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Document 62019CJ0665

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 2 de setembro de 2021.
    NeXovation, Inc. contra Comissão Europeia.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Auxílios de Estado a favor do complexo do Nürburgring (Alemanha) — Decisão que declara os auxílios em parte incompatíveis com o mercado interno — Venda dos ativos dos beneficiários dos auxílios de Estado declarados incompatíveis — Processo de concurso aberto, transparente, não discriminatório e incondicional — Decisão que declara que o reembolso dos auxílios incompatíveis não se refere ao novo proprietário do complexo do Nürburgring e que este não beneficiou de um novo auxílio para a aquisição desse complexo — Admissibilidade — Qualidade de parte interessada — Pessoa individualmente afetada — Violação dos direitos processuais das partes interessadas — Dificuldades que exigem a abertura de um procedimento formal de investigação — Fundamentação.
    Processo C-665/19 P.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:667

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    2 de setembro de 2021 ( *1 ) ( i )

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Auxílios de Estado a favor do complexo do Nürburgring (Alemanha) — Decisão que declara os auxílios em parte incompatíveis com o mercado interno — Venda dos ativos dos beneficiários dos auxílios de Estado declarados incompatíveis — Processo de concurso aberto, transparente, não discriminatório e incondicional — Decisão que declara que o reembolso dos auxílios incompatíveis não se refere ao novo proprietário do complexo do Nürburgring e que este não beneficiou de um novo auxílio para a aquisição desse complexo — Admissibilidade — Qualidade de parte interessada — Pessoa individualmente afetada — Violação dos direitos processuais das partes interessadas — Dificuldades que exigem a abertura de um procedimento formal de investigação — Fundamentação»

    No processo C‑665/19 P,

    que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 5 de setembro de 2019,

    NeXovation Inc., com sede em Hendersonville (Estados Unidos), representada inicialmente por A. von Bergwelt, M. Nordmann e L. Hettstedt, e em seguida por A. von Bergwelt e M. Nordmann, Rechtsanwälte,

    recorrente,

    sendo a outra parte no processo:

    Comissão Europeia, representada por L. Flynn, T. Maxian Rusche e B. Stromsky, na qualidade de agentes,

    recorrida em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: M. Vilaras (relator), presidente de secção, N. Piçarra, D. Šváby, S. Rodin e K. Jürimäe, juízes,

    advogado‑geral: G. Pitruzzella,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de abril de 2021,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com o seu recurso, a NeXovation Inc. pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 19 de junho de 2019, NeXovation/Comissão (T‑353/15, a seguir acórdão recorrido, EU:T:2019:434), pelo qual este negou provimento ao seu recurso de anulação parcial da Decisão (UE) 2016/151 da Comissão, de 1 de outubro de 2014, relativa ao auxílio estatal SA.31550 (2012/C) (ex 2012/NN) concedido pela Alemanha ao Nürburgring (JO 2016, L 34, p. 1, a seguir «decisão final»).

    Quadro jurídico

    2

    O Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 734/2013 do Conselho, de 22 de julho de 2013 (JO 2013, L 204, p. 15) (a seguir «Regulamento n.o 659/1999»), que foi revogado pelo Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9), é aplicável aos factos do presente processo.

    3

    O artigo 1.o, alínea h), do Regulamento n.o 659/1999 define, para efeitos deste regulamento, o conceito de «parte interessada» como «qualquer Estado‑Membro ou qualquer pessoa, empresa ou associação de empresas cujos interesses possam ser afetados pela concessão de um auxílio, em especial o beneficiário do auxílio, as empresas concorrentes e as associações setoriais».

    4

    O artigo 4.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Análise preliminar da notificação e decisões da Comissão», dispõe nos seus n.os 2 a 4:

    «2.   Quando, após uma análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada não constitui um auxílio, fará constar esse facto por via de decisão.

    3.   Quando, após a análise preliminar, a Comissão considerar que não há dúvidas quanto à compatibilidade da medida notificada com o mercado comum, na medida em que está abrangida pelo n.o 1[…] do artigo [107.o TFUE,] decidirá que essa medida é compatível com o mercado comum, adiante designada “decisão de não levantar objeções”). A decisão referirá expressamente a derrogação do Tratado que foi aplicada.

    4.   Quando, após a análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidirá dar início ao procedimento formal de investigação nos termos do n.o 2 do artigo [108.o TFUE] adiante designada “decisão de início de um procedimento formal de investigação”.»

    5

    Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do referido regulamento:

    «A decisão de dar início a um procedimento formal de investigação resumirá os elementos pertinentes em matéria de facto e de direito, incluirá uma apreciação preliminar da Comissão quanto à natureza de auxílio da medida proposta e indicará os elementos que suscitam dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum. A decisão incluirá um convite ao Estado‑Membro em causa e a outras partes interessadas para apresentarem as suas observações num prazo fixado, normalmente não superior a um mês. A Comissão pode prorrogar esse prazo em casos devidamente justificados.»

    6

    Em conformidade com o artigo 13.o, n.o 1, primeiro período, do Regulamento n.o 659/1999, o exame de um eventual auxílio ilegal conduz à adoção de uma decisão nos termos do artigo 4.o, n.os 2, 3 ou 4, deste regulamento.

    Antecedentes do litígio e decisões controvertidas

    7

    Os antecedentes do litígio figuram nos n.os 1 a 15 do acórdão recorrido e, para os efeitos do presente processo, podem ser resumidos da seguinte forma.

    8

    O complexo do Nürburgring (a seguir «Nürburgring»), situado no Land alemão da Renânia‑Palatinado (Alemanha), inclui um autódromo (a seguir «autódromo do Nürburgring»), um parque de diversões, hotéis e restaurantes.

    9

    Entre 2002 e 2012, as empresas públicas proprietárias de complexo do Nürburgring (a seguir «vendedores») beneficiaram de auxílios principalmente do Land alemão da Renânia Palatinado. Estes auxílios foram objeto de um procedimento formal de investigação, nos termos do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, iniciado pela Comissão em 2012. No mesmo ano, o Amtsgericht Bad Neuenahr‑Ahrweiler (Tribunal de Primeira Instância de Bad Neuenahr‑Ahrweiler, Alemanha) decretou a insolvência dos vendedores e decidiu proceder à venda dos seus ativos. Foi lançado um concurso para a venda (a seguir «processo de concurso»), que terminou com a venda desses ativos à Capricorn Nürburgring Besitzgesellschaft GmbH (a seguir «Capricorn»).

    10

    Em 10 de abril de 2014, a recorrente apresentou uma denúncia à Comissão, por considerar que o processo de concurso não tinha sido aberto, transparente, não discriminatório e incondicional e não ter conduzido à venda dos ativos do Nürburgring a um preço de mercado, na medida em que esses ativos tinham sido cedidos a um proponente local cuja proposta era inferior à sua e tinha sido favorecido no processo de concurso. Segundo a recorrente, a Capricorn recebeu um auxílio correspondente à diferença entre o preço que devia pagar para adquirir os ativos do Nürburgring e o preço de mercado desses mesmos ativos, e assegurou a continuidade das atividades económicas dos vendedores, pelo que a ordem de recuperação dos auxílios recebidos pelos vendedores devia estender‑se à Capricorn.

    11

    No artigo 2.o da decisão final, a Comissão declarou a ilegalidade e a incompatibilidade com o mercado interno de algumas medidas de apoio aos vendedores (a seguir «auxílios aos vendedores»). No artigo 3.o, n.o 2, dessa decisão, a Comissão enunciou que a Capricorn e as suas filiais não eram afetadas por qualquer potencial recuperação dos auxílios aos vendedores (a seguir «primeira decisão controvertida»).

    12

    No artigo 1.o, último travessão, da decisão final, a Comissão declarou que a venda dos ativos do Nürburgring à Capricorn não constituía um auxílio estatal (a seguir «segunda decisão controvertida»). A este respeito, a Comissão considerou que o processo de concurso tinha sido levado a cabo de modo aberto, transparente e não discriminatório, que esse processo tinha atingido um preço de venda conforme com o mercado, e que não havia continuidade económica entre os vendedores e o adquirente.

    Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

    13

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de junho de 2015, a recorrente interpôs um recurso de anulação da primeira e segunda decisões controvertidas.

    14

    O Tribunal Geral julgou inadmissível o recurso, na parte em que visava a anulação da primeira decisão controvertida, uma vez que a recorrente não tinha demonstrado que essa decisão lhe dizia individualmente respeito. A este propósito, considerou no n.o 53 do acórdão recorrido, que não se podia inferir da simples participação da recorrente no procedimento administrativo que a mesma tinha legitimidade para agir contra a primeira decisão controvertida. Além disso, no n.o 55 desse acórdão, o Tribunal Geral declarou que a recorrente não dispunha de nenhuma posição nos mercados relevantes suscetível de ser afetada pelos auxílios aos vendedores. Por último, no n.o 56 do referido acórdão, o Tribunal Geral considerou que os argumentos da recorrente, segundo os quais estaria em condições de adquirir os ativos do Nürburgring e, por conseguinte, de entrar nos mercados relevantes se não tivesse sido discriminada no processo de concurso e que, devido à perda de reputação e à publicidade negativa causadas pelo revés sofrido nesse processo, lhe era difícil adquirir ou explorar outros autódromos, não podiam ser suficientes para a individualizar relativamente aos vendedores e à primeira decisão controvertida.

    15

    Quanto ao pedido de anulação da segunda decisão controvertida, o Tribunal Geral declarou, no n.o 76 do acórdão recorrido, por um lado, que o pedido de não conhecimento do mérito apresentado pela Comissão devia ser julgado improcedente e, por outro, que esse pedido de anulação era admissível, na medida em que se destinava a salvaguardar os direitos processuais conferidos à recorrente pelo artigo 108.o, n.o 2, TFUE. Examinou, assim, os fundamentos invocados pela recorrente em apoio do referido pedido e, depois de os ter julgado todos improcedentes, decidiu, no n.o 214 do acórdão recorrido, que o pedido de anulação da segunda decisão controvertida devia ser julgado improcedente.

    Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

    16

    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular os n.os 3 e 4 do dispositivo do acórdão recorrido;

    anular a primeira e segunda decisões controvertidas;

    a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral; e

    condenar a Comissão nas despesas.

    17

    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne negar provimento ao recurso e condenar a recorrente nas despesas.

    Quanto ao presente recurso

    18

    A recorrente invoca seis fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, a um erro do Tribunal Geral por ter considerado que a primeira decisão controvertida não lhe dizia individualmente respeito, o segundo, a um erro de direito na aplicação do conceito de auxílio de Estado, o terceiro, a um erro de direito na aplicação do conceito de «dificuldades sérias», o quarto, a um erro de direito na aplicação do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 659/1999, o quinto, a um erro de direito na apreciação do caráter imparcial da investigação da denúncia apresentada pela recorrente e, o sexto, a um erro de direito na apreciação do caráter suficiente da fundamentação da segunda decisão controvertida.

    19

    O primeiro fundamento visa a anulação do acórdão recorrido, na medida em que, com ele, o Tribunal Geral declarou inadmissível o pedido de anulação da primeira decisão controvertida. Os outros fundamentos visam a improcedência, pelo Tribunal Geral, do pedido de anulação da segunda decisão controvertida.

    Quanto ao primeiro fundamento

    Argumentos das partes

    20

    Com o seu primeiro fundamento, a recorrente alega que a consideração segundo a qual a primeira decisão controvertida não lhe dizia individualmente respeito, uma vez que não tinha uma posição nos mercados relevantes suscetível de ser afetada pelos auxílios concedidos aos vendedores, é errada tanto no plano factual como no plano jurídico.

    21

    Segundo a recorrente, resulta do Acórdão de 28 de janeiro de 1986, Cofaz e o./Comissão (169/84, EU:C:1986:42, n.o 28), que, na fase da análise da admissibilidade do recurso de uma decisão como a primeira decisão controvertida, não incumbe ao Tribunal Geral tirar uma conclusão definitiva sobre a posição concorrencial do recorrente nos mercados relevantes, mas analisar se essa decisão pode prejudicar os seus interesses legítimos, prejudicando a sua posição no mercado.

    22

    A recorrente acrescenta que o simples facto de não estar ativa nos mercados relevantes não exclui a possibilidade de a sua posição no mercado sofrer um prejuízo substancial, como confirmam os Acórdãos de 22 de novembro de 2007, Espanha/Lenzing (C‑525/04 P, EU:C:2007:698, n.o 35), e de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão (C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 53). Incumbe ao Tribunal Geral efetuar uma análise caso a caso para determinar se uma decisão como a primeira decisão controvertida diz individualmente respeito à pessoa em causa.

    23

    Ora, o facto de a recorrente ter estado em concorrência com a Capricorn para a aquisição dos ativos do Nürburgring e não os ter adquirido devido a um auxílio concedido a esta última, o facto de ter apresentado uma denúncia à Comissão, de ter sido apoiada nas suas diligências pela missão dos Estados Unidos junto da União Europeia e confiado nas declarações da Comissão segundo as quais, nomeadamente, esta última ia supervisionar o processo de concurso público, tal como o facto de a recorrente ter sido objeto de uma cobertura mediática negativa que prejudicou a sua reputação, são elementos que atestam que foi afetada pelos auxílios visados pela primeira decisão controvertida. O facto de ter sido expressamente designada na decisão final e de os seus argumentos terem sido objeto de um exame extensivo nessa decisão confirma que a referida decisão a afeta diretamente.

    24

    A recorrente sublinha, além disso, que não se retirou do processo de concurso e que, se se viesse a revelar que a Capricorn não devia ter sido selecionada no âmbito desse processo, era a recorrente que deveria ter sido selecionada. Isto confirma a sua legitimidade para agir contra a primeira decisão controvertida. Esta consideração está também em conformidade com a jurisprudência relativa à legitimidade processual em matéria de contratos públicos.

    25

    A Comissão considera que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito na análise da questão de saber se primeira decisão controvertida dizia individualmente respeito à recorrente e que, portanto, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    26

    Há que salientar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, recordada pelo Tribunal Geral no n.o 49 do acórdão recorrido, em matéria de auxílios de Estado, foram designadamente reconhecidas como individualmente abrangidas por uma decisão da Comissão de encerramento do procedimento formal de investigação, além da empresa beneficiária, as empresas concorrentes desta última que desempenharam um papel ativo no âmbito desse procedimento, desde que a sua posição no mercado tenha substancialmente afetada pela medida de auxílio que é objeto da decisão impugnada (Acórdãos de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 98, e de 15 de julho de 2021, Deutsche Lufthansa/Comissão, C‑453/19 P, EU:C:2021:608, n.o 38).

    27

    Ora, no n.o 55 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral indicou que a própria recorrente tinha reconhecido, em resposta a uma questão do Tribunal Geral, que não estava presente nos mercados relevantes, enumerados no n.o 54 desse acórdão, nos quais a concorrência era suscetível de ser distorcida pelos auxílios aos vendedores. Por conseguinte, declarou, no n.o 57 do referido acórdão, que a primeira decisão controvertida não dizia individualmente respeito à recorrente e que não tinha legitimidade para pedir a sua anulação.

    28

    Há que salientar que a recorrente não contesta não ter estado presente nos mercados relevantes e, portanto, não se enquadrar nos casos abrangidos pela jurisprudência referida no n.o 26 do presente acórdão. Nestas condições, o Tribunal Geral não pode ser acusado de ter cometido um erro de direito por ter declarado que a primeira decisão controvertida não dizia individualmente respeito à recorrente e que, portanto, não tinha legitimidade para interpor recurso de anulação dessa decisão, com base no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

    29

    Os argumentos apresentados pela recorrente não podem justificar uma conclusão diferente.

    30

    No que se refere aos Acórdãos de 22 de novembro de 2007, Espanha/Lenzing (C‑525/04 P, EU:C:2007:698, n.o 35), e de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão (C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 53), deles resulta apenas que um prejuízo causado a essa posição não deve necessariamente ser inferido de uma redução significativa do volume de negócios, das perdas financeiras não negligenciáveis ou ainda de uma diminuição significativa das quotas de mercado, mas pode também resultar de lucros cessantes ou de uma evolução menos favorável da que se registaria se o auxílio em causa não existisse. Contrariamente ao que alega a recorrente, não se pode, portanto, deduzir desta jurisprudência que a posição de uma empresa no mercado pode ser afetada, mesmo que essa empresa não esteja presente nos mercados relevantes.

    31

    Quanto ao argumento segundo o qual a recorrente estava em concorrência com a Capricorn para a aquisição dos ativos do Nürburgring e devia ter ganhado o concurso em vez desta última, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao não ter em conta essa circunstância. Com efeito, a primeira decisão controvertida visa os auxílios aos vendedores e, em especial, a questão de saber se estes podem ser recuperados junto da Capricorn. Ora, a recorrente não explica qual é a ligação entre o facto de estar em concorrência com a Capricorn para a aquisição dos ativos do Nürburgring e o alegado prejuízo causado à sua posição no mercado pela primeira decisão controvertida.

    32

    Quanto às outras circunstâncias evocadas pela recorrente, a saber, o facto de ter apresentado uma denúncia à Comissão, de ter beneficiado do apoio da missão dos Estados Unidos junto da União ou ainda de ter confiado nas declarações da Comissão, basta salientar que também não são suscetíveis de demonstrar o prejuízo causado à posição da recorrente no mercado, na aceção da jurisprudência referida no n.o 26 do presente acórdão, pela primeira decisão controvertida.

    33

    Resulta do exposto que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente. Por conseguinte, deve ser negado provimento ao recurso na parte em que visa a anulação do acórdão recorrido, na medida em que, com este, o Tribunal Geral julgou improcedente o pedido de anulação da primeira decisão controvertida.

    Quanto ao segundo fundamento

    34

    O segundo fundamento de recurso divide‑se em quatro partes. Há que examinar, num primeiro momento, a segunda a quarta partes deste fundamento.

    Argumentos das partes

    35

    No âmbito da segunda parte do segundo fundamento, a recorrente alega, em primeiro lugar, que, ao indicar, no n.o 119 do acórdão recorrido, que o prazo para a apresentação de propostas de confirmação no processo de concurso terminou em 17 de fevereiro de 2014, o Tribunal Geral não teve em conta o facto de que, no que respeita a esses prazos, tinha sido induzida em erro pelos vendedores, uma vez que lhe tinham indicado que os referidos prazos tinham sido prorrogados até 31 de março de 2014 e que essa alteração das condições do processo deveria ter sido aplicada a todos os proponentes.

    36

    Em segundo lugar, a recorrente sustenta que o Tribunal Geral não teve igualmente em consideração os argumentos mediante os quais a mesma tinha alegado que no âmbito do processo de concurso no que se refere aos prazos, tal como descrito na decisão final, não era conforme com as exigências de transparência e que nenhum investidor privado teria seguido essa abordagem. Em terceiro lugar, o Tribunal Geral também não teve em conta o facto de a decisão final conter afirmações contraditórias, respetivamente nos seus considerandos 272 e 275, alínea c), quanto à questão da prorrogação pelos vendedores do prazo para apresentação das propostas.

    37

    Na terceira parte do segundo fundamento, a recorrente alega que o Tribunal Geral não teve em conta três argumentos que esta tinha invocado no âmbito da sua alegação relativa à falta de transparência do processo de concurso. Esses três argumentos diziam respeito a outras tantas alterações ocorridas no decurso desse processo, das quais, segundo a recorrente, nenhum dos potenciais proponentes tinha sido informado, em violação da exigência de transparência.

    38

    Em primeiro lugar, no Tribunal Geral, a recorrente alegou que, apesar de inicialmente lhe ter sido proposto a aquisição dos ativos do Nürburgring com base num «balanço limpo», verificou‑se em seguida que, em caso de aquisição do Nürburgring, estava obrigada a assumir sem alterações um contrato de locação comercial celebrado por um terceiro.

    39

    Em segundo lugar, a recorrente sustentou igualmente que não foram comunicadas a todos os proponentes as informações relativas ao contrato de locação comercial celebrado a favor da Capricorn, inicialmente concebido como «opção de recurso» caso o processo de concurso não chegasse a bom termo ou a decisão da Comissão relativa ao mesmo viesse a ser impugnada, apesar de essas informações serem pertinentes para a determinação do preço a propor nesse processo.

    40

    Em terceiro lugar, a recorrente alegou também que tinha sido introduzido posteriormente no processo de concurso um critério de seleção de ordem ambiental, sem que este tivesse sido comunicado a todos os proponentes. Contrariamente ao que indica o considerando 275, alínea i), da decisão final, este critério teve efetivamente impacto no resultado desse processo.

    41

    No âmbito da quarta parte do segundo fundamento, a recorrente alega que o Tribunal Geral não teve em consideração duas séries de argumentos, uma relativa à alegação respeitante à pretensa falta de transparência do processo de concurso, e a outra relativa à alegação relativa ao caráter pretensamente discriminatório desse processo.

    42

    Em especial, no que diz respeito à falta de transparência do processo de concurso, a recorrente alegou, em primeiro lugar, que o processo de concurso não tinha sido anunciado fora da União; em segundo lugar, que vários documentos importantes para a venda não tinham sido comunicados ou tinham‑no sido demasiado tarde ou de forma enganosa; em terceiro lugar, que a Comissão tinha cometido um erro ao considerar que a apresentação de uma versão anotada do acordo de compra dos ativos estava estritamente abrangida pelo âmbito das negociações comerciais e, portanto, não era pertinente do ponto de vista do auxílio de Estado; em quarto lugar, que a Comissão tinha cometido um erro ao considerar que a comunicação tardia de informações no decurso do processo de concurso não tinha afetado a apresentação da proposta final dos proponentes ou a conclusão dos cálculos económicos necessários para esse efeito; em quinto lugar, a Comissão tinha cometido um erro ao concluir que a KPMG, consultor jurídico e financeiro dos vendedores, tinha fornecido a todos os proponentes todas as informações necessárias a fim de lhes permitir efetuar uma avaliação adequada dos ativos do Nürburgring.

    43

    No que diz respeito ao caráter discriminatório do processo de concurso, a recorrente alegou que a Comissão não tinha realizado uma investigação em relação, em primeiro lugar, ao facto de a recorrente ter sido discriminada, na medida em que não lhe tinha sido fornecida uma cópia em língua inglesa da documentação completa do processo de concurso; em segundo lugar, ao facto de ter sido dado à Capricorn um acesso privilegiado às informações relativamente aos outros proponentes; em terceiro lugar, ao facto de o mesmo sócio de um importante escritório de advogados americano ter prestado assistência, primeiro, aos vendedores e depois à Capricorn, em quarto lugar, ao facto de a Capricorn ter beneficiado de apoio privilegiado, tanto depois de 17 de fevereiro de 2014 como no que diz respeito à obtenção do financiamento pelo Deutsche Bank.

    44

    Em resposta à segunda parte do segundo fundamento, a Comissão salienta que, na medida em que esta parte visa o n.o 119 do acórdão recorrido, contesta a apreciação dos factos feita pelo Tribunal Geral sem invocar qualquer desvirtuação e é, portanto, manifestamente inadmissível. Quanto à restante argumentação da recorrente, não é possível determinar claramente que números do acórdão recorrido visa, pelo que esta parte dessa argumentação é igualmente inadmissível.

    45

    Quanto à terceira parte do segundo fundamento, a Comissão alega, em primeiro lugar, que a argumentação da recorrente segundo a qual a aquisição do Nürburgring devia ter sido feita com base num «balanço limpo» visa, na realidade, uma nova apreciação dos factos. Com efeito, resulta do n.o 9, quarto travessão, do acórdão recorrido que o Tribunal Geral admitiu que os potenciais adquirentes não eram obrigados a assumir os contratos ou as obrigações existentes e, por conseguinte, analisou a questão de um «balanço limpo».

    46

    Em segundo lugar, nos n.os 146 a 149 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou a questão contrato de locação comercial, rejeitando as alegações de discriminação e de falta de transparência, pelas razões expostas nos n.os 119 a 133 desse acórdão. A recorrente faz, portanto, uma leitura errada do acórdão recorrido, quando afirma que o Tribunal Geral não teve em conta o seu argumento relativo ao contrato de locação comercial.

    47

    Em terceiro lugar, no que se refere à pretensa omissão do Tribunal Geral de examinar a questão de saber se os vendedores aplicaram um critério de seleção ambiental, a Comissão sublinha que a preocupação dos vendedores recaía sobre a questão de saber se o projeto de atividade da recorrente era exequível e referia‑se, por conseguinte, à credibilidade da sua proposta. O Tribunal Geral expôs outras razões que demonstram que a recorrente não tinha apresentado uma proposta credível e vinculativa acompanhada de provas de financiamento e, portanto, não tinha de se pronunciar sobre a questão do critério de seleção de ordem ambiental.

    48

    No que respeita à quarta parte do segundo fundamento, a Comissão sublinha que o Tribunal Geral examinou o argumento segundo o qual o processo de concurso não tinha sido anunciado fora a União e concluiu, no n.o 9, segundo travessão, do acórdão recorrido, que os vendedores publicaram um convite à manifestação de interesse no Financial Times, no Handelsblatt e no sítio Internet do Nürburgring. Por conseguinte, o Tribunal Geral analisou esta questão.

    49

    Além disso, o Tribunal Geral constatou que, na sequência de um processo aberto, transparente e não discriminatório, o processo de concurso tinha conduzido à adjudicação dos ativos do Nürburgring ao proponente que apresentou uma proposta credível e vinculativa, que era também a proposta mais elevada. Por conseguinte, o Tribunal Geral teve, em todo o caso, razões suficientes para rejeitar o argumento segundo o qual a Comissão deveria ter tido dúvidas sérias quanto à existência de um auxílio a favor da Capricorn. A Comissão considera que não era, portanto, necessário que o Tribunal Geral examinasse outros aspetos desse processo, pelo que os diferentes argumentos da recorrente devem ser julgados improcedentes por serem inoperantes.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    50

    Criticando o Tribunal Geral, no âmbito da segunda a quarta partes do segundo fundamento, por não ter respondido a vários argumentos que tinha apresentado perante este, a recorrente invoca, em substância, uma violação do dever de fundamentação que decorre do artigo 36.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao Tribunal Geral por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto, e do artigo 117.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral (v., neste sentido, Acórdão de 20 de maio de 2010, Gogos/Comissão, C‑583/08 P, EU:C:2010:287, n.o 29 e jurisprudência referida).

    51

    Na medida em que a Comissão alega que a recorrente não indicou quais são os números do acórdão recorrido visados, nomeadamente, na segunda parte do segundo fundamento, há que salientar, antes de mais, que resulta suficientemente do presente recurso que a segunda a quarta partes do segundo fundamento visam, por um lado, os n.os 119 a 121 do acórdão recorrido, relativos à alegação relativa à falta de transparência do processo de concurso, e, por outro, os n.os 122 a 134 desse acórdão, relativos ao caráter discriminatório do referido processo. Uma vez que a recorrente acusa o Tribunal Geral de não ter respondido a certos argumentos que tinha apresentado perante si, esta não podia, evidentemente, fornecer uma indicação mais precisa dos números do acórdão recorrido visados pela segunda a quarta partes do seu segundo fundamento.

    52

    Feita esta precisão, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, o dever de o Tribunal Geral fundamentar as suas decisões não o obriga a uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio. A fundamentação pode, portanto, ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões pelas quais o Tribunal Geral não acolheu os seus argumentos e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização (Acórdão de 9 de setembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão, C‑120/06 P e C‑121/06 P, EU:C:2008:476, n.o 96 e jurisprudência referida).

    53

    No caso em apreço, no que respeita, em primeiro lugar, ao exame, pelo Tribunal Geral, da alegação relativa à falta de transparência do processo de concurso, há que observar que o Tribunal Geral só lhe respondeu de forma muito concisa, nos n.os 119 a 121 do acórdão recorrido.

    54

    Ora, como salientou o advogado‑geral nos n.os 52, 60, 61 e 65 das suas conclusões, esses números do acórdão recorrido não respondem, nem sequer implicitamente, a vários dos argumentos da recorrente invocados no âmbito da segunda a quarta partes do segundo fundamento, que tinham sido efetivamente apresentados por ela no Tribunal Geral, como confirma a leitura da sua petição no Tribunal Geral que figura nos autos de primeira instância transmitidos ao Tribunal de Justiça em conformidade com o artigo 167.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

    55

    Trata‑se, mais especificamente, do argumento mencionado no n.o 36 do presente acórdão, relativo ao caráter não conforme com as exigências de transparência do processo de concurso no que respeita aos prazos, tal como os mencionados nos n.os 38 a 40 e 42 do presente acórdão.

    56

    Em segundo lugar, há que constatar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 67 das suas conclusões, que os n.os 122 a 134 do acórdão recorrido, sobre a alegação relativa ao caráter discriminatório do referido processo, não contêm nenhuma resposta, nem sequer implícita, aos argumentos da recorrente, mencionados no n.o 43 do presente acórdão, que esta tinha apresentado no Tribunal Geral.

    57

    As considerações precedentes não podem ser postas em causa pelo argumento da Comissão segundo o qual pelo menos certos argumentos da recorrente a que o Tribunal Geral não teria respondido são contrariados pelas indicações que figuram no n.o 9 do acórdão recorrido. Basta salientar, a este respeito, que tal número do acórdão recorrido se insere na parte relativa aos antecedentes do litígio e resume, em substância, as indicações que resultam dos considerandos 44 a 51 da decisão final. Por conseguinte, não se pode considerar que contém uma resposta do Tribunal Geral aos argumentos da recorrente.

    58

    Nestas condições, há que julgar procedentes a segunda a quarta partes do segundo fundamento e, sem que seja necessário examinar a primeira parte do segundo fundamento, nem o terceiro a sexto fundamentos, anular o acórdão recorrido, na medida em que, com este, o Tribunal Geral julgou improcedente o pedido de anulação da segunda decisão controvertida.

    Quanto ao recurso no Tribunal Geral

    59

    Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, este pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

    60

    No caso em apreço, tendo em conta, nomeadamente, a circunstância de que o recurso de anulação interposto pela recorrente no processo T‑373/15 se baseia em fundamentos que foram objeto de contraditório no Tribunal Geral e cujo exame não exige adotar nenhuma medida suplementar de organização do processo ou de instrução do processo, o Tribunal de Justiça entende que o presente recurso está em condições de ser julgado e que há que decidi‑lo definitivamente (v., por analogia, Acórdão de 8 de setembro de 2020, Comissão e Conselho/Carreras Sequeros e o., C‑119/19 P e C‑126/19 P, EU:C:2020:676, n.o 130), dentro dos limites do litígio que lhe foi submetido, a saber, ao pedido de anulação da segunda decisão controvertida (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375, n.o 134).

    61

    Cumpre recordar que a segunda decisão controvertida é uma decisão de não levantar objeções baseada no artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 659/1999 cuja legalidade depende de saber se a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispunha, na fase preliminar de análise da medida notificada, deveria objetivamente suscitar dúvidas quanto à compatibilidade dessa medida com o mercado interno (Acórdão de 3 de setembro de 2020, Vereniging tot Behoud van Natuurmonumenten in Nederland e o./Comissão, C‑817/18 P, EU:C:2020:637, n.o 80 e jurisprudência referida).

    62

    Uma vez que tais dúvidas devem dar lugar à abertura de um procedimento formal de investigação no qual podem participar as partes interessadas visadas pelo artigo 1.o, alínea h), do Regulamento n.o 659/1999, deve considerar‑se que toda a parte interessada na aceção desta última disposição é diretamente e individualmente afetada por tal decisão. Com efeito, os beneficiários das garantias processuais previstas no artigo 108.o, n.o 2, TFUE e no artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 não poderão vê‑las respeitadas a menos que tenham a possibilidade de impugnar a decisão de não levantar objeções perante o juiz da União (Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 47 e jurisprudência referida).

    63

    No caso em apreço, há que considerar, à semelhança do Tribunal Geral no n.o 70 do acórdão recorrido, que a recorrente demonstrou, mediante a sua participação ativa no processo de concurso, até à fase final, e pela denúncia que apresentou nesse contexto à Comissão, a sua vontade séria de entrar nos mercados relevantes e, portanto, a sua qualidade de concorrente potencial da Capricorn, que alegadamente beneficiou, segundo a referida denúncia, de um auxílio de Estado que a Comissão declarou inexistente na segunda decisão controvertida. Por conseguinte, deve ser reconhecida à recorrente a qualidade de parte interessada no que respeita a esta decisão.

    64

    No seu recurso no Tribunal Geral, a recorrente invocou cinco fundamentos relativos, o primeiro, a uma interpretação errada do conceito de auxílio de Estado, o segundo, que apenas visa a primeira decisão controvertida, a uma interpretação errada do princípio da continuidade económica, o terceiro, à não tomada em consideração da continuação do processo de venda, o quarto, à violação dos seus direitos processuais e, o quinto, à violação do dever de fundamentação.

    65

    Há que examinar, em primeiro lugar, o quarto fundamento.

    Argumentos das partes

    66

    Com o seu quarto fundamento, a recorrente alega que a Comissão adotou a segunda decisão controvertida sem dar início ao procedimento formal de investigação, quando a análise preliminar revelava já dificuldades sérias. Em primeiro lugar, a Comissão adiou várias vezes a adoção da sua decisão. Em segundo lugar, não procedeu a um exame exaustivo das questões de facto e não examinou vários aspetos determinantes do processo. Em terceiro lugar, demonstrou incoerência na sua resposta aos argumentos da recorrente. Em quarto lugar, não aplicou corretamente o artigo 107.o, n.o 1, TFUE e as outras disposições aplicáveis e não forneceu fundamentação adequada.

    67

    Em especial, a recorrente acusa a Comissão de não ter avaliado corretamente a natureza do compromisso de financiamento apresentado pela Capricorn e a solidez financeira do proprietário desta última. Segundo a recorrente, a Capricorn enfrentava importantes problemas de financiamento desde o início do processo de concurso e o financiamento da proposta que apresentou estava longe de estar garantido. A recorrente comunicou os seus receios quanto à fiabilidade financeira da Capricorn na sua denúncia de 10 de abril de 2014, bem como em cartas complementares de 19 de maio e 16 de junho de 2014. Verificou‑se em seguida que, no mês de agosto de 2014, o pagamento da segunda parcela do preço de venda teve de ser adiado e o proprietário da Capricorn teve de prestar garantias a favor dos vendedores.

    68

    Com efeito, a carta do Deutsche Bank de 10 de março de 2014, que apoiava a proposta da Capricorn, era uma simples carta de intenções e, além disso, perdeu validade e foi retirada pelo Deutsche Bank algumas semanas mais tarde. Numa carta dirigida aos advogados da recorrente em 15 de abril de 2015, o procurador de Coblença (Alemanha) confirmou, após análise da carta do Deutsche Bank de 10 de março de 2014, que efetivamente essa carta não era vinculativa.

    69

    A Comissão replica que a existência de dificuldades sérias não é comprovada pela alteração da data fixada pela Comissão para a adoção de uma decisão sem abertura de um procedimento formal de investigação. Além disso, a recorrente não invoca que os alegados adiamentos da data de adoção da decisão final foram causados por pedidos de informações complementares da Comissão.

    70

    No que se refere à carta do Deutsche Bank de 10 de março de 2014, a Comissão sublinha que esta carta contém um compromisso de financiamento, como confirmado pelas autoridades alemãs. A Comissão procedeu à sua própria análise da referida carta e declarou que daí resultava inequivocamente que o Deutsche Bank estava disposto a conceder um empréstimo de 45 milhões de euros à Capricorn. É certo que a mesma carta contém igualmente, no final, uma cláusula de não responsabilidade, mas que se refere à «lista de condições», uma vez que as condições precisas podiam mudar. Essas condições deveriam ser revistas no momento da assinatura e da entrada em vigor do acordo de financiamento.

    71

    A Comissão acrescenta que o administrador da insolvência do Nürburgring e o comité de credores consideraram que a Capricorn tinha apresentado a melhor proposta, acompanhada da melhor garantia de financiamento, com base, nomeadamente, na carta do Deutsche Bank de 10 de março de 2014. Quanto à carta do procurador da Coblença, invocada pela recorrente, esta é posterior à adoção da decisão final e a Comissão não pode ser acusada de não a ter tomado em consideração.

    72

    Por último, a Comissão sublinha que o seu exame foi mais do que suficientemente diligente, uma vez que as declarações que lhe tinham sido dirigidas pelas autoridades públicas do Estado‑Membro em causa não continham qualquer incoerência interna que necessitasse de um exame mais aprofundado e que as denúncias formuladas pela recorrente se resumiam a especulações e a alegações não apoiadas de elementos probatórios.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    73

    Há que salientar que, para excluir a existência de um auxílio ilegal concedido à Capricorn no momento da aquisição por esta dos ativos do Nürburgring, a Comissão devia assegurar‑se de que essa aquisição tinha sido efetuada a um preço correspondente ao preço de mercado, o que seria o caso se se pudesse confirmar que o processo de concurso foi aberto, transparente, não discriminatório e incondicional.

    74

    Como resulta do considerando 48 da decisão final, um dos fatores tomados em consideração para efeitos da seleção do adquirente dos ativos do Nürburgring foi a confirmação do financiamento da sua proposta.

    75

    Com efeito, como resulta do considerando 272 da decisão final, a proposta da recorrente, que tinha proposto um preço de venda superior ao proposto pela Capricorn, foi excluída por falta de prova de financiamento.

    76

    Segundo o considerando 273 da decisão final, apenas se considerou que duas propostas dispunham de um financiamento garantido, a saber, a proposta da Capricorn e a de outro proponente. Todavia, na medida em que tanto o montante do financiamento garantido de que dispunha esse outro proponente como o preço de venda que propunha eram inferiores aos da Capricorn, a proposta desta última acabou por ser selecionada.

    77

    Daqui resulta que, se se verificar que foi erradamente considerado que a Capricorn dispunha de um financiamento confirmado para a sua proposta, quando, na realidade, não era esse o caso, essa circunstância seria suscetível de pôr em causa, nomeadamente, o caráter não discriminatório do processo de concurso, na medida em que seria suscetível de demonstrar que a Capricorn tinha beneficiado de um tratamento preferencial uma vez que, ao contrário do que sucedeu com a proposta da recorrente, a proposta da Capricorn não foi excluída.

    78

    Portanto, perante dúvidas quanto ao caráter confirmado do financiamento da proposta da Capricorn que não podiam ser dissipadas, a Comissão estava obrigada a dar início ao procedimento formal de investigação e não podia adotar uma decisão de não levantar objeções, como a segunda decisão controvertida.

    79

    Não se pode deixar de observar que os elementos invocados pela recorrente demonstram a existência de tais dúvidas.

    80

    Em primeiro lugar, como alega a recorrente, a Comissão não podia considerar que a carta do Deutsche Bank de 10 de março de 2014 continha um compromisso de financiamento vinculativo.

    81

    Com efeito, resulta da leitura da carta do Deutsche Bank de 10 de março de 2014, tal como foi apresentada pela Comissão no Tribunal Geral e consta dos autos em primeira instância, que esta contém, na primeira página, uma indicação clara de que o «compromisso» contido nessa carta está sujeito às condições expostas, nomeadamente, na «lista de condições» anexada à referida carta como anexo A.

    82

    Ora, esse anexo contém, no final, um «aviso importante», que indica, nomeadamente que «esta lista de condições serve apenas para efeitos de discussão e não visa criar qualquer obrigação jurídica vinculativa entre nós […] Consequentemente, não assumimos qualquer responsabilidade pela perda direta, consequente ou outra resultante do facto de se ter baseado nesta [mesma] carta».

    83

    Resulta manifestamente destas indicações que a carta do Deutsche Bank de 10 de março de 2014 não criava uma obrigação de financiamento vinculativa a cargo do banco que a emitiu e a favor da Capricorn.

    84

    Esta conclusão é, de resto, confirmada pela indicação, constante do n.o 9 da página 5 desta carta, intitulada «Direito aplicável e competência», que se refere a «qualquer eventual obrigação extracontratual» decorrente da referida carta, sem evocar obrigações contratuais, precisamente porque essa mesma carta não se destinava a criar tais obrigações.

    85

    Em segundo lugar, resulta da nota de pé de página 79 da decisão final que a segunda parcela do preço de venda não foi paga pela Capricorn no prazo fixado e que, por acordo celebrado em 13 de agosto de 2014 entre o administrador da insolvência do Nürburgring, os vendedores e a Capricorn, o pagamento dessa parcela foi adiado para uma data posterior, em contrapartida do pagamento de juros de mora pela Capricorn e da prestação de garantias complementares. Ora, se o financiamento da proposta da Capricorn estivesse efetivamente assegurado, esta estaria, logicamente, em condições de pagar a segunda parcela do preço de venda no prazo fixado e não deveria ter negociado o adiamento do seu pagamento.

    86

    Por conseguinte, sem que seja necessário examinar os fundamentos diferentes do quarto invocados pela recorrente em apoio do seu recurso, há que concluir que a apreciação da questão de saber se a venda dos ativos do Nürburgring à Capricorn implicava a concessão, a esta última, de um auxílio incompatível com o mercado interno suscitava dúvidas, na aceção do artigo 4.o do Regulamento n.o 659/1999, que deveriam ter levado a Comissão a dar início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

    87

    Por conseguinte, há que dar provimento ao recurso e anular a segunda decisão controvertida.

    Quanto às despesas

    88

    Nos termos do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente, ou for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

    89

    Nos termos do artigo 138.o, n.o 3, primeiro período, do Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo regulamento, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas.

    90

    No caso em apreço, há que aplicar esta última disposição, na medida em que é negado provimento ao presente recurso na parte em que se refere ao acórdão recorrido, na medida em que, com ele, o Tribunal Geral julgou improcedente o pedido de anulação da primeira decisão controvertida, mas obtém provimento na parte em que se refere a esse acórdão na medida em que, com ele, o Tribunal Geral julgou improcedente o pedido de anulação da segunda decisão controvertida, e o Tribunal de Justiça anula essa decisão.

    91

    Por conseguinte, há que decidir que cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

     

    1)

    O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 19 de junho de 2019, NeXovation/Comissão (T‑353/15, EU:T:2019:434), é anulado na parte em que o Tribunal Geral da União Europeia julgou improcedente o pedido de anulação do artigo 1.o, último travessão, da Decisão (UE) 2016/151 da Comissão, de 1 de outubro de 2014, relativa ao auxílio estatal SA.31550 (2012/C) (ex 2012/NN) concedido pela Alemanha ao Nürburgring.

    2)

    É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

    3)

    O artigo 1.o, último travessão, da Decisão (UE) 2016/151 da Comissão, de 1 de outubro de 2014, relativa ao auxílio estatal SA.31550 (2012/C) (ex 2012/NN) concedido pela Alemanha ao Nürburgring, é anulado.

    4)

    A NeXovation Inc. e a Comissão Europeia suportam as suas próprias despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

    ( i ) Os indicadores do presente texto foram objeto de uma alteração de ordem linguística, posteriormente à sua disponibilização em linha.

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