, considerando 47 da Diretiva 2013/11/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, sobre a resolução alternativa de litígios de consumo, que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 e a Diretiva 2009/22/CE (Diretiva RAL) (JO 2013, L 165, p. 63). Não estou plenamente convencido de que, conforme se poderia concluir de uma leitura superficial do n.o 34 do Acórdão de 25 de junho de 2020, Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände (C‑380/19, EU:C:2020:498), a existência de um ou vários processos extrajudiciais de reclamação ou de recurso reveste uma importância fundamental para o consumidor na decisão deste último de celebrar o contrato. É certo que, se os Estados‑Membros pudessem impor procedimentos pré‑contenciosos obrigatórios e onerosos, o facto de ser informado da existência desse procedimento poderia dissuadir o consumidor de assinar o contrato. No entanto, como o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de salientar, para respeitar o princípio da tutela jurisdicional efetiva, os Estados‑Membros devem fazer com que os eventuais procedimentos obrigatórios de resolução extrajudicial de litígios não gerem ou gerem custos reduzidos. V. Acórdão de 14 de junho de 2017, Menini e Rampanelli (C‑75/16, EU:C:2017:457, n.o 61).

( 39 ) Recordo, porém, que, no que se respeita aos processos ao abrigo da Diretiva 2013/11, o Tribunal de Justiça decidiu que os consumidores não podem ser obrigados a fazer‑se representar por um advogado. V. Acórdão de 14 de junho de 2017, Menini e Rampanelli (C‑75/16, EU:C:2017:457, n.o 64). No entanto, por um lado, a referida diretiva não abrange todos os processos extrajudiciais a que se refere o artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48. Por outro lado, alguns tipos de processo podem exigir representação por outros profissionais que não advogados, como, por exemplo, por uma associação de consumidores.

( 40 ) V. artigo 2.o, n.o 3, da Diretiva 2013/11.

( 41 ) V., por analogia, Parecer 1/03 (Nova Convenção de Lugano), de 7 de fevereiro de 2006 (EU:C:2006:81, n.o 127).

( 42 ) A razão disso prende‑se provavelmente com o facto de a Diretiva 2013/11 ser aplicável a qualquer tipo de transação.

( 43 ) Isso provavelmente explica por que razão, embora a Diretiva 2013/11 seja posterior à Diretiva 2008/48, o legislador não considerou útil alterar a Diretiva 2008/48. Dito isto, observo que o alcance de cada obrigação de informação é diferente. Com efeito, a obrigação de informação prevista na Diretiva 2013/11 diz respeito apenas, conforme especificado no seu artigo 2.o, n.o 1, aos procedimentos extrajudiciais de reclamação ou de recurso que pressuponham a intervenção de uma entidade para a resolução de litígios estabelecida com caráter duradouro. Além disso, a Diretiva 2008/48 diz respeito apenas à aquisição de serviços em matéria de crédito ao consumo, ao passo que a Diretiva 2013/11 diz respeito a qualquer transação comercial.

( 44 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2011, L 304, p. 64).

( 45 ) Por exemplo, o artigo 15.o, n.o 1, da Segunda Diretiva 90/619/CEE do Conselho, de 8 de novembro de 1990, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao seguro direto de vida, que fixa as disposições destinadas a facilitar o exercício efetivo da livre prestação de serviços e altera a Diretiva 79/267/CEE (JO 1990, L 330, p. 50), em causa nos Acórdãos de 19 de dezembro de 2013, Endress (C‑209/12, EU:C:2013:864), e de 19 de dezembro de 2019, Rust‑Hackner e Gmoser (C‑355/18 a C‑357/18 e C‑479/18, EU:C:2019:1123), prevê um direito de renúncia. O mesmo se aplica ao artigo 5.o da Diretiva 85/577/CEE do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, relativa à proteção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais (JO 1985, L 372, p. 31; EE 15 F6 p. 131), em causa no Acórdão de 10 de abril de 2008, Hamilton (C‑412/06, EU:C:2008:215). Esta diretiva foi revogada e substituída pela Diretiva 2011/83, que adota uma solução diferente, uma vez que passou a prever um direito de retratação, ao mesmo tempo que prevê expressamente um prazo.

( 46 ) V., igualmente, considerando 24 da Diretiva 2002/65 e Acórdão de 11 de setembro de 2019, Romano (C‑143/18, EU:C:2019:701, n.o 36).

( 47 ) V., neste sentido, Acórdãos de 17 de dezembro de 1970, Internationale Handelsgesellschaft (11/70, EU:C:1970:114, n.o 3); de 13 de dezembro de 1979, Hauer (44/79, EU:C:1979:290, n.o 14); de 18 de outubro de 2016, Nikiforidis (C‑135/15, EU:C:2016:774, n.o 28); e de 16 de julho de 2020, Facebook Ireland e Schrems (C‑311/18, EU:C:2020:559, n.o 100).

( 48 ) V., neste sentido, Acórdãos de 6 de fevereiro de 2018, Altun e o. (C‑359/16, EU:C:2018:63, n.os 48 e 49), e de 26 de fevereiro de 2019, T Danmark e Y Denmark (C‑116/16 e C‑117/16, EU:C:2019:135, n.o 76).

( 49 ) V., neste sentido, Acórdão de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o. (C‑255/02, EU:C:2006:121, n.o 77).

( 50 ) V., por analogia, Acórdãos de 14 de dezembro de 2000, Emsland‑Stärke (C‑110/99, EU:C:2000:695, n.o 54), e de 13 de março de 2014, SICES e o. (C‑155/13, EU:C:2014:145, n.o 34).

( 51 ) V., por exemplo, Acórdão de 28 de julho de 2016, Kratzer (C‑423/15, EU:C:2016:604, n.o 38).

( 52 ) V., por exemplo, Acórdão de 13 de março de 2014, SICES e o. (C‑155/13, EU:C:2014:145, n.o 32).

( 53 ) V. Acórdão de 14 de dezembro de 2000, Emsland‑Stärke (C‑110/99, EU:C:2000:695, n.os 52 e 53).

( 54 ) V., por analogia, mas relativo ao direito de renúncia, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Rust‑Hackner e Gmoser (C‑355/18 a C‑357/18 e C‑479/18, EU:C:2019:1123, n.o 101).

( 55 ) Considero, no entanto, que o princípio da proibição do abuso de direito poderia ser aplicado se se verificasse que o consumidor repetidamente contraiu um crédito e depois exerceu o direito de retratação no prazo de 14 dias, antes de contrair um novo crédito e assim sucessivamente.

( 56 ) O uso do termo «levantamento» é explicado pelo facto de poder haver um intervalo temporário entre o momento em que contrato de crédito é assinado e o momento em que a venda é concluída e em que, portanto, o dinheiro disponibilizado será utilizado e, em seguida, desembolsado pelo banco.

( 57 ) V. Acórdão de 9 de novembro de 2016, Home Credit Slovakia (C‑42/15, EU:C:2016:842, n.o 63).

( 58 ) V. Acórdão de 9 de novembro de 2016, Home Credit Slovakia (C‑42/15, EU:C:2016:842, n.o 72).

( 59 ) V. Acórdão de 27 de março de 2014, LCL Le Crédit Lyonnais (C‑565/12, EU:C:2014:190, n.os 45 e segs.).

( 60 ) V. Acórdão de 9 de novembro de 2016, Home Credit Slovakia (C‑42/15, EU:C:2016:842, n.o 70).

( 61 ) O artigo 14.o, n.o 4, diz respeito aos serviços acessórios do crédito e não aos bens ou serviços financiados por meio de crédito. Também observo que a Diretiva 2011/83, que contém disposições relativas à incidência do exercício do direito de retratação nos contratos acessórios, apenas se aplicava aos contratos à distância ou celebrados fora do estabelecimento comercial, o que não parece ser o caso dos contratos em causa nos processos principais.

( 62 ) O direito do vendedor a essa indemnização não estava previsto na Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 1997, relativa à proteção dos consumidores em matéria de contratos à distância (JO 1997, L 144, p. 19), que, antes da Diretiva 2011/83, regia os contratos à distância. A Diretiva 2011/83 foi adotada conforme consta do seu considerando 47, porque «[a]lguns consumidores exercem o seu direito de retratação após terem utilizado os bens numa medida que excede o necessário para verificar a sua natureza, as suas características e o seu funcionamento. Neste caso, o consumidor não deverá perder o direito de retratação do contrato, mas deverá ser responsabilizado pela eventual depreciação dos bens. Para verificar a natureza, as características e o funcionamento dos bens, o consumidor apenas deverá proceder às mesmas manipulações e à mesma inspeção que as admitidas numa loja. Por exemplo, o consumidor deverá poder provar uma peça de vestuário, mas não usá‑la. Por conseguinte, durante o prazo de retratação, o consumidor deverá manipular e inspecionar os bens com o devido cuidado. As obrigações do consumidor em caso de retratação não o deverão desencorajar de exercer o seu direito de retratação».

( 63 ) V., por exemplo, neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Masdar (UK)/Comissão (C‑47/07 P, EU:C:2008:726, n.o 47).

( 64 ) V., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2020, República Checa/Comissão (C‑575/18 P, EU:C:2020:530, n.o 82).

( 65 ) Embora o Tribunal de Justiça já tenha decidido que a liberdade de empresa pode ser sujeita a um amplo leque de intervenções do poder público suscetíveis de estabelecer, no interesse geral, limitações ao exercício da atividade económica (v., por exemplo, Acórdão de 30 de junho de 2016, Lidl, C‑134/15, EU:C:2016:498, n.o 34), uma pessoa só deve ser, em princípio, responsabilizada pelas ações de um terceiro se essa pessoa estiver encarregada de controlar ou organizar as atividades desse terceiro.

( 66 ) Além disso, importa recordar que, no que diz respeito às informações a que se refere o artigo 10.o da Diretiva 2008/48, que são determinantes em matéria de consentimento, o consumidor reserva sempre a possibilidade de pedir a resolução do contrato de crédito com base no direito nacional, conforme sublinhado no artigo 10.o, n.o 1, e no considerando 30 da mesma diretiva.

Top