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Document 62019CJ0570

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 2 de setembro de 2021.
    Irish Ferries Ltd contra National Transport Authority.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court (Irlanda).
    Reenvio prejudicial — Transportes marítimos — Direitos dos passageiros do transporte marítimo e por vias navegáveis interiores — Regulamento (UE) n.o 1177/2010 — Artigos 18.o e 19.o, artigo 20.o, n.o 4, e artigos 24.o e 25.o — Cancelamento de serviços de transporte de passageiros — Entrega tardia de um navio ao transportador — Comunicação anterior à data de partida inicialmente programada – Consequências — Direito ao reencaminhamento — Modalidades — Assunção de custos adicionais — Direito de indemnização — Cálculo — Conceito de preço do bilhete — Organismo nacional de aplicação do Regulamento n.o 1177/2010 — Competência — Conceito de reclamação — Apreciação da validade — Artigos 16.o, 17.o, 20.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da igualdade de tratamento.
    Processo C-570/19.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:664

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    2 de setembro de 2021 ( *1 )

    Índice

     

    Quadro jurídico

     

    Direito da União

     

    Regulamento (UE) n.o 1177/2010

     

    Regulamento (CE) n.o 261/2004

     

    Direito irlandês

     

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

     

    Quanto às questões prejudiciais

     

    Quanto à primeira questão

     

    Quanto à terceira questão

     

    Quanto à segunda e quarta questões e à quinta questão, alínea a)

     

    Quanto à quinta questão, alínea b)

     

    Quanto à sexta questão

     

    Quanto à sétima questão

     

    Quanto à oitava questão

     

    Quanto à nona questão

     

    Quanto à décima questão

     

    Quanto às despesas

    «Reenvio prejudicial — Transportes marítimos — Direitos dos passageiros do transporte marítimo e por vias navegáveis interiores — Regulamento (UE) n.o 1177/2010 — Artigos 18.o e 19.o, artigo 20.o, n.o 4, e artigos 24.o e 25.o — Cancelamento de serviços de transporte de passageiros — Entrega tardia de um navio ao transportador — Comunicação anterior à data de partida inicialmente programada — Consequências — Direito ao reencaminhamento — Modalidades — Assunção de custos adicionais — Direito de indemnização — Cálculo — Conceito de preço do bilhete — Organismo nacional de aplicação do Regulamento n.o 1177/2010 — Competência — Conceito de reclamação — Apreciação da validade — Artigos 16.o, 17.o, 20.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da igualdade de tratamento»

    No processo C‑570/19,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela High Court (Tribunal Superior, Irlanda), por Decisão de 22 de julho de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de julho de 2019, no processo

    Irish Ferries Ltd

    contra

    National Transport Authority,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: M. Vilaras, presidente de secção, N. Piçarra, D. Šváby (relator), S. Rodin e K. Jürimäe, juízes,

    advogado‑geral: M. Szpunar,

    secretário: C. Strömholm, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 9 de setembro de 2020,

    considerando as observações apresentadas:

    em representação da Irish Ferries Ltd, por V. Power, T. O’Donnell, B. McGrath e E. Roberts, solicitors, C. Donnelly e P. Sreenan, SC,

    em representação da National Transport Authority, por M. Collins e D. McGrath, SC, S. Murray, BL, M. Doyle, K. Quigley e E. O’Hanrahan, solicitors,

    em representação da Irlanda, por M. Browne, G. Hodge, J. Quaney e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por P. McGarry, SC, e M. Finan, BL,

    em representação do Parlamento Europeu, por L. G. Knudsen e A. Tamás, na qualidade de agentes,

    em representação do Conselho da União Europeia, por O. Segnana e R. Meyer, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por N. Yerrell, L. Armati e S. L. Kalėda, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 4 de março de 2021,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 18.o e 19.o, do artigo 20.o, n.o 4, e dos artigos 24.o e 25.o do Regulamento (UE) n.o 1177/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, relativo aos direitos dos passageiros do transporte marítimo e por vias navegáveis interiores e que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 (JO 2010, L 334, p. 1), bem como a validade deste regulamento.

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Irish Ferries Ltd à National Transport Authority (Autoridade Nacional dos Transportes, Irlanda) (a seguir «autoridade irlandesa dos transportes») a respeito das condições de indemnização dos passageiros afetados pelo cancelamento das travessias entre Dublin (Irlanda) e Cherbourg (França).

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Regulamento (UE) n.o 1177/2010

    3

    Os considerandos 1, 2, 3, 12 a 15, 17 e 19 do Regulamento n.o 1177/2010 enunciam:

    «(1)

    A ação da União no domínio do transporte marítimo e por vias navegáveis interiores deverá ter por objetivo, nomeadamente, garantir aos passageiros um elevado nível de proteção, comparável ao de outros modos de transporte. Além disso, deverão ser plenamente tidas em conta as necessidades de proteção dos consumidores em geral.

    (2)

    Atendendo a que o passageiro dos serviços de transporte marítimo e por vias navegáveis interiores é a parte mais fraca do contrato de transporte, é necessário conceder um nível mínimo de proteção a todos os passageiros. Nada deverá obstar a que os transportadores proponham aos passageiros condições contratuais mais favoráveis do que as estabelecidas no presente regulamento. Ao mesmo tempo, o objetivo do presente regulamento não é interferir nas relações comerciais entre empresas no que diz respeito ao transporte de mercadorias. Mais concretamente, os acordos entre transportadores rodoviários e transportadores não deverão ser considerados contratos de transporte para efeitos do presente regulamento e, por conseguinte, não deverão dar ao transportador rodoviário ou aos seus empregados o direito a indemnização ao abrigo do presente regulamento em caso de atrasos.

    (3)

    A proteção dos passageiros deverá abranger não só os serviços de transporte de passageiros entre portos situados no território dos Estados‑Membros, mas também serviços de passageiros entre esses portos e portos situados fora do território dos Estados‑Membros, tendo em conta o risco de distorção da concorrência no mercado dos transportes de passageiros. Por conseguinte, para efeitos do presente regulamento, a expressão “transportador da União” deverá ser interpretada no sentido mais lato possível, mas sem afetar outros atos jurídicos da União, nomeadamente o Regulamento (CEE) n.o 4056/86 do Conselho, de 22 de dezembro de 1986, que determina as regras de aplicação aos transportes marítimos dos artigos 85.o e 86.o do Tratado [(JO 1986, L 378, p. 4)], e o Regulamento (CEE) n.o 3577/92 do Conselho, de 7 de dezembro de 1992, relativo à aplicação do princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos internos nos Estados‑Membros (cabotagem marítima) [(JO 1992, L 364, p. 7)].

    […]

    (12)

    Os passageiros deverão ser adequadamente informados em caso de cancelamento ou de atraso de um serviço de passageiros ou de um cruzeiro. Essas informações deverão contribuir para que os passageiros tomem as disposições necessárias e, se for caso disso, obtenham informações sobre correspondências alternativas.

    (13)

    Os inconvenientes causados aos passageiros em caso de cancelamento ou de atraso considerável da sua viagem deverão ser minimizados. Para o efeito, os passageiros deverão receber assistência adequada e poder cancelar a sua viagem e obter o reembolso dos seus bilhetes, ou ser reencaminhados em condições satisfatórias. Um alojamento adequado para os passageiros não terá de ser necessariamente um quarto de hotel, poderá consistir também em qualquer outro alojamento conveniente disponível, dependendo em particular das circunstâncias relativas a cada situação específica, dos veículos dos passageiros e das características do navio. Neste contexto, e em casos devidamente justificados de circunstâncias excecionais e urgentes, os transportadores deverão poder tirar pleno partido das instalações relevantes disponíveis, em cooperação com as autoridades civis.

    (14)

    Em caso de cancelamento ou de atraso de um serviço de transporte de passageiros, os transportadores deverão prever o pagamento de uma indemnização aos passageiros equivalente a uma percentagem do preço do bilhete, salvo se o cancelamento ou o atraso se deverem a condições meteorológicas que ponham em perigo a segurança do navio ou a circunstâncias extraordinárias que não pudessem ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis.

    (15)

    De acordo com os princípios geralmente aceites, caberá ao transportador o ónus da prova de que o cancelamento ou o atraso foram causados pelas referidas condições meteorológicas ou circunstâncias extraordinárias.

    […]

    (17)

    As circunstâncias excecionais deverão incluir, nomeadamente, catástrofes naturais como incêndios e terramotos, ataques terroristas, guerras e conflitos armados militares ou civis, insurreições, confiscos militares ou ilegais, conflitos laborais, desembarque de pessoas doentes, feridas ou falecidas, operações de busca e salvamento no mar ou em vias navegáveis interiores, medidas necessárias para proteger o ambiente, decisões tomadas por entidades gestoras do tráfego ou por autoridades portuárias, e decisões tomadas pelas autoridades competentes para manter a segurança e a ordem pública ou para dar resposta a necessidades urgentes de transporte.

    […]

    (19)

    O Tribunal de Justiça da União Europeia já decidiu que os problemas que provoquem cancelamentos ou atrasos só podem ser abrangidos pelo conceito de circunstâncias extraordinárias na medida em que tenham origem em acontecimentos não inerentes ao exercício normal da atividade do transportador em causa e estejam fora do seu controlo. Deverá notar‑se que condições meteorológicas que ponham em perigo a segurança do navio estão de facto fora do controlo do transportador.»

    4

    O artigo 2.o do Regulamento n.o 1177/2010, intitulado «Âmbito de aplicação», dispõe:

    «1.   O presente regulamento aplica‑se aos passageiros que viajem:

    a)

    Utilizando serviços de transporte de passageiros, sempre que o porto de embarque esteja situado no território de um Estado‑Membro;

    b)

    Utilizando serviços de transporte de passageiros, sempre que o porto de embarque esteja situado fora do território de um Estado‑Membro e o porto de desembarque esteja situado no território de um Estado‑Membro, desde que o serviço seja explorado por um transportador da União na aceção da alínea e) do artigo 3.o;

    c)

    Em cruzeiros, sempre que o porto de embarque esteja situado no território de um Estado‑Membro. Todavia, o n.o 2 do artigo 16.o, os artigos 18.o e 19.o e os n.os 1 e 4 do artigo 20.o não são aplicáveis a esses passageiros.

    2.   O presente regulamento não se aplica aos passageiros que viajem:

    a)

    Em navios certificados para transportar, no máximo, 12 passageiros;

    b)

    Em navios com uma tripulação responsável pela operação do navio não superior a três pessoas, ou quando a distância total percorrida pelo serviço de passageiros for inferior a 500 metros por trajeto;

    c)

    Em excursões e visitas turísticas que não sejam cruzeiros; ou

    d)

    Em navios sem propulsão mecânica, bem como em navios de passageiros históricos originais, e réplicas dos mesmos, projetados antes de 1965, construídos predominantemente com materiais originais e certificados para transportar, no máximo, 36 passageiros.

    3.   Durante um período de dois anos a contar de 18 de dezembro de 2012, os Estados‑Membros podem isentar da aplicação do presente regulamento os navios de mar com menos de 300 toneladas de arqueação bruta operados em transportes domésticos desde que os direitos conferidos aos passageiros pelo presente regulamento estejam devidamente salvaguardados pela lei nacional.

    4.   Os Estados‑Membros podem isentar da aplicação do presente regulamento os serviços de transporte de passageiros abrangidos por obrigações de serviço público, por contratos de serviço público ou por serviços integrados desde que os direitos conferidos aos passageiros pelo presente regulamento estejam salvaguardados de forma similar pela lei nacional.

    […]»

    5

    O artigo 3.o deste regulamento contém as seguintes definições:

    «[…]

    f)

    “Serviço de passageiros”, um serviço de transporte comercial de passageiros por via marítima ou por vias navegáveis interiores, explorado de acordo com um horário publicado;

    […]

    m)

    “Contrato de transporte”, um contrato de transporte celebrado entre um transportador e um passageiro tendo em vista a prestação de um ou mais serviços de transporte de passageiros ou de cruzeiros;

    n)

    “Bilhete”, um documento válido ou qualquer outra prova da existência de um contrato de transporte;

    […]

    r)

    “Reserva”, a reserva de uma partida específica de um serviço de passageiros ou de um cruzeiro;

    […]»

    6

    O artigo 4.o do referido regulamento, intitulado «Bilhetes e condições contratuais não discriminatórias», prevê, no n.o 2:

    «Sem prejuízo das tarifas sociais, as condições contratuais e as tarifas aplicadas pelos transportadores ou pelos vendedores de bilhetes são oferecidas ao público em geral sem discriminação direta ou indireta em razão da nacionalidade do cliente final ou do local de estabelecimento dos transportadores ou dos vendedores de bilhetes na União.»

    7

    No capítulo II do mesmo regulamento, intitulado «Direitos das pessoas com deficiência e das pessoas com mobilidade reduzida», o artigo 7.o, sob a epígrafe «Direito ao transporte», enuncia, no n.o 2:

    «As pessoas com deficiência e as pessoas com mobilidade reduzida têm acesso a reservas e bilhetes sem agravamento de custos nas mesmas condições aplicáveis a todos os outros passageiros.»

    8

    No capítulo III do Regulamento n.o 1177/2010, intitulado «Obrigações dos transportadores e dos operadores de terminais em caso de interrupção da viagem», o artigo 18.o, sob a epígrafe «Reencaminhamento e reembolso em caso de partidas canceladas ou atrasadas», dispõe:

    «1.   Caso um transportador tenha boas razões para prever que um serviço de transporte de passageiros será cancelado ou que a sua partida de um terminal portuário terá um atraso superior a 90 minutos, deve ser imediatamente oferecida aos passageiros a possibilidade de escolher entre:

    a)

    O reencaminhamento para o seu destino final, em condições equivalentes, nos termos do contrato de transporte, na primeira oportunidade e sem agravamento de custos;

    b)

    O reembolso do preço do bilhete e, se for caso disso, a viagem gratuita de regresso ao ponto de partida inicial estabelecido no contrato de transporte, na primeira oportunidade.

    2.   Caso um serviço de transporte de passageiros seja cancelado ou a sua partida de um porto tenha um atraso superior a 90 minutos, os passageiros têm direito ao reencaminhamento ou ao reembolso do preço do bilhete pelo transportador.

    3.   O reembolso integral do bilhete previsto na alínea b) do n.o 1 e no n.o 2 deve ser efetuado no prazo de sete dias, em numerário, por transferência bancária eletrónica, por ordem de transferência ou por cheque, pelo preço a que tenha sido adquirido, no que se refere à parte ou partes da viagem não efetuadas, e no que se refere à parte ou partes já efetuadas caso a viagem já não se justifique em função do plano inicial de viagem do passageiro. Se o passageiro concordar, o reembolso integral pode ser igualmente efetuado sob a forma de vales ou de outros serviços num montante equivalente ao preço de compra do bilhete, desde que as respetivas condições sejam flexíveis, especialmente no que respeita ao prazo de validade e ao destino.»

    9

    O artigo 19.o deste regulamento, intitulado «Indemnização do preço do bilhete em caso de atrasos à chegada», prevê:

    «1.   Os passageiros que sofram atrasos à chegada ao destino final estabelecido no contrato de transporte podem exigir uma indemnização ao transportador sem perderem o direito ao transporte. O nível mínimo de indemnização é de 25 % do preço do bilhete para atrasos mínimos de:

    a)

    Uma hora, no caso de uma viagem regular cuja duração não exceda quatro horas;

    b)

    Duas horas, no caso de uma viagem regular cuja duração seja superior a quatro horas mas não exceda oito horas;

    c)

    Três horas, no caso de uma viagem regular cuja duração seja superior a oito horas mas não exceda 24 horas;

    d)

    Seis horas, no caso de uma viagem regular cuja duração seja superior a 24 horas.

    Se o atraso for superior ao dobro do tempo estabelecido nas alíneas a) a d), a indemnização é de 50 % do preço do bilhete.

    2.   Os passageiros titulares de passes ou títulos de transporte sazonais que se vejam confrontados com atrasos sucessivos à chegada durante o respetivo prazo de validade podem pedir uma indemnização adequada de acordo com as normas do transportador em matéria de indemnizações. Estas normas devem indicar os critérios para determinar os atrasos à chegada e para o cálculo das indemnizações.

    3.   A indemnização é calculada em função do preço efetivamente pago pelo passageiro pelo serviço de transporte de passageiros que sofreu atraso.

    4.   Caso o transporte seja de ida e volta, a indemnização pelo atraso tanto para o trajeto de ida como para o de volta é calculada em função de metade do preço pago pelo transporte efetuado pelo serviço de transporte de passageiros em causa.

    5.   A indemnização deve ser paga no prazo de um mês a contar da apresentação do respetivo pedido. A indemnização pode ser paga em vales ou outros serviços, desde que as respetivas condições sejam flexíveis, especialmente no que respeita ao prazo de validade e ao destino. A indemnização deve ser paga em numerário caso o passageiro o requeira.

    6.   Da indemnização do preço do bilhete não podem ser deduzidos os custos da transação financeira, tais como taxas, despesas de telefone ou selos. Os transportadores podem estabelecer um limiar mínimo abaixo do qual não haja lugar ao pagamento de indemnização. Esse limiar não pode ser superior a 6 [euros].»

    10

    O artigo 20.o do referido regulamento, intitulado «Exceções», tem a seguinte redação:

    «1.   Os artigos 17.o, 18.o e 19.o não se aplicam aos passageiros com bilhetes em aberto desde que a hora da partida não esteja fixada, com exceção dos passageiros titulares de passes ou títulos de transporte sazonais.

    2.   Os artigos 17.o e 19.o não se aplicam se o passageiro tiver sido informado do cancelamento ou do atraso antes da compra do bilhete ou se o cancelamento ou o atraso se deverem a facto do passageiro.

    3.   O n.o 2 do artigo 17.o não se aplica se o transportador provar que o cancelamento ou o atraso foram causados por condições meteorológicas que punham em perigo a segurança do navio.

    4.   O artigo 19.o não se aplica se o transportador provar que o cancelamento ou o atraso foram causados por condições meteorológicas que punham em perigo a segurança do navio ou por circunstâncias excecionais que afetavam a prestação do serviço de transporte de passageiros e que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis.»

    11

    No capítulo IV do mesmo regulamento, intitulado «Regras gerais em matéria de informações e reclamações», o artigo 24.o, sob a epígrafe, «Reclamações», enuncia:

    «1.   Os transportadores e os operadores de terminais devem estabelecer ou dispor de um mecanismo acessível para tratamento das reclamações relativas aos direitos e obrigações estabelecidos pelo presente regulamento.

    2.   Caso um passageiro abrangido pelo presente regulamento pretenda apresentar uma reclamação junto do transportador ou do operador de terminal, deve fazê‑lo no prazo de dois meses a contar da data da prestação do serviço ou da data em que o serviço devia ter sido prestado. No prazo de um mês a contar da receção da reclamação, o transportador ou o operador de terminal devem informar o passageiro de que a sua reclamação foi aceite, foi rejeitada ou está ainda a ser analisada. A resposta definitiva deve ser‑lhe dada no prazo máximo de dois meses a contar da data de receção da reclamação.»

    12

    No capítulo V do Regulamento n.o 1177/2010, intitulado «Aplicação e organismos nacionais de aplicação», o artigo 25.o, sob a epígrafe «Organismos nacionais de aplicação», dispõe:

    «1.   Cada Estado‑Membro deve designar um ou vários organismos, novos ou já existentes, encarregados da aplicação do presente regulamento no que respeita aos serviços de passageiros e aos cruzeiros provenientes de portos situados no seu território e aos serviços de passageiros provenientes de países terceiros com destino a esses portos. Estes organismos devem tomar as medidas necessárias para garantir o cumprimento do presente regulamento.

    Estes organismos devem ser independentes de interesses comerciais no que se refere à sua organização, decisões de financiamento, estrutura jurídica e tomada de decisões.

    2.   Os Estados‑Membros devem notificar a Comissão do organismo ou organismos designados nos termos do presente artigo.

    3.   Qualquer passageiro pode apresentar uma reclamação nos termos da lei nacional junto do organismo competente designado nos termos do n.o 1 ou junto de qualquer outro organismo competente designado por um Estado‑Membro, por alegada infração do presente regulamento. O organismo competente transmite aos passageiros uma resposta fundamentada à sua reclamação dentro de um prazo razoável.

    Os Estados‑Membros podem decidir:

    a)

    Que, numa primeira fase, o passageiro apresente a reclamação abrangida pelo presente regulamento ao transportador ou ao operador de terminal; e/ou

    b)

    Que o organismo nacional de aplicação ou qualquer outro organismo competente designado pelo Estado‑Membro aja como instância de recurso para as reclamações não resolvidas ao abrigo do artigo 24.o

    4.   Os Estados‑Membros que optem por isentar determinados serviços nos termos do n.o 4 do artigo 2.o devem assegurar a existência de um mecanismo equivalente de fiscalização do respeito dos direitos dos passageiros.»

    Regulamento (CE) n.o 261/2004

    13

    O Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91 (JO 2004, L 46, p. 1), contém o artigo 5.o, intitulado «Cancelamento», cujo n.o 1 enuncia:

    «Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a:

    […]

    c)

    Receber da transportadora aérea operadora indemnização nos termos do artigo 7.o, salvo se:

    i)

    tiverem sido informados do cancelamento pelo menos duas semanas antes da hora programada de partida, ou

    ii)

    tiverem sido informados do cancelamento entre duas semanas e sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até duas horas antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até quatro horas depois da hora programada de chegada, ou

    iii)

    tiverem sido informados do cancelamento menos de sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até uma hora antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até duas horas depois da hora programada de chegada.»

    Direito irlandês

    14

    As European Union (Rights of Passengers when Travelling by Sea and Inland Waterway) Regulations 2012 [Regulamento de 2012, Relativo à União Europeia (Direitos dos Passageiros do Transporte Marítimo e por Vias Navegáveis Interiores)] (a seguir «Regulamento de 2012»), adotado em 10 de outubro de 2012, designa, no artigo 3.o, a autoridade irlandesa dos transportes como organismo de aplicação na aceção do artigo 25.o do Regulamento n.o 1177/2010.

    15

    Em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento de 2012, a autoridade irlandesa dos transportes pode, oficiosamente ou na sequência de reclamação apresentada por um passageiro, se considerar que um prestador não respeita o Regulamento n.o 1177/2010, dirigir a esse prestador «uma notificação que especifique o incumprimento ou a violação em causa, que o obriga a tomar as medidas especificadas na notificação, no prazo fixado, para dar cumprimento à notificação».

    16

    O artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento de 2012 prevê que, nos casos em que seja enviada uma notificação em aplicação do artigo 4.o, n.o 1, desse regulamento, o prestador pode apresentar as suas observações à autoridade irlandesa dos transportes no prazo de 21 dias. Essa autoridade examina as observações e confirma, altera ou retira a notificação.

    17

    Por último, em aplicação do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento de 2012, o prestador a quem tenha sido dirigida uma notificação nos termos desse regulamento e que não a respeite pratica uma infração punível, em caso de condenação sumária, com coima no montante de 5000 euros ou, em caso de condenação na sequência da acusação, com coima não superior a 250000 euros.

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    18

    Em 2016, a sociedade‑mãe da Irish Ferries, a Irish Continental Group plc, celebrou um contrato com uma sociedade de direito alemão, a Flensburger Schiffbau‑Gesellschaft (a seguir «estaleiro naval»), para a construção de um navio, prevendo‑se a entrega do mesmo, devidamente certificado para a navegação, até 26 de maio de 2018, o mais tardar.

    19

    O referido navio devia começar a operar na temporada estival de 2018 para assegurar várias ligações, entre as quais uma nova ligação constituída por travessias de ida e volta sem interrupção entre Dublin e Cherbourg (a seguir «ligação Dublin‑Cherbourg»).

    20

    Tendo em conta a duração da travessia, cerca de 18 horas, a Irish Ferries tinha previsto operar o navio para assegurar a ligação Dublin‑Cherbourg em dias alternados com outro navio que operava na temporada de 2018 nas ligações entre Rosslare (Irlanda) e Cherbourg e entre Rosslare e Roscoff (França), oferecendo, assim, um serviço diário entre a Irlanda e a França, mas com partida e chegada a diversos portos.

    21

    Em janeiro de 2017, o estaleiro naval comunicou oralmente à Irish Ferries que previa entregar o navio em causa em 22 de junho de 2018, o mais tardar.

    22

    Em 27 de outubro de 2017, a Irish Ferries começou a aceitar reservas para a temporada de 2018, visto que a maioria dos passageiros reserva as travessias antecipadamente. Em 1 de novembro de 2017, o estaleiro naval confirmou que o navio em causa seria efetivamente entregue em 22 de junho de 2018, para estar disponível para a primeira travessia programada para 12 de julho de 2018.

    23

    Todavia, em 18 de abril de 2018, o estaleiro naval informou a Irish Ferries de que o navio em causa não seria entregue antes de 13 de julho de 2018, tendo em conta o atraso dos fabricantes de equipamentos externos contratados na qualidade de subcontratantes. Por conseguinte, as travessias não se podiam iniciar, como previsto, em 12 de julho de 2018, e algumas outras travessias seriam igualmente afetadas.

    24

    Assim, após ter verificado, em 20 de abril de 2018, que não podia substituir esse navio por um navio da sua frota nem pelo fretamento de um navio de substituição por intermédio de uma corretora marítima, a Irish Ferries cancelou as travessias programadas com o navio em causa até à nova data de entrega deste, acrescida de um prazo de segurança. Assim, a Irish Ferries cancelou as travessias de 12 a 29 de julho de 2018.

    25

    No quadro deste cancelamento, a Irish Ferries encetou várias diligências. Em primeiro lugar, notificou a todos os passageiros em causa o cancelamento das travessias com um pré‑aviso de doze semanas. Em segundo lugar, propôs a esses passageiros o reembolso integral imediato do preço do bilhete ou a possibilidade de reservarem outras travessias à escolha (a seguir «travessias de substituição»). Como não existia outro serviço de transporte idêntico na ligação Dublin‑Cherbourg, a Irish Ferries propôs aos passageiros em causa uma série de travessias de substituição com partida e chegada a diferentes portos que ligam a Irlanda e a França, direta ou indiretamente, ou seja, transitando pela Grã‑Bretanha (Reino Unido). Todavia, a autoridade irlandesa dos transportes contesta no órgão jurisdicional de reenvio o facto de a Irish Ferries ter proposto a todos os passageiros o reencaminhamento pela ponte terrestre.

    26

    Quanto aos passageiros reencaminhados com destino ou partida de Rosslare, em vez de Dublin, e/ou com destino ou partida de Roscoff, em vez de Cherbourg, a Irish Ferries não propôs o reembolso dos custos adicionais por eles eventualmente suportados. Com efeito, a Irish Ferries considerou que nem todos os passageiros suportavam custos adicionais, uma vez que alguns deles se encontravam mais perto de Roscoff do que de Cherbourg.

    27

    Em 9 de maio de 2018, a autoridade irlandesa dos transportes avisou a Irish Ferries de que estava a examinar as circunstâncias do cancelamento das travessias de 12 a 29 de julho de 2018«para estabelecer as modalidades de aplicação do [Regulamento n.o 1177/2010] nesse caso» e pediu‑lhe que explicasse as razões pelas quais este transportador considerava que o cancelamento era imputável a circunstâncias excecionais que estavam fora do seu controlo.

    28

    Em 1 de junho de 2018, a autoridade irlandesa dos transportes solicitou à Irish Ferries informações adicionais sobre a observância, por esta última, do artigo 18.o do Regulamento n.o 1177/2010.

    29

    Em 11 de junho de 2018, o estaleiro naval comunicou à Irish Ferries que a entrega do navio em causa estava novamente atrasada, até dia indeterminado do mês de setembro, devido ao atraso de um subcontratante nos trabalhos de cablagem elétrica e de instalação do sistema elétrico do casco e da cobertura, bem como aos atrasos na entrega de elementos interiores destinados aos espaços públicos. No final, o navio foi entregue em 12 de dezembro de 2018, ou seja, com um atraso de cerca de 200 dias.

    30

    Perante a impossibilidade de operar o navio em causa e por não ter podido fretar um navio de substituição, a Irish Ferries decidiu cancelar todas as travessias programadas para depois de 30 de julho de 2018.

    31

    No quadro deste cancelamento, a Irish Ferries encetou várias diligências. Em primeiro lugar, assim que teve a confirmação de que não era possível fretar um navio de substituição, comunicou o referido cancelamento a todos os passageiros em causa, respeitando um pré‑aviso de sete a doze semanas. Em segundo lugar, ofereceu aos mesmos passageiros a possibilidade de cancelarem e obterem o reembolso integral imediato do preço do bilhete. Em terceiro lugar, propôs aos referidos passageiros a possibilidade de irem para França por travessias de substituição, sem reembolso de eventuais custos adicionais. Propôs igualmente aos passageiros reencaminhá‑los pela ponte terrestre à escolha, de entre as que propunha, a partir de qualquer porto de ferry irlandês com destino a portos franceses como Cherbourg, Roscoff, Calais e Caen. As despesas de combustível suportadas para atravessar a Grã‑Bretanha eram então reembolsadas ao passageiro.

    32

    Destas diligências resultou que, dos 20000 passageiros afetados pelos cancelamentos, 82 % optaram pelas travessias de substituição com a Irish Ferries ou outros transportadores, 3 % preferiram recorrer à ponte terrestre e os restantes 15 % aceitaram o reembolso integral do preço do bilhete.

    33

    Quanto aos passageiros que optaram pelas travessias de substituição, os eventuais custos adicionais não foram faturados aos passageiros, tendo sido assumidos pela Irish Ferries. Além disso, as eventuais diferenças relativas às despesas a bordo foram reembolsadas pela Irish Ferries.

    34

    Quanto aos passageiros que optaram pela ponte terrestre, a Irish Ferries reembolsou‑lhes as despesas de combustível necessárias à travessia da Grã‑Bretanha.

    35

    Todavia, a Irish Ferries não pagou nenhuma indemnização pelo atraso à chegada ao destino final aos passageiros que o pediram em aplicação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1177/2010, visto que, no seu entender, propôs o reencaminhamento e o reembolso do preço do bilhete em conformidade com o artigo 18.o deste regulamento. Com efeito, a Irish Ferries considerou que os artigos 18.o e 19.o do referido regulamento não se aplicam simultaneamente.

    36

    Em 1 de agosto de 2018, a autoridade irlandesa dos transportes dirigiu à Irish Ferries uma «notificação preliminar» relativa à aplicação do Regulamento n.o 1177/2010 às travessias canceladas, à qual, em 15 de agosto de 2018, a Irish Ferries respondeu apresentando as suas observações.

    37

    Em 19 de outubro de 2018, a autoridade irlandesa dos transportes adotou uma decisão em que considerou, primeiro, que o Regulamento n.o 1177/2010 era aplicável aos cancelamentos das travessias entre Dublin e Cherbourg durante o verão de 2018; segundo, que a Irish Ferries não tinha cumprido as exigências previstas no artigo 18.o deste regulamento; e, terceiro, que este transportador não tinha respeitado o artigo 19.o do referido regulamento. Em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento de 2012, esta decisão concretizou‑se na realização de duas notificações ao abrigo, respetivamente, do artigo 18.o e do artigo 19.o do Regulamento n.o 1177/2010.

    38

    A Irish Ferries apresentou as suas observações sobre esta decisão no mês de novembro de 2018, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento de 2012.

    39

    Por Decisão de 25 de janeiro de 2019, no termo de um procedimento contraditório, a autoridade irlandesa dos transportes confirmou as notificações realizadas ao abrigo dos artigos 18.o e 19.o do Regulamento n.o 1177/2010. Assim, por um lado, considerou que a Irish Ferries não tinha cumprido a obrigação de reencaminhamento prevista no artigo 18.o deste regulamento e convidou‑a a reembolsar os eventuais custos adicionais suportados pelos passageiros afetados pelas travessias canceladas que optaram pelo reencaminhamento com destino ou partida de Rosslare, em vez de Dublin, e/ou com destino ou partida de Roscoff, em vez de Cherbourg.

    40

    Por outro lado, considerou que a Irish Ferries tinha violado o artigo 19.o do referido regulamento e convidou‑a a pagar uma indemnização aos passageiros afetados por atrasos no destino final estabelecido no contrato de transporte.

    41

    A Irish Ferries impugnou a Decisão de 25 de janeiro de 2019 e as notificações realizadas ao abrigo dos artigos 18.o e 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 na High Court (Tribunal Superior, Irlanda), alegando, em primeiro lugar, que este regulamento não é aplicável quando o cancelamento do serviço de transporte de passageiros ocorre várias semanas antes da data programada das travessias. Em segundo lugar, a Irish Ferries contesta a interpretação e a aplicação feitas pela autoridade irlandesa dos transportes dos artigos 18.o a 20.o do Regulamento n.o 1177/2010. Mais concretamente, sustenta que o atraso na entrega do navio em causa constitui uma circunstância excecional que a isenta do pagamento da indemnização prevista no artigo 19.o deste regulamento. Em terceiro lugar, a Irish Ferries imputa à autoridade irlandesa dos transportes a violação do artigo 25.o do referido regulamento por excesso de poder. Com efeito, esta autoridade exerceu a sua competência em relação a serviços de transporte com partida de França e com destino à Irlanda, quando esses serviços são da competência exclusiva das autoridades francesas. Em quarto lugar, a Irish Ferries acusa a autoridade irlandesa dos transportes de ter violado o artigo 24.o do Regulamento n.o 1177/2010 por não ter limitado os efeitos da sua decisão aos passageiros que apresentaram reclamações sob a forma e nos prazos previstos no artigo 24.o deste regulamento. Em quinto lugar, a Irish Ferries contesta a validade do referido regulamento perante os princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da igualdade de tratamento, bem como perante os artigos 16.o, 17.o e 20.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

    42

    Nestas circunstâncias, a High Court (Tribunal Superior) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «[…]

    1)

    É o [Regulamento n.o 1177/2010] (especialmente os artigos 18.o e/ou 19.o) aplicável quando os passageiros tenham efetuado reservas antecipadamente e celebrado contratos de transporte e os serviços de passageiros sejam cancelados, através de uma comunicação efetuada, no mínimo, sete semanas antes da partida programada, em razão de um atraso na entrega de um novo navio ao operador de embarcações ferry? A este respeito, é alguma das seguintes situações (ou são todas elas) pertinentes para efeitos da aplicabilidade [deste] regulamento?

    a)

    A entrega acabou por ser feita com 200 dias de atraso;

    b)

    O operador de embarcações ferry teve de cancelar uma temporada inteira de viagens;

    c)

    Foi impossível conseguir encontrar um navio alternativo adequado;

    d)

    O operador de embarcações ferry efetuou novas reservas para mais de 20000 passageiros em diferentes viagens ou reembolsou‑os do valor dos bilhetes;

    e)

    Essas viagens estavam inseridas numa nova rota aberta pelo operador de embarcações ferry para a qual não existia nenhum serviço alternativo semelhante na rota inicial?

    […]

    2)

    Quando um passageiro é reencaminhado para um transporte alternativo em conformidade com o artigo 18.o [do Regulamento n.o 1177/2010], dá lugar a um novo contrato de transporte, de tal modo que o direito a indemnização previsto no artigo 19.o [deste regulamento] deve ser determinado em conformidade com este novo contrato e não com o contrato original de transporte?

    3)

    a)

    Caso o [referido] artigo 18.o seja aplicável, se uma viagem for cancelada e não houver um serviço alternativo que efetue essa rota (ou seja, não existir um serviço direto entre esses dois portos), a proposta de uma viagem alternativa em qualquer outra rota ou rotas disponíveis, à escolha do passageiro, incluindo através de uma “ponte terrestre” (por exemplo, viajando o passageiro da Irlanda para o Reino Unido por ferry, a seguir, por estrada, mediante o reembolso das despesas de combustível pelo operador de embarcações ferry, até um porto no Reino Unido, e, a partir daí, até França por ferry, escolhendo o passageiro cada um dos trajetos) equivale a um “reencaminhamento para o seu destino final” para efeitos do [mesmo] artigo 18.o? Em caso de resposta negativa, quais devem ser os critérios utilizados para determinar se o reencaminhamento é efetuado “em condições equivalentes”?

    b)

    Caso não exista uma viagem alternativa na rota cancelada que permita que o passageiro afetado tenha lugar numa viagem direta a partir do porto inicial de embarque para o destino final conforme estabelecido no contrato de transporte, é o transportador obrigado a pagar os eventuais custos adicionais suportados pelo passageiro reencaminhado por ter de viajar desde e para o novo porto de embarque e/ou desde e até ao novo porto de destino?

    […]

    4)

    a)

    É o artigo 19.o [do Regulamento n.o 1177/2010] aplicável se a viagem já tiver sido efetivamente cancelada, pelo menos, sete semanas antes da partida programada? Se a resposta for afirmativa, [este] artigo 19.o é aplicável quando, em aplicação do artigo 18.o [deste regulamento], o passageiro tenha sido reencaminhado sem custos adicionais e/ou tenha sido reembolsado e/ou tenha optado por uma viagem posterior?

    b)

    Caso o artigo 19.o [do Regulamento n.o 1177/2010] seja aplicável, qual deve ser considerado o “destino final” para efeitos [deste artigo]?

    5)

    Caso o artigo 19.o [do Regulamento n.o 1177/2010] seja aplicável:

    a)

    Como deve ser contabilizado o período de atraso em tais circunstâncias?

    b)

    Como deve ser calculado o preço, na aceção [deste] artigo 19.o, para determinar o montante da indemnização a pagar e, em especial, inclui esse montante os custos referentes a serviços extras (por exemplo, camarotes, compartimentos para animais e salas de espera de primeira classe)?

    […]

    6)

    Caso o [Regulamento n.o 1177/2010] seja aplicável, constituem as circunstâncias e considerações referidas na primeira questão “circunstâncias excecionais […] que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis”, para efeitos do artigo 20.o, n.o 4, [deste] regulamento?

    […]

    7)

    Tem o artigo 24.o [do Regulamento n.o 1177/2010] como efeito impor a qualquer passageiro que pretenda pedir uma indemnização nos termos do artigo 19.o [deste] regulamento a obrigação de apresentar uma reclamação no prazo de dois meses desde a data em que o serviço foi prestado ou deveria ter sido prestado?

    […]

    8)

    É a competência do organismo nacional responsável pela aplicação do [Regulamento n.o 1177/2010] limitada a viagens entre os portos referidos no artigo 25.o [deste] regulamento ou pode ser alargada a uma viagem de regresso desde o porto de outro Estado‑Membro para o país do organismo nacional competente?

    […]

    9)

    a)

    Quais são os princípios e regras do direito da União que o órgão jurisdicional de reenvio deve aplicar ao apreciar a validade da decisão e/ou das comunicações do organismo nacional responsável pela aplicação do [Regulamento n.o 1177/2010], à luz dos artigos 16.o, 17.o, 20.o e/ou 47.o da Carta e/ou dos princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da igualdade de tratamento?

    b)

    O critério relativo à falta de caráter razoável que o órgão jurisdicional nacional deve aplicar é o critério do erro manifesto?

    […]

    10)

    É o Regulamento n.o 1177/2010 válido nos termos do direito da União, tendo em conta, em especial:

    a)

    os artigos 16.o, 17.o e 20.o da Carta?

    b)

    o facto de os operadores de linhas aéreas não terem a obrigação de pagar uma indemnização se informarem o passageiro da companhia aérea do cancelamento, pelo menos, duas semanas antes da hora programada de partida [artigo 5.o, n.o 1, alínea c), ponto i, do Regulamento n.o 261/2004]?

    c)

    os princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da igualdade de tratamento?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    43

    Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento n.o 1177/2010 deve ser interpretado no sentido de que é aplicável aos casos em que o transportador cancela um serviço de transporte de passageiros respeitando um pré‑aviso de várias semanas antes da partida inicialmente programada, com o fundamento de que o navio que devia assegurar esse serviço sofreu um atraso na sua entrega e não pôde ser substituído.

    44

    A título preliminar, deve salientar‑se que resulta da redação desta questão e dos fundamentos da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio se refere a um conjunto de circunstâncias que, segundo esse órgão jurisdicional, podem ser pertinentes para a resposta a dar à referida questão, como a impossibilidade de o transportador encontrar um navio de substituição, a falta de um serviço de transporte de substituição semelhante na ligação em causa, devido à nova abertura dessa ligação, ou ainda o número considerável de passageiros afetados pelo cancelamento das travessias provocado pela entrega tardia do navios em causa e que foram ou reembolsados ou reencaminhados por outros navios noutras travessias ou por outros meios de transporte. Todavia, resulta da decisão de reenvio que, na realidade, este órgão jurisdicional se interroga, à luz da argumentação que lhe foi exposta pela Irish Ferries, sobre a questão de saber se o Regulamento n.o 1177/2010 é aplicável quando o transportador informa os passageiros do cancelamento do serviço de transporte mediante um pré‑aviso de várias semanas. Com efeito, segundo a Irish Ferries, este regulamento só é aplicável a duas categorias de passageiros, a saber, por um lado, os passageiros cuja travessia iminente seja cancelada ou sofra atrasos e que se encontrem fisicamente no porto e, por outro, os passageiros que se encontrem a bordo do navio em fase de cruzeiro.

    45

    Prestado este esclarecimento, cabe salientar que o âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1177/2010 é delimitado pelo seu artigo 2.o O n.o 1 deste artigo estabelece o princípio de que este regulamento se aplica a três categorias de passageiros, a saber, em primeiro lugar, os que viajam utilizando serviços de transporte de passageiros, sempre que o porto de embarque esteja situado no território de um Estado‑Membro; em segundo lugar, os que viajam utilizando serviços de transporte de passageiros, sempre que o porto de embarque esteja situado fora do território de um Estado‑Membro e o porto de desembarque esteja situado no território de um Estado‑Membro, desde que o serviço seja explorado por um transportador da União; e, em terceiro lugar, os que viajam participando em cruzeiros, sempre que o porto de embarque esteja situado no território de um Estado‑Membro. Por seu lado, os n.os 2 a 4 do referido artigo enumeram os casos a que o referido regulamento não é aplicável.

    46

    Resulta de uma leitura de conjunto do artigo 2.o do Regulamento n.o 1177/2010 que o legislador da União quis delimitar o âmbito de aplicação deste regulamento à luz de dois critérios que devem ser tidos em conta cumulativamente, a saber, por um lado, o lugar de embarque ou de desembarque do serviço de transporte em causa e, por outro, a «utilização» do serviço de transporte pelo passageiro ou a «participação» desse passageiro num cruzeiro.

    47

    No caso em apreço, a resposta à primeira questão requer a interpretação do conceito de utilização de um serviço de transporte marítimo de passageiros. Ora, cumpre salientar que este conceito não se encontra definido no artigo 2.o do Regulamento n.o 1177/2010 nem em nenhuma outra disposição deste regulamento. Todavia, importa observar que, em conformidade com o seu sentido habitual na linguagem corrente, o referido conceito tanto pode ser objeto de uma leitura restrita, no sentido de que só os passageiros que estão durante o transporte a bordo de um navio utilizam tal serviço, como de uma leitura mais ampla, englobando igualmente os passageiros que preveem a utilização de um serviço de transporte marítimo e que já encetaram as diligências necessárias para o efeito, como uma reserva ou a compra de um bilhete.

    48

    Assim, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, deve interpretar‑se o conceito de utilização tendo em conta não só a sua letra mas também o seu contexto, bem como os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (v., neste sentido, Acórdão de 12 de outubro de 2017, Kamin und Grill Shop, C‑289/16, EU:C:2017:758, n.o 22 e jurisprudência referida).

    49

    A este respeito, a sistemática geral do Regulamento n.o 1177/2010 milita a favor de uma interpretação ampla do conceito de utilização de um serviço de transporte marítimo. Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 61 das suas conclusões, este regulamento contém disposições aplicáveis a situações que ocorrem numa fase anterior à prestação de um serviço de transporte de passageiros. Assim, o artigo 4.o, n.o 2, deste regulamento proíbe, em substância, ao transportador de passageiros propor ao público condições contratuais e tarifárias discriminatórias em razão da nacionalidade do passageiro. Do mesmo modo, o artigo 7.o, n.o 2, do referido regulamento prevê que as pessoas com deficiência e as pessoas com mobilidade reduzida tenham acesso a reservas e bilhetes sem agravamento de custos nas mesmas condições aplicáveis a todos os outros passageiros.

    50

    Por outro lado, os artigos 18.o e 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 ficariam esvaziados de grande parte do seu sentido se o conceito de passageiro «que viaja utilizando serviços de transporte», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, deste regulamento, abrangesse apenas os passageiros que já se encontram a bordo de um navio.

    51

    A interpretação deste conceito no sentido de que abrange também os passageiros que efetuaram reservas ou compraram bilhetes para um serviço de transporte marítimo é igualmente confirmada pelos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 1177/2010. Como enunciam os considerandos 1, 2 e 13 deste regulamento, a finalidade deste consiste em garantir aos passageiros um elevado nível de proteção, tendo em conta as necessidades de proteção dos consumidores em geral, conferindo‑lhes um nível mínimo de proteção devido à sua qualidade de parte mais fraca do contrato de transporte. O legislador da União quis, assim, reforçar os direitos desses passageiros num certo número de situações que provocam sérios inconvenientes, obviando aos mesmos de forma uniforme e imediata.

    52

    Ora, tais objetivos têm para as pessoas que efetuaram uma reserva ou compraram um bilhete para um serviço de transporte marítimo de passageiros no mínimo a mesma importância que para os passageiros que já se encontram a bordo de um navio que efetua esse transporte.

    53

    Neste contexto, não se pode considerar que o legislador da União tenha, sem prever uma disposição específica a este respeito no artigo 2.o do Regulamento n.o 1177/2010, querido submeter o âmbito de aplicação deste regulamento a condições adicionais como as contempladas na primeira questão, relativas ao cumprimento de um prazo mínimo de pré-aviso para informar o passageiro do cancelamento de um serviço de transporte, à presença física do passageiro no porto ou a bordo do navio de transporte ou ainda à disponibilidade desse navio.

    54

    Além disso, nada nos trabalhos preparatórios que conduziram à adoção do Regulamento n.o 1177/2010 permite sustentar a argumentação da Irish Ferries segundo a qual o legislador da União quis circunscrever o âmbito de aplicação deste regulamento às condições adicionais referidas no número anterior.

    55

    No que respeita mais especificamente aos artigos 18.o e 19.o do Regulamento n.o 1177/2010, não resulta da respetiva redação que a sua aplicabilidade esteja circunscrita a uma das condições adicionais mencionadas no n.o 53 do presente acórdão.

    56

    A circunstância de os artigos 18.o e 19.o deste regulamento figurarem no seu capítulo III, intitulado «Obrigações dos transportadores e dos operadores de terminais em caso de interrupção da viagem», não pode sustentar uma leitura restritiva segundo a qual esses artigos só se aplicam no caso de uma parte da viagem já ter ocorrido antes da sua interrupção e de, portanto, os passageiros se encontrarem fisicamente presentes no porto ou a bordo do navio. Com efeito, além de essa limitação não encontrar nenhum reflexo nos considerandos 13 e 14 do referido regulamento, basta salientar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 63 das suas conclusões, que o conceito de viagem não está definido no Regulamento n.o 1177/2010, pelo que não pode servir de apoio para limitar o seu âmbito de aplicação.

    57

    Por último, cabe salientar que, ao passo que o artigo 2.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1177/2010 prevê que os artigos 18.o e 19.o deste não são aplicáveis ao passageiro que viaja num cruzeiro, o artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e b), deste regulamento não prevê uma derrogação comparável para o serviço de transporte de passageiros. Assim, apenas o artigo 20.o do referido regulamento, intitulado «Exceções», enuncia as situações em que os artigos 18.o e 19.o deste não se aplicam a tal serviço. Ora, como salientou o advogado‑geral no n.o 64 das suas conclusões, a interrupção da viagem não figura entre essas situações que excluem a aplicação destes artigos.

    58

    Atendendo ao exposto, há que responder à primeira questão que o Regulamento n.o 1177/2010 deve ser interpretado no sentido de que é aplicável aos casos em que o transportador cancela um serviço de transporte de passageiros respeitando um pré‑aviso de várias semanas antes da partida inicialmente programada, com o fundamento de que o navio que devia assegurar esse serviço sofreu um atraso na sua entrega e não pôde ser substituído.

    Quanto à terceira questão

    59

    Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 18.o do Regulamento n.o 1177/2010 deve ser interpretado no sentido de que, quando um serviço de transporte de passageiros é cancelado e não existe um serviço de transporte de substituição na mesma ligação, o transportador é obrigado a propor ao passageiro, com base no direito deste último ao reencaminhamento em condições equivalentes para o seu destino final previsto nesta disposição, um serviço de transporte de substituição que utilize um percurso diferente do percurso do serviço cancelado ou um serviço de transporte marítimo articulado com outros meios de transporte, como um transporte rodoviário ou ferroviário, e, na afirmativa, se o transportador é obrigado a assumir os eventuais custos adicionais suportados pelo passageiro no quadro desse reencaminhamento para o seu destino final.

    60

    Em primeiro lugar, cabe salientar que o conceito de destino final não está definido no artigo 18.o do Regulamento n.o 1177/2010 nem em nenhuma outra disposição deste regulamento. Todavia, resulta do artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do referido regulamento que o destino final é estipulado no contrato de transporte e, como salientou o advogado‑geral nos n.os 79 e 81 das suas conclusões, corresponde ao lugar acordado entre o transportador e o passageiro na celebração do contrato de transporte, para onde o passageiro deve ser transportado através do serviço de transporte, a saber, o porto de desembarque mencionado nesse contrato.

    61

    A este respeito, importa salientar que, como refere o artigo 3.o, alínea f), do Regulamento n.o 1177/2010, o serviço de transporte de passageiros consiste num serviço de transporte comercial de passageiros por via marítima ou por vias navegáveis interiores, explorado de acordo com um horário publicado. Por seu turno, o contrato de transporte é definido no artigo 3.o, alínea m), deste regulamento como um contrato de transporte celebrado entre um transportador e um passageiro tendo em vista a prestação de um ou mais serviços de transporte de passageiros ou de cruzeiros. Em conformidade com o artigo 3.o, alínea r), do referido regulamento, a celebração do contrato de transporte materializa‑se no facto de um passageiro proceder a uma reserva de uma partida específica de um serviço de passageiros assegurado pelo transportador, que emite um bilhete que, nos termos do artigo 3.o, alínea n), do mesmo regulamento, constitui uma prova da existência do contrato de transporte.

    62

    Decorre do número anterior que a celebração de um contrato de transporte, ato de natureza sinalagmática, confere ao passageiro, em contrapartida do preço que paga, o direito de ser transportado pelo transportador, cujos elementos essenciais estão fixados, a saber, nomeadamente, os lugares de partida e de chegada ao destino final, os dias e os horários desse serviço de transporte, bem como a sua duração.

    63

    Em segundo lugar, uma vez que o conceito de reencaminhamento não está definido no artigo 18.o do Regulamento n.o 1177/2010 nem em nenhuma outra disposição deste regulamento, importa salientar que, em conformidade com o seu sentido habitual na linguagem corrente, este conceito remete para o facto de transportar o passageiro para o seu destino final em circunstâncias diferentes das inicialmente previstas, sem, contudo, exigir que o percurso seguido e o modo de transporte sejam idênticos aos inicialmente previstos.

    64

    Daqui resulta que o conceito de «reencaminhamento para o destino final», na aceção do artigo 18.o do Regulamento n.o 1177/2010, implica que o passageiro seja transportado para o lugar contratualmente previsto, sem que o percurso seguido e o modo de transporte sejam necessariamente idênticos aos inicialmente acordados. Daqui decorre que, em princípio, o transportador dispõe de uma certa margem de manobra para oferecer um reencaminhamento para o destino final ao passageiro cujo serviço de transporte seja cancelado. Por conseguinte, o transportador pode oferecer um reencaminhamento através, primeiro, de um serviço de transporte de passageiros de substituição com a partida de um porto de embarque e/ou com destino a um porto de desembarque seguindo um percurso distinto do inicialmente previsto no contrato de transporte; ou, segundo, de tal serviço de transporte com correspondência; ou, terceiro, de um serviço de transporte marítimo de passageiros articulado com outros meios de transporte, como um transporte rodoviário ou ferroviário.

    65

    Em terceiro lugar, esta faculdade que é dada ao transportador é, porém, enquadrada nas condições impostas pelo artigo 18.o do Regulamento n.o 1177/2010, a saber, que o reencaminhamento deve ser efetuado em condições equivalentes, na primeira oportunidade e sem agravamento de custos.

    66

    No que respeita, antes de mais, à exigência de que o reencaminhamento seja efetuado «sem agravamento de custos», na aceção deste artigo 18.o, importa salientar que o legislador da União quis que o reencaminhamento não implicasse custos adicionais para o passageiro em comparação com os que teria necessariamente suportado no quadro do serviço de transporte cancelado para se deslocar, nomeadamente, ao porto de embarque inicialmente acordado. Assim, o transportador deve assumir as eventuais despesas adicionais, como despesas de combustível ou de portagens rodoviárias que o passageiro pagou para se deslocar ao porto de embarque de substituição ou para abandonar o porto de desembarque de substituição e se deslocar ao porto de desembarque inicialmente previsto ou ainda as despesas efetuadas pelo passageiro durante o transporte rodoviário ou ferroviário no quadro de uma ponte terrestre. Não obstante, embora o reencaminhamento não deva ser feito em detrimento do passageiro, também não o deve colocar numa situação mais vantajosa do que a prevista no contrato de transporte, pelo que incumbe ao passageiro demonstrar a existência de despesas adicionais que teve de suportar devido ao reencaminhamento.

    67

    Decorre do exposto que há que interpretar a exigência de reencaminhamento «sem agravamento de custos» no sentido de que o transportador deve assumir os eventuais custos adicionais suportados pelo passageiro no quadro do reencaminhamento para o seu destino final.

    68

    Em seguida, o artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1177/2010 prevê que o transportador deve oferecer um reencaminhamento efetuado em condições equivalentes. A este respeito, o considerando 13 deste regulamento refere que o transportador deve propor ao passageiro um reencaminhamento em condições satisfatórias.

    69

    Resulta de uma leitura de conjunto destas disposições que o legislador da União impôs ao transportador que propusesse ao passageiro um reencaminhamento não em condições idênticas mas em condições equivalentes e satisfatórias, o que, como salientou o advogado‑geral no n.o 88 das suas conclusões, implica comparar as condições da proposta de reencaminhamento às inicialmente acordadas no contrato de transporte. A este respeito, o exame da comparabilidade das condições de transporte deve incidir sobre os elementos essenciais do contrato de transporte, como os lugares de partida e de chegada ao destino final, os dias e os horários do serviço de transporte, bem como a sua duração, o número de correspondências eventuais, a classe do bilhete e o tipo de cabina reservado pelo passageiro, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Por outro lado, esse exame deve ser efetuado do ponto de vista do passageiro, uma vez que, em conformidade com o artigo 18.o do Regulamento n.o 1177/2010, lido à luz dos considerandos 12 e 13 deste regulamento, é de acordo com as informações que o transportador lhe transmite que o passageiro pode decidir ser reencaminhado ou ser reembolsado do preço do bilhete.

    70

    Por último, referindo‑se a um reencaminhamento «na primeira oportunidade», o artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1177/2010 exige que o transportador proponha ao passageiro um reencaminhamento que lhe permita chegar ao seu destino final na primeira oportunidade e, portanto, visa evitar que esse transportador se limite a propor um reencaminhamento através de um serviço de transporte marítimo mais tardio seguindo o mesmo percurso, mesmo quando existam outras modalidades de reencaminhamento que permitam ao passageiro chegar ao seu destino final na primeira oportunidade.

    71

    A interpretação preconizada no n.o 64 do presente acórdão do conceito de «reencaminhamento para o destino final», na aceção do artigo 18.o do Regulamento n.o 1177/2010, é corroborada pelos objetivos prosseguidos por este regulamento.

    72

    Com efeito, como foi salientado no n.o 51 do presente acórdão, este regulamento visa, como decorre dos seus considerandos 1, 2 e 13, garantir aos passageiros um elevado nível de proteção, reforçando os direitos que lhes assistem num certo número de situações que provocam sérios inconvenientes, obviando aos mesmos de forma uniforme e imediata.

    73

    Ora, adotar uma interpretação restritiva do conceito de reencaminhamento para o destino final, consistente em limitar este conceito à oferta de reencaminhamento seguindo o mesmo percurso que o do serviço de transporte cancelado, poria em causa este objetivo, uma vez que privaria de efeito útil o direito ao reencaminhamento do passageiro previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 1177/2010, quando não exista um serviço de transporte de substituição na ligação em causa.

    74

    Atendendo às considerações expostas, há que responder à terceira questão que o artigo 18.o do Regulamento n.o 1177/2010 deve ser interpretado no sentido de que, quando um serviço de transporte de passageiros é cancelado e não existe um serviço de transporte de substituição na mesma ligação, o transportador é obrigado a propor ao passageiro, com base no direito deste último ao reencaminhamento em condições equivalentes e na primeira oportunidade para o seu destino final previsto nesta disposição, um serviço de transporte de substituição que utilize um percurso diferente do percurso do serviço cancelado ou um serviço de transporte marítimo articulado com outros meios de transporte, como um transporte rodoviário ou ferroviário, e é obrigado a assumir os eventuais custos adicionais suportados pelo passageiro no quadro desse reencaminhamento para o seu destino final.

    Quanto à segunda e quarta questões e à quinta questão, alínea a)

    75

    Com a segunda e quarta questões e quinta questão, alínea a), que importa apreciar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 18.o e 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 devem ser interpretados no sentido de que, quando o transportador cancela um serviço de transporte de passageiros respeitando um pré‑aviso de várias semanas antes da partida inicialmente programada, o passageiro que, em conformidade com o artigo 18.o deste regulamento, decide ser reembolsado do preço do bilhete ou ser reencaminhado para o seu destino final, nos termos do contrato de transporte, na primeira oportunidade ou numa data posterior, também pode exigir uma indemnização ao abrigo do artigo 19.o do referido regulamento.

    76

    Em primeiro lugar, quanto à aplicabilidade do artigo 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 no caso de um passageiro cujo serviço de transporte tenha sido cancelado, verifica‑se que nada na redação desta disposição indica que a mesma não é aplicável a uma tal situação. Por outro lado, resulta do considerando 14 do Regulamento n.o 1177/2010 que o legislador da União quis impor aos transportadores o pagamento aos passageiros de uma indemnização não só em caso de atraso num serviço de transporte de passageiros mas também em caso de cancelamento desse serviço.

    77

    Daqui resulta que um passageiro cujo serviço de transporte seja cancelado pode, em princípio, exigir uma indemnização ao abrigo deste artigo.

    78

    Esta interpretação é corroborada pelo contexto em que se insere o artigo 19.o do Regulamento n.o 1177/2010. Com efeito, o artigo 20.o deste regulamento, que enumera os casos a que este artigo 19.o não se aplica, prevê, por um lado, no n.o 2, que o referido artigo 19.o não se aplica se o passageiro for informado do cancelamento antes da compra do bilhete ou se o cancelamento se dever a facto do passageiro e, por outro, no n.o 4, que o transportador se pode eximir do pagamento da indemnização prevista no mesmo artigo 19.o, quando demonstre que o cancelamento do serviço de transporte foi causado por condições meteorológicas que punham em perigo a segurança do navio ou por circunstâncias excecionais.

    79

    Do mesmo modo, a referida interpretação é conforme com o objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 1177/2010, a saber, como foi salientado no n.o 51 do presente acórdão, garantir aos passageiros um elevado nível de proteção.

    80

    Em segundo lugar, há que determinar as condições em que um passageiro pode exigir a indemnização prevista no artigo 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 na sequência do cancelamento de um serviço de transporte.

    81

    A este respeito, resulta, por um lado, do artigo 18.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1177/2010 que, quando um serviço de transporte é cancelado ou o transportador tem boas razões para prever esse cancelamento, os passageiros têm direito ao reencaminhamento ou ao reembolso do preço do bilhete pelo transportador.

    82

    Como enuncia o considerando 13 deste regulamento, a fim de limitar os inconvenientes causados aos passageiros em caso de cancelamento da viagem, estes últimos devem poder cancelar a viagem e obter o reembolso dos bilhetes ou ser reencaminhados em condições satisfatórias.

    83

    Decorre da leitura conjugada deste artigo 18.o e deste considerando 13 que o legislador da União considerou que o cancelamento de um serviço de transporte de passageiros pelo transportador não conduz à resolução unilateral do contrato de transporte mas sim à escolha do passageiro entre a manutenção da relação contratual sob a forma de um reencaminhamento e a cessação dessa relação contratual através do pedido de reembolso do preço do bilhete.

    84

    Assim, contrariamente ao que sustenta a Irish Ferries nas suas observações escritas, a opção do passageiro pelo reencaminhamento quando é informado do cancelamento do serviço de transporte não pode ser equiparada à celebração de um novo contrato de transporte, uma vez que esta opção não é mais do que a concretização de uma prerrogativa conferida ao passageiro pelo artigo 18.o do Regulamento n.o 1177/2010.

    85

    Por outro lado, o artigo 19.o, n.o 1, deste regulamento enuncia, em substância, que o passageiro pode exigir uma indemnização ao transportador sem perder o direito ao transporte quando sofre um atraso à chegada ao destino final.

    86

    Ao referir, neste artigo 19.o, n.o 1, que esse passageiro pode pedir ao transportador o pagamento de uma indemnização sem perder o seu direito ao transporte, o legislador da União quis fazer depender o pagamento da indemnização prevista nesta disposição à circunstância de o passageiro dispor de um direito ao transporte. Assim, quando o passageiro não dispõe ou já não dispõe do direito ao transporte, não pode exigir o pagamento de uma indemnização ao abrigo do artigo 19.o do Regulamento n.o 1177/2010.

    87

    Daqui resulta que há que distinguir entre a situação do passageiro que pediu o reembolso do seu bilhete e a situação do passageiro que pediu para ser reencaminhado para o seu destino final, nos termos do contrato de transporte, na primeira oportunidade ou numa data posterior.

    88

    Com efeito, tratando‑se do passageiro que, em aplicação do artigo 18.o do Regulamento n.o 1177/2010, pede o reembolso do preço do bilhete, cumpre salientar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 108 das suas conclusões, que, em tal situação, com esse pedido, o passageiro manifesta a sua vontade de se libertar da obrigação de pagar o preço e, portanto, perde o direito ao transporte para o destino final. Por conseguinte, esse passageiro não pode exigir o pagamento de uma indemnização ao abrigo do artigo 19.o deste regulamento.

    89

    Todavia, quando um passageiro não opta pelo reembolso, mas pelo reencaminhamento para o destino final na primeira oportunidade ou numa data posterior, cabe considerar que este reitera a sua vontade de ser transportado e, portanto, não renuncia ao direito ao transporte para o destino final pelo qual pagou. Por conseguinte, esse passageiro pode exigir o pagamento de uma indemnização ao abrigo do artigo 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 se os limiares previstos neste artigo forem excedidos. A este respeito, o passageiro, ao chegar ao destino final, nos termos do contrato de transporte, ou seja, como resulta do n.o 60 do presente acórdão, o porto de desembarque mencionado nesse contrato, com um atraso superior ao fixado no referido artigo, pode exigir uma indemnização ao abrigo do mesmo artigo, tendo em conta os sérios inconvenientes que se lhe deparam.

    90

    Atendendo ao exposto, há que responder à segunda e quarta questões e à quinta questão, alínea a), que os artigos 18.o e 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 devem ser interpretados no sentido de que, quando o transportador cancela um serviço de transporte de passageiros respeitando um pré‑aviso de várias semanas antes da partida inicialmente programada, o passageiro dispõe do direito de indemnização ao abrigo do artigo 19.o deste regulamento quando, em conformidade com o artigo 18.o do referido regulamento, decide ser reencaminhado na primeira oportunidade ou ainda adiar a sua viagem para uma data posterior e chega ao destino final inicialmente programado com um atraso superior aos limiares fixados no artigo 19.o do mesmo regulamento. Em contrapartida, quando o passageiro decide ser reembolsado do preço do bilhete, não dispõe do direito de indemnização ao abrigo deste artigo.

    Quanto à quinta questão, alínea b)

    91

    Com a quinta questão, alínea b), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «preço do bilhete» que figura neste artigo inclui os custos relativos às prestações extra opcionais escolhidas pelo passageiro, como a reserva de uma cabina ou de um canil ou ainda o acesso a espaços de receção de primeira categoria.

    92

    A título preliminar, importa salientar que, embora o artigo 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 preveja o método de cálculo da indemnização mínima a que um passageiro, que preencha as condições estabelecidas neste artigo, tem direito, e cujo montante equivale a uma determinada percentagem do preço do bilhete, nem esta disposição nem nenhuma outra disposição deste regulamento especifica o que se deve entender por «preço do bilhete».

    93

    Não obstante, resulta, por um lado, do artigo 3.o, alínea n), do referido regulamento, como recordado no n.o 61 do presente acórdão, que o bilhete é um documento que comprova a existência de um contrato de transporte celebrado entre um transportador e um passageiro tendo em vista a prestação de um ou vários serviços de transporte de passageiros.

    94

    Por outro lado, o artigo 19.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1177/2010 dispõe que a indemnização é calculada em função do preço efetivamente pago pelo passageiro pelo serviço de transporte de passageiros.

    95

    Resulta do sentido habitual na linguagem corrente dos termos «efetivamente pago» que o legislador da União se quis referir, como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.o 124 das suas conclusões, ao montante total pago pelo passageiro em contrapartida do serviço de transporte de passageiros que o transportador se comprometeu a executar e de acordo com as condições previstas no contrato. Por conseguinte, o conceito de preço do bilhete abrange todas as prestações que o transportador se comprometeu a fornecer ao passageiro em contrapartida do preço pago, ou seja, não só a prestação de transporte enquanto tal mas também todas as prestações que acrescem ao transporte, como a reserva de uma cabina ou de um canil ou ainda o acesso a espaços de receção de primeira categoria. Em contrapartida, este conceito não inclui os montantes correspondentes a prestações independentes do serviço de transporte de passageiros, que são claramente identificáveis, como os custos cobrados pela agência de viagens no momento da reserva.

    96

    Esta interpretação é corroborada pelo objetivo recordado no n.o 51 do presente acórdão de garantir aos passageiros um elevado nível de proteção. Com efeito, permite ao passageiro em causa identificar facilmente o montante da indemnização a que o mesmo tem direito em caso de cancelamento do serviço de transporte.

    97

    A referida interpretação é igualmente corroborada pelos trabalhos preparatórios do Regulamento n.o 1177/2010, dos quais resulta que, embora o Parlamento tenha proposto circunscrever o conceito de preço do bilhete às despesas incorridas com o transporte e o alojamento a bordo, com exceção das despesas associadas às refeições, às outras atividades e às compras efetuadas a bordo, o legislador da União recusou conscientemente dividir o conceito de preço do bilhete em diferentes componentes. Ao fazê‑lo, o legislador da União considerou que a indemnização devia ser calculada tendo em conta o preço pago pelo passageiro em contrapartida de um serviço de transporte que não foi executado em conformidade com o contrato de transporte.

    98

    Por último, esta mesma interpretação não pode ser posta em causa pelo argumento da Irish Ferries de que, para efeitos do cálculo da indemnização a que um passageiro tem direito, a tomada em consideração das prestações extra opcionais escolhidas por esse passageiro não é conforme com o princípio da proporcionalidade, visto que acarreta consequências consideráveis para os encargos financeiros dos transportadores que são excessivos em relação ao objetivo de proteção dos passageiros. Com efeito, resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que o objetivo de proteção dos consumidores, incluindo os passageiros do transporte marítimo, é suscetível de justificar consequências económicas negativas, mesmo consideráveis, para certos operadores económicos (v., por analogia, Acórdão de 23 de outubro de 2012, Nelson e o., C‑581/10 e C‑629/10, EU:C:2012:657, n.o 81).

    99

    Atendendo ao exposto, há que responder à quinta questão, alínea b), que o artigo 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «preço do bilhete» que figura neste artigo inclui os custos relativos às prestações extra opcionais escolhidas pelo passageiro, como a reserva de uma cabina ou de um canil ou ainda o acesso a espaços de receção de primeira categoria.

    Quanto à sexta questão

    100

    Há que observar que, embora, na redação da sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio se refira a um conjunto de circunstâncias, como a impossibilidade de o transportador encontrar um navio de substituição, a falta de um serviço de transporte de substituição semelhante na ligação em causa, devido à nova abertura dessa ligação, ou ainda o número considerável de passageiros afetados pelo cancelamento das travessias provocado pela entrega tardia do navio em causa e que foram reembolsados ou reencaminhados por outros navios noutras travessias ou por outros meios de transporte, resulta, todavia, da decisão de reenvio que todas essas circunstâncias têm origem num acontecimento comum relacionado com a entrega tardia do navio em causa, pelo que se deve entender que a sexta questão versa unicamente sobre a questão de saber se a entrega tardia de um navio é suscetível de se subsumir ao conceito de «circunstâncias excecionais», na aceção do artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1177/2010.

    101

    Daqui resulta que, com a sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1177/2010 deve ser interpretado no sentido de que a entrega tardia de um navio de transporte de passageiros que acarretou o cancelamento de todas as travessias que deviam ser efetuadas por esse navio no quadro de uma nova ligação marítima não se subsome ao conceito de «circunstâncias excecionais», na aceção desta disposição.

    102

    A este respeito, cabe recordar que, como resulta do n.o 90 do presente acórdão, o artigo 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 é aplicável quando, na sequência do cancelamento de um serviço de transporte, o passageiro decide, em conformidade com o artigo 18.o deste regulamento, ser reencaminhado na primeira oportunidade ou adiar a sua viagem para uma data posterior.

    103

    Todavia, o artigo 20.o, n.o 4, deste regulamento prevê que o artigo 19.o deste não se aplica se o transportador provar que o cancelamento ou o atraso foram causados por condições meteorológicas que punham em perigo a segurança do navio ou por circunstâncias excecionais que afetavam a prestação do serviço de transporte de passageiros e que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis.

    104

    Importa salientar que, embora o conceito de circunstâncias excecionais não esteja definido no artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1177/2010 nem no artigo 3.o deste regulamento, que define um certo número de conceitos para efeitos do mesmo, o preâmbulo do referido regulamento é suscetível de especificar o conteúdo deste conceito.

    105

    Com efeito, como resulta do considerando 17 do Regulamento n.o 1177/2010, o legislador da União determinou que essas circunstâncias deverão incluir, nomeadamente, um conjunto de acontecimentos, sem, todavia, mencionar a entrega tardia de um navio. Resulta desta determinação no preâmbulo deste regulamento que o legislador da União não pretendeu que esses acontecimentos, cuja lista é meramente indicativa, constituam, eles próprios, circunstâncias excecionais, mas apenas que esses acontecimentos sejam suscetíveis de produzir tais circunstâncias.

    106

    No considerando 19 do Regulamento n.o 1177/2010, o legislador da União referiu‑se à jurisprudência do Tribunal de Justiça na qual este declarou que podem ser abrangidos pelo conceito de circunstâncias extraordinárias os acontecimentos não inerentes ao exercício normal da atividade do transportador em causa e que estejam fora do seu controlo. Com esta remissão para a jurisprudência relativa a este conceito, desenvolvida no contexto do transporte aéreo de passageiros, o legislador da União quis seguir uma abordagem unificada do conceito de circunstâncias extraordinárias.

    107

    Ora, na senda de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça em matéria de direitos dos passageiros do transporte aéreo, há que considerar que o conceito de «circunstâncias excecionais», na aceção do artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1177/2010, designa os acontecimentos que, pela sua natureza ou a sua origem, não são inerentes ao exercício normal da atividade do transportador em causa e estão fora do seu controlo efetivo, sendo estas duas condições cumulativas e devendo o seu respeito ser objeto de apreciação casuística (v., por analogia, Acórdão de 23 de março de 2021, Airhelp, C‑28/20, EU:C:2021:226, n.o 23 e jurisprudência referida).

    108

    Além disso, tendo em conta o objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 1177/2010, que é, como foi recordado no n.o 51 do presente acórdão, garantir aos passageiros um elevado nível de proteção, e o facto de o artigo 20.o, n.o 4, deste regulamento derrogar o princípio do direito a indemnização dos passageiros em caso de cancelamento ou de atraso, o conceito de «circunstâncias excecionais», na aceção desta última disposição, deve ser objeto de interpretação estrita.

    109

    É neste contexto que importa apreciar se a entrega tardia de um navio, como a que está em causa no processo principal, pode ser qualificada de «circunstâncias excecionais», na aceção do artigo 20.o, n.o 4, do referido regulamento, lido à luz do considerando 19 do mesmo regulamento.

    110

    No caso em apreço, ainda que a construção de um navio não se enquadre, em princípio, na atividade de um transportador marítimo de passageiros, mas sim na de um estaleiro naval, não deixa de ser verdade que a encomenda e a receção de um navio de transporte de passageiros constituem acontecimentos certamente raros, mas indubitavelmente inerentes ao exercício normal da atividade de um transportador marítimo de passageiros. Com efeito, no âmbito da sua atividade de transporte, este último faz, entre as medidas de gestão ordinária relativas à organização e à manutenção da sua frota, encomendas de navios.

    111

    Esta interpretação é corroborada pela circunstância de o contrato de empreitada e de entrega de um navio poder incluir um mecanismo de indemnização que cubra o risco de atraso na entrega, como no caso em apreço, como a Irish Ferries confirmou na audiência. A instituição de um tal mecanismo confirma que esse atraso constitui um risco habitual ao qual um transportador está exposto no âmbito do exercício da sua atividade de transporte de passageiros.

    112

    Assim, o atraso na entrega de um navio deve ser considerado um acontecimento inerente ao exercício normal da atividade de um transportador marítimo de passageiros. Por conseguinte, dado que uma das duas condições cumulativas mencionadas no n.o 107 do presente acórdão não está preenchida, cumpre considerar que esse atraso não pode ser qualificado de «circunstâncias excecionais», na aceção do artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1177/2010, sem que seja necessário examinar se esse acontecimento está fora do controlo efetivo do transportador.

    113

    Atendendo ao exposto, há que responder à sexta questão que o artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1177/2010 deve ser interpretado no sentido de que a entrega tardia de um navio de transporte de passageiros que acarretou o cancelamento de todas as travessias que deviam ser efetuadas por esse navio no quadro de uma nova ligação marítima não se subsome ao conceito de «circunstâncias excecionais», na aceção desta disposição.

    Quanto à sétima questão

    114

    Com a sétima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 24.o do Regulamento n.o 1177/2010 deve ser interpretado no sentido de que impõe ao passageiro que pede a atribuição de uma indemnização ao abrigo do artigo 19.o deste regulamento que apresente o seu pedido sob a forma de uma reclamação junto do transportador no prazo de dois meses a contar da data da prestação do serviço de transporte ou da data em que este deveria ter sido prestado.

    115

    A este respeito, o artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1177/2010 obriga o transportador a dispor de um mecanismo acessível para tratamento das reclamações relativas aos direitos e obrigações estabelecidos por este regulamento, ao passo que este artigo 24.o, n.o 2, estabelece um procedimento sumário de tratamento das reclamações que contém alguns prazos. Assim, o passageiro que pretenda apresentar uma reclamação junto do transportador deve fazê‑lo no prazo de dois meses a contar da data da prestação do serviço de transporte ou da data em que o mesmo deveria ter sido prestado, ao passo que o transportador dispõe do prazo de um mês para informar esse passageiro do acolhimento, da rejeição ou da continuação da análise da sua reclamação e, em todo o caso, deve comunicar ao referido passageiro a sua resposta definitiva no prazo de dois meses a contar da data de receção da reclamação.

    116

    Resulta da referência aos «direitos e obrigações estabelecidos pelo presente regulamento» que a reclamação pode visar os direitos e as obrigações previstos tanto no capítulo II do referido regulamento, intitulado «Direitos das pessoas com deficiência e das pessoas com mobilidade reduzida», como no capítulo III deste, intitulado «Obrigações dos transportadores e dos operadores de terminais em caso de interrupção da viagem», no qual figura o artigo 19.o do mesmo regulamento, relativo à indemnização do passageiro em caso de atraso à chegada.

    117

    Todavia, o pedido de um passageiro de atribuição da indemnização prevista no artigo 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 não pode ser equiparado a uma reclamação, na aceção do artigo 24.o deste regulamento, nem, por conseguinte, estar sujeito ao respeito pelos prazos previstos nesta última disposição.

    118

    Com efeito, enquanto a reclamação, na aceção do artigo 24.o do Regulamento n.o 1177/2010, consiste na sinalização de uma alegada violação pelo transportador de uma das suas obrigações decorrentes deste regulamento e que esse transportador dispõe de uma certa margem de apreciação quanto ao seguimento a dar a essa sinalização, como salientou o advogado‑geral no n.o 164 das suas conclusões, o artigo 19.o, n.o 1, do referido regulamento confere um crédito pecuniário ao passageiro cujo pagamento pode pedir ao transportador pelo simples facto de as condições estabelecidas neste artigo estarem preenchidas, sem que este último disponha a este respeito do mesmo poder de apreciação.

    119

    Por outro lado, o artigo 19.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1177/2010 impõe ao transportador a obrigação de proceder ao pagamento da indemnização pedida no prazo de um mês a contar da apresentação do pedido. Esta disposição, ao prever um prazo mais curto do que o prazo de dois meses de que, em conformidade com o artigo 24.o, n.o 2, deste regulamento, o transportador dispõe para informar o passageiro da sua decisão definitiva sobre o seguimento a dar à reclamação, confirma que o pedido de pagamento da indemnização prevista no artigo 19.o do referido regulamento não pode ser equiparado a uma reclamação, na aceção do artigo 24.o do mesmo regulamento.

    120

    O objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 1177/2010, recordado no n.o 51 do presente acórdão, que consiste em garantir aos passageiros um elevado nível de proteção, confirma esta interpretação. Esse nível de proteção não pode ser conciliado com a imposição de um prazo tão curto de dois meses para apresentar um pedido de indemnização.

    121

    Daqui decorre que o legislador da União não pretendeu sujeitar o direito de indemnização previsto no artigo 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 ao respeito pelo prazo de dois meses previsto no artigo 24.o deste regulamento para a apresentação de uma reclamação.

    122

    Atendendo ao exposto, há que responder à sétima questão que o artigo 24.o do Regulamento n.o 1177/2010 deve ser interpretado no sentido de que não impõe ao passageiro que pede a atribuição de uma indemnização ao abrigo do artigo 19.o deste regulamento que apresente o seu pedido sob a forma de uma reclamação junto do transportador no prazo de dois meses a contar da data da prestação do serviço de transporte ou da data em que este deveria ter sido prestado.

    Quanto à oitava questão

    123

    Com a oitava questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 25.o do Regulamento n.o 1177/2010 deve ser interpretado no sentido de que é da competência do organismo nacional de aplicação deste regulamento designado por um Estado‑Membro não só o serviço de transporte de passageiros prestado a partir de um porto situado no território desse Estado‑Membro mas também um serviço de transporte de passageiros prestado a partir de um porto situado no território de outro Estado‑Membro com destino a um porto situado no território do primeiro Estado‑Membro, quando este último serviço de transporte se inscreve no quadro de um trajeto de ida e volta que foi cancelado na íntegra.

    124

    A este respeito, o artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1177/2010 prevê que cada Estado‑Membro deve designar um ou vários organismos encarregados da aplicação deste regulamento no que respeita aos serviços de passageiros e aos cruzeiros provenientes de portos situados no seu território e aos serviços de passageiros provenientes de países terceiros com destino a esses portos.

    125

    Daqui decorre que, embora esta disposição permita supor, como salientou o advogado‑geral no n.o 169 das suas conclusões, que o organismo nacional competente para um serviço de transporte de passageiros assegurado entre Estados‑Membros é, em princípio, o do Estado‑Membro em cujo território está situado o porto de embarque, o legislador da União considerou, no entanto, que o nexo existente entre o Estado‑Membro onde se situa o porto de desembarque e os serviços de transporte de passageiros provenientes de um país terceiro era suficiente para conferir ao organismo nacional deste último Estado‑Membro a competência para exercer a sua missão de assegurar a aplicação do Regulamento n.o 1177/2010.

    126

    Por conseguinte, como salientou o advogado‑geral no n.o 199 das suas conclusões, o legislador da União pretendeu assim atribuir a competência de vigilância de caráter geral ao organismo nacional segundo um critério de proximidade entre o território do Estado‑Membro em cujo território está situado o porto de embarque ou de desembarque e o serviço de transporte de passageiros em causa.

    127

    Daqui resulta que, no caso de um serviço de transporte de passageiros cancelado, o organismo nacional competente é, em princípio, o do Estado‑Membro em cujo território se encontra o porto de embarque.

    128

    Em contrapartida, no caso de um trajeto de ida e volta que inclua um serviço de transporte de passageiros no sentido da ida e um serviço de transporte de passageiros no sentido da volta, que foi anulado na íntegra, o nexo entre o serviço de transporte de passageiros no sentido do regresso e o território do Estado‑Membro em cujo território se situa o porto de embarque desse serviço não é mais estreito do que o que existe entre o território do Estado‑Membro em cujo território se situa o porto de desembarque e o referido serviço. Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 200 das suas conclusões, este último porto constitui igualmente, em princípio, o porto de embarque no sentido da ida e encontra‑se mais bem colocado para assegurar a correta aplicação do Regulamento n.o 1177/2010 aos serviços de transporte de passageiros cancelados.

    129

    Como foi salientado no n.o 51 do presente acórdão, esta interpretação é corroborada pelo objetivo de garantir aos passageiros um elevado nível de proteção, já que permite evitar ao passageiro multiplicar procedimentos junto de organismos nacionais distintos, quando o facto gerador na origem do cancelamento dos serviços de transporte de passageiros, no sentido da ida e no sentido do regresso, é o mesmo.

    130

    Atendendo ao exposto, há que responder à oitava questão que o artigo 25.o do Regulamento n.o 1177/2010 deve ser interpretado no sentido de que é da competência do organismo nacional de aplicação deste regulamento designado por um Estado‑Membro não só o serviço de transporte de passageiros prestado a partir de um porto situado no território desse Estado‑Membro mas também um serviço de transporte de passageiros prestado a partir de um porto situado no território de outro Estado‑Membro com destino a um porto situado no território do primeiro Estado‑Membro, quando este último serviço de transporte se inscreve no quadro de um trajeto de ida e volta que foi cancelado na íntegra.

    Quanto à nona questão

    131

    Com a nona questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, no âmbito da sua apreciação da validade da decisão tomada por um organismo nacional de aplicação do Regulamento n.o 1177/2010, o juiz nacional deve aplicar os artigos 16.o, 17.o, 20.o e 47.o da Carta, bem como os princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da igualdade de tratamento, e se a sua fiscalização se deve limitar à fiscalização do erro manifesto.

    132

    A este respeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, a necessidade de se chegar a uma interpretação do direito da União que seja útil ao juiz nacional exige que este respeite escrupulosamente as exigências de conteúdo de um pedido de decisão prejudicial e que figurem expressamente no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça (Acórdão de 19 de abril de 2018, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi, C‑152/17, EU:C:2018:264, n.o 21 e jurisprudência referida).

    133

    Assim, como enuncia o artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo, é nomeadamente indispensável que a decisão de reenvio contenha a exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação ou a validade de certas disposições do direito da União, bem como o nexo que esse órgão estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 19 de abril de 2018, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi, C‑152/17, EU:C:2018:264, n.o 22 e jurisprudência referida).

    134

    Importa igualmente sublinhar que as informações contidas nas decisões de reenvio servem não só para permitir ao Tribunal de Justiça dar respostas úteis mas também para dar aos governos dos Estados‑Membros, bem como aos outros interessados, a possibilidade de apresentarem observações nos termos do artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Incumbe ao Tribunal de Justiça garantir que essa possibilidade seja salvaguardada, tendo em conta o facto de, por força desta disposição, apenas as decisões de reenvio serem notificadas aos interessados (Acórdão de 13 de julho de 2017, Szoja, C‑89/16, EU:C:2017:538, n.o 49).

    135

    No caso em apreço, cabe observar que nenhuma das duas partes da nona questão, relativas, a primeira, às disposições e aos princípios do direito da União que o juiz nacional deve aplicar e, a segunda, ao alcance da fiscalização jurisdicional que este deve efetuar, obedece manifestamente a essas exigências.

    136

    Com efeito, quanto à primeira parte, o órgão jurisdicional de reenvio não expõe as razões específicas que o levaram a submeter esta questão tendo em conta as outras questões submetidas, pelo que o Tribunal de Justiça não está em condições de dar uma resposta útil a esta parte.

    137

    Do mesmo modo, quanto à segunda parte, por não explicar em que consiste o critério do caráter razoável que pretende aplicar no âmbito da sua apreciação da validade da decisão do organismo nacional de aplicação do Regulamento n.o 1177/2010, o órgão jurisdicional de reenvio coloca o Tribunal de Justiça na impossibilidade de lhe fornecer uma resposta útil.

    138

    Atendendo ao exposto, o Tribunal de Justiça não está em condições de dar uma resposta útil à nona questão. Por conseguinte, há que considerar que esta questão é inadmissível.

    Quanto à décima questão

    139

    Com a décima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 18.o e 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 são inválidos por não serem conformes com os princípios da igualdade de tratamento, da proporcionalidade e da segurança jurídica nem com os artigos 16.o, 17.o e 20.o da Carta.

    140

    Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 18.o e 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 são inválidos em face do princípio da igualdade de tratamento e do artigo 20.o da Carta.

    141

    Em termos gerais, a Irish Ferries alega que este regulamento viola o princípio da igualdade de tratamento e o artigo 20.o da Carta ao impor um conjunto de obrigações aos transportadores marítimos a que as transportadoras aéreas e os transportadores ferroviários de passageiros não estão sujeitos, quando todos esses transportadores se encontram numa situação comparável. A este respeito, a Irish Ferries sublinha mais concretamente que, enquanto, em aplicação do artigo 5.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 261/2004, a transportadora aérea pode escapar ao pagamento da indemnização quando informa o passageiro do cancelamento do voo pelo menos duas semanas antes da hora programada de partida, tal faculdade não resulta do Regulamento n.o 1177/2010 para o transportador marítimo.

    142

    Segundo jurisprudência constante, o princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA, C‑344/04, EU:C:2006:10, n.o 95, e de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o., C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.o 48).

    143

    Desde logo, decorre de jurisprudência constante que a situação das empresas que intervêm nos setores de atividade dos diferentes meios de transporte não é comparável, uma vez que, tendo em conta as respetivas modalidades de funcionamento, as condições de acessibilidade e a repartição das redes, os diferentes meios de transporte não são, quanto às respetivas condições de utilização, intermutáveis. Nestas circunstâncias, o legislador da União pôde instituir regras que preveem um nível de proteção do consumidor que diverge consoante o setor em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA, C‑344/04, EU:C:2006:10, n.o 96, e de 26 de setembro de 2013, ÖBB‑Personenverkehr, C‑509/11, EU:C:2013:613, n.o 47 e jurisprudência referida).

    144

    Em seguida, importa observar que, em matéria de transporte marítimo, os passageiros vítimas de cancelamento ou de um atraso considerável se encontram numa situação diferente da dos passageiros dos outros meios de transporte. Com efeito, devido à localização dos portos e ao número restrito de ligações asseguradas cuja frequência também pode variar com as estações, os inconvenientes sofridos pelos passageiros no momento da ocorrência desses incidentes não são comparáveis.

    145

    Por último, se é certo que o considerando 1 do Regulamento n.o 1177/2010 visa garantir aos passageiros marítimos um nível de proteção comparável ao dos passageiros dos outros meios de transporte, o legislador da União não quis, contrariamente ao que sustenta a Irish Ferries, considerar que os diferentes meios de transporte eram eles próprios comparáveis nem mesmo garantir um nível de proteção idêntico para cada um dos meios de transporte.

    146

    Por conseguinte, as causas de isenção de responsabilidade previstas na regulamentação da União aplicável aos meios de transporte de passageiros diferentes do transporte marítimo, como a prevista no artigo 5.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 261/2004 para o transporte aéreo de passageiros, não podem ser tidas em conta no âmbito do exame da comparabilidade das situações.

    147

    Daqui resulta que os artigos 18.o e 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 não violam o princípio da igualdade de tratamento nem o artigo 20.o da Carta.

    148

    Em segundo lugar, como resulta da decisão de reenvio, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 18.o e 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 são conformes com o princípio da proporcionalidade.

    149

    A este respeito, a Irish Ferries alega, em substância, que as obrigações que incumbem aos transportadores marítimos de passageiros por força dos artigos 18.o e 19.o do Regulamento n.o 1177/2010, em caso de cancelamento de um serviço de transporte, fazem recair sobre estes transportadores encargos financeiros consideráveis que são totalmente desproporcionais ao objetivo prosseguido por este regulamento. Mais concretamente, é desproporcionado, por um lado, impor ao transportador o pagamento de uma indemnização em aplicação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1177/2010, quando esse transportador informou o passageiro do cancelamento de um serviço de transporte respeitando um pré‑aviso de várias semanas. Por outro lado, seria igualmente desproporcionado permitir a um passageiro cujo serviço de transporte foi cancelado cumular um reencaminhamento para o destino final nos termos do artigo 18.o deste regulamento com uma indemnização nos termos do artigo 19.o do referido regulamento.

    150

    A título preliminar, importa recordar que o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que os meios implementados por uma disposição do direito da União sejam aptos a realizar o objetivo visado e não vão além do que é necessário para o alcançar (Acórdão de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA, C‑344/04, EU:C:2006:10, n.o 79).

    151

    Quanto à fiscalização jurisdicional das condições mencionadas no número anterior, o Tribunal de Justiça reconheceu ao legislador da União um amplo poder de apreciação em domínios que implicam da sua parte opções de natureza política, económica e social, e em que é chamado a efetuar apreciações complexas. Por conseguinte, só o caráter manifestamente inadequado de uma medida adotada nesses domínios, em relação ao objetivo que a instituição competente pretende prosseguir, pode afetar a legalidade de tal medida. É o que sucede, particularmente, em matéria de política comum de transportes (v., neste sentido, Acórdão de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA, C‑344/04, EU:C:2006:10, n.o 80).

    152

    Como foi recordado no n.o 51 do presente acórdão, o objetivo prosseguido pelo legislador da União é, em conformidade com os considerandos 1, 2, 13 e 14 do Regulamento n.o 1177/2010, garantir um elevado nível de proteção aos passageiros vítimas de sérios inconvenientes causados pelo cancelamento ou atraso considerável que afetem o serviço de transporte. Para o efeito, o legislador da União previu, nos artigos 18.o e 19.o deste regulamento, que se obvie, de forma uniforme e imediata, a alguns dos inconvenientes causados aos passageiros colocados nessas situações.

    153

    Cabe ao Tribunal de Justiça apreciar se as medidas adotadas pelo legislador da União são manifestamente inadequadas tendo em conta o objetivo do Regulamento n.o 1177/2010, que consiste no reforço da proteção dos passageiros, e cuja legitimidade não é, em si mesma, contestada.

    154

    A este respeito, importa desde já salientar que as medidas previstas nos artigos 18.o e 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 são, por si mesmas, suscetíveis de obviar imediatamente a alguns dos inconvenientes sofridos pelos passageiros em caso de cancelamento de um serviço de transporte e permitem assim garantir aos passageiros um elevado nível de proteção, pretendido por este regulamento.

    155

    Com efeito, as medidas previstas no artigo 18.o do referido regulamento visam conferir ao passageiro a escolha entre chegar ao destino final em condições equivalentes, nos termos do contrato de transporte no âmbito de um reencaminhamento, na primeira oportunidade e sem agravamento de custos, e renunciar ao seu transporte, pedindo o reembolso do preço do bilhete, combinado, se for caso disso, com uma viagem gratuita de regresso ao ponto de partida inicial estabelecido no contrato de transporte, na primeira oportunidade.

    156

    Quanto à indemnização prevista no artigo 19.o do Regulamento n.o 1177/2010, cabe salientar que esta varia em termos de princípio e de montante em função do atraso à chegada ao destino final estabelecido no contrato de transporte, tendo em conta a duração do serviço de transporte. Quando um passageiro, na sequência do cancelamento do serviço de transporte, opta pelo reencaminhamento para o seu destino final, o qual, tendo em conta as especificidades do setor do transporte marítimo, o pode levar a sofrer um atraso considerável no destino final devido à espera do serviço de transporte de substituição ou à necessidade de embarcar ou desembarcar em portos diferentes dos inicialmente previstos, esses critérios adotados para determinar o direito dos passageiros a beneficiar dessa indemnização não se afiguram, portanto, alheios à exigência de proporcionalidade.

    157

    Por outro lado, o facto de o cálculo da indemnização prevista no artigo 19.o deste regulamento assentar no preço do bilhete efetivamente pago pelo passageiro implica, em si mesmo, que o legislador da União tenha adotado uma abordagem proporcionada destinada à reparação das consequências prejudiciais provocadas pelo atraso ou pelo cancelamento a que o referido regulamento pretende obviar.

    158

    Embora a Irish Ferries sustente que as medidas de indemnização previstas no artigo 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 podem implicar consequências significativas para os encargos financeiros dos transportadores e são desadequadas, cabe observar que, no domínio do transporte aéreo de passageiros, o Tribunal de Justiça já declarou que tais consequências não podem ser consideradas excessivas relativamente ao objetivo de proteção elevada dos passageiros. Com efeito, a importância de que se reveste o objetivo de proteção dos consumidores, incluindo os passageiros marítimos, é suscetível de justificar consequências económicas negativas, mesmo consideráveis, para certos operadores económicos (v., por analogia, Acórdão de 31 de janeiro de 2013, McDonagh, C‑12/11, EU:C:2013:43, n.os 47 e 48).

    159

    Importa ainda salientar que as obrigações cumpridas nos termos do Regulamento n.o 1177/2010 não prejudicam o direito de os transportadores marítimos pedirem uma indemnização a qualquer pessoa, incluindo terceiros, em conformidade com o direito nacional, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Tal indemnização é, pois, suscetível de atenuar, se não mesmo de eliminar, o encargo financeiro suportado pelos referidos transportadores em consequência daquelas obrigações. Além disso, não se afigura desrazoável que, sob reserva do direito a indemnização acima referido, estas sejam suportadas pelos transportadores marítimos a que os passageiros em causa estão vinculados por um contrato de transporte que lhes dá direito a um serviço de transporte que não deveria ser cancelado nem estar atrasado.

    160

    Por último, quanto à indemnização prevista no artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1177/2010, cumpre salientar que, em conformidade com o artigo 20.o, n.o 4, deste regulamento, as transportadoras marítimas podem ficar isentas do pagamento dessa indemnização se provarem que o cancelamento ou o atraso foram causados por circunstâncias excecionais que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis. Tendo em conta a existência dessa causa de isenção e as condições restritivas do cumprimento desta obrigação de indemnização a que estão sujeitos os transportadores marítimos, a referida obrigação não se afigura manifestamente desadequada tendo em conta o objetivo pretendido.

    161

    Resulta das considerações anteriores que os artigos 18.o e 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 não são inválidos por violação do princípio da proporcionalidade.

    162

    Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 18.o e 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 são conformes com o princípio da segurança jurídica.

    163

    A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a argumentação que lhe foi apresentada pela Irish Ferries, segundo a qual, por um lado, os artigos 18.o e 19.o deste regulamento violam o princípio da segurança jurídica ao impor obrigações onerosas aos transportadores na falta de uma base jurídica clara e, por outro, o artigo 19.o, n.o 1, do referido regulamento viola mais particularmente este princípio ao impor aos transportadores o pagamento de uma indemnização igual a uma dada percentagem do preço do bilhete sem definir este último conceito.

    164

    Antes de mais, importa recordar que o princípio da segurança jurídica constitui um princípio fundamental do direito da União que exige, nomeadamente, que uma regulamentação seja clara e precisa, a fim de os particulares poderem conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade (Acórdão de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA, C‑344/04, EU:C:2006:10, n.o 68 e jurisprudência referida).

    165

    No caso em apreço, quanto, primeiro, à alegação geral da Irish Ferries de que o Regulamento n.o 1177/2010 viola o princípio da segurança jurídica ao impor obrigações demasiado onerosas aos transportadores na falta de uma base jurídica clara neste regulamento, importa, como salientou o advogado‑geral no n.o 223 das suas conclusões, rejeitá‑la em conformidade com a jurisprudência referida nos n.os 132 a 134 do presente acórdão, dado que, devido ao seu caráter vago e geral, não permite que o Tribunal de Justiça lhe dê uma resposta útil.

    166

    Segundo, quanto à alegação sobre a imprecisão do conceito de «preço do bilhete», que figura no artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1177/2010, é verdade que o conceito de preço do bilhete em que assenta o cálculo da indemnização prevista no artigo 19.o deste regulamento não está definido no n.o 1 deste artigo nem no artigo 3.o do referido regulamento.

    167

    Todavia, importa salientar que este conceito de caráter geral é aplicável a um número indefinido de situações impossíveis de antecipar e não a bilhetes concretos cujos componentes possam ser detalhados antecipadamente num ato normativo de direito da União. Cabe igualmente salientar que, no artigo 19.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1177/2010, o legislador da União quis especificar que a indemnização devida pelo transportador é calculada «em função do preço efetivamente pago pelo passageiro pelo serviço de transporte de passageiros», pelo que se deve entender que o referido conceito não pode ser considerado insuficientemente preciso. A este respeito, o facto de este ter sido objeto de interpretação pelo Tribunal de Justiça, conforme exposta nos n.os 95 a 98 do presente acórdão, não basta para demonstrar a existência de uma violação do princípio da segurança jurídica, uma vez que, como salientou o advogado‑geral no n.o 224 das suas conclusões, isso levaria a afastar qualquer método de interpretação diferente da interpretação literal de uma disposição de alcance geral.

    168

    Por conseguinte, cumpre considerar que o artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1177/2010 não viola o princípio geral da segurança jurídica ao referir‑se ao conceito de preço do bilhete, sem o definir.

    169

    Em quarto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 18.o e 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 são conformes com os artigos 16.o e 17.o da Carta, que, respetivamente, garantem a liberdade de empresa e o direito de propriedade dos transportadores marítimos.

    170

    A este respeito, importa salientar, antes de mais, que a liberdade de empresa e o direito de propriedade não constituem prerrogativas absolutas, devendo antes ser tidos em consideração atendendo à sua função na sociedade (Acórdão de 31 de janeiro de 2013, McDonagh, C‑12/11, EU:C:2013:43, n.o 60).

    171

    Em seguida, o artigo 52.o, n.o 1, da Carta admite a introdução de restrições ao exercício de direitos como os consagrados nesta, desde que essas restrições sejam previstas por lei, respeitem o conteúdo essencial desses direitos e liberdades e, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

    172

    Por último, quando se confrontam vários direitos protegidos pela ordem jurídica da União, essa apreciação deve efetuar‑se respeitando a conciliação necessária entre as exigências de proteção desses diferentes direitos e um justo equilíbrio entre eles (Acórdão de 31 de janeiro de 2013, McDonagh, C‑12/11, EU:C:2013:43, n.o 62).

    173

    No caso em apreço, embora o órgão jurisdicional de reenvio remeta para os artigos 16.o e 17.o da Carta, importa igualmente ter em conta o seu artigo 38.o, que, à semelhança do artigo 169.o TFUE, visa, nas políticas da União, assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores, incluindo os passageiros marítimos. Com efeito, como foi recordado no n.o 51 do presente acórdão, a proteção desses passageiros figura entre os principais objetivos do Regulamento n.o 1177/2010.

    174

    Ora, resulta dos n.os 150 a 161 do presente acórdão, relativos ao princípio da proporcionalidade, que os artigos 18.o e 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 devem ser considerados conformes com a exigência de conciliação entre os diferentes direitos fundamentais em presença e de estabelecimento de um justo equilíbrio entre eles.

    175

    Daqui decorre que as referidas disposições não violam os artigos 16.o e 17.o da Carta.

    176

    Atendendo ao exposto, há que concluir que o exame da décima questão não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade dos artigos 18.o e 19.o do Regulamento n.o 1177/2010.

    Quanto às despesas

    177

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

     

    1)

    O Regulamento (UE) n.o 1177/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, relativo aos direitos dos passageiros do transporte marítimo e por vias navegáveis interiores e que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004, deve ser interpretado no sentido de que é aplicável aos casos em que o transportador cancela um serviço de transporte de passageiros respeitando um pré‑aviso de várias semanas antes da partida inicialmente programada, com o fundamento de que o navio que devia assegurar esse serviço sofreu um atraso na sua entrega e não pôde ser substituído.

     

    2)

    O artigo 18.o do Regulamento n.o 1177/2010 deve ser interpretado no sentido de que, quando um serviço de transporte de passageiros é cancelado e não existe um serviço de transporte de substituição na mesma ligação, o transportador é obrigado a propor ao passageiro, com base no direito deste último ao reencaminhamento em condições equivalentes e na primeira oportunidade para o seu destino final previsto nesta disposição, um serviço de transporte de substituição que utilize um percurso diferente do percurso do serviço cancelado ou um serviço de transporte marítimo articulado com outros meios de transporte, como um transporte rodoviário ou ferroviário, e é obrigado a assumir os eventuais custos adicionais suportados pelo passageiro no quadro desse reencaminhamento para o seu destino final.

     

    3)

    Os artigos 18.o e 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 devem ser interpretados no sentido de que, quando o transportador cancela um serviço de transporte de passageiros respeitando um pré‑aviso de várias semanas antes da partida inicialmente programada, o passageiro dispõe do direito de indemnização ao abrigo do artigo 19.o deste regulamento quando, em conformidade com o artigo 18.o do referido regulamento, decide ser reencaminhado na primeira oportunidade ou ainda adiar a sua viagem para uma data posterior e chega ao destino final inicialmente programado com um atraso superior aos limiares fixados no artigo 19.o do mesmo regulamento. Em contrapartida, quando o passageiro decide ser reembolsado do preço do bilhete, não dispõe do direito de indemnização ao abrigo deste artigo.

     

    4)

    O artigo 19.o do Regulamento n.o 1177/2010 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «preço do bilhete» que figura neste artigo inclui os custos relativos às prestações extra opcionais escolhidas pelo passageiro, como a reserva de uma cabina ou de um canil ou ainda o acesso a espaços de receção de primeira categoria.

     

    5)

    O artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1177/2010 deve ser interpretado no sentido de que a entrega tardia de um navio de transporte de passageiros que acarretou o cancelamento de todas as travessias que deviam ser efetuadas por esse navio no quadro de uma nova ligação marítima não se subsome ao conceito de «circunstâncias excecionais», na aceção desta disposição.

     

    6)

    O artigo 24.o do Regulamento n.o 1177/2010 deve ser interpretado no sentido de que não impõe ao passageiro que pede a atribuição de uma indemnização ao abrigo do artigo 19.o deste regulamento que apresente o seu pedido sob a forma de uma reclamação junto do transportador no prazo de dois meses a contar da data da prestação do serviço de transporte ou da data em que este deveria ter sido prestado.

     

    7)

    O artigo 25.o do Regulamento n.o 1177/2010 deve ser interpretado no sentido de que é da competência do organismo nacional de aplicação deste regulamento designado por um Estado‑Membro não só o serviço de transporte de passageiros prestado a partir de um porto situado no território desse Estado‑Membro mas também um serviço de transporte de passageiros prestado a partir de um porto situado no território de outro Estado‑Membro com destino a um porto situado no território do primeiro Estado‑Membro, quando este último serviço de transporte se inscreve no quadro de um trajeto de ida e volta que foi cancelado na íntegra.

     

    8)

    O exame da décima questão não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade dos artigos 18.o e 19.o do Regulamento n.o 1177/2010.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

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